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Responsabilidade civil do Estado em face da inefetividade do direito à educação

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Agenda 07/01/2016 às 13:08

4. O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

4.1 A EDUCAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL.

A Constituição Federal de 1988 insere de forma inequívoca a educação no rol de direitos fundamentais. Nesse sentido o art. 6º da constituição cidadã[2] elenca sua previsão, e os arts. 205 a 214 detalham ainda mais o tema, que ganha importante relevo para o legislador constituinte.

Nesse sentido, verifica-se que o art. 205 aduz que a educação é direito de todos e dever do Estado e da Família, in litteris:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Dessa feita, trata-se de norma constitucional que requer efetivação por parte do Estado através de uma atuação atuante. Logo, é dever do Estado incentivar o pleno desenvolvimento das potencialidades de seus indivíduos, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, pois é inegável que a educação é instrumento fundamental para que o homem possa se realizar como pessoa.

Os princípios constitucionais da educação recebem especial tratamento no art. 206 da carta magna, in litteris:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos,  a forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; 

 VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade.

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. 

 Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 

Percebe-se nitidamente que o regramento constitucional acerca da educação como direito fundamental tem base de natureza eminentemente principiológica, pois regido por princípios informativos que norteiam a sua aplicação.

Dentre o arcabouço princípiológico que se depreende do supramencionado artigo 206 da CF/88, destacam-se o princípio da universalidade, que é manifestado na medida em que a carta magna prevê que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família.  O princípio da igualdade de condições, por sua vez, concretiza-se na medida em que o texto constitucional traz importantes ferramentas de manutenção e valoração de potencialidades dos indivíduos.

Também destaca-se o Princípio da liberdade do ensino, que é consagrado como  liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Já o princípio do pluralismo visa concretizar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: o pluralismo político.

Outro princípio de estaque é o da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, e a valorização dos profissionais da educação escolar. A Constituição também assegura um piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, além de prever o princípio da gestão democrática do ensino público. Portanto, a Educação é considerada um princípio constitucional de direito subjetivo, além de ser obrigatória e gratuita. Constitui-se, desse modo, em direito universal, de caráter econômico e social.

Verifica-se que essa citada universalidade do direito à educação encontra respaldo em diversas cartas internacionais que tratam da questão, entre elas A Declaração do Milênio da ONU já em seu prefácio assevera:

Os líderes definiram alvos concretos, como reduzir para metade a percentagem de pessoas que vivem na pobreza extrema, fornecer água potável e educação a todos, inverter a tendência de propagação do VIH/SIDA e alcançar outros objectivos no domínio do desenvolvimento.[3]

Também a titulo de exemplo podemos citar o Fórum Mundial da Educação, que aconteceu em abril de 2000 na capital do Senegal, Dakar. Tal documento é considerado um marco para a educação global, nele diversos países se comprometeram a atingirem seis objetivos da ‘Educação para Todos’. 

O monitoramento das metas estabelecidas no retromencionado documento ajuda na avaliação da educação no mundo, corroborando para a projeção universalista do texto, conforme se depreende do enxerto abaixo:

Nós reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos educandos para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades.[4]

É patente, portanto, que a educação é o pilar para a realização de outros direitos como a saúde, liberdade, segurança, bem-estar econômico, participação social e política. Logo, por ser um direito social, a educação é, inegavelmente, um direito público subjetivo, ou seja, tem o atributo de ensejar pretensões jurídicas dos indivíduos em face do Estado na busca pela efetividade das normas constitucionais.

Seguindo essa linha de raciocínio, ponderando acerca da possibilidade de reclamo social pela efetivação dos direitos fundamentais, que assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 45):

Este reformismo, que acompanha o intervencionismo estatal típico do Estado providência, veio suscitar a declaração como fundamental, de novos direitos. Estes visam assegurar a todos uma vida digna e a igualdade de oportunidades. São os direitos ao trabalho, à educação, à saúde, ao sustento na doença e na velhice, ao lazer, etc. [...]. Não são meros poderes de agir, meras liberdades, mas têm por característica maior reclamarem contrapartida da parte da sociedade por meio do Estado.

Portanto, o direito à educação e o direito de aprender, conforme dispositivo expresso no texto constitucional, são direitos de todos e dever do Estado e da Sociedade. A educação de qualidade é um direito fundamental de “toda pessoa”, sem qualquer tipo de discriminação, independente de origem étnica, racial, social ou geográfica, logo é um bem coletivo que deve ser acessível a todos. Portanto o direito fundamental à educação de qualidade deve ser capaz de ensejar pretensões jurídicas em face do Estado, ainda mais na presente realidade de Estado Democrático de Direito, que conduz a necessária efetivação das prestações por parte do Poder Público na consecução dos direitos fundamentais.

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4.2 A EFICÁCIA E APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O art. 5º, § 1º da CF/88 reforça a ideia de aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais. Nessa esteira, Sarlet (2007, p. 177) ressalta que “também as normas de direitos sociais (inclusive de natureza prestacional) devem, em princípio, ser consideradas como dotadas de plena eficácia e, portanto, direta aplicabilidade, o que não significa (e nem o poderia) que sua eficácia e efetividade deverão ser iguais)”. Assim, todos os direitos fundamentais postos na Constituição devem são dotados de eficácia.

Nesse sentido, os direitos fundamentais, relacionados ao mínimo existencial, devem ser efetivamente observados no mundo dos fatos, aproximando o dever ser da norma com o dever ser da realidade social.

A partir da classificação proposta por José Antônio da Silva (1998), as normas constitucionais seriam dotadas de graus distintos de aplicabilidade e de exigibilidade. Tais normas se subdividiriam em normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, entretanto sujeitas a limitações pelo legislador infraconstitucional, e as normas de eficácia limitada subdivididas em duas categorias; as de princípio institutivo e de as de princípio programático, ambas dependendo de regulamentação infraconstitucional para gerarem plena efetividade.

Em relação ao direito à saúde e à educação o supracitado autor assevera que a norma constitucional “institui um dever correlato de um sujeito determinado: o Estado- que, por isso, tem a obrigação de satisfazer aquele direito. Se esta não é satisfeita, não se trata de programaticidade, mas de desrespeito ao direito.” (1998, p.270)

É cediço que não se pode atribuir a mesma eficácia a todos os direitos fundamentais, principalmente aos direitos sociais, que demandam uma prestação por parte do Estado, envolvendo recursos econômicos, análise do quadro social e planejamento político. Entretanto, é possível afirmar que a eficácia dos direitos sociais, que demandam uma ação do Estado, não pode ser vislumbrada apenas sob a ótica jurídica, mas também da inter-relação com diversos seguimentos políticos e sociais. Assim, cabe ao poder político maximizar sua atuação com o fim de garantir a sua eficácia, atuando de forma a se buscar a efetivação plena de tais direitos.

Nesse sentido, com base nessa concepção de efetivação de direitos, é inegável que o Estado tem papel de principal ator da promoção da justiça social. A Constituição deve ser o centro da revolução corpenicana do direito, determinando “a realização substantiva dos direitos sociais, de cidadania e aqueles relacionados diretamente à terceira dimensão de direitos” (Streck, 2002, p. 86).

A ordem jurídica balizada pela Constituição Federal de 1988 deve ser vista como um fator de transformação social, que não pode ser obstaculizada por concepções tradicionais pautadas em doutrinas vetustas e legalistas.

Em países como o Brasil, no qual a concentração de renda gera uma massa de excluídos de direitos fundamentais básicos, não se pode negar que a Constituição deve ter um conteúdo mínimo exigível e vinculante aos três poderes constituidores do Estado com o fim de garantir as condições materiais aos indivíduos.

Nesse sentido, entende Barros (2010, p.180) que não é possível retirar do Estado Brasileiro a responsabilidade de provedor da evolução social, devendo a Constituição servir como guia para essa atuação na medida em que elege “parâmetros de vinculação material para os detentores do poder político não apenas vedar-lhes certas condutas, como também para obriga-los a cumprir tarefas e direcionar suas ações para alcançar finalidades determinadas”.

4.3 A RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos e garantias fundamentais estabelecidas na Constituição não podem ser encarados como valores absolutos. O próprio texto constitucional concebe situações em que é possível vislumbrar um conflito entre dois ou mais direitos.

Em face dessa característica a doutrina e a jurisprudência brasileira consagram a ideia de que os direitos fundamentais são relativos, devendo o intérprete, no caso concreto, identificar qual o bem jurídico mais relevante para tutelar a situação, visto que não existe hierarquia entre direitos fundamentais.

Nesse sentido, para Robert Alexy (2008, p.85) a análise da estrutura dos direitos fundamentais deve distinguir regras e princípios, pois, “com sua ajuda, problemas como os efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros poderiam ser mais bem esclarecidas”. O Autor destaca, nesse ponto, a importância da satisfação da tutela dos direitos, asseverando serem mandamentos de otimização, in verbis:

(...) princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização. (Alexy, 2008. P.90, grifo do autor)

Ademais, o mencionado autor sustenta que a liberdade jurídica não tem valor sem a liberdade fática; e “sob as condições da moderna sociedade industrial, a liberdade fática de um grande número de titulares de direitos fundamentais não encontra seu substrato material em um substrato vital por eles controlado, ela depende, sobretudo, de atividades estatais.”(Alexy, 2008, p. 504)

Nesse sentido, o intérprete deve sempre buscar respaldo em um arcabouço princípiológico de forma a potencializar a efetividade da normal constitucional. Dentre esse arcabouço principiológico destaca-se o princípio da concordância prática ou da harmonização da forma, que tem por fim ponderar os bens jurídicos tutelados, evitado a aniquilação total de um em relação aos outros. Assim, busca-se tentar impor limites recíprocos aos direitos e princípios envolvidos, para que haja a incidência de todos e para que se possa estabelecer uma solução razoável e equilibrada do conflito. O princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, desdobramento do princípio do devido processo legal substancial, também são meios para a resolução dos conflitos entre direitos fundamentais.

Para a utilização do princípio da proporcionalidade é necessário observar os três elementos que o compõem: adequação, necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade, e uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido.

A necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão.

Por último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito, muitas vezes, é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativo superior ao restringido. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.

Outrossim, não se pode olvidar a relatividade dos direitos também deve ser balizada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, definida como o núcleo essencial e que na medida do possível deve ser preservada.

4.4 EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

É inegável que não basta apenas a previsão constitucional do direito fundamental à educação, é necessário um arcabouço de ferramentas efetivas para a concretização material de uma educação de qualidade. Sobre o tema destaca Martins (2009, p. 52) que a constituição Brasileira da Educação demonstra “a preocupação do legislador constituinte em assegurar o direito ao padrão mínimo de qualidade de ensino fundamental.”

Dessa feita, ao fixar a garantia do padrão de qualidade como princípio, a Constituição Federal assegura a qualidade da educação nas escolas, cabendo ao poder público cumprir os padrões mínimos de qualidade. Logo, conclui-se que a qualidade educacional na realidade nacional só será realmente efetivada se houver a concretização dos princípios elencados no art. 206.

A legislação brasileira incorporou o conceito de qualidade de ensino a partir da Constituição federal de 1988, entretanto, a despeito dessa incorporação, não estabeleceu de forma razoavelmente precisa em que consistiria ou quais elementos integrariam o “padrão de qualidade” do ensino brasileiro.

 O documento Educação de Qualidade para todos: Um Assunto de direitos humanos (UNESCO/OREALC, 2007, p. 12)[5], ao tratar do tema, assevera que:

Uma educação será de qualidade se oferecer os recursos e apoio de que cada um necessita para estar em igualdade de condições para aproveitar as oportunidades de aprendizagem e exercer o direito à educação.

Percebe-se da definição um nítido liame com a isonomia em seu sentido material, amparada pela concepção de Estado prestador e garantidor, levando a ideia de promoção de meios concretos para que o indivíduo possa exercer plenamente suas potencialidades.

Nesse sentido, a educação de qualidade deve ser analisada como parâmetro inserto no conteúdo do mínimo existencial. Esse conteúdo mínimo inegavelmente está intrinsecamente ligado à execução de políticas públicas, e tais políticas públicas também inegavelmente dependem da disponibilidade de recursos, pois, conforme assevera Sarlet, (2007, p. 186) “as prestações necessárias à efetivação dos direitos fundamentais dependem sempre de disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem tenha o dever de assegurá-las".

Entretanto, como assevera Martins (2009, p. 131) “a existência de um direito à educação de qualidade decorre do princípio da qualidade nos serviços públicos, demonstrando que a sua imprecisão conceitual não implica a falta de sua densidade jurídica.”

Ainda segundo o autor, o direito à educação de qualidade consiste num redimensionamento do direito à educação “a partir da irradiação de efeitos do princípio da qualidade e da postura adotada pelo Estado social concretizador em face à proteção dos direitos fundamentais como um todo uno e indivisível” (Martins, 2009, p. 153)

Nesse sentido, o art. 214 da CF/88 traz, inequivocamente, um mandado constitucional voltado para o desenvolvimento da qualidade do ensino no pais, in litteris:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: 

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. 

Ainda no contexto da definição jurídica da educação de qualidade, constatamos a determinação inserta na Lei nº 9.394/96, mais especificamente em seu Art. 87, §1º, no sentido de se elaborar o Plano Nacional de Educação, fixando metas em sintonia com a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, in verbis:

 Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.

§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

O projeto do Plano Nacional de Educação que deverá vigorar no país até 2020, por sua vez, foi enviado pelo governo ao Congresso em 15 de dezembro de 2010. Nele constatamos novamente a preocupação com a melhoria da qualidade de ensino e outras diretrizes que devem nortear as ações do Estado, conforme previsão expressa em seu Art. 2º, in verbis:

Art. 2º São diretrizes do PNE - 2011/2020:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - superação das desigualdades educacionais;

IV - melhoria da qualidade do ensino;

V - formação para o trabalho;

VI - promoção da sustentabilidade sócio-ambiental;

VII - promoção humanística, científica e tecnológica do País;

VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto;

IX - valorização dos profissionais da educação; e

X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação.

Depreende dos dispositivos mencionados a inequívoca necessidade de prestação com qualidade da educação no país. A Administração pública, por sua vez, com as reformas recentes, recebeu como diretriz constitucional a exigência de prestação eficiente dos serviços públicos com a inserção expressa do princípio da eficiência no caput do Art. 37 da CF/88. Portanto, a Constituição manifesta um mandamento expresso para que a administração pública atue de forma eficaz, com o melhor desempenho possível no âmbito da prestação dos serviços públicos e da atuação estatal.

 Neste sentido, Bulos (1998, p.77) assevera acerca da necessidade de direcionamento da aparelhagem estatal, voltando-se para a necessária consecução de seus objetivos, in verbis:

“A inserção do princípio da eficiência, ao lado dos vetores clássicos da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade calcou-se no argumento de que o aparelho estatal deve se revelar apto para gerar benefícios, prestando serviços à sociedade e respeitando o cidadão contribuinte”.

Portanto, entende-se que a aplicação do princípio constitucional da eficiência possui  como finalidade gerar mudanças no comportamento funcional da Administração, ressaltando ainda que o supra mencionado princípio tem como lastro a busca por resultados satisfatórios com o menor custo possível, e este deve ser visto em face de um interesse da coletividade.

Infelizmente essa noção vai de encontro a diversos exemplos de má-gestão do orçamento público, que acabam ensejando a impossibilidade de atendimento das necessidades básicas dos cidadãos, além de não atender à relação custo-benefício exigida pela constituição em nome do princípio da eficiência.

Seguindo esse raciocínio, pode-se afirmar que a grande discussão atual se refere aos limites e possíveis violações ao princípio da separação dos poderes quando da judicialização do controle das políticas públicas. Nesse sentido, o Poder Judiciário atuaria no sentido de se garantir a efetivação dos direitos fundamentais, e em especial o objeto do presente trabalho, qual seja, à educação de qualidade.

É cediço que a prestação de serviços públicos desenvolvida pelo Poder Público deve garantir a efetividade dos direitos fundamentais e com isso garantir a qualidade da educação, pois se trata de uma garantia constitucionalmente assegurada aos indivíduos que exige uma prestação efetiva por parte do Estado, cumprindo, desse modo, com os objetivos do atual Estado Democrático de Direito.

4.2.1 Formas e critérios de aferição da qualidade educacional

Após reconhecer o direito à educação como direito fundamental do individuo e situá-lo no contexto do moderno Estado Democrático de Direito que impõe ao Estado a implementação positiva e material dos direitos, exigindo uma postura estatal o sentido de prestação efetiva e por consequencia qualitativa do direito á educação, se faz necessário perquirir acerca dos critérios para a apuração dessa supra mencionada qualidade.

Segundo Cury e Ferreira (2010, p.84), existem alguns indicadores para aferição da qualidade educacional na realidade brasileira, segundo o autor dever-se-ia levar em consideração ao erigir tais indicadores as instalações escolares, recursos didáticos em qualidade e quantidade, razão alunos/turma, jornada do aluno, formação dos profissionais, jornada de trabalho dos professores, remuneração de pessoal, projetos especiais da escola e gestão democrática.

Dentre os indicadores possíveis podemos citar o Pisa[6], sigla do Programme for International Student Assessment, que em português foi traduzido como Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que é um programa internacional de avaliação comparada, aplicado a estudantes da 7ª (Sétima) série em diante, na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. Esse programa é desenvolvido e coordenado internacionalmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), havendo em cada país participante uma coordenação nacional. No Brasil, o Pisa é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Outro indicador da qualidade da educação no país, se não o mais importante, é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, que combina as notas da Prova Brasil/SAEB com as taxas de aprovação, partindo de resultados de avaliações divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP/MEC.

No Brasil atualmente o principal marco de avaliação diagnóstica da educação básica é o Sistema Nacional da Avaliação da Educação Básica (SAEB). Para o Ensino Médio o Brasil conta com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de caráter voluntário, que passa a ser utilizado como instrumento de análise e diagnóstico.

Com a implementação do IDEB o Ministério da Educação busca fornecer às redes públicas de educação básica o incentivo para seu desenvolvimento. Foi também introduzido um sistema de metas no chamado “Compromisso Todos pela Educação”, no qual foram traçados e divulgados “para cada escola e/ou sistema de ensino participante da Prova Brasil índices progressivos para o IDEB a serem alcançados de dois em dois anos, de modo que a média brasileira em 2021 fosse seis.”(Fernandes; Gremaud, 2009, p.234)

Dessa feita, o direito à educação de qualidade é fruto do que Martins (2009, p.152) chama de “irradiação de efeitos do princípio da qualidade”. Esse atributo surge na medida em que o Estado Democrático de Direito deve adotar uma postura concretizadora de direitos e de proteção aos direitos fundamentais.

Sobre o autor
Wendel N. Piton Barreto

Pós-graduado em Direito de Estado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PITON BARRETO, Wendel N.. Responsabilidade civil do Estado em face da inefetividade do direito à educação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4572, 7 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45644. Acesso em: 22 nov. 2024.

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