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Impactos da criminalização do porte de arma branca no ordenamento jurídico brasileiro

Agenda 07/01/2016 às 16:25

O texto visa discutir a real necessidade de criminalização do porte de arma branca, atualmente tratado como contravenção penal, bem como as consequências desta alteração legislativa para com o ordenamento jurídico e sociedade brasileira.

RESUMO: Este trabalho científico abordará a atual forma de desenvolvimento do ordenamento jurídico criminal no Brasil, suscitando a motivação que conduz a atividade legislativa em nosso país. Verificar-se-á que as normas jurídicas brotam quase que de forma exclusiva para reprimir e punir a conduta criminosa. O legislador, em sua atividade típica, não leva em conta os fatores desencadeantes do comportamento criminoso, pautando-se basicamente em uma busca incessante pela punição, a fim de preencher o anseio social de uma ótica deturpada de combate eficaz à criminalidade. Ainda, traz-se como foco central do trabalho proposta que caminha perante o Poder Legislativo da criminalização do porte de armas brancas, suscitando as causas e eficácia desta medida. Por fim, há de se ressaltar prejudicial consequência que esta alteração causará no seio social brasileiro, provavelmente servindo como mais uma forma de preconceito perante as camadas mais pobres da sociedade.

Palavras-Chaves: Direito Penal Máximo. Porte de Armas Brancas. Hipertrofia Legislativa. Etiquetamento.

 

ABSTRACT: This scientific essay will discuss the current form of development of criminal legal system in Brazil, bringing up the motivation that leads the legislative activity in our country. It will be found that juridical norms spring almost exclusively to repress and punish the criminal conduct. The legislator, in its typical activity, does not consider the precipitating factors of criminal behavior, being guided primarily on a relentless pursuit of punishment in order to fill the social longing of a twisted perspective of effective prosecution against criminality. Furthermore, this essay brings as the central focus of the work the proposal that goes before the Legislative Power about the criminalization of bladed weapons weapons possession, raising the causes and the effectiveness of this measure. Finally, will be emphasized the detrimental consequence that this change will cause to the Brazilian social bosom, probably serving as another form of preconception before the poorest sections of the society.

 

Key Words: Criminal Maximum Law. Bladed Weapons Possession. Legislative Hypertrophy. Labeling Approach.

 

1 INTRODUÇÃO

                                                  

Diante do noticiário inundado de atitudes criminais graves, surgem diversas notícias de crimes praticados mediante o emprego de armas brancas, principalmente facas.

A atual condição da sociedade brasileira perante à criminalidade faz ressuscitar uma antiga discussão acerca da criminalização do porte de armas brancas. Posição, esta, defendida não somente por parte da população e por figuras públicas midiáticas, mas também por considerável parcela dos parlamentares que defendem sua discussão, votação e concretização.

Na verdade, a busca incessante do legislador pela resolução dos conflitos existentes na sociedade acaba por expor uma atuação incompatível com os legados teóricos do Direito Penal, Sociologia e Criminologia, posto que vem se alterando o ordenamento jurídico basicamente com o incremento de punições e tratamentos mais severos, sem se analisar a real eficácia das medidas.

Posto este cenário, cabe-nos raciocinar e discutir de como vem sendo tratada a política de combate a criminalidade atualmente em nosso país. Incumbe elucidar a forma que vem sendo desenvolvido nosso ordenamento criminal, destacando sua suposta eficácia.

A mera criação de nos tipos penais e aumento dos preceitos secundários dos já existentes tem o condão de suprir as necessidades sociais em comento?

Deste modo, pretende o presente trabalho suscitar as causas, consequências e eventuais variáveis que envolvem a questão da criminalização do porte de arma branca, inclusive retratando um eventual cenário diste desta inovação legislativa e tecendo algumas alternativas aparentemente mais eficazes para as necessidades brasileiras.

2 O PORTE DE ARMA BRANCA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Atualmente, o fato típico relativo ao porte de arma branca está previsto no artigo 19 do Decreto Lei nº 3.688/41, conhecido como Lei de Contravenções Penais, o qual assim dispõe:

Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.

§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:

a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;

b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;

c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.

 

De início, cumpre relembrar que o artigo supracitado fora derrogado no tocante a previsão em relação à arma de fogo.

Isto é, quando de sua criação, o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais se prestava à aplicação no caso de porte de armas de fogo. Inclusive, conforme se vislumbra da leitura do “caput” do artigo, este não traz qualquer distinção entre as armas tidas como brancas ou as de fogo.

No entanto, com o advento da Lei 9.437/97 e, posteriormente, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), condutas relativas às armas de fogo receberam previsão especial, motivo pelo qual se desentranhou da incidência da Lei de Contravenções Penais, principalmente das previsões de seu artigo 19.

Conforme relatado, o referido artigo fora alvo de mera derrogação, ou seja, perda parcial de vigência, a qual atingiu somente o âmbito das armas de fogo, sendo que o mesmo permanece vigente no tocante as chamadas “armas brancas”.

O presente artigo não tem como proposta discorrer acerca dos ditames teóricos que contornam referida contravenção. Não se pretende elencar elementos objetivos e subjetivos, sujeito ativo e passivo, entre outros aspectos teóricos que constituem o fato típico em tela, mas sim a justificativa e necessidade desta tipificação para com o atual momento de nosso país. No entanto, para adentrar ao contexto de incidência do dispositivo mencionado, necessárias algumas considerações introdutórias.

A previsão do artigo 19 da Lei de Contravenções Penais não é de complexa interpretação e entendimento.

Conforme a previsão, caracteriza-se a contravenção quando o agente traz consigo arma (branca) fora dos limites de sua residência, sem autorização da autoridade competente.

De início, cumpre relatar que arma branca compreende-se por objetos de origem lícita, mas que por sua natureza possuem potencial lesivo, podendo, assim, serem utilizados para prática de atos criminosos, ou seja, como armas, servindo como instrumento de lesão à integridade física ou como meio para exercício de ameaça. Tem-se como exemplo de armas brancas: facas, punhais, bengalas, tacos de madeira, facões, entre outros.

Importante destacar que a expressão “sem licença da autoridade” trazida no corpo do artigo estudado detinha elevada importância quando o âmbito de incidência da referida tipificação englobava as armas de fogo. Isto porque, se tratando de arma desta espécie, há previsão legal de autoridade competente para autorizar o porte da mesma.

Se tratando das chamadas armas brancas, não há possibilidade de autorização pelo simples fato de que não existe órgão ou autoridade competente que possa exprimir autorização para que o agente se locomova portando uma arma branca.

Importante visualizar que, conforme anteriormente citado, as armas brancas possuem origem lícita, inclusive podendo ser adquiridas livremente. Logo, não há compatibilidade lógica na exigência de autorização estatal para porte de um objeto aparentemente legal.

Melhor ilustrando a questão da licença, Victor Eduardo Rios Gonçalves assim relata (2011, p. 148):

Trata-se do elemento normativo do tipo dessa contravenção. A opção de conceder ou não o porte a uma determinada pessoa está dentro do poder discricionário da autoridade responsável. Ocorre que, como não existe licença para o porte de armas brancas e considerando que o art. 19 da Lei de Contravenções Penais somente estaria em vigor em relação a estas, tal parte do dispositivo encontra-se sem aplicação prática.

A fim de concluir a delimitação da incidência desta contravenção, deve se trazer a baila que consiste em uma infração de perigo abstrato. Isto é, a tipificação e eventual punição pelo porte de arma branca se dá pelo potencial perigo que esta conduta traz para a sociedade, posto que eventualmente pode vir a ser utilizada em um fato típico de maior gravidade.

Deste modo, o mero porte da arma já caracteriza a infração penal em destaque, não sendo inerente a sua existência o uso concreto da arma ou, ainda, a verificação da intenção do agente para com aquele objeto. Basta o mero porte, visto que, por si só, este já causa na e para a sociedade um potencial perigo.

Portanto, verifica-se que a infração em comento exige para sua caracterização basicamente que o agente porte um objeto de potencial lesivo fora dos limites de sua residência, independente da intenção deste, uma vez que a contravenção se caracteriza por mero perigo abstrato.

Entretanto, de suma importância elucidar o contexto em que esta conduta fora criada, posto que a tipificação de toda e qualquer conduta nada mais é do que o reflexo da sociedade em determinado momento histórico.

A Lei de Contravenções Penais remonta ao ano de 1941, o qual por motivos óbvios possuía contexto em termos sociais, econômicos e políticos totalmente diversos do atual.

Por óbvio, quando da criação do tipo legal tratado, o ordenamento jurídico pátrio necessitava de uma norma de coibição pelo porte de armas, inclusive por mero perigo abstrato. Porém, ao que se vislumbra do caso tratado, a ilegalidade se justificava principalmente em relação as armas de fogo.

Isto é, quando da criação da contravenção em apreço, havia real necessidade de proibição desta conduta, visto que não havia norma de repressão em relação ao porte de armas. Contudo, parece-nos que referida proibição fazia sentido por conta das armas de fogo, em que pese não tenha sido criada tão somente para esta finalidade.

Posto isto, tendo em vista que a norma não mais se aplica ao seu objeto principal quando da sua criação (arma de fogo), faz-se relevante traçar um raciocínio se esta contravenção é compatível com os tempos atuais.

Tendo em mente a evolução do Direito Penal, a difusão dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, somados as ideias garantistas do nosso ordenamento jurídico, inoportuna se faz a tipificação da conduta em análise.

Não se pretende neste trabalho tecer críticas em relação a infrações de perigo abstrato, posto que a generalização é descabida e ilógica, além do que, determinadas condutas desta natureza devem ser tipificadas. Porém, não nos parece ser o caso do artigo 19 da Lei de Contravenções Penais.

Não há compatibilidade lógica e teórica para de tipificar uma infração que impede o agente de transitar em posse de um objeto lícito. Ora, dentro de um sistema penal finalista, não se justifica a penalização de um ato que não detém qualquer resquício de vontade ilícita, sob mera alegação de risco para com os demais.

O que se pretende elucidar é que o simples fato de portar um objeto lícito não pode ser tratado como infração penal, posto que tão somente a potencialidade lesiva do mesmo não justifica a caracterização de provável perigo.

Se a potencialidade lesiva do instrumento, por si só, caracteriza-se eventual risco à sociedade ao ponto de ser tratada como infração penal, chegaríamos a uma gama imensurável de objetos, das mais diversas naturezas, que poderiam ser utilizados como armas.

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Não se justifica a alegação de que a arma branca pode vir a ser utilizada como instrumento para prática de infração mais grave, pois, neste caso, estaria se punindo um fato futuro e incerto, sem qualquer nexo de probabilidade passível de averiguação.

Ainda, vejamos que há clarividente incongruência no ordenamento jurídico brasileiro.

Diz-se isto pelo fato de que as armas de fogo, as quais possuem potencial lesivo muito maior que as armas brancas, são passíveis de autorização para serem adquiridas e portadas tranquilamente (registro e porte). Enquanto outros objetos, originariamente lícitos, são de porte vedado pela legislação pátria, sem possibilidade de legalização da conduta.

Sendo assim, parece-nos descabida a tipificação do porte de arma branca, posto que o cidadão não pode ser restringido de portar um objeto tão somente pelo fato de que este naturalmente possui potencial lesivo. Trata-se claramente de hipótese de perigo aceito socialmente, assim como diversas outras circunstâncias que não são tipificadas legalmente.

No mais, passamos a discutir o atual contexto de nossa sociedade, averiguando se o momento em que nos encontramos diante da criminalidade exacerbada justifica a criminalização desta conduta.

 

3 COMOÇÃO SOCIAL E HIPERTROFIA LEGISLATIVA

 

 

Conforme exposto anteriormente, o porte de arma branca é previsto no ordenamento jurídico como contravenção penal. No entanto, por conta de determinados acontecimentos que tomaram o cenário jornalístico nacional, passou-se a se discutir eventual mudança na legislação pátria.

Referida mudança se daria na criminalização do porte de armas brancas. Isto é, a tipificação que atualmente é contravenção penal, prevista no artigo 19 da Lei de Contravenções Penais, teria sua natureza jurídica alterada e se tornaria crime.

A ideia do Poder Legislativo em discutir essa alteração se deu em decorrência de alguns crimes graves que tiveram veiculação em proporção nacional por conta da imprensa escrita e televisiva, sendo o caso mais emblemático o do ciclista atacado por jovens munidos de facas na lagoa Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro[1].

Diante do latrocínio consumado supracitado – o ciclista posteriormente veio a óbito -, somado a outros casos de crimes como lesão corporal, homicídios, roubos, latrocínio, entre outros, praticados mediante uso de arma branca, principalmente facas, agentes vinculados ao Poder Legislativo e Executivo passaram a defender a criminalização do porte de arma branca, inclusive com fixação de preceito secundário que permita o Poder Judiciário a manter o suspeito preso cautelarmente desde a prática do fato.

Destaca-se que esta criminalização está prevista em um antigo projeto de lei que estava parado na Câmara dos Deputados, o qual pretendem parte dos deputados que entre em discussão e posterior votação perante a Casa[2].

Exposto este contexto de intenção de votação do projeto mencionado, voltamos ao cenário que tem tomado conta há considerável tempo da criação e desenvolvimento do sistema jurídico penal brasileiro.

Sem intenção de indicar o foco do problema, clarividente que a formação e desenvolvimento do ordenamento jurídico criminal do Brasil vem sendo tratada de forma errônea e descuidada.

Diz-se isto pelo fato de que o Poder Legislativo de nosso país, no tocante a temática penal, tem criado leis sem a devida análise anterior necessária.

Atualmente, vislumbra-se que fatos determinados, os quais tomam proporção nacional por conta da difusão da imprensa, culminando em notória comoção social, acabam por justificar atuação legislativa em caráter emergencial e descomedida.

Isto é, diante de um fato que causa comoção social – como o homicídio do ciclista anteriormente citado – os representantes legislativos, muitas vezes movidos por interesses políticos perante a sociedade, indicam a tomada de resposta imediata em combate à criminalidade.

Ocorre que para criação de uma lei penal, principalmente para tipificação de um crime, não se pode agir impulsivamente, aplicando a primeira medida que parece cabível e necessária ao caso, principalmente quando referida medida consiste tão somente na punição com maior severidade para com o fato.

Ora, a necessidade de inovação na legislação, seja ela penal ou de outra natureza, deve ser precedida de cautelosa análise. Não se pode simplesmente criar novas tipificações, aumentar penas, alterar regimes carcerários, dentre outra medidas, de forma quase que automática.

De início, deve se ter em mente a escala tridimensional, difundida por Miguel Reale, sendo necessária cautelosa análise acerca dos fatores fato, valor e norma. Ou seja, a verificação de um fato de elevada relevância, ligado a um valor social que merece ser protegido, para, por fim, se verificar a possibilidade de criação de uma norma que o proteja.

Posteriormente, deve ainda ser cuidadosamente verificada a potencial eficácia da norma criada. Ou seja, de início, basicamente se analisa a necessidade e justificativa do texto que se pretende inserir no ordenamento jurídico, sendo que, sem seguida, deve-se avaliar a possível eficácia da regra.

Cabe ressaltar que a norma deve ser dirigida a pacificar uma questão. No entanto, de nada adianta ela ser aplicada, mas não deter o condão de solucionar o impasse a que se presta. Isto é, de nada adianta se criar uma regra perfeita no campo teórico, se esta resta ineficaz no plano prático de atuação.

Entretanto, apesar dos conhecidos ensinamentos acima expostos, nossos representantes legislativo não tem mantido atuação correta perante o ordenamento jurídico criminal.

Neste plano, elencando as características contemporâneas do ordenamento normativo penal, destacam Gomes e Bianchini (2002, p. 25-30):

a) Deliberada política de “criminalização”, antes que de “descriminalização” ou de despenalização;

b) Frequentes e parciais alterações pelo legislador da Parte especial do Código Penal ou a edição de leis penais especiais;

c) Aumento dos marcos penais dos delitos clássicos;

d) A proteção institucional (ou funcional) dos bens jurídicos;

e) Ampla utilização da técnica dos delitos de perigo abstrato;

f) Menosprezo patente ao princípio da lesividade ou ofensividade, o que significa a difusão dos delitos de mera desobediência à norma;

g) Erosão do conteúdo da norma de conduta (do que está proibido);

h) Uso do Direito Penal como instrumento de “política de segurança” (em flagrante contradição com sua natureza subsidiária);

i) Pouca preocupação com os princípios de igualdade e de proporcionalidade, para atender a uma exacerbada preocupação prevencionista;

Ao que se vê atualmente, a condução do ordenamento jurídico penal vem sendo traçada conforme os ditames de apenas um fator, qual seja a maior repressão e punição dos agentes criminosos.

Com o passar dos anos têm-se se trazido à esfera do Direito Penal a maior parte dos conflitos existentes na sociedade, os quais diversas vezes poderiam ser abarcados por outras esferas do Direito.

Isto é, o Direito Penal que deveria ser tratado como exceção, principalmente pelos ditames do princípio da intervenção mínima, tem sido utilizado como regra no Brasil, tendo em vista que quando se fala em conflito ou punição, aparentemente o instrumento mais utilizado tem sido a sistemática penal, principalmente pela tipificação de condutas, ou seja, criação de novos delitos.

Além da ferrenha utilização do Direito Penal como método de coibição da sociedade através da criação de novos delitos, outra medida costumeiramente utilizada pelos legisladores é a maior punição em relação a crimes já existentes.

Melhor dizendo, a crítica traçada em face da atuação legislativa brasileira não se faz somente no sentido da tipificação de condutas que deveriam constar da esfera de outros ramos do Direito, mas também em relação ao desenvolvimento das regras atinentes aos crimes já tipificados.

Atualmente temos uma manifestação social e midiática que pressiona pela maior repressão das condutas criminosas, seja pela aplicação de penas numericamente maiores ou espécies de punição ainda não contidas no ordenamento jurídico, inclusive de caráter inconstitucional, como de morte ou de caráter perpétuo.

Em suma, o contexto atual demonstra um forte posicionamento no sentido de que toda e qualquer conduta ofensiva a sociedade deve ser tratada pelo Direito Penal, bem como este deve se valer de medidas cada vez mais graves e repressivas para solução das questões problemáticas.

Neste interim, têm-se que a comoção social suplicando por combate a criminalidade tem se tornado fator primordial para nortear a atuação legislativa.

Ocorre que o Direito Penal não pode ser tomado de forma tão banalizada como a atualmente realizada. A criação e mutação constante do ordenamento jurídico penal tem se mostrado deveras ineficaz perante a criminalidade, posto que os números desta última se elevam reiteradamente.

Ora, a criação de leis em caráter emergencial, visando o afago social com a errônea ideia de solução do conflito existente, não traduz a eficiência necessária para combate a criminalidade.

Pretende-se dizer que a atuação legislativa de modo a atender todo e qualquer anseio social carece de eficácia no plano prático, visto que a simples criação de novas condutas típicas ou a maior repressão em relação àquelas já existentes não possuem o condão de diminuir os índices de práticas criminosas.

No mais, a criação descomedida de leis penais culmina no fenômeno denominado “hipertrofia legislativa”, ou seja, o conjunto demasiado e exagerado de leis existentes que, infelizmente, ocasiona em baixa qualidade do conjunto legislativo brasileiro.

A partir do momento em que se tem a criação de leis em caráter emergencial e em alta quantidade, por questões óbvias se diminui a qualidade das mesmas, posto que falta ao legislador tempo hábil para raciocinar e analisar a real necessidade, justificativa e efetividade de determinado texto jurídico.

No Brasil perdura um enorme ciclo vicioso que se inicia na comoção e requisição social perante o Estado de medidas coercitivas, gerando a criação emergencial e descomedida de leis, culminando na ineficácia do ordenamento perante a delinquência generalizada, a qual, neste contexto, tende a aumentar.

Vislumbra-se o afastamento da dogmática penal que levou anos para ser construída, desenvolvida e disseminada, quando da elaboração de nossas leis. Incompatibilidades, inseguranças jurídicas e ineficácia são reiteradamente percebidas em nosso ordenamento.

A partir do momento em que se foca os olhos apenas na maior punição e repressão como método de contenção da criminalidade, inverte-se a ordem e põe-se de lado os ditames essenciais à ciência Penal, resultando em um ordenamento frágil e inseguro.

4 A CRIMINALIZAÇÃO DE ATOS PREPARATÓRIOS

 

Exposto o cenário atual que envolve o porte de arma branca, cabe-nos suscitar um raciocínio acerca da real intenção para com a criminalização de referida conduta.

Conforme se expôs inicialmente, o porte de arma branca é previsto como contravenção penal, tipificado no artigo 19 do Decreto Lei 3.688/41. No entanto, devido a utilização de armas brancas, principalmente facas, em variados crimes contra a vida, integridade física e patrimônio, veio a baila a hipótese de criminalização da conduta em tela.

Salienta-se que as alegações políticas que pretendem votar e aprovar a criminalização do porte são todas neste sentido, ou seja, que o fator justificante de eventual criminalização é a utilização reiterada destes instrumentos em outros crimes, teoricamente mais graves.

Isto é, o objetivo desta mudança legislativa é conceder a hipótese ao Estado de aplicar punição ao agente que porte armas brancas antes que este pratique um crime mais grave. Clarividente a presunção de quem porta arma branca, irá praticar um delito.

Ressalta-se que, dentro de nosso conhecimento, em momento algum se sustentou que nos dias atuais o porte de armas brancas tomou potencial lesivo abstrato maior para sociedade ou de que a conduta em si demonstra necessidade de maior repressão ou punição devido ao risco que causa a sociedade.

Pelo contrário, a possível criminalização sempre é fundamentada na hipótese da utilização do objeto potencialmente lesivo em outro crime. As alegações sempre convergem no sentido de, futuramente, haver um segundo delito cujo agente se valeria da arma.

Vejamos que a questão do porte de arma branca, portanto, sempre vem acompanhada de um segundo delito. Parece-nos clarividente a intenção de se punir severamente não o agente que porta a arma branca, mas sim o sujeito ativo do homicídio, do roubo, do latrocínio, entre outros delitos praticados com a utilização destes instrumentos.

Pois bem. Importante relembrar que este contexto anteriormente exposto, hipoteticamente, se encaixa dentro do Direito Penal, especificamente dentro do estudo chamado iter criminis, senão vejamos.

Desvencilhado do intuito de se aprofundar no tema, temos como iter criminis no ordenamento jurídico brasileiro as chamadas fases do crime. Isto é, o iter criminis nada mais é do que as fases ou planos que o agente transcorre até chegar na efetiva execução e, possivelmente, na consumação do delito que se pretendia praticar.

A doutrina pátria costuma dividir o iter criminis em duas fases, qual seja uma fase interna e outra externa, sendo que cada uma delas possui suas sub divisões.

Na fase interna, temos os fatores que ocorrem na mente do agente, devendo ser destacada a fase da “cogitação”. Cogitação nada mais é que os pensamentos do agente no sentido de praticar um delito, ou seja, quando ele detém raciocínios criminosos, visando a prática delitiva, sem, porém, exterioriza-los. Veja que, aqui, o sujeito apenas pretende praticar um delito, detém uma ideia criminosa.

Passada a fase interna, temos a exteriorização da vontade que antes se continha dentro do pensamento do agente, ou seja, a partir do momento em que o indivíduo começa a praticar atos físicos visando à prática criminosa temos o início da fase externa.

Em suma, a fase externa é dividida em três planos, quais sejam o de atos preparatórios, a execução e a consumação.

Execução nada mais é que a prática propriamente dita do verbo tipificado em lei, sendo que, em caso de preenchimento de todos os elementos do tipo legal, têm-se a consumação do delito.

No entanto, a teor do presente trabalho, cabe-nos voltar a atenção aos atos preparatórios, que são assim definidos por NUCCI (2014, p. 279):

É a fase de exteriorização da ideia do crime, através de atos, que começam a materializar a perseguição ao alvo idealizado, configurando uma verdadeira ponte entre a fase interna e a execução. O agente ainda não ingressou nos atos executórios, daí por que não é punida a preparação no direito brasileiro. (grifo nosso)

Vejamos, portanto, que os atos preparatórios nada mais são que atos praticados pelo indivíduo que o colocam em situação passível de início de execução do delito pretendido. Destarte, ato preparatório é a pratica de atos que circundam a execução do crime, atos de caráter secundário que, apesar de estarem relacionados a futura pratica criminosa, não fazem parte do núcleo do tipo penal.

São exemplos de atos preparatórios: ir até a residência que se pretende furtar; adquirir uma escada que ajudará a transpor o muro; se esconder para surpreender a vítima; conseguir um automóvel e se locomover até o local do crime; sondar vítimas de eventual estelionato; Enfim, são incontáveis os exemplos de atos preparatórios.

Pois bem. Fator que nos cabe ressaltar, inclusive se relaciona com a parcela destaca do texto supracitado, é o de que nosso ordenamento jurídico tem como regra a não tipificação, e consequente punição, de atos meramente preparatórios, posto que estes sequer caracterizam início de execução do delito pretendido e sem início de execução ou, neste giro, sendo o delito sequer tentado, não há que se falar em punição.

Notório que há possibilidade de um ato preparatório ser punido, ocorrência perceptível quando o referido ato caracteriza delito autônomo. Por exemplo, o agente que pretende praticar um homicídio e transita portando uma arma de fogo, ainda que sequer haja disparo ou que venha se encontrar com a vítima em potencial, pode vir a praticar crime, caso não possua o competente porte e registro do instrumento. Entretanto, neste caso o crime praticado é o de porte ilegal de arma de fogo e não há que se falar em homicídio.

Posto esta parcela teórica, tendo em mente as argumentações políticas acerca do tema suscitadas no início deste capítulo, clarividente que o porte de arma branca surge como ato preparatório punível de eventual crime posterior.

Ora, se os legisladores relatam que o porte deve ser criminalizado em decorrência da utilização das armas brancas para prática de crimes mais graves, nos parece notório a justificativa no sentido de se tipificar um ato preparatório relacionado a conduta futura.

Neste giro, verifica-se que o intuito de parte do Poder Legislativo não vem sendo a análise cuidadosa da conduta de portar arma branca em si, mas sim de relacioná-la a delitos posteriores. Não se tem o estudo unitário do porte de arma, mas sim o de um único ato compreendido no conjunto de atos que visam a prática de um delito. O que se vem pretendendo dentro do Poder Legislativo brasileiro é a criminalização de um ato preparatório de eventual crime posterior.

Evidente que não há ilegalidade na tipificação de um ato tido como preparatório. Conforme exposto a regra é a de não punição, porém, comporta exceções, dentre elas o clássico exemplo do porte de arma de fogo, anteriormente suscitado.

Entretanto, de início já podemos ver algumas incongruências que se ocasionarão na legislação pátria a depender de como a criminalização seja aprovada.

Há indícios de que parte dos legisladores defendem não somente a criminalização, mas também a previsão de um preceito secundário mínimo elevado, tendo em vista a necessidade de se manter o indivíduo preso cautelarmente durante o transcurso da ação penal.

De prontidão já poderíamos denotar violação ao princípio da proporcionalidade, visto que uma infração de perigo abstrato desta magnitude não poderia ter cominada uma pena de reclusão.

Ainda, a depender da pena cominada, a punição pelo “crime meio” (porte de arma branca) pode vir a ser demasiadamente superior em comparação ao eventual crime fim que se pretendia – sequer existe – praticar.

Melhor dizendo, se houver a previsão de uma pena mínima de 3 (três) anos para o porte de arma branca, como defendem alguns congressistas, o indivíduo condenado por este crime pode receber uma pena maior do que aquele condenado por lesão corporal, em qualquer dos seus graus, ou até mesmo por um roubo não consumado.

Ora, a pena mínima para uma lesão corporal de natureza gravíssima é de 2 (dois) anos. A pena mínima do crime de roubo é de 4 (quatro) anos, sendo diminuída de pelo menos 1/3 (um terço) em se tratando de modalidade tentada.

Veja que a punição pelo porte de arma branca nos moldes supracitados acaba sendo mais onerosa do que o próprio crime que o agente poderia vir a cometer. Isto é, estaríamos punindo mais severamente aquele que presumimos querer praticar determinado delito, do que o sujeito que efetivamente o pratica.

Chegaríamos em determinado ponto em que, por exemplo, para o delinquente seria mais benéfico praticar a lesão corporal gravíssima, responder somente por este crime em decorrência do principio da consunção e receber uma pena de 2 (dois) anos, do que ser flagrado por agentes policiais antes de qualquer agressão e ser-lhe imputado o porte de arma branca, pelo qual receberá uma pena de 3 (três) anos.

Estaríamos diante de clarividente incongruência, incompatibilidade e desproporcionalidade do ordenamento, pelo qual se pune mais severamente, em decorrência de perigo abstrato, aquele que se presume que irá praticar um delito, e de forma menos gravosa aquele que efetivamente pratica o crime, causando perigo concreto.

Apesar de discordarmos, inclusive, da tipificação do porte de arma branca como contravenção penal, parece-nos inevitável que os nossos legisladores tomem alguma atitude, tendo em vista que o atual cenário social expõe o contexto em que eles costumam tomar medidas legislativas, as quais, ao nosso ver e conforme elencadas anteriormente neste trabalho, tem sido ineficazes.

Deste modo, em que pese pudéssemos traçar outras variadas criticar acerca da criminalização da conduta em tela, passemos a indicar o que talvez seria uma saída mais compatível e congruente para com o nosso ordenamento jurídico, caso haja real necessidade na mudança de tratamento do porte de armas brancas.

No ordenamento jurídico penal, especificamente a partir do artigo 59 do Código Penal, temos as previsões relativas ao cálculo da pena do agente que porventura vem a ser condenado por prática delituosa.

Todo o sistema trifásico de cálculo da pena fora moldado, dentre outras finalidades, para atender ao princípio da individualização da pena, o qual preceitua que a pena a ser aplicada deve ser moldada ao caso concreto e atender as características pessoais do condenado. Isto é, a depender do contexto em que o crime fora praticado, bem como de quem o praticou, a pena será variável, inclusive podendo ser estabelecida aquém do mínimo ou além do máximo cominados no tipo penal.

Dentro do cálculo, há institutos aplicáveis que visam moldar a pena, seja para aumenta-la ou diminui-la, a fim de atender a personalidade e, principalmente, a culpabilidade do agente.

Neste interim, verifica-se que conforme a gravidade, culpabilidade e responsabilidade do agente seja elevada para o tido como comum ao caso previsto, a pena do agente será aumentada, sendo que temos dois principais institutos neste sentido, quais sejam as agravantes e as causas de aumento de pena. Isto é, pautado no caso concreto, a depender das circunstâncias que circundam a prática criminosa, o agente poderá ter sua pena agravada ou aumentada.

No tocante a utilização de armas brancas para atos de violência ou grave ameaça, como são costumeiramente empregadas atualmente, parece-nos mais prudente uma alteração legislativa que a venha tratar como agravante genérica, dentro do rola do artigo 61 do Código Penal, do que considera-la como crime autônomo.

Melhor dizendo, pela dogmática penal e, inclusive, pautado nos fundamentos políticos para eventual mudança legal, demonstra-se conveniente o tratamento do emprego de armas brancas como agravante genérica, as quais visam agravar a pena do agente de acordo com a sua maior culpabilidade.

Veja, se faz lógico agravar a pena do agente que se vale de uma faca para praticar violência ou grave ameaça quando comparada ao agente que pratica o mesmo delito sem utilização de qualquer instrumento potencialmente lesivo.

Sendo assim, diante de eventual necessidade de mudança de tratamento, surge como hipótese mais plausível e coerente para com os ensinamentos penais, inserir o emprego de arma branca como agravante genérica, ao invés de criminaliza-la como crime autônomo pelo simples fato de se presumir que será utilizada posteriormente em outro delito, vez que, na primeira opção, pune-se aquele que efetivamente prática um delito grave.

5 A PUNIÇÃO PELO PORTE DE ARMA BRANCA COMO FORMA DE ETIQUETAMENTO

Ciência autônoma, porém paralela ao Direito Penal, a Criminologia detém dentro dos seus estudos uma linha de estudo denominada de etiquetamento ou estigmatização ou, ainda, labeling approach.

Sabe-se que a Criminologia divide seus estudos entre o crime, a vítima, o controle social e o criminoso. Neste último plano, durante a década de 50, surgiu nos Estados Unidos a chamada “Nova escola de Chicago”.

Esta “escola” nada mais é que um conjunto de estudiosos que propagaram seus estudos criminológicos, dentre os quais se encontravam a linha de raciocínio inicialmente destacada.

Em suma, a teoria do etiquetamento nada mais é do que a rotulação dos indivíduos que já se viram envoltos em uma relação criminal, sendo classificados como sujeito ativo de um ato delitivo.

Relata a teoria supracitada que o agente que é acusado e, porventura, condenado por um crime, por vezes passa a ser estigmatizado pela sociedade em que convive. Isto é, o indivíduo que se vê como Réu em uma ação penal ou porta antecedentes criminais automaticamente passa a ser alvo de preconceito da sociedade, sendo taxado como criminoso incessantemente.

Dentre os mais variados preconceitos sociais, indiscutível que há rotulação e desconfiança em relação àqueles que já estiveram envolvidos com ações criminosas, ainda que de menor gravidade.

De acordo com Yasmin Maria Rodrigues Madeira Costa (2005, p.34), pode se considerar estigma como:

[...] uma classificação social por meio da qual um grupo de indivíduos identifica outro de acordo com o certos atributos reconhecidos pelos sujeitos que classificam como negativos ou desabonadores. A própria palavra “favelado” traz o sentido de estigma, não significando tão somente o “morador de favela”, mas denota uma identidade social negativa.

Pois bem. Sem intenção de aprofundar o texto em relação à teoria criminológica em apreço, optamos por trazê-la à baila para elaboração de um raciocínio entrelaçado com eventual criminalização do porte de armas brancas.

Exaustivamente já destacamos que atualmente o porte de arma branca é previsto como contravenção penal, sendo que há clarividente intenção dos legisladores em elevá-lo a condição de crime.

Aparentemente, a tipificação em si não sofreria mudanças consideráveis, ou seja, continuaria a ser uma infração de perigo abstrato, que não exige intenção específica por parte do sujeito ativo para configuração, enfim, manteria os mesmos traços atuais, alterando-se basicamente sua natureza jurídica e classificação dentro do ordenamento criminal.

Imaginando a tipificação de referida conduta como crime, passa-se à análise de como ocorreria sua caracterização.

Diz-se na imprensa que, obviamente, aqueles que estiverem portando arma branca em decorrência da atividade laboral que exerce ou, ainda, por motivos de atividades justificáveis, teriam sua conduta considerada como atípica.

Entretanto, como seria realizado este exercício de verificação? Quais seriam os critérios utilizados para verificação da (a) tipicidade? Há critérios razoáveis neste contexto? Quais seriam as circunstâncias preponderantes para caracterização do delito?

Parece-nos que a criminalização da conduta é altamente vaga, sendo que seu enquadramento como crime deixaria indivíduos a mercê de uma grave consequência, causando considerável insegurança jurídica. Afinal, como saber como a autoridade que eventualmente lhe surpreender portando uma face irá interpretar o caso?

No caso em tela, novamente trazendo à superfície os argumentos legislativos no sentido de que a criminalização visa atingir os indivíduos que pretendem praticar crimes mais graves com o emprego de armas brancas, nos leva a crer que serão enquadrados como sujeitos ativos deste novo crime os agentes que se possa presumir que detinham intenção delitiva futura.

Isto é, imputar-se-á o porte de armas brancas em relação aos agentes que as autoridades policiais e judiciais presumirem que iriam praticar um segundo delito, mediante emprego daquela arma.

Ocorre, entretanto, que todo e qualquer exercício de presunção leva em consideração uma considerável carga de subjetividade daquele que se coloca a interpretar a situação fática.

Neste interim, parece nítido que as consequências sobrevirão atinentes àqueles que são alvos de etiquetamento pela sociedade. Ora, crível supor que o crime basicamente será imputado aos agentes que sofrem preconceito de raça, cor e classe social perante a sociedade, uma vez que são estes que a sociedade supõe que irão praticar crimes.

Inegável que os fatores acima destacados causam na população pensamentos preconceituosos, culminando em pensamentos estigmatizadores em relação a determinados agentes a depender da posição que ocupam na pirâmide social.

Em relação a esta atuação preconceituosa natural da sociedade, expõe Luiz Fernando Kazmierczak (2010, p. 38):

Basta o sujeito ter passado pelos corredores da justiça criminal para ser apontado pelos demais como criminoso. É contumaz que a sociedade não questione acerca dos motivos, razões e circunstâncias da prática do ato, ou mesmo se o foi reparado, ela apenas enxerga naquele indivíduo a marca deixada pelo sistema penal, criando o estigma do delinquente. Com isso, a pena se perpetua na pessoa do condenado mesmo após o seu integral cumprimento na seara da justiça penal.

Logo, com pesar, parece possível afirmar que as imputações deste eventual crime que se pretende inserir no ordenamento jurídico, atingirá a parcela estigmatizada, rotulada e etiquetada da sociedade, que é tratada, sem maiores fundamentos, como potencialmente criminosa.

Sendo assim, além da incompatibilidade para com os ditames do Direito Penal, a criminalização do porte de arma branca nos faz crer na criação de mais um instrumento de preconceito e exclusão social na sociedade brasileira, posto que fatalmente a conduta será imputada aos agentes que a sociedade, discriminatoriamente, trata como potenciais criminosos.

6 CONCLUSÕES

Por todo o exposto, infelizmente, podemos traçar algumas considerações desanimadoras que traduzem a atuação legislativa e social na seara do ordenamento criminal brasileiro.

Ao que se vê, o Poder Legislativo em sua maioria vem sendo movido com fulcro em comoções sociais que apelam por combate eficaz da criminalidade que assola nosso país.

Ocorre que os anseios sociais, comumente, são no sentido de exigir maior criminalização e punição de condutas, fator, este, deveras ineficaz quando utilizado solitariamente em contraponto a delinquência.

A política criminal com um mínimo de eficiência passa pela atuação em diversas camadas e setores sociais, sendo que a atuação do Direito Penal, principalmente por meio de punição, é tão somente o fim de um caminho que se inicial longinquamente antes.

Em relação ao objeto central de estudo do presente trabalho, qual seja eventual criminalização do porte de arma branca, entendemos se tratar de mais uma medida emergencial e descuidada do nosso legislativo, visando apenas afagar os anseios sociais, passando uma falsa sensação de repressão eficaz em relação aos agentes criminosos.

Ainda, de acordo com o raciocínio traçado, em caso de real necessidade de alteração legislativa, parece-nos que surge como hipótese cabível e sensata a inclusão da utilização de instrumentos potencialmente lesivos para prática criminosa no rol de agravantes genéricas, previsto no artigo 61 do Código Penal ou, eventualmente, como causa de aumento de pena em determinados crimes.

A simples e pura criminalização do porte de arma nos leva a crer que consistirá em violação e não observâncias dos princípios básicos que sustentam o Direito Penal, como por exemplo o da intervenção mínima e fragmentariedade.

Por fim, ressalta-se que eventual criminalização de referida conduta traz fundado risco de ser utilizada como instrumento de preconceito e estigmatização de parcela da população, posto que lhe será imputada uma acusação com fundamento em presunção de prática criminosa futura.

Sendo assim, conclui-se que o caso exposto, caso concretizado, traduz, novamente, mais uma atuação descomedida e temerária do Poder Legislativo brasileiro, o qual vem se pautando basicamente com punição e segregação dos agentes criminosos, sem qualquer preocupação com as reais causas da criminalidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1] Notícia completa no Portal G1 - http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/05/medico-e-esfaqueado-na-lagoa-rodrigo-de-freitas-rj.html

[2] Desarquivamento solicitado pelo Deputado Federal Leonardo Picciani – Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/apos-morte-de-medico-deputados-desengavetam-projeto-que-criminaliza-porte-de-arma-branca-16242690

Sobre o autor
João Augusto Arfeli Panucci

Graduado em Direito pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pelo Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente/SP. Professor Assistente de Direito Penal e Prática Jurídica Penal. Professor Titular de Filosofia do Direito. Advogado.

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