8 – CONCLUSÕES
1. Superando velhas concepções absolutistas, a idéia da função social alterou a estrutura do direito de propriedade, convertendo-o em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que, transcendendo o simples interesse do proprietário, venham a satisfazer indiretamente as necessidades dos demais membros da comunidade.
2. Na Constituição de 1988, a função social da propriedade tem status de princípio constitucional que norteia o exercício do direito de propriedade (inciso XXIII do art. 5º e inciso III do art. 170). Nada obstante, a Constituição também materializou regras relativas à função social em artigos específicos (redação original do §1º do art. 156, hoje alterado pela EC n. 29, de 13/09/2000; §2º do art. 182; caput do art. 184; par. único do art. 185; art. 186; e inciso I do §1º do art. 173, na redação dada pela EC n. 19, de 04/06/98).
3. A função social vigora em relação a toda e qualquer propriedade privada, material ou imaterial, individual ou coletiva, urbana ou rural, móvel ou imóvel, cabendo à lei regular a forma com que se considera atingido o princípio em relação a cada tipo de propriedade, conforme a destinação reservada aos respectivos bens.
4. No entanto, ao disciplinar os requisitos de cumprimento da função social, não poderá o legislador desviar-se de sua finalidade normativa, erigindo deveres desarrazoados ou que tornem impraticável o exercício do direito de propriedade. Ademais, a não-satisfação do princípio só haverá de acarretar as conseqüências estabelecidas na própria Constituição.
5. A alteração da estrutura do direito de propriedade promovida pelo princípio da função social justifica a releitura das normas infraconstitucionais acerca da propriedade, mesmo aqueles antigos institutos de direito privado, cujas origens remontam o tempo do direito romano.
6. Nessa perspectiva, o novo Código Civil, instituído pela Lei 10.406/2002, incorpora a preocupação com a observância do princípio da função social em muitos momentos, a começar da própria conceituação do direito de propriedade em geral, cujo exercício deverá pautar-se de acordo com finalidades econômicas, sociais e voltadas à preservação do equilíbrio ecológico, do patrimônio histórico e artístico (§1º do art. 1.228).
7. Além disso, a influência do princípio da função social da propriedade na Lei 10.406/2002 é sentida em várias outras inovações normativas, entre as quais se destacam: (a) a supressão da garantia de proteção do direito do proprietário se desenvolvidas atividades por terceiros a "uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las" (art. 1.229); (b) a proibição ao abuso do direito de propriedade (§2º do art. 1.228); (c) diminuição do prazo de usucapião considerando a fixação, no imóvel, de moradia habitual ou a realização de obras ou serviços de caráter produtivo (par. único do art. 1.238); (d) a alienação forçada prevista nos §§4º e 5º do art. 1.228; (e) a aquisição de propriedade por meio de construção invasora (arts. 1.258 e 1.259); (f) a facilitação da caracterização do abandono de imóvel foi facilitada; (g) a tolerância ao uso nocivo da propriedade quando existente interesse público que justifique a perturbação (art. 1.278, caput); (g) o direito de passagem de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito dos prédios vizinhos (art. 1.286); (h) a vedação de poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores (no art. 1.291); (i) a proibição de construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes (art. 1.309), bem como de escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais (art. 1.310).
8. Nada obstante, tais inovações despertarão problemas sérios, especialmente a alienação forçada, bem assim nem sempre representam progressos, a exemplo do art. 1.309, se comparadas com a legislação preexistente. No entanto, é positivo o saldo deixado pela nova codificação em matéria de regulamentação do princípio da função social.
Notas
01. Mais exatamente, anota EROS ROBERTO GRAU, o pressuposto da função social é a propriedade privada, pois seria pleonasmo falar-se em função social da propriedade coletiva (Os princípios e as regras jurídicas. In ____. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). São Paulo: RT, 1990, p. 244). Ressalte-se que esse comentário de GRAU consta em obra publicada em 1990. Porém, ele próprio já havia mencionado a possibilidade de a função social se referir às empresas estatais, como veio a ser recentemente positivado pela EC n. 19/98, que alterou a redação do art. 173, referindo-se à função social das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias.
02. A expressão é de EROS ROBERTO GRAU (op. cit., p. 251).
03. Pela didática divisão das limitações da propriedade feita por ARNOLDO WALD (Curso de direito civil brasileiro. Vol. III. Direito das coisas. 10. ed. São Paulo: RT, p. 114 e seguintes), podem-se distinguir três ordens de limitações. As voluntárias formam aquelas criadas por ato dispositivo do próprio proprietário, como a concessão de direitos reais limitados em favor de terceiros (usufruto, servidão, uso), bem assim a instituição de cláusulas resolutórias que eliminam o caráter perpétuo do direito (fideicomisso, venda com reserva de domínio, alienação fiduciária) ou a faculdade de dispor do bem (cláusula de inalienabilidade). As existentes no interesse particular são limitações às quais se enquadram as regras de direito de vizinhança, em caráter suplementar às limitações administrativas. Por fim, as limitações existentes no interesse público, segundo WALD, são repercussão das emanações da soberania estatal representadas pela tributação, a desapropriação e a requisição. Sobre essas últimas, porém, os administrativistas não concordam com tal classificação lato sensu de limitações. Preferem eles distinguir espécies pertencentes ao gênero das restrições do Estado sobre a propriedade privada, entre as quais se incluem as chamadas limitações administrativas propriamente ditas (v. g., DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 101/153).
04. Nesse sentido, com fulcro em estudo de CARLOS ARI SUNFELD, veja-se EROS ROBERTO GRAU, op. cit., p. 250-251. Cf. especialmente o artigo de ARAÚJO SÁ, Adonis Callou de. Função social da propriedade e preservação ambiental. Boletim dos Procuradores da República, n. 19, p. 10-18, nov. 1999).
05. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 276.
06. Função social da propriedade e preservação ambiental, Boletim dos Procuradores da República, n. 19, p. 10-18, nov. 1999.
07. Cf. "O papel do Poder Judiciário na efetivação da função social da propriedade". Cadernos Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares n. 2, nov. 2001, p. 36.
08. Teoria de derecho agrario, v. 2, p. 472-473, apud BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 8-9.
09. Apud TEPEDINO e SCHREIBER, op. cit., p. 40.
10. Direito agrário brasileiro. 2. ed. Goiânia: AB Editora, 1998, p. 49-53.
11. BORGES, op. cit., p. 5 e seguintes.
12. Apud MARQUES, op. cit., p. 49.
13. MARQUES, op. cit., p. 50.
14. Op. cit., p. 38.
15. Idem.
16. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 104/105.
17. É este o teor do art. 2º do Estatuto da Terra, na parte em que tratou da função social:
"Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem."
18. Cf. art. 157, III, da CF/67 e art. 160, III, da CF/69.
19. Op. cit., p. 105/106.
20. Sobre o assunto, cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 350-389.
21. Nesse sentido, apoiando-se em ALEXY, DWORKIN e CRISAFULLI, cf. PAULO BONAVIDES, Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 243. Outrossim, v.g.: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.086; GRAU, op. cit., p. 122-128; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141; BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade de leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 153. Contra: JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a junção de regras e princípios no conceito de normas "exige a conceituação precisa de norma e regras, inclusive para estabelecer a distinção entre ambas, o que os expositores da doutrina não têm feito, deixando assim obscuro seu ensinamento" (Curso..., p. 96).
22. É importante de antemão evidenciar que o conceito adotado de "disposição" é sinônimo do de "preceito", mas se difere daquele de "norma jurídica". Com base em CANOTILHO e VITAL MOREIRA, designar-se-á "por ‘disposição’ ou ‘preceito’ o simples enunciado de um texto ou documento normativo; e por ‘norma’ o significado jurídico-normativo do enunciado lingüístico" (Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 47). Equivale a dizer, "disposição é a parte de um texto ainda a interpretar" e "norma é parte de um texto já interpretado" (CANOTILHO, Dir. const. e teoria..., p. 1.128).
23. Cf. REVORIO, Franciso Javier Días. Valores superiores e interpretación constitucional. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 1997, p. 101-102.
24. Dir. const. e teoria..., p. 1.177.
25. Cf. REVORIO, op. loc. cit.
26. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 545-546. Esse conceito de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO também é adotado por BARROSO, op. cit., p. 143 e citado por GRAU, op. cit., p. 97.
27. Op. cit., p. 49.
28. Curso..., p. 96. Tal conceito é válido para o presente estudo, a despeito de seu autor não concordar com a submissão dos princípios ao gênero das normas.
29. Op. cit., p. 257.
30. Segundo CANOTILHO, a distinção entre princípios e regras pode ser apontada pelos seguintes critérios: a) grau de asbtração; os princípios são normas com grau de abstração superior; b) grau de determinalidade: na aplicação do caso concreto, ao contrário dos princípios, as regras são suscetíveis de aplicação direta; c) caráter de fundamentabilidade: os princípios são normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico, devido à sua posição de hierárquica no sistema das fontes de direito ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico; d) "proximidade" da idéia do direito: os princípios são "standards" juridicamente vinculantes radicados nas exigências de "justiça" (DWORKIN) ou na "idéia de direito" (LARENZ), enquanto as regras podem ser vinculativas em razão de conteúdo meramente funcional; e) natureza normogenéticas: os princípios são fundamentos que constituem a ratio das regras jurídicas. Cf. Direito constitucional..., p. 1.086-1.087.
31. GRAU, de sua vez, utilizou-se de vários autores, com aparente predileção pelas lições de RONALD DWORKIN.
32. Apud BONAVIDES, op. cit., p. 253. No mesmo sentido, GRAU, op. cit., p. 107.
33. Contrariamente, ALEXY admite obtemperamento ao caráter definitivo das regras exposto por DWORKIN. Diz o mestre alemão que, em razão da decisão de um caso concreto, é possível introduzir numa regra alguma cláusula de exceção a partir da qual aquela perde seu caráter definitivo para a decisão. Afirma ainda que a cláusula de exceção pode ser criada com base num princípio, daí por que, ao contrário do que pretende DWORKIN, existiriam cláusulas de exceção que não poderiam sequer ser teoricamente enumeradas, conferindo assim às regras certo caráter prima facie (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2. reimp. Madrid: Centro de Estudos Políticos y Constitucionales, 2001, p. 99-100). No entanto, como ficará melhor exposto, tal concepção de ALEXY gera problemas no estudo da questão relativa ao afastamento ou não da regra quando há de prevalecer, contra o princípio que lhe dá base, um princípio opositor.
34. É bem verdade que, para atingir a abstração e generalidade desejadas, as regras jurídicas devem ser formuladas em linguagem textual aberta, mas nem por isso é acertado dizer que estejam elas sujeitas a exceções que não podem ser previamente especificadas. De efeito, é justamente em razão de sua "textura aberta" que se admite que uma regra se aplique a esta e não àquela situação. Mesmo quando a regra não seja aplicada em face de situações futuras, pois não contempladas em seu enunciado, não há que se falar em exceção, e sim em não incidência da regra. Cf. GRAU, op. loc. cit.
35. A idéia de conformação dos princípios como mandamentos de otimização (Optimierungsgebot) é de ALEXY (Teoria..., cit.) e parece ser também adotada por CANOTILHO, que trata os princípios como "normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos" (Direito constitucional e teoria..., p. 1.087). Mas nem por isso a idéia passa incólume pelo crivo crítico da doutrina, como demonstra INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, ao dizer que o raciocínio de ALEXY não é utilizável "somente na aplicação dos princípios, mas também na concretização de todo e qualquer standard normativo" (COELHO, Inocêncio Mártires. Elementos de teoria da Constituição e de interpretação constitucional. In ____; BRANCO. Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 76op. cit., p. 51).
36. Teoría..., p. 99. CANOTILHO se vale de conceito praticamente idêntico. Para ele, princípios "são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas." (Op. cit., p. 1.177)
37. ALEXY, op. loc. cit.
38. ALEXY, idem.
39. Os princípios..., p. 113.
40. Os conceitos de concretização e densificação de uma norma são aqueles mesmos expostos por CANOTILHO (Dir. constitucional e teoria..., p. 1.127).
41. Comentando os princípios constitucionais, é digna de nota a delimitação de um sistema interno de princípios e regras constitucionais exposto por CANOTILHO. Para o autor, também os princípios constitucionais respeitam certa graduação, conforme os diferentes graus de concretização (densidade semântica) que possuem. Dessa forma, CANOTILHO sugere a articulação de esquema progressivo de densificação dos princípios constitucionais (princípios estruturantes → princípios constitucionais gerais → princípios constitucionais especiais), até a densificação feita pela atuação (→) das regras constitucionais, formando assim um sistema de "esclarecimento recíproco". CANOTILHO diz ainda que os princípios estruturantes não são densificados apenas por esses princípios e regras constitucionais. Assevera que o processo de concretização acontece, principalmente, pelas regras feitas pelo legislador (concretização legislativa) e pela aplicação do direito pelos tribunais (concretização judicial), culminando com a descoberta da "norma de decisão" do caso jurídico-constitucional, ponta final do processo de concretização do princípio. A despeito disso, porém, para CANOTILHO, todas as normas originais de uma constituição têm o mesmo valor (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 70-71), sendo improcedente a eleição de normas constitucionais "fortes" e "fracas", bem como a doutrina da existência de normas constitucionais originais inconstitucionais.
42. CANOTILHO. Dir. const. e teoria..., p. 1.127.
43. O choque pode ser evitado com a introdução de cláusula de exceção em uma das regras, prevendo-se hipótese de aplicação da outra. Nesse sentido, cf. ALEXY, op. cit., p. 88.
44. Por todos, confira-se a exposição de NORBERTO BOBBIO (Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1999, p. 91-110) acerca da antinomia jurídica, cujos critérios de resolução foram em três resumidos (lex superior derogat inferiori, lex specialis derogat generalis e lex posterior derogat priori).
45. Op. cit., p. 251.
46. GRAU, op. cit., p. 134. Aqui, portanto, segue-se caminho diverso do adotado para ALEXY, segundo o qual, diferentemente do princípio, uma regra não é deixada de lado (soslayada, na tradução espanhola) quando, num caso concreto que se deve decidir, o princípio oposto tenha maior peso que o princípio sobre o qual se apóia a regra (op. cit., p. 100). Afigura-se que o equívoco de ALEXY é reflexo de sua tentativa de infirmar a tese do caráter definitivo das regras exposto por DWORKIN, o que deu margem à afirmação de ser possível introduzir numa regra cláusula de exceção baseada em determinado princípio contrário, daí por que a regra perderia seu caráter definitivo para a decisão do caso concreto. Foi em razão disso que ALEXY teve de aceitar ficasse de pé uma regra, a despeito de prevalecer, no caso, o princípio oposto.
47. O que não impede, porém, como leciona CANOTILHO, que a própria Constituição já alinhe certas regras que densifiquem o princípio da função social da propriedade.
48. Cf. SILVA, Curso..., p. 285.
49. Aqui, porém, a utilização do princípio da função social se desviou daquela empregada pelo Constituinte originário, pois se refere à função social das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias.
50. Op. cit., p. 247.
51. Nesse sentido: BENEDITO FERREIRA MARQUES, para quem o princípio incide "sobre qualquer bem, corpóreo ou incorpóreo" (op. cit., p. 50). Ademais, nas palavras de JOSÉ AFONSO DA SILVA, a função social atinge "a propriedade em geral" (Curso..., p. 284), daí por que se estende "a todo e qualquer tipo de propriedade" (ibidem, p. 780).
52. SILVA, Curso..., p. 277. No mesmo sentido, ARAÚJO SÁ, op. loc. cit.
53. Exceção é o artigo 186 da CF/88, que, ao cuidar da função social da propriedade rural, acabou por reduzir a margem regulatória do legislador, ao estabelecer os requisitos previstos nos incisos I a IV.
54. Sobre o assunto, afirma CELSO RIBEIRO BASTOS haver "uma perfeita sintonia entre a fruição individual do bem e o atingimento da sua função social." (Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 210).
55. Op. cit., p. 249.
56. BASTOS, op. cit., p. 210.
57. No caso, por exemplo, da propriedade sobre bens de consumo e de uso pessoal, anota JOSÉ AFONSO DA SILVA que, em razão do princípio da função social, justifica-se até "a intervenção do Estado no domínio da sua distribuição, de modo a propiciar a realização ampla da função social." (Curso..., p. 779.)
58. Op. cit., p. 276.
59. Op. cit., p. 48-49.
60. Tal norma foi recentemente regulamentada pela Lei 10.257/2001, cujo projeto aprovado pelo Congresso acabou por consagrar (no Capítulo II da Seção II, que antecede os artigos 5º a 6º), ao lado do parcelamento e da edificação compulsórios, a figura da utilização compulsória, extrapolando assim a permissão constitucional contida no §4º, inciso I, do art. 182, motivo pelo qual foi vetado o inciso II do §2º do art. 5º do Estatuto da Cidade, ao fundamento de que "em se tratando de restrição a direito fundamental – direito de propriedade –, não é admissível a ampliação legislativa para abarcar os indivíduos que não foram contemplados pela norma constitucional" (Mensagem n. 730, de 10/07/2001, DOU de 11/07/2001, p. 5).
61. Norma disciplinada pela Lei 10.257/2001, artigo 7º.
62. Confira-se a regulamentação do art. 8º da Lei 10.257/2001.
63. Regulamentado pela Lei 8.257, de 26/11/91. Ainda sobre o assunto, foi oposto veto ao §8º do art. 8º do projeto que deu origem à Lei 10.409, de 11/01/2002 (cf. DOU de 14/01/2002). O dispositivo vetado excepcionava a expropriação se provada a boa-fé do proprietário que não estivesse na posse direta da gleba onde encontrado plantio ilegal.
64. Op. cit., p. 286.
65. Sobre o assunto do "núcleo essencial" dos direitos fundamentais, por todos, cf. BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. Aspectos da teoria geral dos direitos fundamentais. In ____; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 127.
66. Entendendo assim: SILVA, Curso..., p. 778.
67. Nesse sentido, v. g., ALCIR GURSEN DE MIRANDA, citado por FERREIRA MARQUES (op. cit., p. 52) e LIMA. Getúlio Targino. A posse agrária sobre bem imóvel: implicações no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1992.
68. MARQUES, op. cit., p. 53.
69. Ap. Cível n. 196005284/Santo Ângelo, Tribunal de Alçada do RS, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz WELLINGTON PACHECO BARROS, j. 11/04/96.
70. AGI n. 70001037027, 18ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. ILTON CARLOS DELLANDREA, julgado em 29/06/2000. No mesmo sentido: "Função social da propriedade não significa ensejar-se a invasão, a quem assim entender. Respeito à ordem jurídica, como inabalável valor para a coexistência civilizada." (APC n. 598450419, 20ª Câmara Cível, TJRS, Des. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, julgado em 26/10/1999.)
71. A Lei 10.257/2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição, cuida do Estatuto da Cidade.
72. Acerca da teoria dos poderes implícitos, segundo CARLOS MAXIMILIANO, "quando a Constituição confere poder geral ou prescreve dever franqueia também, implicitamente, todos os poderes particulares, necessários para o exercício de um, ou cumprimento do outro" (Hermenêutica e aplicação do direito. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 312). Para maiores detalhes na doutrina pátria, cf. BONAVIDES, Curso..., p. 430-434.
73. Esse dispositivo, atualmente, encontra-se com a redação alterada por força da MP 2.183-56, de 24/08/2001, a qual, porém, não alterou substancialmente esse aspecto da questão.
74. De qualquer modo, está atualmente em vigor a MP 2.183-56/2001, cujo artigo 2º promove alteração na redação do art. 6º do Estatuto da Terra, com a exata finalidade de deferir ao INCRA competência para, mediante convênio, delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o cadastramento, as vistorias e avaliações de propriedades rurais situadas no seu território, bem como outras atribuições relativas à execução do Programa Nacional de Reforma Agrária, observados os parâmetros e critérios estabelecidos nas leis e nos atos normativos federais.
75. O conceito de módulo fiscal é aquele decorrente da alteração do texto do art. 50 do Estatuto da Terra, por força da Lei 6.746, de 10/12/79.
76. Sobre a definição de imóvel rural, cf. art. 4º, inciso I, da Lei 8.629/93. Porém, deve-se atentar à grande celeuma apontada pelos jus-agraristas, que remontam a importância do critério da destinação da gleba para fins de sua categorização como imóvel rural, o que encontra óbices em razão da definição contida nos artigos 29 e 32 do Código Tributário Nacional. Acerca do assunto, cf. o julgado do STF no RE 93.850/MG, Pleno, Min. MOREIRA ALVES, RTJ 105/194 e especialmente a ótima exposição de MARQUES, op. cit., p. 37-44.
77. Cf. SILVA, Curso..., p. 786.
78. Op. cit., p. 212.
79. Nesse sentido, citando trabalho de ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA, cf. MARQUES, op. cit., p. 56-57.
80. Cf. ARAÚJO SÁ, Função social..., cit.
81. STF, Pleno, MS 22.328/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJU de 19/09/97, p. 45.583.
82. Eis o teor dos dispositivos inseridos no art. 2º da Lei 8.629/93:
"§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.
§ 7º Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações.
§ 8º A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos."
83. Sobre o assunto, não custa repetir, veja-se o excelente artigo, já citado, do Procurador da República no Ceará ARAÚJO SÁ, que traça a ligação entre o cumprimento da função social e a proteção do meio ambiente.
84. Comentando a questão da "razoabilidade interna", cf. BARROSO, Luís Roberto. O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 23, p. 65-78, abr./jun. 1998.
85. Op. loc. cit.
86. Tanto já era princípio geral que WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO sustentava a existência de um interesse social que cerceava o proprietário que quisesse se opor à passagem de cabos empregados na tração do bonde aéreo do Pão de Açúcar ou à perfuração do solo para instalação do metrô (cf. Curso de direito civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva. 3. v., p. 93).
87. Sem modificar, porém, a regulação especial das jazidas, minas e demais recursos minerais, conforme dispõe o art. 1.230.
88. Tais comportamentos proibidos ocorrem com freqüência em condomínios edilícios, onde é maior a interação entre vizinhos. Exemplo é a intolerância frente ao uso de pequena parcela do espaço de garagem, inútil a seu proprietário.
89. Esse é um dos argumentos utilizados por ROBERT ALEXY para negar a existência de princípios absolutos (Teoria..., p. 106).
90. Em matéria de usucapião da propriedade móvel, manteve-se, no substancial, o mesmo regime do Código de 1916.
91. Curiosamente, o novo Código trata usucapião no feminino, enquanto o de 1916 o fazia no masculino. Corretas as duas utilizações, conforme Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.815), ainda que o Aurélio só aceite a forma feminina (14. reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [ca 1986], p. 1.434), não havia motivos para se alterar o tratamento legislativo.
92. Não olvidar a proibição de usucapião em imóveis públicos (arts. 183, §3º, e 191, par. único, da CF/88).
93. Atentar, porém, para o art. 2.029, que manda acrescer dois anos à contagem do prazo par. único dos arts. 1.238 e 1.242, até que se completem dois anos da entrada em vigor do novo Código.
94. Nesse sentido, CELSO RIBEIRO BASTOS enxerga nas previsões de usucapião contidas nos arts. 191 e 183 da CF/88 afinidade com o instituto da função social da propriedade (Comentários..., 7º vol, 1990, p. 336/337).
95. Omissa a previsão do usucapião nas Cartas de 1967 e 1969, o art. 156, §3º, da CF/46, o art. 148 da CF/37 e o art. 125 da CF/37 também falavam em "morada" do possuidor.
96. Cf. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.958.
97. Interpretando assim o art. 183 da CF/88, cf. CELSO RIBEIRO BASTOS, Comentários..., 7º vol, 1990, p. 228, rodapé).
98. Diz o art. 9º do Estatuto, ao tratar da usucapião especial de imóvel urbano:
"Art. 9ºAquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão."
99. Sobre o sentido lingüisticamente possível como limite objetivo da interpretação, cf. COELHO, Elementos..., p. 76.
100. Conferir o art. 2.029, que manda acrescer dois anos à contagem do prazo par. único dos arts. 1.238 e 1.242, até completar-se dois anos da entrada em vigor do novo Código.
101. Motivo a mais para reforçar a desejada cautela do juiz na verificação da hipótese do par. único do art. 1.238.
102. Confira-se o teor do dispositivo citado:
"Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes."
103. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. atualiz. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 508.
104. De se ressaltar que o velho Código também previa casos de alienação forçada, como no art. 632 (alienação de coisa indivisível em condomínio) e no art. 237 (suprimento da outorga uxória), hipóteses essas reguladas no novo Código nos artigos 1.322 e 1.648, respectivamente.
105. Por isso, deve o juiz condicionar o pagamento do preço ao pagamento dos tributos eventualmente incidentes sobre o imóvel.
106. É bem verdade que o novo Código, até dois anos após sua entrada em vigor, manda acrescer dois anos à contagem do prazo do §4º do art. 1.228, conforme art. 2.030, c/c art. 2.029. Mas isso não se confunde com condição de vigência.
107. Não é intenção deste trabalho o estudo dos aspectos processuais que subjazem o tema. Mas, à guisa de simples visão superficial, a petição inicial deverá fazer-se acompanhada da planta do imóvel, com memorial descritivo das benfeitorias e com a identificação de todos os co-possuidores (legitimados ativos necessários). Exige-se a citação dos confrontantes, a exemplo do art. 942 do CPC. Além disso, há interesse público na intervenção do órgão do Ministério Público (art. 82, III, do CPC), ainda que se trate de imóvel urbano. Obrigatória também a intimação dos titulares de direito real sobre o imóvel e dos representantes da Fazenda Pública dos três níveis da Federação, pois a alienação forçada é forma de aquisição originária da propriedade.
108. Não olvidar a regra de transição dos arts. 2.030 e art. 2.029, que acresce dois anos à contagem do prazo do §4º do art. 1.228, no período de até dois anos após a entrada em vigor do novo Código.
109. Com exceção, óbvio, das hipóteses em que o construtor era beneficiário da usucapião.
110. Outra novidade diz respeito à entidade para qual será revertida a propriedade dos imóveis rurais abandonados. O art. 589, §2º, do Código antigo (com redação da Lei 6.969, de 10/12/81), destinava os imóveis objeto de abandono ao Estado, Território ou ao Distrito Federal onde se encontrassem, não importando fossem urbanos ou rurais; o novo Código, mais consentâneo com a competência constitucional relativa à desapropriação para fins de reforma agrária, transfere à União a propriedade dos imóveis rurais.
111. A jurisprudência já se inclinava pela averiguação do grau de tolerabilidade do uso incômodo da propriedade em face dos usos e costumes locais (cf. fontes citadas por DINIZ. Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 426).
112. A matéria já era regulada pelo Código de Águas (Decreto 24.643, de 10/07/34), que revogou implicitamente os artigos 563 a 568 do antigo Código Civil. Porém, ficou mais clara a proteção às águas destinadas às primeiras necessidades dos imóveis inferiores. É que a disciplina do Decreto 24.643/34, numa leitura desavisada, admitia, em certas condições, a poluição de águas destinadas a interesses relevantes à agricultura ou indústria (art. 111). Contudo, se analisado seu art. 71, §3º, percebe-se que o Código de Águas dava preferência, sobre quaisquer outros, ao "uso das águas para as primeiras necessidades da vida."
113. Sobre crimes especialmente relacionados com a poluição das águas, cf. arts. 33, 53, I, e 54 da Lei 9.605, de 12/02/98.