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A (in)constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança

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Agenda 13/01/2016 às 09:42

Sendo estabelecidos os requisitos para a concessão do mandado de segurança pelo constituinte originário, o legislador ordinário não tem o poder de restringi-lo.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição republicana de 1891 previa, em seu art. 72, parágrafo 22, o manejo de habeas corpus sempre que o indivíduo sofresse ou se achasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.

No entanto, a Emenda Constitucional de 1926 restringiu expressamente sua abrangência aos casos de violência ou ameaça por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção. Portanto, era necessária a criação de um instrumento constitucional apto à proteção dos demais direitos fundamentais ante as arbitrariedades perpetradas pelo Estado.

Na ambição de cumprir este papel, o Mandado de Segurança foi inserido em nosso ordenamento pela Constituição Federal de 1934, consagrado ao lado do habeas corpus, para, nos termos do art. 113, 33, proteção de “direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade”, sendo posteriormente regulamentado pela Lei nº 191/1936.

Com exceção da Carta outorgada de 1937, o Writ of Mandamus teve lugar em todas as Constituições posteriores, sofrendo, entretanto, algumas modificações, até a fórmula presente na atual Constituição, dada pelo art. 5º, LXIX: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas-corpus’ ou ‘habeas-data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Por mais de meio século, o Mandado de Segurança foi regulamentado, no plano infraconstitucional, eminentemente pela anacrônica Lei nº 1.533/1951, juntamente com as Leis nº 4.348/64 e nº 5.021/1966, que também versavam acerca de particularidades da ação mandamental.

Revogando os referidos diplomas, em 7 de agosto de 2009, entrou em vigor a Lei nº 12.016, que disciplina o Mandado de Segurança, tanto na modalidade individual quanto na coletiva.

Destarte, será analisada a constitucionalidade da fixação, pelo legislador ordinário, de limitação temporal para a impetração da ação mandamental, no caso, o prazo de 120 dias previsto no art. 23, da Lei nº 12.016/09, ante o silêncio da Carta Magna a seu respeito.


2. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO PARA IMPETRAÇÃO do mandado de segurança

2.1. PANORAMA GERAL

O art. 3º da Lei nº 191/36 já fixava o prazo para impetração do Mandado de Segurança nos seguintes termos: “O direito de requerer mandado de segurança extingue-se depois de 120 dias, contados da sciencia do acto impugnado”.

A mesma previsão legal constava na antiga Lei do Mandado de Segurança, qual seja, a Lei nº 1.533/51, em seu art. 18; assim também no art. 331 do Código de Processo Civil de 1939.

Referida norma foi mantida pelo art. 23 da Lei nº 12.016/09, o qual estabelece que “o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”, do que se nota que até mesmo a redação é idêntica à primeva.

Ab initio, surgiram discussões provocadas por eminentes estudiosos acerca da constitucionalidade das referidas normas. À época da promulgação da Constituição de 1988, a Lei nº 1.533/51 teve sua recepção contestada, no ponto; já o art. 23 da Lei nº 12.016/09 tem sua constitucionalidade ainda questionada.

Nossa Carta Política, ao prever o Writ no art. 5º, LXIX, não delimita seu manuseio com fator temporal, consignando apenas que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas-corpus’ ou ‘habeas-data’, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Destarte, sustenta-se a inconstitucionalidade, a princípio, em razão de que não é dado ao legislador derivado, ou seja, infraconstitucional, o poder para restringir direitos e garantias fundamentais que não nos estritos termos constitucionais.

Sobre a regulamentação de garantias fundamentais, Gilmar Mendes ressalta que

não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. [...] Fica evidente, pois, que a intervenção legislativa não apenas se afigura inevitável, como também necessária. Veda-se, porém, aquela intervenção legislativa que possa afetar a proteção judicial efetiva[1].

O entendimento majoritário, no que toca à fixação de prazo para impetração de Mandado de Segurança, é, no entanto, por sua constitucionalidade.

Nesta toada, a lição de J. M. Othon Sidou é referência, segundo a qual,

não se trata, como possa parecer aos espíritos menos avisados, de um óbice ao direito constitucional de agir. A lei instrumental não limita nem reduz o direito; disciplina, o que é bem diverso, o modo, o processo, a forma de defender esse direito, que tanto pode ser a via privilegiado como outros caminhos judiciais mais lentos[2].

Sustenta-se a constitucionalidade, ainda, por razões de ordem prática e segurança jurídica, visto que o mandado de segurança visa combater “atos que possam criar, e criam necessariamente, situações jurídicas que não podem ficar permanentemente indecisas, variáveis; o mandado de segurança precisa de um termo extintivo breve”[3].

Também consistente é o magistério de Alfredo Buzaid, que nega o caráter de sanção do prazo extintivo, eis que a lei não o impôs “como uma penalidade ao titular do direito que deixa de impetrar a segurança; tampouco o ato eivado de ilegalidade ou abuso de poder, pelo mero decurso de cento e vinte dias, se convalida e adquire caráter jurídico”[4].

Com esteio em ampla doutrina, o Supremo Tribunal Federal, quando da promulgação da Constituição de 1988, já se manifestava reiteradamente pela plena recepção do prazo para impetração do Writ, previsto na Lei nº 1.533/51. Quinze anos após a entrada em vigor da atual Constituição, a Suprema Corte editou a Súmula nº 632, nos seguintes termos: “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”. Observa-se, portanto, que ainda é cabível em relação à Lei nº 12.016/09.

Os julgados que subsidiaram a edição da referida súmula foram fundados, em síntese, em três argumentos: a fluência do prazo para impetrar o Writ não impede o manejo das vias judiciais ordinárias para a tutela do direito; o prazo de cento e vinte dias não pode ser entendido como penalidade ao impetrante; e porque o silêncio constitucional não há de ser interpretado como indefinição quanto à possibilidade de impetração do MS dentro de determinado prazo.

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Gilmar Mendes corrobora o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, “uma vez que o caráter institucional da garantia não impede que se fixem condições para o seu exercício, inclusive aquelas de caráter temporal, desde que se não verifique a sua inutilização ou descaracterização”[5].

Em virtude do entendimento “pacificado” por meio da mencionada súmula, diversos autores atuais não se posicionam acerca do tema, entre eles, Pedro Roberto Decomain[6], Leonardo José Carneiro da Cunha[7] e José Henrique Mouta Araújo[8], limitando-se a noticiar posições contrárias à dominante.

Quanto a sua natureza jurídica, a jurisprudência e a doutrina majoritária assentam ser decadencial, e não prescricional, o prazo para impetração, na forma consolidada da súmula nº 632, vez que a decadência extingue um direito, “enquanto que a prescrição extingue apenas a possibilidade de ajuizar ação, pedindo providência judicial que dê guarida ao direito, acaso violado ou ameaçado de violação”[9]. Assim, o prazo para impetração não pode ser suspenso ou interrompido. Neste sentido, a súmula nº 430, do Supremo Tribunal Federal, prevê que “pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança”.

Contra o entendimento majoritário, no âmbito da doutrina clássica, assentado o caráter de garantia constitucional do Mandado de Segurança, Castro Nunes lecionava que “regulamentam-se garantias constitucionais, não, porém, para lhes cercear o exercício, senão para lhes dilatar o sentido”[10]. Em crítica feita à Lei nº 1.533/51, Celso Agrícola Barbi afirmava que o prazo de 120 dias tivera respaldo somente enquanto o mandado de segurança fosse adequado apenas a casos excepcionais, de ilegalidade manifesta.

Porém, a partir da transformação operada pela Constituição de 1946[11],

quando o mandado se tornou instrumento de uso normal, condicionado quase que somente pelo problema probatório, não se encontram motivos ponderáveis para distinguir, apenas pelo fator tempo, entre o uso dessa via expedita e o das vias processuais comuns. De lege condendo [...] seria aconselhável suprimir o prazo, regulando-se, então, o assunto pelas normas ordinárias da prescrição[12].

Entre os autores contemporâneos, Cassio Scarpinella Bueno argumenta que a “Constituição, no seu §1º do art. 5º, deixou claro que a aplicabilidade das normas que definem direitos e garantias têm aplicação imediata, têm eficácia plena, e, portanto, independem de regulamentação infraconstitucional”[13].

No mesmo sentido é a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery para quem “o MS, sendo ação constitucional, tem seus requisitos e limites estabelecidos apenas no texto constitucional (CF 5º, LXIX e LXX), que não remeteu seu regime jurídico à lei federal”[14], sendo reservado ao legislador ordinário apenas o poder regulamentar, após o que concluem pela inconstitucionalidade da norma.

Gregório Assagra de Almeida chama a atenção, ainda sob a égide da Lei nº 1.533/51, para a limitação ao Mandado de Segurança coletivo, onde “observa-se que o prazo previsto no art. 18 da LMS inibe a tutela de interesses sociais, sendo visível a sua incompatibilidade com nossa atual Constituição”[15], concluindo que não há justificativa plausível para sua manutenção.

No plano jurisprudencial, mormente no Supremo Tribunal Federal, à época da promulgação da Constituição de 1988, houve quem defendesse a desarmonia do prazo extintivo do direito ao Mandado de Segurança previsto em norma infraconstitucional ante o silêncio da nova Carta.

Desta forma, o eminente Ministro Carlos Velloso, nos julgados utilizados como precedentes à elaboração da Súmula nº 632, apesar de votar com a maioria, sempre ressalvou seu posicionamento pessoal. Assim o fez, pela primeira vez, no MS-AgR 21356 – DF[16], Relator Ministro Paulo Brossard, no qual afirmou ser arbitrária a fixação de prazo decadencial para a impetração do Mandado de Segurança[17], insistindo nesta tese também nos precedentes RMS 21.387-6 – DF, RMS 21.506-2 – DF, RMS 21.364-7 – RJ e RMS 21.480-5 – DF.

2.2. CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Para além de toda a argumentação até aqui exposta, entendemos que a manutenção do atual entendimento majoritário figura-se manifestamente retrógrado e anacrônico, eminentemente em razão da moderna hermenêutica constitucional.

Como bem ressaltado pelo Min. Paulo Brossard, em seu voto condutor pela constitucionalidade do prazo no RMS 21.387-6 - DF, "uma norma pode ser a reprodução fiel de outra antiga, e a despeito do pacífico e duradouro entendimento anterior, como se fosse rutilante novidade, enseja toda sorte de interpretações, ainda que colidentes com decênios de pacífica exegese, na área do Judiciário, do Legislativo e do Executivo".

Como explicitado anteriormente, a norma hoje vigente, no que toca ao prazo, vem sendo repetida desde a Lei nº 191, de 1936, a qual foi elaborada sob a égide da Constituição de 1934. Na época desta Carta, os direitos e garantias fundamentais não tinham o relevo que hoje tem. No ponto, a Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”,

dentre as inovações, assume destaque a situação topográfica dos direitos fundamentais, positivados no início da Constituição, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, o que, além de traduzir maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também vai ao encontro da melhor tradição do constitucionalismo na esfera dos direitos fundamentais[18].

Tal inversão estrutural significa, para nós, que o fim último da Carta é o indivíduo e a sociedade, tendo a organização institucional do Estado, regulamentada após os direitos e garantias fundamentais, como um meio servindo ao fim.

Paulo Gustavo Gonet Branco preceitua que

os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direito, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades do cidadão[19].

Há de se mencionar também o estabelecimento do rol de cláusulas pétreas no art. 60, parágrafo 4º, “impedindo a supressão e erosão dos preceitos relativos aos direitos fundamentais pela ação do poder Constituinte derivado”[20].

Outra importante inovação da Carta de 1988 é aquela encontrada no art. 5, parágrafo 1º, segundo o qual “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Este dispositivo, muito além de determinar a imediata aplicação das referidas normas, isto é, no âmbito temporal, também visa garantir a efetividade das normas pertinentes a direitos e garantias fundamentais.

Efetividade significa, na lição de Luís Roberto Barroso, “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social [...] simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”[21].

O princípio da máxima efetividade constitucional, esclarece o eminente jurista português J. J. Gomes Canotilho,

também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)[22].

Para se alcançar a máxima efetividade dos direitos fundamentais, devem ser estabelecidos também mecanismos processuais eficazes, eminentemente quando os referidos direitos são violados por quem deveria promovê-los: o Poder Público[23]. A inexistência de vias processuais aptas à proteção dos direitos fundamentais torna a sua previsão absolutamente ineficaz[24].

Com efeito, dada a necessidade de meios concretizadores eficazes é que surgem as garantias fundamentais que “são, na verdade, autênticos direitos subjetivos, já que umbilicalmente ligadas aos direitos fundamentais, bem como por assegurarem ao indivíduo a possibilidade de exigir dos poderes públicos o respeito e a efetivação destes”[25]. Ingo Wolfgang Sarlet destaca, ainda,

os assim denominados “remédios constitucionais”, procedimentos de matriz constitucional (e, neste sentido, ações constitucionais), que outorgam ao indivíduo, inclusive na condição de integrante de uma coletividade, a possibilidade de se defender de ingerências indevidas em sua esfera privada, protegendo-se contra abusos de poder, agressões aos seus direitos, além de viabilizar a efetivação dos direitos e garantias fundamentais em geral[26].

Teresa Arruda Alvim Wambier[27] anota que estas ações são caracterizadas por terem procedimentos céleres e eficientes, onde são cabíveis concessões de liminares, decisões de mérito sujeitas apelação sem efeito suspensivo e, apesar de não haver expressa menção, até mesmo antecipação de tutela. “Tem-se que as ditas ações constitucionais foram concebidas com o escopo precípuo de levar ao efetivo cumprimento das normas que preveem os direitos fundamentais [...]”[28].

O Mandado de Segurança, bem como os demais remédios constitucionais, foram concebidos precisamente para tutelar o cidadão contra o Estado, mantendo-o nos limites da legalidade; tem, pois, como principal objetivo o efetivo cumprimento das normas pertinentes a direitos fundamentais.

Destarte, se as normas concernentes aos direitos fundamentais devem receber a interpretação que lhes possibilite a máxima efetividade, com as garantias fundamentais e, mais especificamente, com as ações constitucionais, não pode ser diferente.

Não subsistem, assim, os argumentos lançados pelo Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade do prazo para impetração do Mandamus, anteriormente mencionados.

A limitação temporal imposta pelo legislador infraconstitucional, apesar de não impedir a busca do direito pelas vias ordinárias, restringe o manejo desta ação, célere por natureza, que tem como fim a tutela dos direitos contra atos ilegais ou inconstitucionais do Estado.

Ressalte-se a vinculação do legislador aos direitos fundamentais, que significa “uma limitação material de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora”[29].

Pensamos, pois, que a subtração do Mandado de Segurança, mediante condição temporal arbitrariamente fixada, constitui penalidade ao cidadão que teve seu direito violado, eis que será então obrigado a recorrer às vias ordinárias, que são, consabidamente, morosíssimas.

Impende repisar, nesta toada, a impossibilidade de restrição dos direitos fundamentais pelo legislador ordinário. Para Ingo Wolfgang Sarlet, o mencionado parágrafo 1º, do art. 5º, da Constituição Federal, “gera, a toda evidência, uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais”[30].

Consideramos que a pretensa constitucionalidade da limitação temporal do Mandado de Segurança recebeu duro golpe após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual inseriu “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Desta forma, não há motivos para limitar, com fator temporal, ação que possibilita o encurtamento do trâmite processual até a concessão definitiva do direito.

Vemos até como paradoxo o fato de ser possível, no âmbito jurisprudencial, aplicar-se o princípio da máxima efetividade constitucional a fim de propiciar o alargamento da legitimidade ativa, permitindo a impetração do Writ por pessoa jurídica de direito público - o que contraria a origem do Mandado de Segurança - porquanto ter um de seus pressupostos formais, qual seja, o prazo, restringido por norma infraconstitucional, quando a Lei Fundamental nada menciona.

Todavia, não se pretende que o prazo para o manuseio do Writ se estenda ad eternum. Voltando à lição de Castro Nunes, “garantias são cláusulas tutelares do direito; só se extinguindo este é que se extinguirá a garantia que o protege”[31].

No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno, ao afirmar mais uma vez a inconstitucionalidade do dispositivo, sustenta que “o ideal seria que a nova lei nada dissesse a respeito do assunto ou que esclarecesse que caberá mandado de segurança enquanto houver necessidade de proteger direito líquido e certo [...]”[32].

O decurso do tempo não modifica a liquidez e certeza do direito, ou seja, a possibilidade da comprovação, de plano, dos fatos. Em interpretação inversa, como atenta Castro Nunes[33], está-se dizendo que não se concederá mandado de segurança, ainda que líquido e certo o direito, senão dentro do prazo de 120 dias.

Para nós, a fixação infraconstitucional viola o princípio da máxima efetividade constitucional, pertinente aos direitos e garantias fundamentais. Apenas por meio de emenda no Texto Magno, que introduza expressamente o prazo na fórmula constitucional do Mandado de Segurança, seria possível a limitação temporal do manejo do remédio constitucional em análise.

2.3. PROJETO DE LEI DO DEPUTADO FEDERAL PAES LANDIN

Impende noticiar que, apesar de ter sua constitucionalidade declarada em controle jurisdicional, no Poder Legislativo tramita projeto de lei que pretende, com fundamento em sua inconstitucionalidade, suprimir o art. 23, da Lei nº 12.016/09, constituindo verdadeiro controle de constitucionalidade político, como denomina Paulo Gustavo Gonet Branco[34].

Atento ao atual contexto de valorização dos direitos fundamentais e, principalmente, do acesso à justiça e combate contra os abusos do Estado, o Deputado Federal Paes Landin elaborou, em 15/12/2008, projeto de lei que recebeu o nº 4497/2008, propondo precisamente a revogação do art. 18 da Lei nº 1533/51. Como principal fundamento da proposta, o eminente Deputado utilizou a argumentação apresentada no Supremo Tribunal Federal pelo Min. Carlos Velloso, anteriormente mencionada.

Em seu parecer, favorável inclusive no mérito, o Deputado Régis de Oliveira, nomeado relator, consignou:

[...] É possível que a lei fixe prazo para o exercício de um direito constitucional? Para nós, existe a possibilidade, mas não pode ela ser de molde a prejudicar o direito. Se a lesão ou anleaça de lesão está presente, não há qualquer motivo para que não se possa utilizar o mandado de segurança, independentemente de prazo. [...]

Creio que o prazo deve ser entendido com amplitude, mesmo porque descabe à norma legal fixar restrições ao exercício de garantia constitucional. [...]

Em verdade, temos que, sempre que for possível admitir a segurança, o julgador deverá fazê-lo. Limitar a garantia constitucional é interpretação que não encontra embasamento no ordenamento pátrio. [...]

Assim, em boa hora é o Projeto de lei já que o citado prazo de decadência não tem razão de ser. (sic)[35].

Todavia, com a revogação da Lei nº 1.533/51 pela Lei nº 12.016/09, foi requerida, pelo autor, a retirada de trâmite do projeto antigo, sendo apresentado um novo em 02/09/2009, de mesma autoria, desta vez objetivando a revogação do art. 23 da Lei nº 12.016/09.

O novo projeto, com a mesma justificativa do anterior acrescida do parecer do antigo relator, recebeu o número 5947/2009, com a designação do Deputado Flávio Dino para relatoria. Recebeu, como apenso, o Projeto de Lei 7261/2010, do Deputado Antônio Roberto, que visava a ampliação do prazo para duzentos e quarenta dias quando se tratasse de impetrante portador de deficiência.

Aprovado quanto às questões preliminares, no mérito, o relator assentou o seguinte:

“[...] De fato, o prazo referido no artigo 23 da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, é instituto já antiquado, criado em regulamentação que data do ano de 1894, em um dos primeiros anos de nossa República. Com efeito, à época, o paradigma constitucional predominante no mundo era um paradigma de transição do Estado Liberal para o Estado Social, quando se dava ainda grande primazia à Razão de Estado, até mesmo em detrimento da garantia de direitos individuais e sociais aos cidadãos.

Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, encampado pela Constituição Federal de 1988 (artigo 1º), especialmente após o aprendizado histórico que o período ditatorial trouxe ao povo e, portanto, ao constitucionalismo brasileiros, ganha mais força a ideia de que a prática constitucional deve se voltar à garantia de direitos aos cidadãos. [...]

Sendo as garantias constitucionais o principal meio de proteção do indivíduo contra abusos do Poder Público ou contra deliberações majoritárias que violem liberdades individuais, é forçoso reconhecer que não merece prosperar qualquer restrição infraconstitucional ao exercício de uma garantia constitucional. [...]”[36].

Ao que conclui pela aprovação do projeto e rejeição do projeto apenso, pois que perdido seu objeto. Em 23/03/2011, o projeto teve sua redação final aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sendo remetido ao Senado Federal para deliberação. Nesta Casa, foi designado como relator o Senador Ciro Nogueira, que apresentou voto, junto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, pela constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade e boa técnica legislativa do Projeto e, no mérito, pela sua aprovação, restando pronta a matéria, até hoje[37], para a pauta na referida Comissão[38].

Destarte, resta evidente o esforço legislativo em expurgar a norma em comento, arbitrária e anacrônica, do ordenamento jurídico infraconstitucional, pois que se encontra em manifesta desarmonia ante nossa Magna Carta.

Sobre o autor
Enorê Corrêa Monteiro

Pós-graduado em Direito Tributário (MBA), nível especialização, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Procurador do Estado do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Enorê Corrêa. A (in)constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4578, 13 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45748. Acesso em: 30 abr. 2024.

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