1 INTRODUÇÃO
A partir da revolução industrial os níveis de poluição atingiram proporções gigantescas, provocando terrível ameaça ao planeta Terra. Com isso, a humanidade percebeu que o Meio Ambiente não se tratava de uma fonte inesgotável de recursos naturais, o que marcou o início de grandes discussões sobre a questão ambiental.
Essa preocupação mundial intensificou a regulamentação normativa da matéria, que passou a ter maior ênfase nos ordenamentos jurídicos dos diversos países. Em vários deles, inclusive, a normatização da questão ambiental ganhou contornos polêmicos, sendo estabelecida a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crime ambiental, instituto que contrasta com um secular princípio do direito penal do “societas delinquere non potest”, transcendendo a assertiva de que só o homem teria capacidade para ser sujeito ativo de crime e nunca os entes coletivos em razão de sua abstração.
No Brasil, o Legislador Constituinte de 1988 incluiu o Meio Ambiente na categoria de bem jurídico tutelável, definindo-o como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, prevendo que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que, por isso, todos devem defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Constituição Federal, art.225). Igualmente, para assegurar a efetividade do direito garantido, instituiu a responsabilidade por condutas lesivas causadas ao meio ambiente, praticadas tanto por pessoas físicas como jurídicas.
Passados quase dez anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, editou-se a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, regulamentando a questão da responsabilidade por dano ambiental e tratando, expressamente, da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime contra o meio ambiente.
Diante disso, acirrou-se, no Brasil, a polêmica já existente no direito alienígena e aqui criada pelo disposto no parágrafo terceiro, do artigo 225, da Constituição Federal, acerca da possibilidade da pessoa jurídica cometer delitos e ser penalmente responsabilizada por essa conduta. Em outras palavras, essa polêmica pode ser resumida no seguinte questionamento: a pessoa jurídica, enquanto ente coletivo pode praticar crimes?
A resposta para tanto depende da posição doutrinária adotada, desdobrando-se a doutrina em duas grandes correntes – a dos adeptos e a dos que combatem essa possibilidade.
A corrente majoritária, integrada por estes últimos, critica a adoção da dita responsabilidade sustentando a impossibilidade de aplicação de punição no âmbito penal das empresas com arrimo: a) no princípio da ultima ratio; b) na incapacidade de ação; c) na culpabilidade; d) no princípio da personalidade da pena e e) na impossibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade.
Para a corrente positivista, formada pelos adeptos da responsabilidade penal da pessoa jurídica, sustentam que o instituto foi adotado pela Constituição Federal de 1988 e devidamente regulamento pela Lei nº 9.605/1998.
O presente trabalho científico corresponde a uma revisão bibliográfica das principais doutrinas brasileiras que discorrem sobre o tema e tem como objetivo primordial demonstrar se a tutela penal se faz necessária e eficaz à prevenção dos danos ambientais causados por entes coletivos.
Justifica-se a escolha do tema da presente pesquisa em razão da crescente preocupação global na preservação do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, patrimônio comum da humanidade, ultimando-se como única forma de garantia da qualidade de vida das presentes e futuras gerações e do próprio planeta em si. Nesse contexto, a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas por delitos ambientais configura uma importante alternativa na prevenção geral e especial dos valores ambientais juridicamente tutelados, dado o poder de persuasão do direito penal ambiental.
Feitas as explanações introdutórias, é com muita satisfação que convidamos os caros leitores a debruçar no cerne do assunto.
2 SUJEITOS DO CRIME
O sujeito ativo do crime é o homem, isolado ou associadamente, que pratica uma conduta comissiva ou omissiva que se encaixa perfeitamente à descrição legal de um determinado tipo legal de crime.[1]
Conforme Júlio Fabbrini Mirabete (2006, p. 110) sujeito ativo do crime é “[...] aquele que pratica a conduta descrita na lei, ou seja, fato típico”.
O sujeito ativo, em determinadas situações processuais recebe denominações diversas: indiciado, acusado, denunciado, réu, sentenciado, condenado, recluso, detento e criminoso ou delinqüente.
Já o sujeito passivo “[...] é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão[...]”(PRADO, 2002, p. 216), ou seja, é aquele titular do bem jurídico tutelado pela lei.
Existem duas espécies de sujeito passivo “sujeito passivo constante ou formal, ou seja, o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é lesado pela conduta do sujeito ativo. Sujeito passivo eventual ou material é o titular do interesse penalmente protegido” (MIRABETE, 2006, p. 114)
3 DEFINIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA
O homem ao perceber que a sua capacidade jurídica era insuficiente para realizar grandes empreendimentos, conjugou esforços, para unir-se a outros homens, reforçando a idéia sobre a necessidade da vida em sociedade, inclusive por razões de natureza social e antropológica.
Segundo Antônio Chaves (apud VENOSA, 2002, p. 243), ao escrever no século XX, “vivemos o século das pessoas jurídicas, se não são elas que vivem o nosso século”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2003, p. 191) conceituam a pessoa jurídica como sendo “o grupo humano, criado na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns”.
A doutrina nacional e internacional denomina as pessoas jurídicas de diversas formas:
a) França: Pessoas morais;
b) Portugal: Pessoa coletiva;
Sílvio Salvo Venosa (2002, p. 244) traz outras denominações à pessoa jurídica tais“[...]como mística, civis, fictícias, abstratas, intelectuais, universalidades de pessoas e de bens etc”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2003, p. 196) cita três pressupostos básicos para a criação de uma pessoa jurídica: “a vontade humana criadora; a observância das condições legais para a sua instituição; a licitude de seu objetivo”.
Por fim, o registro do ato constitutivo ou do contrato social nos órgãos competentes é o fator indispensável para a aquisição da personalidade jurídica do ente corporativo.
3. 1 CLASSIFICAÇÕES DA PESSOA JURÍDICA
Reza o artigo 40 do Código Civil brasileiro que as pessoas jurídicas classificam-se em pessoas jurídicas de direito público e privado.
As de direito público por sua vez, subdividem-se em pessoa jurídica de direito público interno e externo ou internacional.
Ensina Sílvio Salvo Venoso (2002, p. 255) que “As pessoas jurídicas de direito privado originam-se da vontade individual, propondo-se à realização de interesses e fins privados, em beneficio dos próprios instituidores ou de determinada parcela da coletividade.”
Conforme o artigo 41 do Código Civil, as pessoas jurídicas de direito público interno são: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; IV – as autarquias; V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.
O Código Civil em seu artigo 42 diz que “São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.”
4 TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA
Em meados do século XIX iniciou-se a discussão sobre a natureza da pessoa jurídica. Em síntese, abordaremos abaixo as duas principais teorias doutrinárias sobre a natureza jurídica das pessoas jurídicas: da Ficção e da Realidade Objetiva.
A primeira com maior destaque entre os estudiosos do Direito, e a segunda a principal reação contra a primeira.
4. 1 TEORIA DA FICÇÃO DE SAVIGNY
Com origem no Direito Canônico, a teoria da ficção teve defensores como Savigny e Vareil – Lês – Sommières. Esta Teoria consagrava que só o homem tem capacidade de ser sujeito de direito, considerando a pessoa jurídica como um ser ficto, como um ser sem alma, irreal de pura abstração, não possuindo capacidade de vontade, e, portanto, incapaz de delinqüir.
O mestre Luiz Regis Prado (2002, p. 217) “[...] afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio lícito da autoridade soberana -, sendo, portando incapazes de delinqüir (carecem de vontade e de ação).”
No dizer de Rudolf Von Ihenring (apud CABETTE, 2003, p. 18):
[...] a pessoa jurídica não é senão um sujeito aparente, um expediente técnico, a ocultar os verdadeiros sujeitos, que são os homens. A pessoa jurídica é máscara, um modo de designar as pessoas reais. É biombo, atrás do que se ocultam os verdadeiros protagonistas das relações jurídicas
A teoria da ficção já foi duramente criticada por doutrinadores civilistas, tais como Washington Barros Monteiro (1967, p. 106), que afirma que a teoria da ficção não pode ser admitida, pelo fundamento abaixo exposto:
Ela não cuidou de explicar de maneira alguma a existência do Estado como pessoa jurídica. Quem foi o criador do Estado? Uma vez que ele não se identifica com as pessoas físicas, deverá ser havido igualmente como ficção? Nesse Caso, o próprio direito será também outra ficção, porque emana do Estado, Ficção será, portanto, tudo quanto se encontra na esfera jurídica inclusive a própria teoria da pessoa jurídica.
Atualmente, encontra-se assentada à discussão sobre a teoria da pessoa jurídica como ficção, puramente abstrata.
4. 2 TEORIA ORGANICISTA, ÔRGANICA OU DA REALIDADE OBJETIVA
A teoria da Realidade Objetiva teve como precursores Otto Gierke e Zittelmann, que surgiu com pressupostos diversos da teoria da ficção. Afirmava que o ente corporativo existe realmente, sua existência é social.
Portanto,
[...] as pessoas jurídicas não são uma criação artificial da lei, mas possuem existência real, efetiva, tanto quanto as pessoas físicas; assim como o ser humano é um organismo físico constituído de vários membros que formam um conjunto dotado de vida própria, a pessoa jurídica é um organismo social, composto por diversos membros (pessoas individuais), de modo que o conjunto – a organização – tem vida própria, distinta de seus sócios ou organizadores.”(CONSTANTINO, 2005, p.40)
Nesse sentido, leciona o professor Luiz Regis Prado (2002, p. 218):
A pessoa coletiva tem uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social. É sujeito de direitos e deveres, em conseqüência é capaz de dupla responsabilidade: civil e penal.(negrito e itálico nosso)
Assim, para a Teoria Orgânica as pessoas jurídicas são detentoras de vontades sociais, orgânicas, próprias e diversas das vontades individuais de seus organizadores.
5 ASPECTOS HISTÓRICOS
Antes de adentrarmos no mérito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, faremos uma breve introdução histórica sobre o surgimento e as primeiras concepções sobre a pessoa jurídica.
5. 1. DIREITO ROMANO
O Direito romano não acolhia a responsabilidade da pessoa jurídica com alicerce no princípio SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST, mas suas fontes indicam a existência de sua responsabilidade delitiva. Assim, nos países romano-germânico só havia previsão de penas civis e administrativas, não se podendo punir penalmente a pessoa jurídica.
Embora não concebida a figura da pessoa jurídica, no Direito Romano existiam determinados agrupamentos de pessoais, “[...] todavia, se fazia distinção entre direito e obrigação daquele conjunto de pessoas, as denominadas corporações – universitas – e os dos seus membros – singuli ”.(ARAÚJO, 2008)
Além disso, era prevista a denominada actio de dolus malus contra o Município, este considerado como a corporação mais importante. A actio de dolus malus era cabível, por exemplo, quando um coletor de imposto, enriquecia ilicitamente da cidade, ao efetuar cobranças indevidas. (ARAÚJO, 2008)
5. 2 GLOSSADORES
Na Idade Média, com os glossadores, podemos considerar a ramificação do que mais tarde constituiria a pessoa jurídica, conhecendo assim, a figura de corporações, entendida como a soma e a unidade de membros titulares de direitos. (BITENCOURT, 2002, p. 54)
Assim, os glossadores não concebiam ainda um conceito perfeito de pessoa jurídica, mas “[...] essas corporações podiam delinquir, quando a totalidade de seus membros iniciava uma ação penalmente relevante através de uma decisão conjunta, elemento essencial para configuração do delito.”(ARAÚJO, 2008)
Nesse sentido, os glossadores defendiam que a corporação poderia cometer delito, podendo ser responsabilizada por seus atos, penal e civilmente.
5.3 DIREITO CANÔNICO
Os canonistas, representados pela igreja, depararam-se com dificuldades de explicarem o que seria organização eclesiástica, diante da teoria criada pelos glossadores.
Não restou outro caminho aos canonistas, sendo a criação de uma teoria que atendesse aos anseios da entidade.
Nessa nova teoria, os canonistas afirmavam que os direitos eclesiásticos eram atribuídos à Deus, como representante terrestre, e não aos fiéis, membros da comunidade religiosa, cristalizando assim, o entendimento de Organização Eclesiástica, aceitando-a como pessoa sujeito de direito apresentando diferencial entre a Corporação adotadas pelos glossadores.
Como afirma Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 9) :
Aparece aqui, pela primeira vez, a distinção entre o conceito jurídico de pessoa e conceito real com ser humano. Essa distinção entre Organização Eclesiástica e a pessoa humana ramificou o conceito de pessoa jurídica, que por ficção passa a ter capacidade jurídica.
[...]
Pode-se concluir, enfim, que os canonistas foram os primeiros a distiguir a corporação, bem como a responsabilidade desta e daqueles, que existiam paralelamente.
Como verificamos, os canonistas foram os primeiros a afirmarem que a pessoa jurídica é uma pessoa ficta, sem admitir a capacidade delitiva da mesma.
5.4 PÓS-GLOSSADORES
Os pós-glossadores acolheram a teoria criada pelos canonistas, mas defendendo a idéia que a pessoa ficta poderia praticar delitos. (ARAÚJO, 2008)
Deste entendimento, surgiram duas formas delitivas praticada pela corporação: os crimes próprios e os impróprios, estes por sua vez, seriam aquelas ações que por intermédio de seu representante poderiam ser realizadas, responsabilizando tão somente o seu representante, e aqueles as ações relacionada diretamente ao âmbito dos deveres da corporação, respondendo a universitas.
6 A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NO DIREITO COMPARADO
No Direito Comparado o tema responsabilidade criminal das pessoas jurídicas também é alvo de discussões.
Os principais países que admitem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas são a Inglaterra, a França e a Holanda os quais serão abordados adiante. Em contrapartida, os países que não adotaram o instituto foram à Alemanha, Itália e a Suécia.
Veremos a seguir, resumidamente, cada um dos sistemas e suas respectivas peculiaridades.
6. 1 SISTEMA INGLÊS
Nos países sob influência anglo-saxônica, onde predomina o ordenamento jurídico COMMON LAW, estes admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Nesse entendimento Reinhart Maurach (1962, p. 178):
Por el contrario, em el derecho penal criminal alemán se afirmó desde um principio la incapacidad delictiva de las agrupaciones. Este criterio, em particular tras la separación del derecho penal disciplinario, es hoy el dominate. Esta opinión se encuentra también sustentada por el restante pensamiento continental; em cambio, el derecho penal de Inglaterra y aún más el de los Estados Unidos de Norteamérica reconocen fundamentalmente el delito de las corporaciones.
Tratando-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica de uma criação jurisprudencial, no inicio do século XIX, os Tribunais ingleses em suas decisões só admitiam a irresponsabilidade nos crimes omissivos culposos e comissivos dolosos.[2]
Em 1889, por ato legislativo, no Interpretation Act, passou-se a reputar a expressão pessoa também como pessoa jurídica.
Após o ano de 1940, o ente coletivo passou ser responsabilizado por infrações penais de qualquer natureza, em especial nas atividades econômicas, segurança do trabalho, contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor.
Regra geral, para aplicação da responsabilidade à pessoa jurídica é necessário a existência do elemento subjetivo e o ato material, mas também admitem a responsabilidade objetiva (independe de culpa ou dolo).
Em 1944, surgiu como fundamento penal para imputar a pessoa jurídica uma infração a teoria da identificação que consagra que a pessoa física não pronuncia e muito menos age para a sociedade, mas sim como sociedade, suas vontades são do próprio ente coletivo, no dizer de Luiz Regis Prado (2002, p. 229-230) é “[...] um artifício para atribuir à pessoa jurídica os atos de uma pessoa física: “um salto” da pessoa física para a jurídica. [...] Ela é a personificação do ente coletivo; sua vontade é a vontade dele”.
Esse sistema cedeu espaço à opinião de que pode ser imputada a pessoa jurídica a culpa de determinadas pessoas naturais, em outro dizer, a culpa destas pode ser conceituada como a culpa própria e personalíssima daquela.
6. 2 SISTEMA FRANCÊS
O Princípio SOCIETAS DELINQUERE POTEST foi consagrado pelo Código Penal Francês de 1992, em vigor desde 1º de março de 1994, nos termos do artigo 121-2, in verbis:
As pessoas morais, excluído o Estado, são penalmente responsáveis, segundo as distinções dos arts. 121-4 a 121-7 (que definem o autor de uma ação consumada ou tentada e o cúmplice) e nos casos previstos em lei ou regulamento, pelas infrações cometidas, por sua conta e por seus órgãos ou representantes”. Alínea 1: “Entretanto, as coletividades territoriais e seus agrupamentos não são culpáveis penalmente, senão pelas infrações cometidas nos exercícios de atividades suscetíveis de serem objeto de convenção de delegação do serviço público.” (MACHADO, 2003, p. 674).
De conformidade com o principio da especialidade, o Código Penal Francês prevê que a pessoa jurídica possa ser responsabilizada penalmente por diversas infrações penais (crimes contra a humanidade (artigos 212-1 e 213-3). Dentre outros delitos e contravenções: homicídio culposo (artigo 221-7, CP); lesão corporal culposa (artigo 222-21, Código Penal Francês). Demais legislações trazem outras infrações cometidas pelo ente coletivo: abandono de lixo e rejeitos (artigo R 632-1, R 635-8); infrações em tratamento de dejetos (artigo 24-1, da Lei 61-842); etc.), referido princípio cedeu forças ao princípio da legalidade.
Assim, cumpre dizer que para que seja imputada à pessoa jurídica uma infração, essa conduta deve estar prevista expressamente no tipo penal.
Embora o princípio da personalidade da pena esteja elencado dentre os princípios básicos do Direito Penal Francês, não causou embaraço para a instituição da responsabilidade criminal do ente coletivo, haja vista que o ente moral há muito tempo era reputado como uma realidade jurídica dotada de vontade própria.
Por outra banda, diferentemente do Brasil, a culpabilidade no sistema jurídico penal francês não possui valia constitucional.
As exposições de motivos do Código Penal Francês invocarão dois fundamentos: o primeiro, a necessidade de responsabilizar apenas as pessoas jurídicas nos delitos não imputáveis a pessoa física. O segundo, é que a pessoa jurídica, hodiernamente, dispõe de meios poderosos para atentar não só o meio ambiente, mas como a ordem econômica e social, saúde pública, etc.
Conforme pondera Luiz Regis Prado (2002, p. 233) “Em suma, a responsabilidade penal da pessoa jurídica só se fundamenta pelo prisma da vítima ou da sociedade, que podem, assim, buscar essa retribuição.”
Para admissão dessa responsabilidade faz necessário duas condicionantes legais, aponta Paulo Affonso Leme Machado (2003, p.675) “A primeira condição é que a infração seja cometida por um órgão ou representante da pessoa jurídica. [...] A segunda é de que a infração deve ser cometida por le compte da pessoa jurídica”.
A primeira refere-se que a infração deve ser praticada pela diretoria, assembléia geral ou representante do ente coletivo, a segunda por sua vez, deve haver praticado a infração em benefício ou interesse exclusivo deste.
O legislador brasileiro, no artigo 3º da Lei n. 9.605/98, também condicionou a responsabilidade da pessoa jurídica aos pressupostos legais acima mencionados.
Devemos ressaltar que no sistema francês vigora a teoria da responsabilidade por ricochete, podendo também ser denominada como de empréstimo, subseqüente ou por procuração, pondera Luiz Regis Prado (2002, p. 234-235) que o caráter subseqüente ou de empréstimo “resulta importante conseqüência: a infração penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente imputável a um pessoa física”.
Nesse diapasão, essa teoria:
[...] determina ser imprescindível para a responsabilidade penal da pessoa jurídica a prática de um fato punível por uma pessoa física. Nessa esteira, num primeiro momento, deve essa ser incriminada, e, posteriormente, por reflexo, alcança-se a pessoa jurídica, desde que preenchidos os requisitos legais, como a atuação em nome da pessoa jurídica. (GOMES, 2008)
Vale dizer que a responsabilidade da pessoa natural é subsidiária, ou seja, não admite a responsabilização da infração à pessoa jurídica, sem que este mesmo fato punível seja imputado à pessoa física.
6. 3 SISTEMA HOLANDÊS
Na Holanda, admite-se a responsabilidade das pessoas jurídicas por delitos econômicos previstos na Lei contra a delinqüência econômica, desde a década de 50(cinqüenta) do século passado.
No ano de 1976, com a modificação do Dutch Penal Code houve a extensão aos crimes de diversas naturezas, com a recepção da responsabilidade penal das pessoas jurídicas no artigo 51 do Código Penal da Holanda.
A jurisprudência holandesa deu origem à denominada teoria da autoria funcional que:
[...] atribui-se a ação delituosa de uma pessoa física a uma pessoa jurídica quando a conduta real da primeira corresponda à execução de uma função determinada pela segunda na empresa. Não se trata de uma qualidade direta da pessoa jurídica. É preciso constar responsabilidades individuais junto às pessoas físicas, para em seguida as atribuir à pessoa jurídica. No que toca ao elemento subjetivo, o dolo presente na pessoa física, ainda que subalterno, pode ser imputado à pessoa jurídica para a qual ela trabalha. (PRADO, 2002, p. 234)
Em suma, a responsabilidade pelo ato danoso será da pessoa jurídica quando a pessoa física executar a conduta em uma função determinada pelo ente corporativo.
6. 4 SISTEMA ALEMÃO
A partir da revogação da legislação econômica formulada pelas potências de ocupação após a Segunda Guerra Mundial, vigora na Alemanha o princípio da societas delinquere non potest, aplicando tão somente a pessoa jurídica punições administrativas, tais como multa e outras acessórias, como o confisco previsto no artigo 73, do Código Penal e, ainda repetição de débito.
Não obstante a não responsabilização penal das pessoas jurídica, a Alemanha adotou uma rigorosa legislação administrativa – penal, dispensando a verificação da culpa, pressupondo apenas a prática da conduta antijurídica.
Na Alemanha, o diploma básico referente à responsabilidade das empresas é o OWIG (Parte Geral da Legislação contravencional da República Federal da Alemanha). Os princípios ali estabelecidos constituem os pressupostos que regem a responsabilidade contravencional das pessoas coletivas pelos atos de seus agentes.(CABETTE, 2003, p. 47)
Conforme o ensinamento de Jaime E. Malamud Goti (apud CABETTE, 2003, p. 48) o direito alemão adota uma “responsabilidade penal vicariante” quanto as empresas, pois lhes reserva somente as penalidades administrativas, enquanto as medidas de caráter penal propriamente dita, são restritas às pessoas físicas.
6. 5 SISTEMA ITALIANO
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas na Itália encontra óbice em preceito constitucional contido no artigo 27, inciso I. (SHECAIRA, 1999, p. 63/64)
No sistema italiano, apenas admite-se a responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas, nas hipóteses de aplicação de penas pecuniárias, nos termos do art. 197 do Código Penal Italiano, possuindo dita responsabilidade caráter meramente civil. Segundo Cabette (2003, p. 50), para sua configuração faz mister dois pressupostos: a) insolvência do empregado ou representante; b) liame entre ele e a empresa que se beneficiou do delito.
6. 6 SISTEMA SUECO
Muito embora exista um projeto de reforma do Código Penal Sueco prevendo uma pena específica para as pessoas jurídicas que praticarem delitos econômicos, a responsabilidade é limitada as pessoas físicas. A doutrina e jurisprudência sueca tem adotado uma “responsabilidade quase penal”, aplicando pena pecuniária denominada foretagsbot. (GONZALEZ, 1994, p. 850)
7 PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL
O Direito Ambiental é uma ciência autônoma, com seus próprios postulados e princípios constitucionais norteadores.
Insta frisar, que os princípios de Direito Ambiental podem ser classificados como de Política Nacional do Meio Ambiente e de Política Global do Meio Ambiente. Estes surgiram na Conferencia de Estocolmo do Meio Ambiente, realizada em 1972, e ampliados na ECO – 92. Aqueles são instrumentos de implementação e adaptação destes à realidade de cada país. (FIORILLO, 2009, p. 27)
Os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente foram consagrados no artigo 225 da Carta Magna, são eles: do desenvolvimento sustentável; do poluidor-pagador, da prevenção; da informação e da ubiquidade.
O princípio do desenvolvimento sustentável tem a finalidade conciliatória “entre a atividade econômica e o uso adequado, racional e responsável dos recursos naturais, respeitando-os e preservando-os para as gerações atuais e subseqüentes.”(MEDEIROS, ROCHA apud VIANA, 2009, p. 37)
Este princípio atua como uma balança, equilibrando o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente.
O princípio do poluidor-pagador, também denominado de usuário-pagador, encontra-se consagrado no §3º, do artigo 225, da Constituição Federal de 1988. Este princípio “Não traz como indicativo ‘pagar para poluir’, ‘poluir mediante pagamento’ ou ‘pagar para evitar a contaminação’.” O referido princípio possui dois caracteres, o preventivo e o reparatório. O primeiro, “[...] busca evitar a ocorrência de danos ambientais [...] e o segundo, “[...] ocorrido o dano, visa sua reparação”. Assim, incumbe ao explorador de qualquer atividade utilizar os instrumentos necessários à prevenção do dano, pois, este ocorrendo, será responsável pela sua reparação. (FIORILLO, 2009, p. 37)
O princípio da prevenção foi consagrado no caput do artigo 225, da Constituição Federal, impondo como dever do Poder Público e da coletividade de “proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Para o prof. Fiorillo “A prevenção e a preservação devem ser concretizadas por meio de uma consciência ecológica, a qual deve ser desenvolvida através de uma política de educação ambiental. ”Diz ainda o mesmo autor que “Alem disso, a efetiva prevenção do dano deve-se também ao papel exercido pelo Estado na punição correta do poluidor, pois, dessa forma, ela passa a ser um estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente.”(2009, p. 54-55)
Embora a Constituição Federal não faça distinção entre o principio da prevenção e da precaução, os doutrinadores apontam que:
No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica.
No princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida (www.ecoambiental.com.br/ principal/principios). (MACHADO apud COLOMBO, 2009)
Nesse ínterim, “[...] o princípio da precaução é prioritariamente utilizado quando o risco de degradação do meio ambiente é considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio ambiente é tamanho que exige a aplicação imediata das medidas necessárias à preservação.”(COLOMBO, 2009)
Ademais, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992 a terminologia empregada na Declaração é prevenção.
O princípio da informação, previsto no inciso VI do §1º, do artigo 225 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Este princípio é um verdadeiro instrumento de efetivação do princípio da prevenção e o seu objetivo é capacitação e participação da comunidade na defesa do meio ambiente através “[...] divulgação de dados e informações ambientais e da formação da consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico [...].”
Por fim, o princípio da equidade, também chamado de solidariedade ou intergeracional, enunciado no caput do artigo 225, da Constituição Federal de 1988, dispõe que como “[...] representante da geração presente, temos o direito de usufruir os recursos naturais e o dever de preservá-los para as gerações futuras.” (MEDEIROS, ROCHA, 2009, p. 45)
Portanto, diante do rol de princípios constitucionais acima abordados, deflui-se que na aplicação das regras, normas e institutos jurídicos ambientais devemos interpretá-las a favorecer o meio ambiente.
8 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS
Na doutrina brasileira, a matéria em comento é extremamente controvertida. A corrente majoritária é a negativista, mas é crescente a corrente positivista da incriminação da pessoa jurídica.
Vejamos a seguir, ambas as correntes.
8. 1 CORRENTE NEGATIVISTA
Os doutrinadores que não admitem a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas[3] sustentam que o reconhecimento do instituto em questão violaria os avanços históricos e dogmáticos do Direito Penal Brasileiro, evidenciando, patente incompatibilidade com os institutos da ação, da culpabilidade e da natureza da sanção penal, bem como violaria preceitos constitucionais. Esta corrente traz como argumentos que constituem obstáculos para a responsabilização criminal da pessoa jurídica: a) função do Direito Penal; b) incapacidade de ação; c) incapacidade de culpabilidade; e d) violação do princípio da pessoalidade da pena.
8. 1. 1 Função do Direito Penal
Para Flávio Augusto Monteiro de Barros (1999, p. 3) o Direito Penal possui duas funções básicas: a primeira é a proteção dos bens jurídicos e a segunda é a manutenção da paz social.
Dessa idéia, podemos ponderar que apenas os bens jurídicos vitais ao desenvolvimento equilibrado do convívio social devem merecer a especial tutela do direito penal.
Alice Bianchini (2002, p. 54) explana que "Quando se tratam de condutas com elevado grau de reprovabilidade e danosidade social é comum o entendimento de que só um meio particularmente vigoroso, no caso a intervenção penal, poderá, a contento, proteger a sociedade."
Pela explanação supra, nota-se, que a sanção penal objetiva tão somente reprimir as condutas com grau de reprovabilidade elevado.
Nesse diapasão, sobressai o chamado princípio da intervenção mínima, também denominado de princípio da subsidiariedade ou ultima ratio, corolário inafastável da legalidade estrita, como forma de tentar restringir ou, até mesmo, eliminar o arbítrio do legislador, no momento da confecção das normas penais incriminadoras.
Aponta Luiz Regis Prado (1998, p. 17) que:
A sanção penal só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais, como ultima ratio legis, na falta absoluta de outros meios jurídicos eficazes e menos gravosos. Essa Tendência política-criminal restritiva do jus puniendi deriva do Direito Penal moderno e da concepção material de Estado de Direito.
Assim, a atuação legítima no prisma constitucional do ordenamento jurídico penal é necessário que seja o último meio adequado contra a conduta lesiva ao bem jurídico protegido.
Nesse sentido, Luiz Otávio Alves Ferreira (2008):
Com efeito, o principio da subsidiariedade é conseqüente lógico dos princípios da fragmentariedade e intervenção mínima, pois determina que o Direito Penal só deva atuar quando os controles e sanções jurídicas impostas pelos demais ramos do ordenamento jurídico (v.g. Direito Administrativo, Civil, Trabalhista, etc.) não tiverem sido eficazes, ou seja, o Direito Penal – até por ser o mais violento – é o ultimo recurso (ultima ratio) para a defesa dos bens jurídicos.
Então, podemos dizer que a atuação do Direito Penal é condicional, deve ser empregado em ultima ratio, ou seja, apenas e tão somente quando esgotados todos os outros meios extra-penais de controle social.
Vale dizer, que na criminalidade contra o meio ambiente, in casu, na responsabilidade da pessoa coletiva, é preciso orientar-se pelo perigo que a conduta infratora traz ao bem jurídico protegido, e não o dano propriamente dito, eis que após o aparecimento deste, a repressão estatal seria de pouca ou quase nenhuma eficácia.
Na seara da responsabilidade da pessoa jurídica seria de mais valia a prevenção e não a repressão, portanto, o Direito Penal seria inútil, sendo mais eficaz para responsabilizar a pessoa coletiva adotar um ordenamento jurídico extra-penal sancionador, de natureza administrativa e civil.
8. 1. 2 Incapacidade de Ação
A incapacidade de ação, como destaca doutrinadores renomados, dentre eles Bitencourt, Prado, Dotti entre outros, ainda continua sendo um dos óbices para a admissão da pessoa jurídica como sujeito ativo do delito.
Tanto para a escola finalista como para a escola causalista[4] o Direito Penal atual estabelece que o único sujeito com capacidade de ação é o indivíduo.
Na concepção causalista “[...] a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer. É um processo mecânico, muscular e voluntário (porque não é um ato reflexo), em que prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se tenha a certeza que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou a ação típica.” (MIRABETE, 2006, p. 88)
Nesse ínterim, para os causalistas a ação é um movimento corporal voluntário que causa modificações no mundo exterior, dispensando a finalidade buscada pelo agente. Assim, constitui elemento da ação: I) a manifestação de vontade; II) o resultado e III) a relação de causalidade.
Segundo Damásio E. de Jesus (apud MIRABETE, 2006, p. 91), respeitando a teoria finalista da ação, a conduta pode ser “a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade”.
Para a teoria finalista da ação, a conduta é um comportamento humano – fazer ou não fazer - com uma determinada finalidade e não um comportamento meramente causal.
Com propriedade, destaca René Ariel Dotti (apud BITENCOURT, 2003, p. 14):
“O conceito de ação como ‘atividade humana conscientemente dirigida a um fim’ vem sendo tranquilamente aceito pela doutrina brasileira, o que implica no poder de decisão pessoal entre fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, num atributo inerente às pessoas naturais.”
Portanto, a conduta - ação ou omissão - é um comportamento humano com uma finalidade. Este é um aspecto exclusivo do ser humano, indispensável à ação típica de qualquer crime. A vontade é imprescindível.
Vale dizer, diante da teoria finalista da ação que a pessoa jurídica é carecedora de capacidade de ação por não possuir vontade própria, in casu, a conduta é realizada por pessoas físicas, ou seja, seus diretores, representantes, ou seja, as pessoas individuais atuam em nome do ente coletivo, aqueles responsáveis concretos pelo crime.
Pondera Bitencourt (2003, p. 13):
Enfim, a ação, como primeiro elemento estrutural do crime, é o comportamento humano voluntário conscientemente dirigido a um fim. A ação compõe-se de um comportamento exterior, de um conteúdo psicológico, que é a vontade dirigida a um fim, da representação ou da antecipação mental do resultado pretendido, da escolha dos meios e da consideração dos efeitos concomitantes ou necessários e do movimento corporal dirigido ao fim proposto.
Desta forma, como podemos amparar juridicamente a penalização do ente coletivo se “[...]a pessoa jurídica, um ente abstrato, ou ainda, uma ficção normativa, privado de sentidos e impulsos, possa ter vontade e consciência? Como poderia ter representação ou antecipação mental das conseqüências de sua ação?” (BITENCOURT, 2003, p. 13)
Segundo Zaffaroni e Pierangeli (1999, p. 409) “Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico.”
Portanto, por ser a conduta um comportamento humano, não pode conceber a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime, ou seja, nullum crimen sine conducta.
8. 1. 3 Incapacidade de Culpabilidade da Pessoa Jurídica
O nosso Direito Penal baseia-se na culpabilidade do delinqüente, e pode ser definida a culpabilidade na possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal, ou ainda, como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito.
Para a teoria bipartida, o crime pode ser definido como fato típico e antijurídico, sendo que a culpabilidade não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para a imposição de pena, porque, é um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe que se possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. Para censurar quem cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele.
Segundo essa teoria, mesmo que fosse admitido que a pessoa jurídica praticasse um fato típico e antijurídico, esta não se sujeitaria as sanções penais.
Para os adeptos da teoria tripartida, a culpabilidade constitui elemento do crime, sendo o crime um fato típico, antijurídico e culpável. Sustentam assim, que a pessoa jurídica não pode delinquir porque está imune à culpa penal.
Por seu turno, conforme a sistemática adotada pelo Código Penal a culpabilidade apresenta os seguintes elementos constitutivos: a) na imputabilidade; b) consciência da ilicitude e c) na inexigibilidade de conduta conforme o direito.
Aníbal Bruno define o primeiro elemento, a imputabilidade (apud PRADO, 2002, p. 349) como sendo “o conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Entretanto, a maturidade e sanidade mental são atributos privativos da pessoa individual, concluindo-se de forma irredutível, que a pessoa jurídica é carecedora de maturidade e normalidade psíquica.
Conforme explana Mirabete (2006, p. 194):
Não basta, porém, a imputabilidade. É indispensável, para o juízo de reprovação, que o sujeito possa conhecer, mediante algum esforço de consciência, a antijuridicidade de sua conduta. É imprescindível apurar se o sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhecê-la. Só assim há faltas ao dever imposto pelo ordenamento jurídico. (grifo nosso)
Logo, o ente coletivo é inimputável.
A potencial consciência da ilicitude constitui o segundo elemento da culpabilidade é a capacidade de compreensão, de conhecimento da ilicitude do fato típico.
A consciência é uma qualidade psíquica do ser humano, só o individuo é capaz de conhecer os valores e mandamentos e aplicá-los nas diferentes situações. Apenas o homem tem capacidade discernir o caráter ilícito de sua conduta.
A pessoa coletiva por sua vez é totalmente desprovida de sentidos.
Diante dos argumentos acima esposados, para os que defendem esta posição doutrinária, não se pode conceber um juízo de reprovabilidade em relação a “conduta” – exercida pelas pessoas naturais que o compõe, ou seja, por seus dirigentes e diretores, faltando capacidade de ação – da pessoa jurídica.
Em relação ao terceiro elemento da culpabilidade: exigibilidade de obediência ao Direito, por mais que seja possível, exigir da pessoa fictícia obediência ao Direito, encontra óbice na ausência dos demais elementos, leciona o douto Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 17):
[...] Assim, ausentes os dois primeiros elementos – imputabilidade e consciência da ilicitude –, será impossível a caracterização do terceiro – exigibilidade de conduta conforme o Direito -, que configura a possibilidade concreta do autor – capaz de culpabilidade – de poder adotar sua decisão de acordo com o conhecimento do injusto. E, por derradeiro, a falta de qualquer dos três elementos examinados impedirá, na seara do Direito Penal, a aplicação de pena, já que nullum crimen, nulla poena sine culpabilidade.
Para a corrente negativista a adoção da responsabilidade penal da pessoa coletiva infringe ao Princípio do nullum crimen sine culpabilidade.
8. 1. 4 Impossibilidade de Aplicação de Pena Privativa de Liberdade
Antes de abordarmos o assunto específico cabe uma breve reflexão. É utopia dizer que as penas privativas de liberdade – reclusão ou detenção – atingem a sua finalidade e os efeitos nos ideais reformadores almejados pelo racionalismo iluminista.
É sabido por todos que o direito penal enfrenta a crise do Sistema Penitenciário, portanto, hodiernamente as penas privativas de liberdade são aplicadas como última alternativa aos casos de maior gravidade ou reprovabilidade.
As penas privativas de liberdade são penas corporais, logo, restringem a liberdade do condenado, ou seja, pessoa física detentora de capacidade de ação, impossíveis de serem aplicadas a um ser artificial. A impossibilidade de imposição dessa sanção, exclusiva do Direito Penal, revela a desnecessidade da tutela penal que se baseia no princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade: recorre-se a ela apenas quando houver outra forma de sanção não eficaz.
8. 1. 5 Violação ao Princípio da Pessoalidade da Pena
Com a Constituição Federal de 1988, verificou-se o marco inicial da Democracia, e, por conseguinte a estabilidade política brasileira, deslocando o velho Código Civil de 1916 do centro do ordenamento jurídico. Ademais, não é só, nos últimos dez anos, com o processo de Constitucionalização do Direito, a Carta Magna de 1988 passou a gozar além da supremacia formal, a material e axiológica, reforçada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios.
Assim, a Constituição como centro do ordenamento jurídico passou a ser um modo de interpretação dos demais ramos do direito, determinando que toda norma jurídica deve ser lida e apreendida sob seu manto. Esse fenômeno, a doutrina denominou de filtragem constitucional.
Nesse sentido, leciona J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (1991, p. 45) “A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à sua luz e passada pelo seu crivo”.
Para Luiz Roberto Barroso (2009):
“[...] toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior. Diante disso, segundo o mesmo autor devemos aplicar a Constituição: a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional. [...]; b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: (i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque se não for, não deverá fazê-la incidir. Esta operação está sempre presente no raciocínio do operador do Direito, ainda que não seja por ele explicitada; (ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais”.
Portanto, para que uma norma infraconstitucional seja considerada válida, esta deve estar em perfeita harmonia com os princípios e normas constitucionais.
Sob a luz dessas premissas e também da assertiva de que a pessoa jurídica é um ser abstrato, a doutrina contrária a responsabilização penal do ente coletivo sustenta a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei Ambiental (Lei n. 9.605/98)[5] por violar cabalmente a sistemática adotada em nossa Lei Maior.[6]
Com o referido dispositivo o legislador buscou estabelecer um típico caso de responsabilidade penal OBJETIVA[7] (responsabilidade penal sem dolo ou culpa) das pessoas jurídicas que cometerem crimes ambientais, almejando romper o principio da societas delinquere non potest, o que não foi objeto de aplausos, por contrapor dogmas do Direito Penal. [8] Além de estar em evidente dissonância com uma das garantias constitucionais reconhecida como cláusula pétrea elencadas no artigo 5º, inciso XLV: o princípio da pessoalidade ou personalidade e a individualização da pena que consagra que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, devendo a sanção penal recair sobre os autores materiais do crime, e não sobre um ente abstrato.
Nesse diapasão, a douta Keity Mara Ferreira de Souza (apud GONÇALVES, 2009) afirma que a condenação do ente coletivo pressupõe a penalização de todos os membros da corporação, autores materiais do delito e membros inocentes do grupo jurídico, representando uma flagrante violação aos princípios da personalidade e da individualização da pena.” Não haveria possibilidade de especificar e individualizar a pena.
Imaginemos na hipótese de “A”, sócio da empresa “Z”, comete um crime doloso ou culposo, contra o meio ambiente, sem a participação dos demais sócios, “B” e “C”, condenada a pessoa jurídica “Z”, os sócios inocentes sofreram o caráter aflitivo da pena e as suas conseqüências.
E mais, o sócio “A”, culpado sofrerá as conseqüências imediatas da condenação como membro da pessoa jurídica e indiretamente como pessoa física, gerando intolerável bis in idem.
Por conseguinte, para aqueles que repudiam a responsabilidade penal da pessoa jurídica prevista no dispositivo em estudo, dizem que dita responsabilidade é exemplo claro de responsabilidade penal por fato alheio. (PRADO, 2002, p. 238).
O mestre Carlos Ernani Constantino (2005, p. 66) sugere a seguinte modificação ao artigo 3º:
“Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente e civilmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, bem como por ato de seu sócio ou empregado, no interesse ou beneficio da sua entidade, aplicando-se a elas seguintes medidas penais:
Parágrafo único. Em sendo condenada a pessoa física, que utilizou a pessoa moral como instrumento de sua prática delituosa, o Juiz Criminal, de oficio ou a requerimento do Ministério Público, seqüestrará e decretará a perda dos lucros advindos do crime ambiental, que foram incorporados ao patrimônio da empresa, em favor do Fundo dos Interesses Lesados, como efeito secundário da sentença penal condenatória; isto sem prejuízo das medidas administrativas, quase-penais (ou medidas de segurança, previstas nos arts. 21 a 24 da presente Lei”.
Ademais, a doutrina espanhola recomenda que seja adotada “ao menos uma postura de reserva quanto a tais sanções de caráter coletivo, pois que estas vão repercutir de maneira muito lesiva sobre o conjunto dos sócios e trabalhadores da empresa, ainda que estes sejam completamente alheios ao fato delitivo. Ao “aplicar alguma modalidade de sanção às empresas, deve-se sempre dar prioridade àquelas que afetam em menor medida os direitos de sócios e trabalhadores, como por exemplo, sanções de intervenção administrativa da empresa”. (SÁNCHEZ, apud CABETTE, 2003, p. 65).
Assim, sustenta ainda, a corrente negativista que a admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica viola o princípio da personalidade ou individualização da pena.
8. 1. 6 Questões de Hermenêutica
Argumenta a doutrina, ainda, assentada no princípio societas delinquere non potest, que a solução para a questão encontra-se debruçada na literalidade do § 5º do artigo 173 da Constituição Federal de 1988[9], é evidente que não recepcionou o instituto da responsabilidade penal das pessoas jurídica, apenas condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções condizentes a sua natureza.
As “punições compatíveis”, citadas no dispositivo constitucional, são meramente de natureza civil e administrativa.
Da leitura do referido dispositivo, nota-se a imprecisão do legislador haja vista que ao lado da “responsabilidade individual” utiliza o vocábulo “responsabilidade” para referir ao ente corporativo, não determinando a natureza (civil, administrativa ou penal) da responsabilidade que a este deva ser atribuída.
Conforme Luiz Luisi (apud CABETTE, 2003, p. 86), o artigo 173, § 5º possuía na Comissão de Sistematização da Assembléia Constituinte, redação diversa da atual: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos integrantes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade criminal dela”. Sendo assim, o autor chega a seguinte conclusão:
[...] retirando a expressa e literal referência à responsabilidade criminal da pessoa jurídica, é de evidência solar que o Constituinte recusou-se a estabelecer a responsabilidade em causa. É óbvio que o Constituinte, ao dar ao parágrafo em questão um redação diferente da proposta pela Comissão de Sistematização, com ele não concordou. Ou seja: é solar que o Constituinte, ao não aprovar a redação que expressamente estabelecia a responsabilidade penal da pessoa jurídica, a repeliu. E limitou-se a dizer, sem necessidade real, que a punição da pessoa jurídica tem que se compatibilizar com a ‘ontologia’ da pessoa jurídica, ou seja, com sua natureza.
De outro lado, a errônea interpretação do disposto no § 3º do artigo 225, da Lei Maior[10], em razão de sua redação obscura, levou grande parte da doutrina a reconhecer, supostamente, que a Constituição Federal de 1988 acolheu a possibilidade de aplicação de sanções penais. (BITENCOURT, 2003, p. 21)
Pelo contrário, o dispositivo constitucional trouxe o significado das terminologias “punições compatíveis” empregadas no §5º do artigo 173, da Constituição, ou seja, dispôs qual as punições que serão aplicadas às pessoas físicas e à pessoa jurídica.
Em primeiro lugar, o preceito constitucional (§ 3º, art. 225) traz “condutas e atividades” e “sanções penais e administrativas”, sendo que respectivamente, as primeiras são destinadas às pessoas físicas e as segundas para pessoas jurídicas.
Vejamos de outro modo, que a redação do § 3º, artigo 225 encontra-se na vogal “e” empregada de forma a diferenciar “condutas e atividades lesivas” (a primeira é aspecto psíquico da pessoa natural, do ser humano e a segunda da pessoa jurídica) correlacionando-as, respectivamente, às sanções penais e administrativas.
Para Antonio Cláudio Mariz de Oliveira (1992, p. 21), o legislador ao dispor no § 3º do artigo 225, da Constituição Federal que as “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores” afastou-se a possibilidade de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica, pois se quisesse afirmar a capacidade da pessoa jurídica cometer crimes, utilizaria a palavra “crime” e não “atividade” como o fez.
Em ato contínuo, no mesmo dispositivo em apreço (§ 3º, art. 225, CF/88) o emprego do aditivo “e” posicionado entre as expressões “sanções penais e administrativas” possui sentido dissociativo, atribuindo a primeira à pessoa individual e a segunda ao ente corporativo.
Diante disto, a melhor interpretação do dispositivo em comento: i) as pessoas físicas sujeitarão as sanções penais, bem como administrativas; ii) ao contrário da pessoa jurídica, que exclusivamente, lhe será aplicado sanções de caráter administrativo.
8. 2 CORRENTE POSITIVISTA
A corrente positivista contando com ensinamentos de doutos como Machado, Benjamim, Freitas entre outros grandes doutrinadores de peso, como Shecaira, Capez, Silva, Jesus, o constitucionalista José Afonso da Silva. Esta corrente vem conquistando cada vez mais adeptos.
Para os defensores dessa corrente a tutela penal é o instrumento indispensável à persecução da pessoa jurídica em razão da relevância do bem jurídico tutelado: o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Após essas breves considerações sobre a corrente positivista prosseguimos para as justificações da tutela penal do meio ambiente.
8. 2. 1 Da Necessidade da Tutela Penal do Bem Ambiental.
A corrente negativista sustenta na natureza subsidiária do Direito Penal um dos fundamentos da inadmissibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, delimitando que para a incidência da tutela penal faz necessária a presença de dois pressupostos: i) a dignidade do bem jurídico protegido e ii) a necessidade da utilização da tutela penal.
A Constituição Federal de 1988 pôs fim à controvérsia quanto à indispensabilidade da proteção jurídico-penal do meio ambiente.
No tocante ao grau de importância do bem jurídico tutelado é sabido que a “[...] sobrevivência da espécie humana e sua digna qualidade de vida depende da sustentação de um meio ambiente equilibrado ecologicamente.”(LECEY apud CRUZ, 2008, p. 63). Essa característica de essencialidade à sadia qualidade de vida encontra-se prevista no caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988.
Nesse prisma, se for analisado o caput do artigo 5º da Constituição Federal em conjunto com o caput do artigo 225, observa-se que o objetivo do legislador Constituinte foi dar proteção ao direito à vida sadia, da qual é pressuposto o meio ambiente ecologicamente equilibrado. (CRUZ, 2008, p. 31)
Nesse sentido, é certo afirmar que:
“O meio ambiente, diante da ordem constitucional em vigor, ganhou uma dimensão elevada, erigido à categoria de pressuposto do exercício do direito à vida e expressão do conceito de dignidade humana, fundamento de toda a nossa ordem jurídica (art. 1º, III, c.c. os arts. 6º e 225, caput).” (CRUZ, 2008, p. 65)
Assim, o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente coaduna-se com direito à vida com qualidade. Porquanto, o dano causado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado fere o direito à vida com qualidade.
Segundo Rui Carvalho Piva (2000, p. 111) “A vida digna com qualidade representa, certamente, o fim maior a ser colimado pelo direito em benefício do ser humano [...].”
Nessa esteira, o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui direito fundamental, eis que “[...] Integra o conceito de dignidade humana, tendo em vista que se constitui bem essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput)[...].”[11] (CRUZ, 2008, p. 56)
Pois bem. O nosso legislador Constituinte expressamente previu que a “discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais” será punido por lei (artigo 5º, XLI, CF/88). Daí resulta necessidade de incriminação das condutas atentatórias ao meio ambiente estabelecida no §3º, do artigo 225, da Constituição Federal de 1988.
Com isso, denota-se que o objetivo do legislador foi emprestar a maior proteção ao meio ambiente equilibrado, pressuposto ao exercício do direito à vida saudável, porquanto, é Indiscutível a sua relevância social, sendo imprescindível a sua tutela penal.
8. 2. 2 Eficácia do Direito Penal Frente às Outras Formas de Tutela.
Segundo lição de Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz (2008, p. 65) outro argumento capaz de justificar a necessidade da tutela penal as condutas atentatórias ao meio ambiente é o fato de ter a Constituição Federal delineado de forma globalizante a proteção do bem ambiental, utilizando de todo o “arsenal jurídico”: responsabilidade civil, penal e administrativa. Isso pode ser denominado de responsabilidade ambiental.
Pela leitura do artigo 225, § 3º, constata-se que não foi acolhida uma responsabilidade civil, uma penal e outra administrativa, de forma fragmentada, mas sim de forma a abranger todas as responsabilidades, consagrando o princípio da proteção integral do meio ambiente. Desta forma, conclui-se que o objetivo constitucional é a prevenção dos danos.
Ao realizar uma análise rápida em cada espécie de responsabilidade verificará que a única que possui função, verdadeiramente, eficaz para prevenir os danos ambientais é a sanção penal.
Senão, vejamos:
Em uma análise individual da responsabilidade civil dos danos ambientais, levando em consideração que a idéia constitucional quanto à reparação do dano é a sua prevenção, podemos dizer que está tutela torna-se ineficaz uma vez que a obrigação de indenizar tem função meramente reparatória e não preventiva, como idealizou o Constituinte. (JORGE apud CRUZ, 2008, p. 67)
A doutrinadora Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz (2008, p. 68-69) relata que “[...] no tocante à tutela administrativa, sobre uma análise perfunctória, seria a que mais se prestaria à preventiva dos bens ambientais” por conter instrumentos de prevenção dos danos ambientais tais como zoneamento, licenciamento, estudo prévio de impacto ambiental, fixação de padrões de qualidade, entre outros. Embora, preste a tutela administrativa a uma função preventiva, na prática não atenderá, de forma eficaz, os anseios à proteção do bem ambiental, isso diante da gravidade do dano social – conforme demonstrado no item anterior – ocasionado pelas agressões sofridas pelo bem.
O Ministro Gilson Dipp, no julgamento do REsp nº 564.960 – SC (2003/0107368-4), cita as ponderações feitas pelo Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4° Região, José Luis Germano da Silva, na resolução do mandado de segurança n° 2002.04.01.013843-0/PR, sobre a pequena eficácia dada pela sanção administrativa aos entes coletivos:
Não é incomum ouvir-se a afirmação de alguns no sentido de que bastariam as sanções administrativas para coibir os atos ilícitos societários. Não parece razoável a tese. Em primeiro lugar, especialmente nos paises de terceiro mundo, onde a administração é mais sensível à impropriedade e os seus órgãos julgadores são despreparados, não é eficaz como resposta do sistema subtrair do Direito Penal a regulação, submetendo-se a persecução ao Judiciário, que tem mais autonomia e independência para investigar e punir. Se a carga de negatividade social do crime empresarial justifica a presença do Direito Penal como ultima ratio, não há por que omitir-se na regulação.
No Brasil, acresce, a esses argumentos o fato de que a investigação criminosa pertence ao Ministério Público, que tem cumprido à risca sua função constitucional. Manter a controvérsia no âmbito regular estrito da administração seria afastar o parquet da teia armada pelas empresas para realizar seus fins delituosos.
Sem dúvida, a tutela administrativa será insuficiente a prestar a função preventiva necessária.
Importante o apontamento de Eduardo Ortega Martin (apud CRUZ, 2008, p. 64) ao discorrer sobre a indispensabilidade das sanções penais para a proteção do meio ambiente:
[...] o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também pela maior eficácia dissuasória que a sanção pena possui.
Ante o raciocínio exposto, é inevitável a conclusão de que o Direito penal é a mais eficaz de proteção ao meio ambiente.
8. 2. 3 Sistema da Dupla Imputação.
Na concepção de um Estado Democrático de Direito não podemos dissociar a resposta penal sem deixarmos de assegurar os direitos e as garantias fundamentais previsto na Lei Maior. Isso deve ser igual, para essa nova realidade de criminalidade empresarial. Para tanto, é indispensável firmar um novo sistema: o da Dupla Imputação.
Observa Shecaira (apud CRUZ, 2004, p. 138): “Ao lado do princípio da culpabilidade individual, de raízes éticas, surge a construção categórica de uma outra culpa de natureza coletiva. Essa dicotomia por contraste, contempladora de duas individualidades que se condicionam reciprocamente, fez com que se pudesse reconhecer autonomia à culpa individual e à coletiva enquanto disciplina de relevo e que podem ter um estudo paralelo em face de terem uma origem em um condicionamento comum. Se é verdade que a culpabilidade é um juízo individualizador, não é menos verdade que se pode imaginar um juízo paralelo – já que não igual – para a culpa coletiva. Esse sistema dicotômico pode ser chamado de dupla imputação.”
Ou seja, a persecução penal do Estado recairá sobre ambas as pessoas, físicas e jurídicas, conforme imposto pelo parágrafo único do artigo 3º da Lei n. 9.605/98.
Shecaira conceitua (apud Ministro Ricardo Lewandowski no HC nº 92.921-4 – BA[12]), o sistema da dupla imputação como o “[...] nome dado ao mecanismo de imputação de responsabilidade penal às pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade penal das pessoas físicas que contribuírem para a consecução do ato.”
Vale dizer, que o sistema da dupla imputação impôs como condição de admissibilidade da persecução penal estatal: a figuração no pólo passivo tanto a pessoa como da pessoa jurídica.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que “não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio”. (STJ, Resp. nº 88.952-8/SC, rel. min. FELIX FISCHER. 5ª Turma. DJ 17/04/2007)
Não resta dúvida, de que o entendimento jurisprudencial pátrio admite a responsabilização penal da pessoa jurídica, porém, para que isso ocorra, deve perseguir simultaneamente a pessoa física que age em nome e beneficio da empresa.
8. 2. 4 Capacidade de Ação e Culpabilidade da Pessoa Jurídica.
Impor barreiras à responsabilidade penal da pessoa jurídica, de fato, é negar que o Direito é uma ciência dinâmica. Por isso, a culpabilidade deve transcender a concepção clássica, uma vez que à dogmática e os conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo-legal. Em outras palavras, o sistema jurídico acompanha os anseios de determinada sociedade ditados pelas normas legais.
Observa Rothenburg (apud CRUZ, 2008, p. 238) “Do ponto de vista jurídico, o Direito reconhece uma vontade e um patrimônio próprios às empresas, que contratam em seu próprio nome e são até dotadas de atributos morais próprios, como o nome e a boa fama. Por que limitar esse reconhecimento apenas aos domínios extrapenais?”.
Ou, melhor dizendo, se a pessoa jurídica possui existência no Ordenamento Jurídico, podendo praticar atos civis e ser responsabilizada por eles, qual é o motivo de não ser possível esta vir a praticar uma conduta penal ilícita?
Por isso, digamos que o mesmo Direito que atribui personalidade ao ente coletivo deve ser capaz de imputar a ela uma ação penalmente relevante.
Nesse ínterim, indaga-se como a pessoa jurídica pode ter capacidade de agir com relevância penal?
Segundo Fausto de Sanctis (apud SMANIO, 2000, p. 123) “[...] as pessoas jurídicas possuem vontade própria e se exprimem pelos seus orgãos. Essa vontade independe da vontade de seus membros e constitui uma decorrência da atividade orgânica da empresa.”
Também é merecedor de destaque o acórdão[13] lavrado pelo relator Fábio Bittencourt da Rosa, no mandado de segurança sob o n. 2002.04.01.013843-0/PR, publicado na RTRF 48/2003/217, impetrado perante Tribunal Regional Federal da 4ª Região, oriundo da ação penal 2000.70.00.019440-4, iniciada perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Estado do Paraná, denunciando a Petrobrás e alguns de seus dirigentes como incursos no artigo 54 da Lei nº 9.605/98. Sustentou o Desembargador Federal, que quando os administradores que dirige a empresa decidem, por exemplo, poluir um rio, não está diante de uma ação individual, mas sim, de uma atividade da própria sociedade, do empreendimento. Esta ação é penalmente relevante, sendo que a autoria da pessoa jurídica deriva da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Logo, a pessoa jurídica e os sócios, serão réus na ação penal.
Assim, ação da pessoa jurídica é dissociada da pessoa física, aquela decorre da conjugação de vontades exprimidas por cada uma desta que a integram. Essa conjugação de vontade dá-se o nome de ação institucional. (SMANIO, 2000, p. 123)
Para David Baigún(apud SMANIO, 2000, p. 123-124) “a formação da conduta da pessoa jurídica tem um tríplice aspecto: o normativo, o organizacional e o interesse econômico.”
O primeiro, a decisão institucional é um fruto normativo do estatuto social. Esta deve respeitar os ditames determinados no estatuto. O segundo, a organização decorre da ordem normativa estabelecida para o controle interno da pessoa jurídica. Por fim, o interesse econômico se traduz no objetivo, razão da formação da pessoa jurídica. Nesse sentido, o interesse econômico da pessoa jurídica é distinto das pessoas que o integram. (BAIGÚN apud SMANIO, 2000, p.124)
Feitas as ponderações e evidenciada a capacidade de ação do ente coletivo, debruçaremos agora sobre a sua culpabilidade.
O Ministro Gilson Dipp, em sede de julgamento do REsp n. 564.960 – SC (2003/0107368-4), cita os ensinamentos de Valdir Sznick in Direito Penal Ambiental, editora ícone, 2001, p. 66-67, que prevê de que maneira a pessoa jurídica é culpável:
(...) à pessoa jurídica pode-se imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder agir segundo as exigências do direito (a exigibilidade de outra conduta) a pessoa jurídica é culpável (entendendo a exigibilidade no conceito dos finalistas, reproduzido por Jimenez de Asúa). Tratando-se de pessoa jurídica, estamos diante de uma culpa social, diferenciada mas que atinge interesses coletivos; em um campo teórico, trata-se de uma culpa diferenciada, diversa da culpa tradicional, dentro do interesse público, fundamento da “strict liability”, do direito americano, que prescinde da “mens rea”, ou seja, do dolo. (Conf. Celis Wells, Corporations asd Criminal Responsability, Claredon Press, N. York, 1993, pág. 56 e seg.). Segundo Celis Wells, a “stric liability” (responsabilidade estrita) se incorporou à responsabilidade da pessoa jurídica, dentro da relação de empresa-empregados, adotando a responsabilidade vicariante (da empresa pelos seus empregados), sempre procurando determinar a responsabillidade da pessoa jurídica (dirigentes ou responsáveis), mesmo sendo a pessoa jurídica responsável busca-se o elemento subjetivo do responsável.” (itálico e negrito no original)
Não se dúvida, que para admitir a responsabilidade da pessoa jurídica é indispensável à intervenção da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa).
É certo dizer, que para estabelecer um juízo de reprovação sobre a ação institucional deve verificar se essa atuação foi em nome e proveito própria da pessoa jurídica. Não ocorrendo isso, as pessoas físicas envolvidas serão responsabilizadas na medida de sua culpabilidade, observando o sistema da Dupla Imputação, previsto no parágrafo único do art. 3° da Lei n° 9.605/98.
8. 2. 5 Requisitos Legais para a Criminalização da Pessoa Jurídica
Para a responsabilidade da pessoa jurídica é imprescindível os preenchimentos dos requisitos legais estabelecidos pelo artigo 3º da Lei Ambiental[14]. A doutrina e a jurisprudência os classificam como explícitos e implícitos. Os primeiros são: “1) que a violação decorra de deliberação do ente coletivo; 2) que autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa jurídica; e os implícitos no dispositivo legal: 1) que seja pessoa jurídica de direito privado ou público; 2) que o autor tenha agido no amparo da pessoa jurídica; e 3) que a atuação ocorra na esfera de atividades da pessoa jurídica.” (REsp nº 564.960 – SC. Rel. Min. Gilson DIpp)
Assim, a responsabilidade da pessoa jurídica só será admitida se quando houver atuação de uma pessoa física, que age em nome e em benefício, direto ou indireto, do ente moral.
Portanto,
[...] se o ato praticado, mesmo através da pessoa jurídica, apenas visou a satisfazer os interesses do dirigente, sem qualquer vantagem ou beneficio para a pessoa jurídica, essa deixa de ser agente do tipo penal e passa a ser meio para a realização da conduta criminosa. Ao contrário, quando a conduta visa a satisfação dos interesses da sociedade, essa deixa de ser meio e passa a ser agente. (MILARÉ, 2000, p. 356)
Logo, a intervenção em nome e beneficio da empresa é a sua própria vontade derivada da ação institucional.
9 QUESTÃO DA AUSÊNCIA DE NORMAS DE NATUREZA PROCESSUAL
O nosso legislador pátrio quedou-se inerte na elaboração de normas de natureza processual concernentes à operacionalidade da efetividade da responsabilidade penal da pessoa jurídica: a) existência ou não de concurso necessário entre a pessoa física e a jurídica, o interesse e beneficio da última como requisito à sua responsabilização e os seus conseqüentes reflexos na elaboração da denúncia pelo agente do Ministério Público; b) procedimento aplicável; c) representação em juízo; na citação e intimação; na composição do dano; na transação penal e na suspensão do processo; d) o interrogatório da pessoa jurídica: indicação ou não de preposto?[...].(LECEY. 2005, p. 69)
Insta frisar, segundo lição de Cintra, Grinover e Dinamarco (2003, p. 102-103) que “sempre haverá no sistema, ainda que latente e inexpressa, uma regra para disciplinar cada possível situação ou conflito”, denominando a tal atividade de preenchimento das lacunas através da analogia e dos princípios gerais de direito de integração.
Conforme Ada Pellegrini Grinover uma solução emergencial de utilizar subsidiariamente o Código de Processo Civil, a Lei nº 9.099/95 (de acordo com a espécie de infração penal) e até lançar mão analogicamente das regras da Consolidação das Leis do Trabalho em conformidade com o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal.[15]
Ademais, devem ainda ser obedecidas as garantias constitucionais elencadas no artigo 5º e seus incisos, da Constituição Federal, em especial o due process of law, da ampla defesa e do contraditório.
Do mesmo modo, não admite a denominada “denuncia genérica”, portanto, para que ocorra a devida persecução penal em caso de crime ambiental cometido por pessoa jurídica através de seus dirigentes ou representantes, a denúncia ou queixa deva ser clara, precisa, categórica na exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias.
Assim, em casos que tais, a denúncia deve explicar não apenas aquelas circunstâncias fáticas indispensáveis à delimitação de qualquer acusação, mas deve também indicar precisamente os fatos que permitiriam vincula-las à pessoa jurídica acusada, segundo as prescrições do mencionado art. 3º da Lei 9.605/1998. (GRINOVER, 2004, p. 14)
Em síntese apertada do ensinamento de Grinover, faremos a integração das normas processuais pertinentes:
1 – A representação em juízo, ativa e passivamente, da pessoa jurídica poderá ser regulada pelo art. 12 do Código de Processo Civil, em seus incisos VI e VIII, in verbis:
Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
[...]
VI – as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores;
[...]
VIII – a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo único)
No tocante, a representação da pessoa jurídica de direito publico aplica-se os incisos I e II do mesmo Codex, in verbis:
“Art. 12. [...]
I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os territórios, por seus procuradores;
II – o Município, por seu Prefeito ou procurador;”
2 – Quanto aos procedimentos deverá aplicar o Código de Processo Penal e a Lei 9.099/1995, dependendo da gravidade do crime ou infração;
3 – Quanto à citação da pessoa jurídica será regida pelo artigo 351 e seguintes do Código de Processo Penal ou da Lei 9.099/1995, em caso de infração de menor potencial ofensivo. Em caso de citação por edital, aplicar-se-á os artigos 366 e 367, do Código de Processo Penal, com ressalva da inexistência de citação por edital na Lei n. 9.099/1995;
4 – Em relação ao interrogatório, meio de defesa, também serão respeitadas as garantias constitucionais, tais como a do direito ao silêncio, a da obrigatoriedade da presença do advogado. Mas a indagação da doutrina negativista é quem será interrogado no processo Penal contra pessoa jurídica?
A resposta é simples: o titular do direito de defesa ou, em outras palavras quem tem interesse em se defender é o gestor.
As normas aplicáveis no interrogatório serão as previstas no Código de Processo Penal.
Então, a falta de normas processuais não acarreta prejuízo à aplicabilidade do disposto no artigo 3º da Lei Ambiental (9.605/98) que será acomodado pelas demais regras do nosso sistema jurídico pátrio.
Malgrado as ponderações da douta professora e operadora do direito, ainda, falta adequação há algumas questões processuais relativas à criminalidade societária, tal como o remédio cabível para sanar a ilegalidade ou abuso de poder originados de ação penal em que figure no pólo passivo o ente coletivo.
10 DAS PENAS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA
Conforme disposto no artigo 21º da Lei n. 9.605/98, à pessoa jurídica poderão ser aplicadas as penas de multa; restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.
Artigo 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – Multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade.
As referidas penas poderão ser aplicadas isoladas, cumulativa ou alternativamente.
É prevista ainda, no artigo 24 da Lei Ambiental a liquidação forçada da pessoa jurídica, constituída ou utilizada com a finalidade de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei ambiental. Constantino (apud TOURINHO, 2005, p. 117) entende que ”Se se admitir que a pessoa jurídica é tão real como a pessoa física (neste ponto, referindo-se à Teoria Organicista de Otto Gierke, “sua total dissolução...representaria verdadeira pena de morte, vedada pela Lei Maior.” (original sem itálico)
O mesmo dispositivo (artigo 24 da Lei Ambiental) considera que o patrimônio, instrumento do crime, será revertido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Nesse caso, é importante ponderar que não só o patrimônio da pessoa jurídica será considerado instrumento do crime, como também de todos os sócios, uma vez que “os sócios são [...] responsáveis por obrigações sociais quando incorrem em ilícitos, perpetrados pela sociedade [...] direta, pessoal e ilimitadamente pela irregularidade em que incorrer”. (original sem itálico) (COELHO, 2002, p. 408-409).
Ademais, a pena de multa nos termos do artigo 49 do Código Penal Brasileiro considera o pagamento da quantia fixada na sentença para o fundo penitenciária. Essa será calculada em dias multa que no mínimo será 10 e no máximo 360 dias. O juiz fixará o valor do dia-multa, não poderá ser menor que a remuneração devida por um dia de trabalho conforme o maior salário vigente na data fato e nem maior ao quíntuplo da remuneração por um mês de trabalho, devendo ser atualizado conforme os índices de correção monetária.
É de suma importância citar o artigo 49 e seus parágrafos, do Código Penal Brasileiro, in verbis:
Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º o valor da Multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.
O artigo 18 do referido codex dispõe que a pena de multa “poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem auferida”.
Para Luiz Regis Prado (2002, p. 242) o método de cálculo da multa através dos critérios do Código Penal (artigo 49) torna-se ineficaz, inclusive se aplicado o seu valor máximo, por ser a pena determinada por um número de unidades artificiais, ou seja, dias multa.
Outrossim, para o autor, o critério será determinado pela situação econômica do réu.
É importante citarmos que na Venezuela a Lei Penal Ambiental de 1992 prevê sanções de multa de 1.000 a 3000 salários mínimos, bem como proibição do exercício da atividade de 3 (três) meses a 3 (três) anos, poderá ainda, determinar a proibição de contratar com o poder público por 3 (três) anos.
Afirma Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 676) que no Canadá já houve condenação de uma empresa denominada Tioxide Canadá Inc. ao pagamento de US$4.000,000.00, sendo que US$1,000,000.00 direcionado para o fundo consolidado de renda – fonds consolide du revenu – e US$3.000,000.00 para os projetos habitats da fauna no rio Saint-Laurent.
As penas restritivas de direitos podem diminuir ou suprimir todos os outros direitos, salvo a liberdade de locomoção, conforme o exposto no artigo 22 da Lei nº 9.605/98, e as penas restritivas de direitos cominadas às pessoas jurídicas são:
- Suspensão parcial ou total de atividades;
- Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
- Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
Os parágrafos 1º à 3º da referida Lei, trazem as hipóteses de cabimento das penas restritivas de direito, “in verbis”:
Parágrafo 1º - A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
Parágrafo 2º - A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
Parágrafo 3º - A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
De acordo com o disposto no artigo 23 do estatuto sub examine, a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Contudo, existem algumas lacunas legais que são merecedoras de atenção. Há casos em que aplicada qualquer das
“[...] penas restritivas de direito ou prestação de serviços à comunidade (Lei 9.605/98, arts. 22 e 23), havendo descumprimento injustificado da sanção imposta, não seria possível, obviamente, a sua conversão em pena privativa de liberdade, conforme ocorre com as pessoas físicas nos termos do art. 44, § 4º do Código Penal”.(CABETTE, 2003, p. 69)
Outra questão que deixou de ser objeto de previsão legal pelo legislador foi o caso de descumprimento da transação penal.
A solução encontrada seria a aplicação de multa cominatória diária, em caso de descumprimento desta configuraria dívida ativa em favor da Fazenda Pública, podendo ser executada, tal como ocorre com as pessoas físicas nos moldes do artigo 51 do Código Penal.
É claro que, atualmente, não teria resultados por ausência de previsão legal.
11 CONCLUSÂO
Ante as exposições doutrinarias, relacionamos as conclusões sobre o tema abordado na presente pesquisa bibliográfica:
Filiamos a corrente doutrinária positivista e ao entendimento jurisprudencial de que é possível resposabilizar à pessoa jurídica no que tange aos crimes ambientais. Não obstante, os obstáculos impostos pela corrente negativista, o instituto é preceito constitucional, não podendo ser ignorado, tanto é verdade, que o meio ambiente equilibrado foi erigido à categoria de bem jurídico tutelado, constituindo pressuposto ao exercício do direito à vida com qualidade. A Constituição Federal 1988 apenas consolidou uma tendência mundial de atribuir maior proteção ao meio ambiente pela sua relevante importância. Assim, opção política do legislador.
Porém, o nosso sistema penal ainda não encontra-se plenamente pautado de instrumentos para reconhecer a responsabilidade penal do ente coletivo.
Para solucionar tal impasse, a doutrina e a jurisprudência pátria amparadas no disposto no parágrafo único do artigo 3° da Lei n. 9.605/98 consagram o sistema da Dupla Imputação, que consiste na persecução simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física, sem violação aos direitos e as garantia fundamentais desta última.
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