1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende analisar os diversos modelos adotados pelo Direito Penal dos Estados no que tange à prostituição, com as suas respectivas consequências jurídicas.
Trata-se de questão palpitante e atual no cenário mundial. Nesse sentido, recentemente, os jornais noticiaram a aprovação, pela Assembleia Nacional da França, de projeto de lei que prevê aplicação de multa aos clientes das prostitutas como medida que busca coibir tal prática.
Pretende-se promover, ainda, um debate a respeito dos prós e contras da adoção dos diversos modelos.
Trata-se de questão evidentemente delicada, uma vez que tangencia concepções morais e até mesmo religiosas, além de ser permeado por estigmas, o que faz sobrelevar os preconceitos do intérprete na análise do problema. Daí porque a existência de um consenso é praticamente inviável. Nem por isso, contudo, se pode furtar à análise do problema, que repercute sobre inúmeras pessoas.
2. OS DIVERSOS MODELOS DE TRATAMENTO DA PROSTITUIÇÃO E DE SUAS ATIVIDADES CORRELATAS PELO DIREITO PENAL
As leis dos diversos países tratam a prostituição de maneiras distintas.
Inexiste consenso sobre o tema. O que há, isto sim, são opções legislativas, decorrentes de concepções políticas e muitas vezes morais dos parlamentares, ou até mesmo do lobby de determinados segmentos sociais que detém maior pujança no respectivo Estado.
A literatura sobre o assunto costuma distinguir três opções legislativas acerca da prostituição: a proibição, a abolição, e a regulamentação.
Parece, todavia, como será demonstrado, que a melhor opção é aquela que acrescenta, além desses modelos, o “modelo legalista” e o “modelo sueco”, uma vez que são dotados de certas peculiaridades que os distinguem dos modelos “clássicos” mencionados.
Serão analisados, adiante, cada um destes modelos, revelando os argumentos que os embasam, e eventuais prós e contras.
2.1. O modelo proibicionista
Segundo o modelo proibicionista, a prostituição deve ser reprimida como um todo, o que inclui, além da atividade dos agenciadores do sexo, a dos prostitutos e até mesmo dos clientes. Trata-se, com efeito, do único modelo onde Direito Penal proíbe a atividade dos prostitutos em si.
Conforme Nucci (2014, p. 69), “o modelo proibicionista vê a prostituição como um grave atentado contra os direitos humanos, uma clara manifestação da violência contra as mulheres e um símbolo inequívoco de exploração sexual. Deve-se, então, proibir e sancionar a venda e a compra de serviços sexuais. Não há distinção entre prostituição voluntária ou forçada; entre prostitutas e prostituidores”.
Dentre os Estados que adotam o modelo proibicionista, os Estados Unidos[1] são seu principal expoente, onde tanto a solicitação da prostituição quanto o oferecimento da prestação de serviços sexuais são considerados crimes “de menor potencial ofensivo” (misdemeanor crimes)[2]. Inclusive, neste país, a prostituição é oficialmente classificada como um crime sem vítimas (victimless crimes) (NUCCI, 2014, p. 77), também chamados de consensual crimes, assim entendidos como aqueles crimes que não resultam em danos a uma pessoa ou à propriedade. As leis dos EUA reservam penas mais severas aos agenciadores do sexo.
Tal sistema também é adotado em países como China, Malta, Eslovênia e outros países do Leste Europeu. Portugal adotou este modelo entre 1963 até 1983, quando despenalizou o ato de prostituir-se e passou a incriminar o lenocínio (TAVARES, 2010, p. 3).
Revela-se um modelo de exacerbada conotação moralista, cuja ideia, para fins de repressão da prostituição, gira em torno do princípio da oferta e da procura: proibindo a clientela dos prostitutos de usufruírem dos seus serviços, a prostituição, por consequência, sucumbiria.
Os entusiastas deste modelo defendem que onde a prostituição é legalizada ou tolerada, há maior demanda para o tráfico de pessoas e quase sempre um aumento no número de mulheres e crianças traficadas para o comércio sexual (ESTADOS UNIDOS, 2004, p. 2).
Todavia, essa ligação entre a prostituição e o tráfico de pessoas deve ser vista cum grano salis.
Conforme Guilherme Nucci (2014, p. 101), o que se chama de “tráfico de pessoas” muitas vezes, na verdade, não passa de mero auxílio prestado por alguém a outra pessoa, que se dirige espontaneamente do local da sua residência, com o livre intento de se prostituir ou ingressar na indústria do sexo. Nesse caso, a prostituição é desempenhada de forma individual e livre, com consentimento expresso ou tácito do favorecido, sem envolvimento de organizações criminosas, nem tampouco privação da liberdade ou de outros direitos fundamentais.
Nas palavras do autor:
Mesmo que a mulher siga para outro país buscando a prostituição, nem sempre está inserida no tráfico de pessoas, pois segue voluntariamente ao seu destino e não é presa, nem violentada, e muito menos controlada ao chegar no seu ponto de origem (NUCCI, 2014, p. 102)[3].
Ademais, é preciso analisar a questão sob o prisma da maior visibilidade que a prostituição merece nestes países, o que favorece a identificação dos traficantes de pessoas e dos reais traficados. Afinal, “onde a prostituição é ilegal, o tráfico também existe, mas é igualmente camuflado e os números são obscuros” (NUCCI, 2014, p. 101).
As críticas ao modelo proibicionista não param por aí.
Com efeito, a despeito da pressão estatal em relação à prostituição nos países que seguem tal posicionamento, não há evidências de que ela deixou de existir nestes locais, sendo certo, todavia, que houve o favorecimento da clandestinidade, o que acentua a vulnerabilidade dos prostitutos. Manoela Tavares (2010, p. 3), citando Alexandra Oliveira, relata a experiência de Portugal (quando adotava o modelo proibicionista), no sentido de que
o proibicionismo acentuou a exposição das prostitutas a perigos vários, onde às agressões e assaltos havia que juntar as rugas policiais. O medo da polícia que as levava presas não residia apenas na consequente perda da liberdade, com o que isso significava, nomeadamente o abandono forçado dos filhos e a humilhação. O temor da polícia também advinha das experiências de abusos policiais e da forma discricionária como estes exerciam a autoridade.
Além disso, a criminalização da atividade da prostituição faz com que os trabalhadores do sexo fiquem relutantes em relatar abusos de seus clientes (estupros, roubos, etc.), com receio de que venham, além de tudo, a ter a liberdade de locomoção cerceada.
Ademais, conforme aponta Nucci (2014, p. 69), o sistema proibicionista
simplesmente olvida os desníveis sociais existentes em sociedade, pretendendo que pessoas pobres continuem nesse patamar socioeconômico, em lugar de conseguirem elevar os ganhos por meio de uma atividade individual de comércio do corpo que em nada prejudica terceiros. Consagra, ainda, a hipocrisia de proibir algo menos danoso do que outras atividades e produtos, como a ingestão do álcool (vide o exemplo americano). Além disso, enquanto proíbe a prostituição, a indústria do sexo em todos os seus demais aspectos (sexo pela internet, pelo telefone, camuflado a domicílio, em clubes, nas saunas, etc.) corre solta.
Finalmente, critica-se tal modelo por dar repercussões penais a conotações morais, inquinando a liberdade daqueles que deveriam dispor da possibilidade de escolher os regramentos das suas vidas sexuais, inclusive para poder optar pelo desempenho do sexo mediante paga – mesmo porque nem sempre a prostituição se confunde com exploração sexual (no sentido correto da palavra).
2.2. O modelo da regulamentação[4]
A concepção de que a prostituição seria um “mal necessário” – seja para a contenção das “pressões sexuais” masculinas, seja para a manutenção do instituto da monogamia, seja para a preservação da “honra” da “mulher honesta” – serviu de base à defesa da prostituição como instituição social de serviço público, que deveria ser tolerada e regulada por meio de leis e atos administrativos (TAVARES, 2010, p. 2).
Aponta Priscilla Gershon (2006, p. 3), que
foi com a consolidação da ordem burguesa e a instituição do capitalismo, quando o mediador de todas as relações sociais passa a ser simbolizado pelo dinheiro, que novas características são imputadas à prostituição. E é nesse mesmo período que o Estado começa a se interessar pela prostituição urbana abdicando de uma postura de tolerância em favor de uma prática regulamentarista.
O modelo da regulamentação, que teve a França como precursora no início do século XIX, parte do pressuposto de que a prostituição é um fato social não erradicável, mas cujos “danos” à sociedade devem ser contidos, o que pressupõe a regulamentação da atividade. Não criminaliza, portanto, o ato de prostituir-se, de fazer uso da prostituição ou mesmo de agenciá-la, desde que envolva pessoas maiores e capazes[5]. Todavia, o Estado exerce severa fiscalização sobre a atividade.
Tal modelo, que vigorou ao longo de grande parte do século XIX em praticamente todos os países europeus, se caracteriza por fortes intervenções do poder público no exercício da atividade da prostituição, a exemplo de exames médicos obrigatórios com internação compulsória no caso de doenças venéreas; registro nominal dos sujeitos que exercem a atividade da prostituição[6]; intensa fiscalização policial em relação à atividade das prostitutas etc. (TAVARES, 2002, p. 2),
No mesmo sentido, aponta Priscilla Gershon (2006, p. 2) que, em todo o mundo burguês, os poderes da polícia sobre a prostituição, calcados no modelo regulamentarista, proporcionavam situações de autoritarismo e controle social associados ao discurso sanitarista, revelando-se inteiramente arbitrários por atingir apenas as prostitutas de condições sociais inferiores, deixando de lado as meretrizes clandestinas e as prostitutas de luxo que, em geral, contavam sempre com a proteção dos homens poderosos e politicamente influentes.
Finalmente, Jaime Brasil (2008, p.9) relata que as prostitutas, nos países onde existe tal forma de regulamentação, continuam a depender das autoridades policiais que as prendem e soltam discricionariamente, cobram-lhes taxas e impõem multas, obrigam-nas a viver em determinados locais e lhes proíbem o trânsito ou a permanência noutros.
Como não poderia deixar de ser, a política regulamentarista revelou-se ineficaz e violenta, produto de uma vontade panótica de domesticação da sexualidade feminina que transgredia os padrões considerados “normais” por meio de poder de polícia repressivo.
A crítica ao modelo regulamentador, obviamente, reside na exacerbada pressão estatal exercida em relação à atividade dos prostitutos. Se no plano jurídico existia liberdade para se prostituir, no plano fático, tal liberdade era severamente contida pelo poder de polícia.
A prostituição, para o modelo regulamentarista, é tida como uma “doença”, cujo vírus não pode ser morto, mas cujos sintomas precisam ser reprimidos. Por consequência, diversos abusos eram praticados, causando sistemática violação aos direitos fundamentais dos prostitutos.
Outrossim, os exames médicos obrigatórios aos quais os prostitutos tinham que se submeter causavam a impressão que estes eram verdadeiros disseminadores de doenças.
Por outro lado, tal pressão estatal fez com que houvesse um número cada vez mais crescente de profissionais clandestinos, o que frustrava o objetivo precípuo do sistema que era o de controlar a atividade.
Ainda, os cadastros dos prostitutos faziam com que o estigma da prostituição restasse indelevelmente marcado nos nomes dos indivíduos.
O modelo regulamentarista passou a ser alvo de forte rechaço pelos movimentos feministas (que consideravam a prática da prostituição uma forma de escravidão humana), a exemplo do que ocorreu na Europa, no final do século XIX – embora não necessariamente para conferir mais direitos às prostitutas em nome da liberdade sexual, mas sim para atacar a atividade em si.
Tais movimentos defendiam que o reconhecimento pelos Estados da legitimidade da prostituição iria deixar de fazer com que os governos investissem em empregos para as mulheres que lhes garantissem uma subsistência “digna”; reforçaria as desigualdades de gênero; além de consubstanciar um atentado à saúde das prostitutas em virtude dos efeitos advindos da prática da prostituição. Significaria, em suma, a legalização de uma forma de escravatura, dado que a prostituição seria, ela própria, um abuso, uma exploração e uma instituição de opressão, de modo que “a prostituição não pode[ria] ser equiparada a uma profissão” uma vez que “o corpo não pode ser objeto de uma transação financeira” (TAVARES, 2010, p. 3).
Surge, com isso, o modelo abolicionista (cujo nome revela, de logo, a conotação sob a qual a prostituição é enxergada, leia-se, como uma forma de “escravidão” que precisa ser “abolida”). E sendo a luta pelo fim da escravatura contemporânea às lutas desencadeadas no final do século XIX contra o regulamentarismo, a corrente feminina se valeu do termo empregado pelos antiescravocratas para legitimar e fortalecer a sua atuação.
2.3. O modelo abolicionista
O modelo abolicionista surge para “libertar” as ditas “escravas brancas” das práticas regulamentaristas e da própria prostituição.
No modelo abolicionista, a prostituta passa a ser considerada como vítima. Sua atividade não é considerada criminosa (como ocorre com o modelo proibicionista), passando-se a penalizar, apenas, o agenciador da prostituição (e, no caso do “abolicionismo sueco”, também os clientes, conforme analisado nas linhas abaixo). Por isso, sob o aspecto penal, as leis dos países adeptos ao modelo abolicionista consideram o prostituto como sujeito passivo, e o lenão como sujeito ativo dos crimes. Nesse sentido, segundo Manuela Tavares (2002, p. 2),
o movimento abolicionista considerava (e considera) a prostituição como uma escravatura incompatível com a dignidade das pessoas, colocando a prostituta na situação de vítima que não deve ser punida, mas sim incentivada a deixar a prostituição e a inserir-se socialmente. A prostituta não é punida, mas sim a exploração comercial da prostituição ou a atividade de proxenetismo.
Deixou-se, portanto, de penalizar os prostitutos, e passou-se a tentar reprimir a conduta daqueles que tentam tirar “proveito” destes.
Necessário, contudo, algumas ponderações sobre tal modelo.
Conforme Nucci (2014, p. 70-71), o modelo abolicionista
sofre a crítica de tratar a prostituição como um ócio sexual, quando na realidade é um trabalho. Não adota uma perspectiva prática, refugiando-se num discurso moral alheio à vida real e, mais concretamente, à vida das prostitutas. Encerra um projeto utópico, pretendendo eliminar a prostituição e, com isso, todas as práticas discriminatórias que mantêm e reproduzem uma imagem diferenciada das mulheres e dos homens.
Diz-se, ainda, que tal modelo, ao assumir posições moralistas de indicar o “caminho” às pessoas, não condiz com a liberdade individual, embora se saiba que a chamada “livre escolha” está condicionada por muitos fatores (TAVARES, 2010, p. 8).
Fala-se ainda em hipocrisia por parte do governo e dos órgãos públicos, pois, a despeito da tipificação da atividade de agenciamento da prostituição, os órgãos que, em tese, deveriam reprimir tais atividades se mostram coniventes com elas. É o que ocorre no Brasil, país que, formalmente, adota o modelo abolicionista[7], mas onde se constata, a não mais poder, que os estabelecimentos em que a prostituição é desempenhada são iluminados por fachadas ostensivas com o pleno conhecimento e a plena conivência das autoridades públicas.
Ademais (e a crítica também se aplica ao Brasil), o abolicionismo, muitas vezes, se limita a não punir a atividade do prostituto enquanto vítima, mas não veicula quaisquer políticas públicas de efetiva proteção a estes profissionais do sexo, o que acaba gerando um abolicionismo utópico: sob o discurso de querer acabar com a prostituição, criminaliza-se a conduta do lenão[8], mas, além de não efetivar as punições em relação a este, não pratica quaisquer atos efetivos em prol dos prostitutos tendentes a dar-lhes oportunidades para largar este ramo de vida, considerado tão “prejudicial”.
Por outro lado, apesar do discurso protetivo, o modelo abolicionista vem, na prática, prejudicando os prostitutos em muitos aspectos. Além de não terem, formalmente, um lugar para trabalhar (a prostituição agenciada é crime, ao menos por parte do lenão), e além de não poderem ter empregadores formais, são negados direitos sociais aos prostitutos, criando, desta forma, uma casta de trabalhadores marginalizados e inferiorizados.
A “proteção”, portanto, opera o efeito reverso, de forma que o Estado abolicionista colaboraria, ele próprio, para a maior exclusão dos seus ditos protegidos.
2.4. O “novo abolicionismo” ou “abolicionismo sueco”
O chamado “novo abolicionismo” ou “abolicionismo sueco” deita suas raízes no abolicionismo tradicional, onde a atividade dos prostitutos exercida individualmente não é tida por criminosa, embora o seja a atividade do agenciador da prostituição.
Todavia, o “novo abolicionismo” amplia o espectro na repressão de tais atividades, na medida em que se vale do Direito Penal para punir, também, a clientela das prostitutas (criminalising demand).
Mostra-se um modelo criado a partir de forte influência do movimento feminista antiprostituição, que parte do pressuposto de que a prostituição é decorrência da dominação masculina sobre as mulheres, e que perpetra a desigualdade de gêneros.
Na Suécia, precursor deste modelo desde 1º de janeiro de 1999, comprar ou tentar comprar serviços sexuais constitui delito, passível de multa ou de detenção por até seis meses. Assim, enquanto no abolicionismo tradicional a conduta daquele que usufrui da prostituição é tida como um indiferente penal, no “novo abolicionismo” a sua conduta é tida por criminosa, merecedora da reprimenda penal.
A prostituição é vista como um problema social sério, que deve e pode ser abolido. Segundo o próprio Ministério da Indústria, do Emprego e das Comunicações sueco, em informativo veiculado em julho de 2004,
na Suécia, a prostituição é considerada um aspecto da violência do homem contra as mulheres e crianças[9]. Ela é oficialmente vista como uma forma de exploração de mulheres e crianças e constitui um problema social importante, nocivo não apenas para mulheres ou crianças prostituídas, mas também para a sociedade. (...) A igualdade dos gêneros permanecerá um objetivo inalcançável enquanto os homens continuarem comprando, vendendo e explorando mulheres e crianças por meio da prostituição. (...)
Como outras formas da violência cometidas pelos homens contra as mulheres, a prostituição é um fenômeno específico de gênero; a maioria esmagadora das vítimas é de mulheres e meninas, quando o responsável pelo crime é invariavelmente o homem (SUÉCIA, 2004, p. 01-04).
Tal modelo parte do pressuposto de que não existe prostituição exercida de maneira livre, e se propõe a veicular políticas públicas aos prostitutos a fim de que possam exercer profissões “dignas”.
Todavia, conforme Manoela Tavares (2010, p. 4):
Reconheça-se que, apesar de ainda não existir uma avaliação aprofundada destas medidas, surgem alguns indicadores de que a clandestinidade aumentou, com consequências graves para a vida das mulheres que se prostituem e, ainda, que muitos homens suecos vão procurar este serviço em outros países.
2.5. O modelo legalizador
O modelo legalizador tem como maiores expoentes a Alemanha e a Holanda. Trata-se de modelo que reconhece a prostituição como uma verdadeira atividade profissional, garantindo direitos sociais, civis e trabalhistas aos profissionais do sexo. Retira-se o Direito Penal como instrumento de repressão da prostituição livre e consentida (desempenhada por pessoas maiores e capazes), relegando a atuação do instrumento repressor às situações de efetivo abuso ou exploração sexual (no sentido estrito do termo).
Sendo assim, no modelo legalizador, a prostituição agenciada não é crime, de forma que é possível, licitamente, falar na existência de empreendimentos destinados à intermediação das relações sexuais. Bordéis são aceitos e recebem alvará dos municípios, atendidas normas regulamentares para tanto (dentre outros, de higiene, de localização, etc.).
Como dito, é criminalizada a prostituição exercida por crianças e adolescentes. A Holanda, por exemplo, pune com pena de prisão de até 06 anos e multa àqueles que, dentre outros, induzam um menor a se prostituir ou obriguem alguém a fazê-lo, ainda que maior e capaz.
Também a prostituição autônoma é reconhecida legalmente; a Alemanha, por exemplo, admite expressamente o pacto de prestação de serviços sexuais entre o prostituto e o seu cliente, aquele na condição de free lancer, sendo eventuais dívidas desta relação passíveis de cobrança judicial.
Trata-se, portanto, de um modelo que valoriza a autodeterminação sexual do indivíduo, encarando a prostituição de forma pragmática.
2.5.1. A distinção entre o modelo legalizador e o modelo regulamentador
A distinção entre o modelo regulamentador e o modelo legalizador, como visto, é controvertida. Nucci (2014, p. 19), por exemplo, afirma:
alguns autores diferem a regulamentação da legalização, o que reputamos inoperante, pois sem legalizar não se consegue regulamentar.
Todavia, essa não parece ser a melhor das opções.
Nos textos consultados, o modelo “regulamentador” referia-se ao modelo difundido principalmente pela França do século XIX, onde os prostitutos eram submetidos a fortes pressões estatais, notadamente por parte da polícia. Eram obrigados a se submeter a exames e a sua liberdade de atuação profissional era mitigada por regulamentos incisivos. A despeito da inexistência de repressão penal em relação a tais atividades, a prostituição era tida como um “mal social que deveria ser restringido”.
Tal situação difere do modelo aqui tido por legalizador, cujos maiores expoentes, como dito, são a Holanda e a Alemanha. Nestes países, a prostituição é uma verdadeira atividade profissional, assim reconhecida pelo próprio Estado, onde os prostitutos gozam de liberdade e não se submetem ao subjugo estatal como se as suas atividades fossem uma doença a ser contida.
Assim, não obstante em ambos modelos inexista, no campo do direito positivo, a efetiva repressão penal no que tange à prostituição, no caso do modelo legalizador não há violação aos direitos fundamentais narrados na análise do modelo regulamentarista. Naquele (modelo legalizador), o que se busca é a valorização do profissional do sexo, não propriamente pelo fomento a essa atividade, mas pelo respeito aos trabalhadores que a exercem.