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A aplicação do Código de Defesa do Consumidor na preservação do meio ambiente

Agenda 29/01/2016 às 13:12

O presente trabalho tem como objeto uma reflexão acerca ao ética ambiental como forma de se chegar a um padrão de consumo aceitável pelo meio ambiente. Com isso, analisa-se como o Código de Defesa do Consumidor pode auxiliar essa mudança de comportamento.

1. INTRODUÇÃO

De fato, antes ele se encontrava em uma posição de relativa igualdade perante os fornecedores e, agora, quem possui a força maior nas relações consumeristas, com ampla certeza, são os fornecedores. Afinal, são estes últimos que detém o conhecimento técnico sobre os produtos e serviços, além de conseguirem obter altíssimos lucros a baixo preço de custo, fenômeno que se convencionar chamar de produção em massa.

O Código de Defesa do Consumidor, de fato, conseguiu se tornar o instrumento materializador das regras preestabelecidas no texto constitucional, já que busca de realizar a igualdade material entre fornecedores e consumidores.

Ora, diferente não haveria de ser, até mesmo porque o consumidor pode ser, por vezes, coagido pelo fornecedor, o qual é parte amplamente superior nos aspectos técnico, fático e econômico, a desistir ou renunciar (a depender do caso) de um direito que lhe é outorgado pela normativa constitucional e infraconstitucional.

Num primeiro momento, convém tratar da proteção do consumidor em um sentido mais amplo e sua importância para as relações de consumo e para o próprio funcionamento leal do mercado.

Em seguida, tratar-se-á da Política Nacional das relações de consumo que está prevista no Código de Defesa do Consumidor. Nesse momento, será possível perceber que o referido diploma prevê que o consumo deve cooperar para a preservação do meio ambiente.

Por último, far-se-á uma reflexão acerca do ética ambiental como meio de racionalização do consumo, para que, diante disso, possa se pensar numa forma de diminuir os impactos ambientais causados pelo mercado consumerista.

2. DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

Os consumidores sempre são vistos, pelo menos a priori, como vítimas da globalização e da evolução das formas de produção e, por isso, surgiu o desafio da proteção dos consumidores.

De acordo com Grinover e Benjamin (2007) a sociedade de consumo em massa, ao contrário do que muitos pensam, não trouxe apenas benefícios aos consumidores, muito ao contrário, é frequente encontrarmos situações em que esse novo modelo piora a situação do consumidor.

Com isso, verificou-se que a sociedade de consumo em massa provocou um verdadeiro desequilíbrio na relação consumerista.

No entanto, não se aceitou que o consumidor, ente vulnerável, assumisse o risco da produção “standartizada” realizada pelos fornecedores. Por isso, tornou-se imprescindível que que o Estado interviesse em casos dessa espécie, em prol de um equilíbrio material em uma relação amplamente alheia aos padrões de isonomia.

Foi nesse ínterim que o direito do consumidor surgiu em seara internacional, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), como direito social e econômico, portanto um direito humano de nova geração ou dimensão.

Ademais, nesse mesmo sentido seguiu o ordenamento jurídico brasileiro, vez que a Constituição Federal de 1988, em alguns de seus dispositivos, disseminou a necessidade de proteção o consumidor, além de determinar que, fosse formulada uma codificação que promovesse a proteção do consumidor. Senão vejamos o que ela determina conjuntamente com seu Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):

Art. 5º  da CF - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170 da CF - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor;

Art. 48 da ADCT - O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

É por essa razão que Marques (2008) afirma que o direito do consumidor, de acordo com os ditames da Constituição Federal vigente, tem uma tríplice função.

 Primeiro, deve promover a defesa do consumidor. Segundo, observando e preservando o que determina a ordem econômica nacional, esse ramo do direito deve defender o consumidor enquanto sujeito de direitos. Por fim, deve se preocupar em sistematizar, através de lei infraconstitucional, uma codificação que coloque como centro a proteção do consumidor, e que envolva em seu contexto a relação de consumo e o mercado de consumo.

Sendo assim, pode-se dizer que a proteção do consumidor é um valor constitucionalmente fundamental, capaz de recolocar esse sujeito de direitos em situação de igualdade material com os fornecedores.

Esse também é o entendimento de Nunes (2008, p. 36) ao afirmar que,

[...] a Constituição Federal reconhece de plano a vulnerabilidade de certas pessoas, que devem, então, ser tratadas pelo intérprete, pelo aplicador e pelo legislador infraconstitucional de maneira diferenciada, visando a busca de uma igualdade material.

Diante dessas previsões constitucionais, o legislador infraconstitucional, em 1990, elaborou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), através da Lei nº 8.078/90 a qual foi sancionada e publicada em 12 de setembro de 1990.

Como assevera Marques (2008) esse Código foi construído tendo por base a proteção do consumidor, sujeito especial de direitos, e ganhou tal denominação porque não trata somente de direitos e deveres como fazem os Estatutos, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, mas sim porque, além disso, consegue reunir sistematicamente normas de direito civil (a exemplo das normas contratuais, de oferta e publicidade), de direito administrativo (como multas e demais sanções administrativas), de direito penal (quando dispõe acerca de crimes especiais praticados na atividade consumerista), e até de normas processuais (a exemplo da inversão do ônus da prova).

Como bem assevera Filomeno (2007), o fato de o Código de Defesa do Consumidor ser norma de ordem pública e de interesse social apenas denota ainda mais a sua intenção de proteção ao consumidor, haja vista que o seu interesse social é de resgatar os consumidores da marginalização frente ao poderio econômico, bem como da falta de acesso à justiça, seja sob o aspecto individual ou coletivo. E de ordem pública haja vista que as matérias reguladas não podem ser derrogadas por vontade de qualquer das partes.

É importante salientar que o contexto até aqui mencionado diz respeito à evolução da tutela do consumidor frente ao surgimento do consumo em massa, no entanto o que se buscará demonstrar, nessa obra, é que independente da vulnerabilidade do consumidor frente aos fornecedores, emerge, diante do risco gerado pelo consumismo, a responsabilidade solidária, digna de análise posterior.

3. DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

O tema abordado alhures tem sido objeto de várias críticas sob o fundamento de que os consumidores são inseridos em uma posição privilegiada com relação aos fornecedores, em afronta ao princípio da isonomia.

Com efeito, muito se tem ouvido que o Código de Defesa do Consumidor é instrumento implantador de discórdia nas relações de consumo, fazendo com que os fornecedores sejam vistos como vilões perante a sociedade moderna. No entanto, essa não é a leitura mais adequada a ser feita do quadro normativo implantado pela lei 8.078/90.

 Na verdade esta norma visa harmonizar as relações consumeristas, pregando tanto pelo atendimento das necessidades básicas do consumidor, como também pela paz nas sobreditas relações de consumo. Nesse sentido o seguinte posicionamento:

Ao contrário do que se tem ouvido de alguns, o Código ora instituído entre nós não é instrumento de “terrorismo” ou então de fomento da discórdia entre os protagonistas das relações de consumo [...] Muito pelo contrário, e como já salientado linhas atrás, visa exatamente à harmonia das sobreditas “relações de consumo”, porquanto, se por um lado efetivamente se preocupa com o atendimento das necessidades básicas dos consumidores (isto é, respeito à sua dignidade, saúde, segurança e aos seus interesses econômicos, almejando-se a melhoria da sua qualidade de vida), por outro lado visa igualmente à paz daquelas [...] (FILOMENO:2007, p. 67-68).

Com isso, pode-se afirmar que o Código de Defesa do Consumidor deve ser avaliado de uma forma diferente. Nele não se procura privilegiar uma parte em desfavor de outra, ao contrário, através do uso de boa hermenêutica jurídica é possível dizer que o referido diploma apenas concretiza o princípio da isonomia material, tratando de forma desigual os desiguais para consecução da verdadeira harmonia diante das famigeradas relações de consumo.

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Buscando a consecução desse fim o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor nos trouxe alguns princípios orientadores. São artigos de cunho valorativo que disseminam os objetivos a serem alcançados pelo diploma consumerista, devendo serem utilizados diante da interpretação do restante do diploma. Senão vejamos o que colaciona Marques (2008, p. 54):

Note-se que o art. 4º do CDC é um dos artigos mais citados deste Código, justamente porque resume todos os direitos do consumidor e sua principiologia em um só artigo valorativo e que traz os objetivos do CDC. As “normas narrativas”, como o art. 4º, são usadas para interpretar e guiar, melhor dizendo, “iluminar” todas as outras normas do microssistema.

Nesse diapasão, as diretrizes introduzidas na Política Nacional das Relações de Consumo (artigo 4º do CDC) devem ser utilizadas pelo intérprete durante o estudo de todo o diploma consumerista, pois enaltece os fins que visam ser alcançados por aquele diploma. Sendo assim, pode-se dizer que o supramencionado artigo tem um caráter eminentemente teleológico.

Dito isso, faz-se necessário o estudo de alguns dos princípios elencados pelo artigo 4º, os quais serão abordados de acordo com a maior relação que guardam com o tema disseminado nessa obra. São eles:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

 I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...]  III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; [...]

O primeiro deles reconhece a vulnerabilidade do consumidor.

Na verdade, essa vulnerabilidade é a primeira materialização da isonomia do consumidor frente ao fornecedor, significando dizer que aquela é a parte hipossuficiente na relação de consumo.

No entanto, essa hipossuficiência não fica restrita ao aspecto econômico, mas também ao aspecto técnico. Afirma-se, inclusive, que este último é o principal fator para se reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, fazendo com que ele fique totalmente a mercê da vontade do fornecedor.

Com efeito, o consumidor não tem conhecimento de como é realizada a produção de determinado produto, nem dos seus elementos constitutivos, detendo, apenas, o poder de escolha no momento da compra.

Destaque-se que esse poder de escolha não é tão forte assim, como bem salienta Nunes (2009) o consumidor também é vulnerável com relação à tomada de decisões, pois é o fornecedor quem decide o que e quando produzir, fazendo com que fique amplamente reduzido aquele poder do consumidor.

Nessa mesma linha de raciocínio Filomeno (2007) menciona que o consumidor é aquele que não domina os bens de produção e, por isso, se submete ao controle supremo dos fornecedores. Em razão disso o mencionado doutrinador encerra afirmando que o consumidor é a parte manifestamente mais fraca nessas espécies de relação, necessitando de uma outorga de instrumentos para se defenderem.

O segundo princípio supramencionado aponta a harmonização dos interesses das partes integrantes da relação de consumo.

Como já afirmado anteriormente esse princípio guarda íntima ligação com outro princípio maior, o princípio da isonomia. Nunes (2009) ratifica essa ideia quando afirma que a harmonia de interesses é um objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo, que está pautado em outros dois princípios maiores, o princípio da isonomia (acima exposto) e o princípio da solidariedade.

Com relação ao primeiro não há maiores considerações a serem feitas haja vista já ter sido objeto enfrentado linhas alhures. Resta tratar acerca do segundo.

Pois bem, a solidariedade guarda ligação, na temática do Código de Defesa do Consumidor, com a boa fé objetiva a qual exige das partes um comportamento leal e honesto afim de estabelecer um real equilíbrio entre as partes dessa relação.

Assim, continua afirmando Nunes (2009), quando uma parte atua pautada na boa-fé objetiva consegue garantir o respeito e a confiança da outra, além de conseguir alcançar os moldes de uma relação ideal, pautada no sentimento de justiça.

Além dessa visão, dita subjetiva, do princípio harmonia de interesses, Filomeno (2007) visualiza que esse princípio também ganha importância no campo prático (visão objetiva), sinalizando uma espécie de ligação com o próximo princípio a ser analisado, o da informação. Com efeito, sendo informados previamente sobre os riscos dos produtos postos no mercado os consumidores poderão agir para a sua defesa, bem como no controle das atividades do mercado.

Isso decorre justamente do risco do empreendimento assumido pelos fornecedores e, também, da vulnerabilidade técnica e econômica que assolam a parte mais fraca das relações consumeristas. Nesse sentido observa-se que,

[...] na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões [...] A informação passou a ser componente necessário do produto e do serviço, que não podem ser oferecidos no mercado sem ela. (NUNES:2009, p. 136)

Assim, percebe-se que junto ao dever de informar surge outro, o dever de transparência, vez que as informações devem ser prestadas de forma clara e precisa.

Apesar do ora mencionado Código conferir maior atenção ao dever de informação por parte dos fornecedores, não deve ser esquecido o dever de informação por parte do Estado e da sociedade civil, sobretudo no contexto educacional.

Ademais, os órgãos de defesa do consumidor e a imprensa também ganham grande importância nesses deveres de educação e informação das pessoas no que toca a efetivação das normas de defesa do consumidor.

Outros não são os ensinamentos de Filomeno (2007) quando cita a importância das cartilhas emitidas pelos PROCONs para que os consumidores tomem conhecimento dos seus direitos e deveres, além de citar alguns municípios que criaram jornais municipais, a exemplo do Jornal do Consumidor criado pelo município de São José dos Campos no estado de São Paulo.

Enfim, é a Política Nacional das Relações de Consumo que define as diretrizes básicas a serem observadas para que os direitos básicos dos consumidores sejam observados, como forma de assegurar, principalmente, certa paridade entre as partes das relações de consumo. Aliás, o tema objeto dessa obra também procura aplicar o supramencionado princípio da isonomia entre todos os atores sociais, reconhecendo, com isso, a responsabilidade solidária entre todos os atores sociais, sejam eles fornecedores, entes públicos ou consumidores particulares.

4. ÉTICA AMBIENTAL E RACIONALIZAÇÃO DO CONSUMO

De acordo com o que fora visto no tópico anterior os impactos ambientais negativos gerados pelo consumo assumiram uma posição alarmante, o que tem justificado o uso frequente das expressões “consumismo” e “sociedade de consumo” por alguns estudiosos, a exemplo de Efing e Gibran (2012), inclusive denotando a ideia de que esse movimento é fruto de uma síndrome cultural.

Não há motivos para discordar dos autores supracitados, afinal todo o contexto elaborado na presente obra gera em torno desse raciocínio.

Com efeito, tal padrão cultural faz com que os indivíduos tenham a falsa sensação de bem estar em decorrência da aquisição de produtos, bem como tem o poder de persuadi-los a consumir cada vez mais para se manter em um status social elevado.

Em meio a esse contexto o que se percebe é que há produção de objetos cada vez menos duráveis (EFING; GIBRAN, 2012) objetivando que o consumidor sinta a necessidade de comprar cada vez mais em curtos espaços de tempo. Isso por via direta faz com que a degradação ambiental aumente ainda mais, sobretudo porque os objetos desprezados diante de uma nova relação de consumo são descartados pelo consumidor.

Feita essa consideração não se torna estranho falar em sociedade de consumo derivada do fenômeno capitalista globalizado.

Nesse ínterim, considerando que não só o direito, mas que também o mercado gira de acordo com os anseios da sociedade se faz necessário alterar o estilo de vida da coletividade e de cada um para que seja mitigado o atual estágio da sociedade de consumo, transformando-a em uma sociedade sustentável, digna de proporcionar qualidade de vida às pessoas.

Nesse momento é importante colacionar as palavras de Sirvinskas (2012, p. 100):

É preciso incentivar as práticas ecologicamente corretas no nosso dia a dia, buscando um novo estilo de vida, calcado na ética e no humanismo, em resgatar e criar novos valores e repensar nossos hábitos de consumo. Criar, enfim, uma sociedade sustentável tendo como base a educação ambiental.

Surge, então, o momento de estabelecer a ligação entre racionalização do consumo e ética ambiental.

De uma forma ou de outra, para que se possa alcançar aquela é imprescindível que se passe por um processo ético que seja digno de alterar o estilo de vida vigente.

Antes de adentrar afundo na temática central faz-se mister salientar que, quando se fala em racionalizar o consumo não se quer dizer que o consumo deve ser mitigado, mas sim que ele deve receber um contorno de responsabilidade e solidariedade em meio à temática da degradação ambiental que lhe é inerente.

Dito isso é importante também que se esclareça que a ética aqui tratada, conforme assevera Bastos (2006), não trata somente de analisar normas morais e comportamentais, mas principalmente de verificar as perspectivas horizontais de compreensão do ser humano, notadamente quando se trata dos seus pontos de vista, das formas de conhecimento e das visões de mundo.

Simplificando, a ética ambiental é o meio pelo qual se realiza o estudo das ações levadas a efeito pelo ser humano, sejam elas diretas ou indiretas, quando relacionadas ao bem ambiental.

Hoje ainda se vive, no que diz respeito aos recursos naturais, sob um modelo de ética neoliberal pautado no utilitarismo, mesmo que tenha sido afastado o utilitarismo individualista próprio do modelo estatal liberal, o padrão atual de ética utiliza o desenvolvimento sustentável como máscara, ignorando o modelo civilizatório vigente, abrangido pela matriz econômica preponderante e pela péssima divisão de renda (BASTOS, 2006).

O que pretendeu ser dito pelo referido autor foi que não se pode pensar em desenvolvimento sustentável sem repensar as condutas consumeristas pautadas nas diretrizes econômicas então predominantes, as quais são responsáveis por colocar um grande número de pessoas em um estado de miséria, seja ela relacionada a problemas educacionais, seja ela referente ao déficit na saúde ou seja ela relacionada a qualquer outro direito social que não esteja sendo tutelado de acordo com os padrões exigidos para gestão da vida com qualidade.

Além disso, não se pode ignorar que o padrão ético então vivido, próprio de estabelecer os padrões atuais de consumo, assola com veemência o pluralismo cultural, afinal, ele dissemina a homogeneização das formas de pensamento e dos padrões de vida.

Nesse sentido, Bastos (2006), dissemina a ideia que o consumo em massa tem formado uma identidade cultural universal, propriamente falsificada em razão de ser notoriamente irreal.

Isso decorre, conforme fora dito alhures, justamente pelo fato de existir notória diferença social entre os consumidores, haja vista a grande quantidade que vive em estado de miséria. Portanto, se fala de uma identidade cultural padronizada de ideal de consumo, mas não de equidade social.

Na busca de quebrar com essa ética própria do crescimento econômico, bem como com os padrões de consumo e estilos de vida padronizados emerge como única saída, a implementação de uma ética ambiental que, como assevera Leff (2009), propõe a utilização dos princípios éticos do ambientalismo como instrumentos orientadores das condutas humanas, sejam individuais ou coletivas. Somente dessa forma, continua o autor, a produção de bens de consumo seria feita de forma diversificada, o que se convencionaria denominar de racionalidade produtiva alternativa, apta a ensejar, consequentemente, a formação de culturas diversificadas.

Convém salientar que não se quer aqui isentar de responsabilidade a ciência por ter se desenvolvido ao ponto de influenciar a espécie humana até que se chegasse a esse ponto de risco. Contudo, também não se pode admitir que os cientistas levem, solitariamente, a culpa pela elevação das degradações ambientais provenientes do consumo, até mesmo porque, como bem assevera Bastos (2006), foram os cientistas que alarmaram a humanidade a respeito da situação de escassez dos recursos naturais.

Reconhece-se, com isso, que, apesar de serem atores responsáveis pelos níveis de consumo da sociedade hodierna, os cientistas exercem um papel de grandiosa relevância para a evolução da proteção ambiental, qual seja o papel de disseminar a informação, bem como de incorporar as diretrizes traçadas pelo dever de solidariedade, afinal também são componentes da comunidade social.

Demais disso, o importante é que todos os homens consumidores, sejam eles cientistas ou não, observem que “o consumo excessivo não apenas implica em consequências negativas como tornará, simplesmente, impossível o acesso de todos a um modelo de vida equiparável a longo prazo.” (BASTOS, 2006, p.201-202).

 Entrementes, reconhece-se que a solução permanece na alteração espiritual do homem, de forma que este passe a considerar os efeitos de suas atitudes sobre o bem ambiental, traduzidas nas opções políticas do homem em verdadeiro manifesto de cidadania respaldado num humanismo solidário. Trata-se, portanto, de um verdadeiro manifesto de implementação do princípio da solidariedade dentro da temática ambiental, mas que será mais conveniente tratar em momento próprio, ao fim deste capítulo.

Ademais, nesse momento, é interessante ressaltar e demonstrar a ligação do princípio da precaução relatado no primeiro capítulo dessa obra com a ética ambiental e, por via de consequência, com a racionalização do consumo.

De acordo com Hartmann (2009) o princípio da precaução é a forma de exercício de uma nova atitude, mais esperta em relação à ciência e a técnica, mas sem ignorar que a oposição contra a cientificidade não é de todo adequada.

Em linhas gerais, quer-se dizer que a conduta humana de racionalizar o consumo antes mesmo de serem conhecidos cientificamente os impactos ambientais que porventura venham a surgir é derivada de um padrão ético pautado na racionalidade ambientalista, solidária e que não se resume a harmonizar crescimento econômico com desenvolvimento, mas que, acima de tudo, se preocupa com os amplos níveis de desigualdade social e com as futuras gerações.

É por esse fato que se convém afirmar que esse modelo ético ambientalista está pautado, sobretudo, no ideal da solidariedade, seja para com os desníveis sociais atuais, seja com o que se pretende deixar a título de herança às futuras gerações.

Ainda a respeito do princípio da precaução, mas no aspecto relacionado à racionalização do consumo, é salutar esclarecer que a utilização do mencionado princípio não importa obrigatoriamente em um dever de abstenção, de não agir, ou ainda, de uma omissão absoluta. Ao revés, esse princípio exige do precaucioso, por vezes, uma ação. Esse, aliás, é um dos fundamentos pelo qual não mais se admite falar em mão invisível do mercado, haja vista que em situações de risco presumido é de todo esperada atitude comissiva.

Na visão de Hartmann (2009) é com a utilização criteriosa do festejado princípio que se conseguirá estabelecer a adequada ponderação entre valores fundamentais, notadamente quando se trata de liberdade econômica e meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Com efeito, aplicar a visão sistemática e integracionista dos valores fundamentais é uma forma de preservar a integridade dos indivíduos dos riscos gerados pelos padrões econômicos vigentes, uma vez que aquela atividade está diretamente relacionada à finalidade ambientalista.

Sendo assim, no que toca ao relacionamento entre ética ambiental, racionalização do consumo e princípio da precaução o que importa afirmar é que o celebrado princípio opina convergentemente a um agir consciente, prudente e preocupado com as consequências que possam vir a surgir (HARTMANN, 2009), sejam elas prejudiciais à sociedade atual, implicando notoriamente em degradação ambiental e aumento das desigualdades sociais ou sejam em prejuízo à sadia qualidade de vida das futuras gerações.

De todo modo, somente após a introdução desse novo padrão ético, pautado nos dizeres ambientalistas, é que se tornará possível aplicar o Direito aos casos concretos fundados em lides sócio-ambientais. Afinal, o direito tem legitimidade própria para regular a vida em sociedade, dependente, portanto, dos anseios da sociedade.

Corroborando com o mencionado acima, Ayala (2010) afirma que, em implícita afirmação do ideário ético ambiental, após serem reconhecidos como componentes culturais os recursos naturais passam a serem objetos de proteção específica da ordem jurídica.

Em linha de raciocínio semelhante, Menezes (2003), afirma a necessidade de uma integralização de normas éticas para que o Direito Ambiental possa, efetivamente, ser aplicado com veemência e eficiência diante de litígios sócio-ambientais.

Em suma, pretendeu-se disseminar em meio ao relato supramencionado que se vive em um período de risco decorrente do modus vivendi mantido pela sociedade atual e sustentado pelo capitalismo. Assim como que, para quebrar com esse estilo de vida então predominante, é necessário o surgimento de um pensamento ético ambiental capaz de disseminar o conhecimento entre os homens, estimulando-os a repensar os padrões de consumo, seja referente ao que se irá consumir ou seja relacionado à necessidade do consumo daquele bem que se pretende consumir, abrindo mão, de certa forma, dos direitos econômicos preponderantes no atual estágio de padrão ético neoliberal.

Somente assim será possível renovar a cultura de produção e consumo do mercado.

Mais uma vez, não se trata de excluir a meta do crescimento econômico em prol da proteção ambiental, mas sim, conforme assevera Sarlet e Fensterseifer (2008), a luta pela preservação ambiental não se esgota na própria preservação do bem ambiental, mas sim como forma de proteção do homem como fim em si mesmo, haja vista que aquele bem estar está diretamente ligado ao bem maior da vida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar em consumo isolado de meio ambiente se tornou obsoleto, no dias atuais. Não se pode mais pensar o consumo desvencilhado de uma preocupação ambiental, visto que os padrões adotados pelo mercado de consumo, revelam-se como sendo a principal causa de impactos ambientais.

Não é por outro fator que as empresas criam os departamentos de atendimento ao consumidor, os quais estimulam o surgimento de convenções coletivas de consumo e das práticas efetivas de recall, todas com roupagem de instrumentos aptos a promoverem a real harmonização dos interesses de ambas as partes envolvidas nas relações de consumo.

Por fim, tem-se o princípio da informação que, na verdade, é um dever de todos, envolvendo o próprio Estado, empresas e demais órgãos públicos. É por meio dele que o consumidor passa a ter, de fato, acesso aos mecanismos de produção.

Nos termos do Código de Defesa do Consumidor é conferida maior ênfase a esse dever por parte do fornecedor, não se admitindo omissões sobre as características dos produtos, e mais, todas as informações devem ser claras e precisas, não se admitindo informações que induzam os consumidores ao erro, nem que os coloquem diante de situações de risco.

Quis-se dizer, simplificadamente, que somente com a passagem do padrão ético neoliberal para o padrão ético ambiental que será possível alcançar o verdadeiro equilíbrio entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável, sem que seja utilizado um pensamento ecológico radical em prol da racionalidade econômica, nem que seja colocada a racionalidade econômica sobre a ecologia radical.

6. REFERÊNCIAS

AYALA, Patryck de Araújo. Constituição ambiental e sensibilidade ecológica: notas para a reflexão sobre um direito ambiental de segunda geração na jurisprudência brasileira. Revista de direito ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. ano 15. n. 60. out./dez., 2010. p. 11-41.

BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira. O consumo de massa e a ética ambientalista. Revista de direito ambiental, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 11, n. 43, jul./set., p. 177-202, 2006.

BENJAMIN, Antônio Herman V.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Introdução. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

EFING, Antônio Carlos; GIBRAN, Fernanda Mara. Informação para o pós-consumo: consoante a lei 12.305/2010. Revista dos Tribunais, ano 17, v. 66, abr./jun., p. 209-228, 2012.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Dos direitos do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

HARTMANN, Ivar Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de informação no direito do consumidor: dever de informação. Revista de direito do consumidor, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 18, n. 70, abr./jun., p. 172-223, 2009.

MARQUES, Claudia Lima. Introdução ao direito do consumidor. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.(Coord.). Manual de direito do consumidor. 2 tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

MENEZES, Paulo Roberto Brasil Teles de. O direito do ambiente na era de risco: perspectivas de mudança sob a ótica emancipatória. Revista de direito ambiental, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 8., out./dez., p. 123-144, 2003.

NUNES, Luis Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 10 ed. ver. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

Sobre o autor
Osmar Caetano Xavier

Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Patos - FIP. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pela Damásio de Jesus Educacional. Ex-assessor do Ministério Público do Estado da Paraíba. Advogado e Procurador Municipal.

Informações sobre o texto

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