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Aplicabilidade do contrato de licença GPL em face do ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 27/12/2003 às 00:00

1. Introdução

Existem várias opções [1] para o licenciamento de um software livre. A escolha da licença GPL, para ser analisada neste artigo, decorreu do fato de ser a mais utilizada pela comunidade desenvolvedora de software livre. No maior repositório mundial de software livre [2], 72% dos projetos são licenciados utilizando este instrumento contratual.

Por esta licença, o autor cede ao licenciado os direitos de usar, copiar, alterar e redistribuir a sua obra, contudo, a referida licença contém disposição de reciprocidade, isto é, toda obra derivada da original também deve ser distribuída pelos termos desta licença. Este mecanismo, concebido com o intuito de garantir que as obras derivadas sejam também distribuídas como software livre, é conhecido como copyleft.

Em virtude de a licença ter sido concebida nos E.U.A os seus termos subsumem-se ao ordenamento jurídico estadunidense. Mister examinar se tais termos são válidos, ou seja, se não existe qualquer vício invalidante, sob o crivo da legislação brasileira.


2. Aplicabilidade da Legislação Autoral Brasileira

Um dos princípios basilares do Direito Autoral Internacional é o princípio da territorialidade. Por teste princípio, cada Estado soberano legisla sobre o regime protetivo adequado para a tutela dos direitos de autor e conexos. A Convenção de Berna para a proteção de obras artísticas e literárias - o tratado internacional mais antigo no domínio dos direitos autorais - reforça este princípio em seu artigo 5:

Art 5:

1) Os autores gozam, no que respeita às obras pelas quais são protegidos em virtude da presente Convenção, nos países da União que não sejam os países de origem da obra, dos direitos que as leis respectivas concedam atualmente ou venham a conceder posteriormente aos nacionais, bem como dos direitos especialmente concedidos pela presente Convenção.

2) O gozo e o exercício destes direitos não estão subordinados a qualquer formalidade; este gozo e este exercício são independentes da existência de proteção no país de origem da obra. Em conseqüência, para além das estipulações da presente Convenção, a extensão da proteção, bem como os meios de recurso garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos, regulam-se exclusivamente pela legislação do país onde a proteção é reclamada.

3) A proteção no país de origem é regulada pela legislação nacional. Todavia, quando o autor não é nacional do país de origem da obra pela qual é protegido pela presente Convenção, terá, nesse país, os mesmos direitos que os autores nacionais.

4) É considerado como país de origem:

a) Para as obras publicadas pela primeira vez num dos países da União, este último país; todavia, se se tratar de obras publicadas simultaneamente em vários países da União admitindo prazos de proteção diferentes, aquele de entre eles cuja legislação conceder um prazo de proteção menos extenso;

b) Para as obras publicadas simultaneamente num país estranho à União e num país da União, este último país;

c) Para as obras não publicadas ou para as obras publicadas pela primeira vez num país estranho à União, o país da União de que o autor é nacional; todavia:

i) Se se tratar de obras cinematográficas cujo produtor tenha a sua sede ou residência habitual num país da União, o país de origem será este último país; e

ii) Se se tratar de obras de arquitetura edificadas num país da União ou de obras de artes gráficas e plásticas integradas num imóvel situado num país da União, o país de origem será este último país.

O TRIPS [3] impõe a todos os membros da OMC - Organização Mundial do Comércio - conformidade com as obrigações materiais impostas pela Convenção de Berna, sobre direitos autorais, com exceção aos direitos morais. Também prescreve que os programas de computador serão protegidos [4] por aquela convenção.

Embora exista uma tendência de harmonização dos regimes protetivos dos direitos autorais nos vários ordenamentos jurídicos, o autor - no âmbito internacional - terá os direitos sobre sua criação tutelados por um conjunto de ordenamentos nacionais.

Destarte, com fulcro no princípio da territorialidade, a legislação brasileira é a aplicável para as controvérsias surgidas nos termos do contrato de licença GPL no território nacional em questões que envolvam disposições de conteúdo e proteção dos direitos autorais, tais como os direitos morais e a cessão simples ou exclusiva de direitos patrimoniais.

Já no que concerne a problemas do direito contratual, como as disposições de termo de garantia e isenção de responsabilidade, aplicar-se-á a lei do país em que a obrigação foi constituída [5], ou seja, no lugar em que residir o proponente.


3. Da Cessão e da Renúncia de Direitos Autorais

O contrato de licença GPL permite a todos os licenciados usar, copiar, alterar e redistribuir o software – obra intelectual protegida pelo direito autoral.

A interpretação desta disposição contratual poderia ser interpretada, numa exegese superficial, como a renúncia do criador da obra aos seus direitos de autor.

A derrelição ou abandono é uma das formas consideradas, no código civil brasileiro [6], para a perda da propriedade de bens móveis e imóveis. Este abandono é um ato unilateral em que o titular da coisa se desfaz, voluntariamente – portanto não se confunde com a negligência - do seu bem móvel ou imóvel, porque não mais deseja continuar sendo o seu dono.

Não obstante o software tenha a natureza jurídica de bem imaterial, a relação do autor com a sua obra é imperecível. Sempre existirá um liame entre o autor e sua obra, traduzido juridicamente pela inalienabilidade e irrenunciabilidade dos direitos morais do autor [7].

Destarte, o instituto civilista da derrelição não se aplica às obras intelectuais, tuteladas por legislação específica.

A interpretação teleológica dos termos da GPL, em consonância com o desiderato do movimento colaborativo do software livre, é a de uma cessão não-exclusiva dos direitos de usar, copiar, alterar e redistribuir a obra. Para reforçar este entendimento a seção 4 da GPL prescreve que estes direitos cedidos podem ser cancelados:

4. You may not copy, modify, sublicense, or distribute the Program except as expressly provided under this License. Any attempt otherwise to copy, modify, sublicense or distribute the Program is void, and will automatically terminate your rights under this License. However, parties who have received copies, or rights, from you under this License will not have their licenses terminated so long as such parties remain in full compliance.

Tradução do articulista: o licenciado não pode copiar, modificar, sublicenciar ou distribuir o programa, exceto de acordo com as condições expressas neste contrato de licença. Qualquer outra tentativa de cópia, modificação, sublicenciamento ou distribuição do programa é nula, e cancelará automaticamente os direitos que lhe foram cedidos por esta licença. No entanto, terceiros que do licenciado receberem cópias ou direitos, fornecidas ou cedidos sob os termos desta licença, não terão suas licenças resolvidas, desde que permaneçam em total concordância com suas disposições contratuais.

Portanto, o autor preserva o direito de proibir o uso da obra que esteja em desacordo com as disposições contratuais, o que exclui qualquer possibilidade de interpretação de uma renúncia de direitos no âmbito da GPL.

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Outro ponto a considerar é o princípio da autonomia da vontade, pelo qual os contratantes têm a liberdade de livremente estipular, dentro dos parâmetros legais, e de acordo com suas vontades, a disciplina de seus interesses. A GPL em sua seção 5 prescreve que o contrato de licença é celebrado entre o autor do programa e o seu usuário, pela manifestação do consentimento deste:

5. You are not required to accept this License, since you have not signed it. However, nothing else grants you permission to modify or distribute the Program or its derivative works. These actions are prohibited by law if you do not accept this License. Therefore, by modifying or distributing the Program (or any work based on the Program), you indicate your acceptance of this License to do so, and all its terms and conditions for copying, distributing or modifying the Program or works based on it.

Tradução do articulista: ninguém está obrigado a aceitar os termos desta licença, uma vez que não manifestou seu consentimento. No entanto, nada mais lhe dará permissão de modificar ou distribuir o programa ou suas derivações. Estas condutas são vedadas por lei sem a manifestação de consentimento aos termos desta licença. Portanto, ao modificar ou distribuir o programa (ou qualquer obra dele derivada), o licenciado manifesta o seu consentimento aos termos e condições desta licença para copiar, distribuir ou modificar o programa ou as obras dele derivadas.

No ordenamento jurídico brasileiro até pelo silêncio [8] se pode deduzir a manifestação de uma vontade contratual, ou seja, nossa legislação inspira-se no princípio da forma livre que está impresso no artigo 107 do novo código civil: A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Destarte, ao praticar os atos discriminados na GPL, o usuário declara sua vontade de celebrar o contrato em tela.

A lei 9.609/98, em seu artigo 2º parágrafo 1º, permite ao autor do programa de computador opor-se a quaisquer alterações que prejudiquem sua honra ou reputação, desde que não autorizadas. Pela seção 2 da licença GPL, o autor do programa autoriza o licenciado a modificar sua cópia, ou cópias do programa, ou qualquer parte dele, assim gerando uma derivação deste programa. Para que esta alteração seja válida, uma das condições impostas ao licenciado é que os arquivos modificados contenham avisos proeminentes, atribuindo o autor da alteração e a data em que foi efetivada. Ora, a teleologia da lei 9.609/98 é proteger a reputação do autor do programa. No meu entendimento, a partir do momento em que o autor autorizou, categoricamente, quaisquer alterações no código fonte do programa, sob a condição de estarem discriminadas tais alterações, sua autoria e data, está preservada a reputação e honra do autor do programa, e a seção 2 da GPL não apresenta nenhum vício de legalidade.

Deve-se considerar que, embora o software seja considerado obra intelectual, o direito moral do autor de assegurar a integridade de sua obra é de reduzida aplicabilidade prática no domínio do software, visto ser este uma criação que, fundamentalmente, serve a um processo utilitarista e não apresenta o forte traço individual e pessoal de uma obra de arte. Mas existem setores da produção de software, notadamente no desenvolvimento de jogos e de interfaces gráficas, que apresentam natureza eminentemente artística. Se o autor do software, licenciado pela GPL, tiver sua reputação prejudicada, principalmente pela baixa qualidade da alteração efetuada pelo licenciado, poderá exercer o seu direito [9] de opor-se às alterações que o prejudiquem. Não podemos olvidar que uma, dentre outras, das motivações dos programadores de software livre é ter um ganho de reputação. O renome e a celebridade internacional alcançado pelo brasileiro Marcelo Tosatti [10], programador que trabalha na manutenção do kernel [11] estável (stable release) [12] do GNU/Linux [13], se deve às suas contribuições ao código original do autor Linus Torvalds [14].


4. Da Natureza Jurídica do Vínculo entre Direitos e Obrigações do Licenciado

Os direitos patrimoniais cedidos na licença GPL estão vinculados a determinadas obrigações ou condições impostas ao licenciado [15]. Prescreve a seção 2 da GPL, que o direito de distribuir ou publicar programas - que integralmente ou em partes contenham ou sejam derivados do programa original ou de suas partes - está condicionado a que esta distribuição ou publicação não tenha custo de licença para quaisquer terceiros. A mesma seção prescreve que os arquivos modificados contenham informações sobre a alteração, o seu autor e a data de sua efetivação. A seção 3 impõe que a distribuição do programa, no formato executável, deva estar acompanhada do seu código fonte, ou acompanhada de uma oferta escrita, válida por pelo menos três anos, de fornecê-los ao licenciado, com um custo não superior ao do meio físico de sua distribuição.

Portanto a cessão de direitos está vinculada a algumas obrigações por parte do licenciado. Mas qual seria a natureza jurídica deste liame entre os direitos cedidos (usar, alterar, distribuir, etc) e as obrigações impostas?

Poderíamos cogitar do instituto jurídico da obrigação contratual estipulada mediante cláusula resolutiva [16], pelo qual o inadimplemento contratual importa na rescisão do contrato de pleno direito. Não obstante a adequação do instituto, uma análise sistemática da licença GPL revela em sua seção 4, acima transcrita, que o licenciado que descumpre as imposições contratuais perde os próprios direitos cedidos (automatically terminate your rights), não se falando em resolução contratual.

Outra alternativa é pensar no direito de uso com conteúdo limitado, ou seja, na cessão parcial de um direito patrimonial, em conformidade com o artigo 49 da Lei 9.610/98 que prescreve que os direitos de autor poderão ser, totalmente ou parcialmente, transferidos a terceiros. As condições impostas ao licenciado seriam a parcela retirada do direito cedido. Estas condições - obrigações de fazer ou não fazer - se não forem adimplidas constituem ofensa aos direitos cedidos. Esta interpretação apresenta semelhança com as limitações aos direitos autorais enumeradas no artigo 46 da Lei 9.610/98. A lei autoral garante o direito de exclusividade do autor de utilizar, fruir e dispor de sua obra, mas ressalva algumas situações de uso justo pela sociedade (fair use doctrine). Não obstante a aparente semelhança, na licença em estudo o autor cede a totalidade dos direitos patrimoniais mas impõe alguns encargos ao licenciado, mutatis mutandis, análogo ao instituto jurídico da doação com encargo [17].

O titular do direito autoral exerce um poder sobre a sua obra, objeto de seu direito. Ele concede o uso, gozo e fruição desta obra a terceiros. As obrigações impostas aos licenciados se vinculam com o programa - propriedade intelectual do autor. A relação obrigacional do licenciado, a exemplo das obrigações propter rem [18], se caracteriza pelo vínculo com a coisa, isto é, o programa de computador. O término do direito de uso extingue as obrigações impostas ao licenciado, pois estas são acessórias daquele. Nesta perspectiva, que considero a mais apropriada, a natureza jurídica do vínculo é de direito de uso com condição resolutiva.


5. As Diversas Modalidades de Utilização da Obra Intelectual e a GPL

O artigo 31 da Lei 9.610/98 estabelece que as diversas modalidades de utilização das obras intelectuais são independentes entre si, e a autorização, concedida pelo autor, não se estende a quaisquer das demais.

O inciso V do artigo 49, inserido no capítulo que trata da transferência dos direitos de autor, pertencente ao mesmo diploma legal, assevera que a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato, e o inciso VI, reforçando a mens legis, prescreve que, não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.

A seção nove [19] da GPL, contraria o mandamento legal do nosso diploma autoral ao dispor que a Free Software Foundation, entidade jurídica responsável pela licença GPL, pode criar novas versões da licença com vistas ao tratamento de novas situações ou resolução de problemas. Caso um programa, licenciado pela GPL, não especifique um número de versão desta licença, o licenciado poderá assumir qualquer versão já publicada por aquela entidade como instrumento de licenciamento da obra.

Ora, como a seção 2 da licença GPL dispõe que o licenciado pode modificar a cópia do programa e distribuir essas modificações usando qualquer meio, está violado o preceito legal pela possibilidade deste licenciado distribuir o programa, tanto a cópia original quanto quaisquer derivações, para uma modalidade de utilização que nem sequer existia na época em que o autor licenciou sua obra.


6. Exclusão de Responsabilidade e Ausência de Garantias

É obrigação do licenciado GPL, conforme preceitua a seção 1, combinada com a seção 2, incluir, de maneira clara e apropriada, em cada cópia do programa original ou em quaisquer derivações, um aviso de direitos autorais e uma declaração de inexistência de garantias. No final da seção 1, existe disposição que permite ao licenciado oferecer garantias ao produto mediante contraprestação pecuniária [20].

Mas é da leitura dos enunciados das seções 11 e 12 [21] que se apreende a teleologia da licença GPL de excluir os autores, e todos os licenciados, da necessidade de oferecer qualquer garantia para o programa e de responder por qualquer dano resultante de seu uso.

Faz-se oportuno reiterar que a licença foi concebida sob a égide da legislação estadunidense. O código comercial americano (UCC – Uniform Commercial Code) contém disposições que permitem a exclusão ou modificação de garantias (warranty disclaimers) [22]. Embora existam instrumentos jurídicos dedicados especificamente às garantias contratuais (Magnuson-Moss Warranty Act), o UCC continua sendo a codificação principal para tratamento das relações comerciais.

Embora o objetivo destas disposições, seja isentar os programadores, que contribuem para a difusão do conhecimento, de quaisquer gravames econômicos decorrentes de responsabilização civil, mister se faz considerar tais disposições à luz da legislação brasileira.

A análise das referidas disposições depende da relação jurídica subjacente. É distinto o enquadramento jurídico de um licenciado que obteve uma cópia do programa, fazendo um download da Internet, para uso próprio; de outro, por exemplo, uma empresa, que utiliza um software livre como parte integrante de seu produto, ofertado no mercado de consumo.

O microssistema jurídico brasileiro de defesa do consumidor, Lei Nº 8.078/90, define consumidor [23] como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, e equipara a consumidor: a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º § único); todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais nele previstas (art. 29) e todas a vítimas do evento danoso causado por vícios de qualidade dos bens ou serviços (art. 17).

No art. 3o, a referida lei define fornecedor como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. E no § 1º, do mesmo artigo, define produto como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Releva-se o fato da lei consumerista não ter excluído os produtos fornecidos gratuitamente do âmbito de sua incidência, como fez com a prestação de serviços não remunerada [24].

Pela amplitude das definições inseridas no texto legal, percebe-se quão abrangentes são as relações de consumo no ordenamento pátrio.

No domínio da responsabilidade civil o código de defesa do consumidor, excetuando a prestação de serviços efetuada por profissionais liberais, adotou a responsabilidade objetiva, ou seja, o fornecedor responde, pela simples colocação do produto no mercado, pelos vícios ou defeitos do produto. Caracterizado, por exemplo, um defeito apresentado por um software e existindo uma relação de causalidade entre este defeito e um dano sofrido por um usuário-consumidor, o fornecedor está obrigado a reparar o dano.

É nula, de pleno direito, qualquer cláusula contratual que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza do produto ou serviço [25]. O consumidor não pode dispor ou renunciar, contratualmente, a este mandamento legal em razão das normas consumeristas serem de ordem pública e interesse social.

Ou seja, no âmbito da tutela das relações de consumo, as seções 11 e 12 da licença GPL são nulas de pleno direito.

A própria Lei 9.609/98, em seu artigo 8º , obriga, a quem comercializar programas de computador, a prestação, em território nacional, de serviços que garantam o adequado funcionamento do mesmo, consideradas as suas especificações e durante o prazo de validade técnica da versão, embora não defina o real significado da expressão "validade técnica da versão".

Mesmo que a relação jurídica não se subsuma aos preceitos do código de defesa do consumidor, o código civil brasileiro, em seus artigos 186 e 927, prescreve que, quem, culposamente, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Mas neste caso, ao contrário da legislação que tutela as relações de consumo, é necessário perquirir se o causador do dano agiu com negligência, imperícia ou imprudência. Destarte, no âmbito de incidência do código civil, as seções 11 e 12 da licença GPL também apresentam o vício da ilegalidade.

Neste caso, onde a tutela da relação jurídica se perfaz pelo código civil, é difícil a caracterização da culpa do fornecedor de software. Isto porque, não obstante os acentuados avanços da engenharia de software, notadamente nos seus processos de desenvolvimento, algumas falhas apresentadas pelos softwares escapam do escopo da previsibilidade. Poderíamos enquadrar os possíveis danos causados aos usuários do software como resultantes de caso fortuito ou força maior e o código civil, em seu artigo 393, exime o devedor de arcar com os prejuízos, quando caracterizadas aquelas situações.

Sobre o autor
Josafá Rodrigues Carvalho Silva

Analista do Banco Central do Brasil; Mestre em Ciência da Computação (UFMG)e Acadêmico de Direito na UniCEUB –DF;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Josafá Rodrigues Carvalho. Aplicabilidade do contrato de licença GPL em face do ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 174, 27 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4632. Acesso em: 25 dez. 2024.

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