Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A questão do aborto e a microcefalia

Agenda 10/02/2016 às 15:45

Aborto é considerado crime para preservar a vida humana desde a concepção, sem exceções, enquanto destaca a importância dos métodos contraceptivos.

Registra-se o não acatamento pelo Relator do projeto do Código Penal de sugestão que não considerava crime o aborto até a décima segunda semana de gestação. Entendeu-se que esse dispositivo iria prestigiar uma verdadeira fábrica de abortos, em desvalia dos conceitos de bioética, que estão a prever o respeito à vida e ao amor ao próximo, apenas servindo a eventuais caprichos de pessoas que gostariam de se livrar de inocentes gerados por suas atitudes.

Não se pode abdicar do entendimento de que o objeto jurídico do crime de aborto é a preservação da vida humana. Tal se dá, seja por razões científicas e ainda morais, como se lê de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial, 1995,volume I, pág. 80). A preservação da vida começa a partir da implantação do ovo na cavidade uterina.

O Código Penal de 1830 não punia o aborto provocado pela própria mulher, seguindo o exemplo do Código Frances de 1791, que foi abandonado pelo Código de Napoleão. Incriminava aquele Código do Império o aborto se praticado com o consentimento da gestante, com a pena de prisão com o trabalho, por um a cinco anos, pena essa que era dobrada se o aborto se dava com sem o seu consentimento. Por sua vez, o Código Penal de 1890 punia o aborto praticado com ou sem consentimento da gestante, prevendo-se a hipótese de seguir-se a morte da mulher.

Objeto da tutela jurídica é a vida da pessoa em formação. Assim entende-se que o produto da concepção (feto ou embrião) não é pessoa, mas também não é mera esperança de vida ou simples parte do organismo materno.

Sujeito ativo do crime de autoaborto (artigo 124 do Código Penal é a própria mulher grávida. Trata-se de crime próprio. Nas demais hipóteses (aborto consentido e não consentido) o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

O objeto material da ação do crime de aborto é o produto da concepção, qualquer que seja o grau de seu desenvolvimento. Mas a mulher gestante pode ser sujeito passivo do crime quando o aborto é praticado sem o seu consentimento.

O crime de aborto consiste na interrupção da gravidez, destruindo-se o produto da concepção ou provocando-se a morte do feto, sem que se exija a sua expulsão. O crime é, portanto, material, e se consuma com a destruição do óvulo fecundado ou do embrião ou com a morte do feto, sendo indiferente que esta venha a ocorrer após a expulsão, por imaturidade. Na lição de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Parte Especial, 7ª edição, 1983, pág. 114) é irrelevante o lapso de tempo mais ou menos longo em que sobrevém a morte, pressuposta a relação de causalidade. Todavia se o feto é expulso com vida, independente de sua capacidade de viver ou da expectativa de vida, haverá crime de homicídio, se ocorrer a conduta do artigo 121 do Código Penal. Se nova ação é praticada sobre o feto, o crime será de homicídio, que absorve, por consunção, o aborto. Poderá esse homicídio ser praticado por omissão. Se em consequência de manobras abortivas o feto nasce e permanece vivo por circunstâncias alheias à vontade do agente, haverá tentativa. Não haverá, no entanto, o homicídio se se trata de feto inteiramente imaturo, ao qual se elimina o sopro de vida que apresenta.

A realização repetitiva de abortos em mulheres é crime continuado.

O crime de aborto, em geral, é praticado por meios mecânicos diretos ou indiretos , mas pode ser praticado por ingestão de substâncias abortivas.

O crime de aborto é praticado a título de dolo que consiste na vontade livre e consciente de interromper a gravidez., matando o produto da concepção ou na aceitação de provocar esse resultado.

De toda sorte o exame de corpo de delito é indispensável para a comprovação da materialidade do crime.

De outro lado, são conhecidos os chamados métodos contraceptivos:

“Os métodos contraceptivos são utilizados por pessoas que têm vida sexual ativa e querem evitar uma gravidez. Além disso, a camisinha, por exemplo, protege de doenças sexualmente transmissíveis (DST).

Há vários tipos de métodos contraceptivos disponíveis no mercado, como a camisinha masculina, camisinha feminina, o DIU (dispositivo intrauterino), contracepção hormonal injetável, contracepção hormonal oral (pílula anticoncepcional), implantes, espermicida, abstinência periódica, contracepção cirúrgica, contracepção de emergência, entre outros.

Dentre tantos métodos disponíveis, torna-se necessário o auxílio de um médico para definir a escolha de qual método utilizar, pois ele levará em consideração a idade da pessoa, a frequência com que mantém as relações sexuais, necessidades reprodutivas, saúde, etc.”

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

São três as modalidades de aborto: autoaborto (artigo 124, primeira parte do CP) quando o aborto é praticado em si mesmo; aborto consentido pela gestante (artigo 124, segunda parte e 126); aborto sem o consentimento da gestante (artigo 125 do CP).

O autoaborto consiste em praticar o crime em si mesmo.

No aborto praticado com o consentimento da gestante, há duplo crime: o daquele que praticou o aborto e o da gestante que consente em que outrem lhe provoque e como tal é crime plurissubjetivo, em que os agentes praticam crimes autônomos. A rigor, entende-se que a mulher incide em cumplicidade, aplicando-se o artigo 29 do Código Penal. Já quem concorre na ação, instigando a mulher gravida, indicando quem praticará o aborto, pagando a esse, conduzindo a gestante, por exemplo, praticará sob forma de participação o crime previsto no artigo 124 do Código Penal. Por sua vez, quem provoca o aborto com o consentimento da gestante, pratica o crime do artigo 126 do Código Penal.

Mas exige-se que o consentimento para o aborto seja válido, que tenha sido livremente obtido.

A forma mais grave do crime de aborto é aquele praticado sem o consentimento da gestante. Se for praticado por médico, será sempre aplicável pena em função de abuso de profissão.

Desconhece o ordenamento penal brasileiro o aborto por motivo de honra, que é relativa aos bons costumes em matéria sexual. Sob o Código Penal de 1969 (artigo 127) entendia-se aplicável às mulheres solteiras, podendo ocorrer em relação às mulheres casadas ou viúvas. O tipo subjetivo exigia especial fim de agir (dolo específico), que é elemento subjetivo do injusto e deveria a ação ser praticada para ocultar desonra própria. Era uma forma privilegiada.

Desconhece a lei vigente o chamado aborto preterdoloso. Quem praticar lesões corporais em mulher grávida e lhe causa não dolosamente aborto, pratica o crime de lesão corporal gravíssima (artigo 129, § 2º, V, do CP).

O artigo 127 do Código Penal prevê duas hipóteses de aborto qualificado, como se lê abaixo:

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Esses casos de qualificação não se aplicam à gestante, mas apenas ao agente que pratica o aborto na mulher, com ou sem seu consentimento. Há os que entendem que o agente que participa do autoaborto de que resultem lesões corporais graves ou a morfe da gestante, será punível, conforme o caso, por lesões culposas ou homicicio culposo.

Mas as lesões corporais graves, que qualificam este crime, não são aas constituídas pelo próprio aborto. Este é um processo violento sobre o corpo da mulher grávida, que provoca necessariamente lesões, na maioria das vezes, lesões graves. Para que haja a qualificação do crime não é necessário que o aborto se consume..

Pelo anteprojeto e por sugestão de juristas poder-se-ia abrir a possibilidade de aborto nas 12 (doze) primeiras semanas de gestão em razão da incapacidade psicológica da mãe de arcar com a gravidez. Para tanto, médico e psicólogo deveriam constatar que a mulher não apresentaria condições psicológicas para arcar com a maternidade. Ora, isso pode caracterizar a própria legalização do aborto, desprezando-se a própria vida, que deve ser protegida desde a sua concepção.

O projeto, entretanto, à luz do que já foi interpretado pelo Supremo Tribunal Federal, mantém a exceção no que concerne ao caso de anencefalia comprovada do feto.

No entanto, não se pune o aborto:

  1. se não há outro meio para salvar a vida de gestante (aborto necessário);

  2. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Veja-se que, na Espanha, o governo espanhol aprovou recentemente o anteprojeto de Lei de Proteção da Vida do Concebido e dos Direitos da Mulher Grávida, que substituirá a atual legislação que permite a interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana.

De acordo com o anteprojeto, o aborto passaria a ser permitido, na Espanha, até a décima- segunda semana de gravidez, em casos de violação sexual, e até a vigésima semana em casos de risco de saúde para a mãe ou graves anomalias do feto.

No Paraguai, a interrupção da gravidez só é legal quando há risco de vida para a mãe. Ora, naquele País, uma menina de dez anos que engravidou após ter sido estuprada pelo padrasto e cuja mãe foi presa como cúmplice, teve negado seu pedido de abortar. A justiça entendeu que não era o caso de conceder tal beneficio mesmo tendo ela 34 Kg e medindo 1,39 metros .

Ainda na América Latina, Chile, El Salvador e Nicarágua proíbem o aborto mesmo que necessário para salvar a mãe.

O Uruguai descriminalizou o aborto. Aliás, na América Latina, Cuba (aborto permitido desde 1965) e Uruguai são os únicos países que permitem procedimento em qualquer circunstancia. No Uruguai, o aborto é permitido, em qualquer circunstância, até a décima segunda semana de gestação e em casos de estupro, são permitidos até a décima quarta semana. Quando há risco para a mãe ou má formação do feto, podem ser feitos em qualquer período de gestação. A Lei está em vigor desde 2012, sendo que, após sua aprovação, 6.676 abortos foram feitos e nenhuma morte foi registrada.

Nos EUA, o aborto foi objeto de apreciação em âmbito estatal, em 1973, sob a diretriz da Suprema Corte Roe v. Wade. Na maioria dos estados, é permitido realizar o procedimento até o momento do nascimento, em casos de riscos para a mãe. Entretanto, desde 2010, em estados com orientação conservadora e com os Republicanos em maioria no legislativo, aproximadamente cento de trinta leis que restringem o aborto foram aprovadas. Em outubro de 2013, por exemplo, o estado do Texas aprovou uma legislação que endureceu a aprovação do procedimento. Como consequência, aponta pesquisa recente, houve aumento de “autoabortos” no estado, comparado ao restante dos EUA.

No México, cada Estado tem seu código penal e todos os trinta e um permitem aborto em casos de violação até a décima segunda semana. Na cidade do México, o aborto é liberado, sem a necessidade de justificativa, até a décima segunda semana.

Na Argentina a legislação permite a realização de abortos em caso de risco à vida e á saúde da mãe, estupro e abuso a uma mulher incapacitada.

Em Cuba, a mulher pode fazer o procedimento por qualquer motivo até a décima semana de gestação. Após a legalização, em 1965, pesquisas indicaram a queda acentuada de mortalidade materna, além da diminuição da taxa de fecundidade no país.

Na França, o aborto é permitido, por qualquer motivo, até a décima segunda semana de gravidez, sendo que havia exigência do aconselhamento da mulher durante o processo. Hoje, com aprovação de emenda pela Assembleia Nacional, o procedimento passou a ser permitido nos casos em que a mulher não queira dar procedimento com a gravidez.

Impressionam os argumentos de que o aborto é assunto da mulher sobre o qual sua autoridade deve ser soberana – mesmo que não concordemos com suas decisões, pois ela é, normalmente, a parte que mais sofre quando tem que fazer o aborto, pois se realmente a mulher opta pela interrupção é porque realmente não haveria espaço para um bebe em sua vida naquele momento. Mas há argumentos contrários de cunho científico e ainda morais.

A matéria empolga e é polêmica devendo merecer amplo debate da sociedade brasileira.

Pois bem: Dois burocratas da Organização das Nações Unidas, a ONU, a pretexto de se posicionarem sobre os casos de microcefalia, bradam pela eliminação dos fetos, em tal situação, conclamando países a que franqueiem as práticas abortivas.

É uma covardia. Trata-se de algo estarrecedor que fere a sensibilidade humana.

Escolhe-se a solução mais covarde em vez de procurar uma solução científica para combater o mal da proliferação do mosquito “aedes” que pode trazer a microcefalia.

Por que não combatem as causas do recrudescimento do mosquito e de suas consequências com as terríveis doenças que traz?

Essa decisão pelo aborto e as possíveis ações de descumprimento de preceito fundamental que teimam em articular são decisões simplistas. A uma, porque não cabe ao Supremo Tribunal Federal legislar, o Supremo Tribunal Federal e legislador negativo, não cabendo criar novas causas de aborto que já está inseridas no sistema jurídico brasileiro; a duas, porque há o direito à vida, fruto de um princípio inalienável que é fundamental e que não pode ser objeto de discussão.

O jornal “O Estado de São Paulo”, segunda-feira, dia 8 de fevereiro, na editoria de saúde destacou que “a evolução de crianças com microcefalia depende de repetição e paciência.” Sintetiza, com objetividade, que:

“O caminho não é fácil, e ninguém diz que é, mas para quem tem a sorte de receber o tratamento e os incentivos adequados desde o nascimento, a vida com microcefalia pode ser longa, saudável e, por que não, feliz”.

Correta a conclusão do ilustre ex-procurador geral da República, Cláudio Fonteles, em seu blog:

“Lamentavelmente vive-se o tempo da absolutização da estética e do menosprezo da ética.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!