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Um análise criteriosa sobre a espécie contrato de doação

Agenda 14/02/2016 às 17:34

O presente artigo tem como ideia principal aprofundar os conhecimentos dos estudantes e operadores do Direito em relação a espécie de contratos denominada Contrato de Doação.

1.Introdução

O presente artigo tem como foco principal aprofundar os conhecimentos sobre a espécie de contrato denominada Contrato de Doação. Para isso, iremos analisar criteriosamente os diversos artigos contidos no Código Civil que se referem a tal modalidade de contrato, bem como acrescentar conceitos doutrinários relacionados ao tema em estudo.

2. Conceito

O Código Civil em seu artigo 538 retrata o conceito de “Contrato de Doação” ao afirmar que “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

No contrato de doação, temos dois elementos: o subjetivo, que é a manifestação de vontade de efetuar liberalidade (animus donandi); e o elemento objetivo, que é a diminuição do patrimônio do doador, agregado ao ânimo de doar.

Neste ponto, cabe destacar que a doação exige gratuidade na obrigação de transferir um bem, sem recompensa patrimonial, que não é o mesmo que desinteresse, ou seja, o “empobrecimento” do doador deverá constituir o elemento de caracterização que permita distinguir a doação de qualquer outro negócio jurídico. Sempre haverá um interesse, mesmo que remoto, no ato de liberalidade e que na maioria das vezes é irrelevante para o Direito. O motivo, portanto, não se confunde com o animus donandi.

A aceitação é indispensável para o aperfeiçoamento da doação e pode ser expressa, tácita, presumida ou ficta.

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

Por esse motivo, nos casos de doação pura, a aceitação é dispensada, pois o consentimento ficto produz os efeitos de um consentimento efetivo. Nota-se:

Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.

3. Classificação Contratual

3.1. Em Relação à Natureza do Contrato

O contrato de doação será gratuito, porque gera benefício ou vantagem apenas para o donatário. Essa é uma característica específica, que imprime ao contrato sentido fundamental e diferenciador: o animus donandi. Repousa na liberalidade, e sobrevive mesmo quando o doador tem como objetivo contemplar o merecimento do donatário, ou grava o benefício de um encargo imposto ao favorecido.

O contrato também será unilateral, porque cria obrigações para uma só das partes (o doador). Segundo o autor Caio Mário da Silva Pereira, a existência de encargo, eventualmente determinado, constitui simples modus, que seria inconfundível com obrigação. Se o encargo assume o caráter de contraprestação, desfigura-se o contrato, que passará a constituir outra espécie.

3.2. Em Relação à Tipificação do Contrato

O contrato de doação é nominado, ou seja, possui estrutura pré-determinada no Código Civil. Os artigos relacionados ao contrato de doação estão listados na Parte Especial, Livro I, Título VI, Capítulo IV do Código (artigos 538 ao 564).

3.3. Em Relação à Forma Contratual

A doação é, em geral, formal ou solene, porque tem de obedecer à forma prescrita em lei. As partes devem se sujeitar a certas exigências, não produzindo efeitos jurídicos se o fizerem pelo simples consentimento (solo consensu).

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

3.4. Em Relação à Pessoa do Contratante

O contrato de doação será pessoal, ou seja, pautado em direito personalíssimo (direito relacionado a uma determinada pessoa). Poderá haver pluralidade de doadores, ou de donatários, ou de doadores e donatários.

3.5. Em Relação à Execução do Contrato

O contrato de doação poderá ter sua execução mediata (continuada, parcelada) ou imediata (a doação nasce e se realiza ao mesmo tempo).

4. Objeto da Doação

O art. 538 do Código Civil cita a transferência de "bens ou vantagens", portanto o objeto da doação é uma prestação de dar coisa ou vantagens. Pode ser objeto da doação qualquer coisa que tenha expressão econômica e possa ser alienada: bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, consumíveis e inconsumíveis.

A coisa alheia não pode ser objeto de doação, mas a aquisição posterior do domínio convalida o ato, como estabelece o parágrafo 1° do art. 1.268 do Código Civil:

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1º Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

O legislador não se manifestou abertamente acerca da doação de bens futuros, mas a doutrina geral parece entender que este objeto é permitido. O ato terá o caráter de contrato condicional, e não chegará a produzir nenhum efeito, se a coisa doada não vier a ter existência e não houver disponibilidade por parte do doador.

Por exemplo, o doador pode estabelecer que o objeto será os frutos que colher este ano, o primeiro bezerro que nascer de tal vaca que lhe pertence, entre outros. No entanto, a doação não valerá se tiver natureza sucessória, direta ou indireta, referindo-se aos bens que o doador tenha por ocasião de sua morte, ou que espera herdar de pessoa viva.

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Outro objeto não permitido no contrato de doação, proibido expressamente pelo ordenamento jurídico, é a denominada doação universal, ou seja, a que engloba todos os bens do doador. O sentido disso é fazer com que o doador não seja levado à penúria, em detrimento de sua família e do próprio Estado. É exigido que se comprove que o doador deixou de reserva bens ou renda suficientes para a sua subsistência.

Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Se o doador desejar transferir a totalidade de seus bens, bastaria utilizar na prática, em razão das vantagens que apresenta, a doação com reserva de usufrutos: transfere-se a propriedade ao donatário, mas o usufruto fica reservado ao doador ou pessoa determinada.

Em relação aos credores do doados, a lei os protege, presumindo fraudulentos os atos gratuitos de transmissão de bens, quando o devedor os praticar já insolvente, ou por eles levado à insolvência. Quando comprovado o evento do dano e presumida a fraude, os credores podem pleitear a chamada ação pauliana. O credor não pode dispor de seu patrimônio, garantia de seus credores, se seu passivo for maior que seu ativo.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

5. Espécies de Doação

5.1. Doação Pura

Também conhecida como doação simples, é celebrada sob a inspiração do ânimo liberal exclusivamente, isto é, quando o doador não impõe nenhuma restrição ou encargo ao beneficiário, nem subordina a sua eficácia a qualquer condição.

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5.2. Doação Modal

Também chamada de doação com encargo, aquela que, sem prejuízo do animus donandi, contém imposição de um dever ao donatário, o qual tem de cumpri-lo nas mãos do próprio doador, nas de certa pessoa, ou de alguém indeterminado.

O encargo (representado, em geral, pela locução “com a obrigação de”) não suspende a aquisição, nem o exercício do direito, diferentemente da condição suspensiva (identificada pela partícula “se”), que subordina o efeito da liberalidade a evento futuro e incerto.

Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.

O cumprimento do encargo integra-se no próprio ato da doação, e pode ser reclamado como qualquer outra obrigação, uma vez que ninguém é obrigado a aceitar uma doação, e o faz sabendo se vem acompanhada de cláusulas impositivas de um dever. O encargo apenas deve ser licito e possível, pois se é nulo, contamina a própria doação.

Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.

Assim, por exemplo, se a doação de um imóvel é feita para que o donatário mantenha casa de prostituição (atividade ilícita), e esse for o motivo determinante ou a finalidade específica da liberalidade, será invalidado todo o negócio jurídico.

Por ultimo, o art. 441, parágrafo único, manda aplicar às doações oneradas de encargo a teoria dos vícios redibitórios.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

5.3. Doação Remuneratória

É a aquela que é feita em retribuição a serviços prestados, mas que não tornam o doador credor do donatário, ainda que estes serviços possam ser estimados pecuniariamente. Não se trata, portanto, de pagamento, que pressupõe um crédito, nem constitui contraprestação. O doador transfere bens ou vantagens, porque quer, mas sob a afirmativa de uma determinada causa que não lhe retira o caráter de liberalidade naquilo em que a coisa doada exceder ao valor dos serviços remunerados.

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

5.4. Doação Condicional

A doação pode subordinar-se a uma condição, suspensiva ou resolutiva, em decorrência de um fato, mesmo que dependente da vontade do donatário, como o casamento, uma viagem, o êxito em uma competição esportiva ou intelectual, etc. Mas não é válida a doação que contenha condição afrontosa a leis de ordem pública ou a preceitos morais.

Caso particular de doação condicional é a feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa (donatio propter nuptias), que é a liberalidade realizada em consideração às núpcias próximas do donatário com certa e determinada pessoa.

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

Esse artigo permite tal espécie de doação seja pelos nubentes entre si, seja por terceiro a apenas um deles, ou a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro. A doação propter nuptias não se resolve pela separação, nem podem os bens doados para casamento ser reivindicados pelo doador por ter o donatário enviuvado ou divorciado e passado a novas núpcias.

5.5. Doação entre Pais e Filhos e Doação entre Cônjuges

No contrato de doação, em ambos os casos, a transferência do bem gera adiantamento da legitima, ou seja, daquilo que por morte do doador o do­natário receberia.

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Os herdeiros do doador estão obrigados a conferir, no inventário deste, por meio de colação, os bens recebidos, pelo valor que lhes atribuir o ato de liberalidade ou a estimativa feita naquela época, para que sejam igualados os quinhões dos herdeiros necessários.

Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 1º Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular valessem ao tempo da liberalidade.

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Nos casos de doação entre cônjuges, também se deve observar o regime de matrimônio pelo qual eles optaram. A doação versará sobre os bens particulares de cada cônjuge. No regime de comunhão universal, o acervo patrimonial é comum a ambos, o que também se encaixaria no adiantamento da legítima; no de separação obrigatória de bens, o cônjuge não concorre na sucessão, e no da comunhão parcial, apenas concorre se o autor da herança não houver deixado bens particulares.

O doador poderá dispensar a conferência, determinando, em tal hipótese, que saiam de sua metade disponível, calculada de acordo com o Código Civil, artigo 1.847, contanto que não a excedam. Se nada prescrever, impor-se-á a colação.

Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.

Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.

Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.

Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade.

5.6. Doação para Nascituro

O nascituro pode ser contemplado com doações, tendo em vista que o artigo 2° do Código Civil põe a salvo os seus direitos desde a concepção.

Art. 2° A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

A aceitação será manifestada pelos pais, ou por seu curador, caso o pai venha a falecer e a mãe não detiver o poder familiar, neste caso com autorização judicial.

Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Art. 1.748. Compete também ao tutor, com autorização do juiz:

II - aceitar por ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos;

A aceitação do representante legal do nascituro não torna o contrato de doação definitivamente válido. A validade deve ser entendida nos limites do direito expectativo: condicionada ao nascimento com vida. Afinal, o nascimento de uma criança é um evento futuro e incerto (condição). Enquanto a criança não nascer, os efeitos da doação são antecipados, resolvendo-se a incerteza com o nascimento. Quando isso ocorre, a doação produz todos os efeitos, complementando os anteriores, sem necessidade de recurso à retroatividade.

5.7. Doação Conjuntiva

Quando a doação é feita em comum a várias pessoas, entende-se distribuída entre os beneficiados de forma igualitária. Estabelece-se, assim, uma obrigação divisível.

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

A regra permite, todavia, ao doador dispor em contrário, determinando que a parte do que falecer acresça à do que venha a sobreviver, ou que um deve receber mais do que o outro no ato da doação, enfim, o doador pode proceder como achar melhor.

5.8. Doação Inoficiosa

É a que excede o limite que o doador pode dispor de seu patrimônio, comprometendo a legítima. Nesse caso, somente é nula a parte que exceder tal limite, e não toda a doação.

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

O art. 549 visa preservar a legítima dos herdeiros necessários. Só tem liberdade plena de testar e, portanto, de doar quem não tem herdeiros que sejam descendentes, ascendentes ou cônjuge.

6. Efeitos da Doação

6.1. Obrigatoriedade

Ao contrario do que se possa imaginar, a doação não gera efeitos reais sobre o objeto doado, pois pelo direito brasileiro, a doação não transfere, por si só, o domínio. Ocorre que a doação cria a obrigação de transferir a propriedade da coisa doada, mas não tem o efeito real de realizar aquela transmissão.

A regra dominante da aquisição da propriedade está firmemente enunciada no artigo 1.245 em relação aos imóveis, e art. 1.267 para as coisas móveis.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.

6.2. Irrevogabilidade

A irrevogabilidade é caráter fundamental da doação. A lei admite, em caráter excepcional, que o doador possa fazer a revogação, mas apenas por obra da Justiça e não por ato unilateral de vontade.

6.3. Doação em forma de Subvenção Periódica

Trata-se de uma pensão, como favor pessoal ao donatário, mas extingue-se com a morte de um dos dois. Os herdeiros do doador não são obrigados a mantê-la, salvo se o contrário se dispuser.

Art. 545. A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se morrendo o doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do donatário.

6.4. Doação com Cláusula de Retorno ou Reversão

O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se morrer depois do donatário. São casos em que o doador quer beneficiar apenas o donatário, e não os seus descentes.

A reversão, no entanto, não pode ser determinada em benefício de outra pessoa, e se o doador morrer antes do donatário, deixa de ocorrer a condição e os bens doados incorporam-se definitivamente ao patrimônio do beneficiário, podendo ser transmitidos aos seus herdeiros quando ele morrer.

Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

6.5. Juros Moratórios

Uma vez que a doação trata-se de uma liberalidade, não seria de boa ética que a lei agravasse a situação do que a faz. Por esse motivo, o doador não está sujeito a juros moratórios, que constituem penalidade imposta ao devedor em atraso com a prestação, e não é condizente com o dever de gratidão do favorecido exigir esses juros moratórios.

Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário.

6.6. Doação com Encargo

O donatário, aceitando o encargo, assume a obrigação de cumpri-lo, seja ele estipulado a favor do próprio doador ou de terceiro, ou de interesse geral. Em qualquer dos casos, o doador tem, sempre, o direito de reclamar a sua execução e, caso ela não seja cumprida, o poder de promover a revogação da doação.

Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.

7. Revogação da Doação

Como todo negócio jurídico, a doação é nula por falta dos pressupostos legais essenciais, e é anulável por defeito de vontade ou por defeito social. Também como todo negócio jurídico, a doação resolve-se por uma causa superveniente, e determinante de sua cessação. A lei se refere às causas específicas, que são a ingratidão do donatário e o descumprimento de encargo.

Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.

Em qualquer desses casos, fica fixado um prazo de decadência, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.

Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.

Além disso, não é permitido a terceiro, mesmo que tenha interesse imediato, promover a revogação, esse direito é facultado apenas ao doador, pois ele detém a legitimatio ad causam respectiva. Também não é possível a preensão ao direito senão pela via judicial.

Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de ajuizada a lide.

7.1. Por Ingratidão do Donatário

A doação cria para o donatário, pelo menos, o dever moral de gratidão. O beneficiado que devota ao doador amizade e respeito, que não se ausenta quando algum infortúnio atinge seu benfeitor, enfim, que externa o sincero reconhecimento de importância do gesto, cumpre bem esse dever.

Entre os objetivos da doação, ainda que não admitidos ou confessados, é natural e plenamente aceitável que se encontre a expectativa do doador de ser merecedor de agradecimento. Apesar disso, mesmo que a conduta do donatário não seja condizente com essa gratidão mencionada, isso não acarreta consequências jurídicas para ele. A lei, quando cogita da ingratidão do donatário como causa da revogação, mira condutas muito mais graves.

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:

I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;

II - se cometeu contra ele ofensa física;

III - se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.

O direito de revogar a doação por ingratidão do donatário é irrenunciável. É evidente que no momento de liberalidade, o doador tem o donatário em alta estima, e isso pode levá-lo a acreditar que nenhum gesto de ingratidão caberia por parte daquele que beneficiou. Por esse motivo, ele seria facilmente convencido a renunciar ao direito de revogação. Para proteger o doador dessa vulnerabilidade, a lei veda a renúncia ao direito de pleitear a revogação por ingratidão.

Art. 556. Não se pode renunciar antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário.

O efeito da sentença revogadora é ex nunc, ou seja, a partir da data da citação válida do réu. O donatário fica sujeito a restituir ao doador o bem doado, bem como os frutos percebidos após a citação. Se não foi possível a restituição da coisa doada, o donatário deve indenizar o doador por perdas e danos, com o "meio termo" do valor da coisa. O terceiro de boa-fé que por ventura tenha adquirido o bem tem seus direitos preservados.

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

7.2. Descumprimento do Encargo

Na doação onerosa, as partes contratam que o acesso ao donatário ao benefício depende do cumprimento, por ele, de uma obrigação. Vencido o prazo para o cumprimento do encargo (normalmente estabelecido no contrato), configura-se a mora.

A mora do donatário abre duas alternativas ao doador: ele pode efetuar a cobrança judicial, obrigando o beneficiado a cumprir o encargo e assim preservar o contrato; ou ele pode revogar a doação, desistindo da realização dos objetivos que motivaram a liberalidade e buscando a restituição do bem doado.

Art. 562. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo, se o donatário incorrer em mora. Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.

Não há norma especifica sobre o valor de indenização devido pelo donatário. A matéria submete-se à disciplina geral que assegura o doador o direito de reclamar não só a perda, como também os possíveis lucros cessantes.

7.3. Hipóteses que não admitem Revogação por Ingratidão.

Há modalidades de doação que não admitem revogação por ingratidão, que são aquelas elencadas no artigo 64 do Código Civil:

Art. 564. Não se revogam por ingratidão:

I - as doações puramente remuneratórias;

II - as oneradas com encargo já cumprido;

III - as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;

IV - as feitas para determinado casamento.

As doações remuneratórias pressupõem a recompensa de um serviço recebido pelo doador. Importante ressaltar que como o ordenamento dispõe apenas sobre a irrevogabilidade das ações puramente remuneratórias, podemos concluir que as parcialmente remuneratórias se submetem à revogação, mas somente na parte de exclusiva liberalidade.

As modais possuem imposição de encargo ao donatário, que o sujeita a uma obrigação cujo descumprimento traz a revogação como conseqüência, mas o cumprimento faz com que haja a quitação com o doador. Também as doações realizadas em cumprimento de obrigação natural não podem ser suscetíveis de revogação. Por último, a doação propter nuptias se equipara à doação modal, por vir animada do objetivo de auxiliar os nubentes nos encargos oriundos da constituição da sociedade conjugal.

8. Conclusão

Diante de todo o exposto, podemos concluir que o contrato de doação é aquele em que uma pessoa, por liberalidade e através de um documento escrito (particular ou público), transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, sendo que esses bens ou vantagens devem ser qualquer coisa que tenha expressão econômica e possa ser alienada.

Além disso, consiste em um contrato unilateral, pois apesar da aceitação do donatário ser necessária para que ele seja perfeito, cria obrigação para apenas uma das partes, o encargo eventualmente determinado constituiria simples modus, inconfundível com obrigação. A aceitação pode ser expressa, tácita, presumida ou ficta. Também é gratuito, uma vez que há diminuição do patrimônio apenas do doador, com um consequente aumento de patrimônio por parte do donatário.

Isto posto, sua característica indispensável ao contrato de doação é o animus donandi, ou seja, a vontade da parte de realizar a liberalidade; do contrario, nos casos das doações remuneratória e modal, seriam encaradas apenas como pagamento a determinado serviço, e não propriamente como doações.

Por fim, sua revogação é feita em caráter excepcional, apenas por obra da Justiça e não por ato unilateral de vontade. São as hipóteses de ingratidão do donatário ou descumprimento do encargo.

Bibliografia

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, volume III. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

EDITORA RIDEEL. Vade Mecum Universitário de Direito Rideel, organização por Anne Joyce Angher. 11ª edição. São Paulo: Rideel, 2012 – (Série Vade Mecum).

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, volume III: Contratos – Declaração Unilateral de Vontade e Responsabilidade Civil. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Revisado e atualizado por Regis Fichtner.

VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, volume II: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2008.

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