Joint custody and sole custody : the reform of the law n. 13,058/2014.
- . Introdução. 1. Divisão equilibrada do tempo de convívio na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.583, § 2º) - 2. Cidade base de moradia na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.583, § 3º) - 3. Obrigação de supervisionar na guarda unilateral (Código Civil, art. 1.583, § 5º, primeira parte) - 4. Dever de informar e prestar contas na guarda unilateral (Código Civil, art. 1.583, § 5º, segunda parte) - 5. Guarda compartilhada como regra no dissenso (Código Civil, art. 1.584, § 2º) - 6. Divisão do tempo e a orientação técnica na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.584, § 3º) - 7. Alteração ou descumprimento de cláusula de guarda (Código Civil, art. 1.584, § 4º) - 8. Guarda atribuída a terceiro (Código Civil, art. 1.584, § 5º) - 9. Obrigação de terceiros prestar informações (Código Civil, art. 1.584, § 6º) - 10. Guarda provisória nas medidas cautelares e liminares – oitiva dos pais (Código Civil, art. 1.585) - Conclusão – Referências bibliográficas.
Resumo: Análise (parcial) da reforma legislativa operada no Código Civil pela Lei nº 13.058/2014, que modificou, dentre outros, seus artigos 1.583, 1.584 e 1.585, no que tange à guarda compartilhada e guarda unilateral.
Palavras chave: guarda compartilhada; guarda unilateral; código civil.
Abstract: An analysis (partial) of the legislative reform performed in the Civil Code by the law n. 13,058/2014, which has modified, among others, its articles 1583, 1584 and 1585, regarding the joint custody and sole custody.
Keywords: joint custody; sole custody; civil code.
Introdução
O intuito da Lei nº 13.058/2014, conforme se extrai do preâmbulo e de seu art. 1º, é o de estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada”, como dispor sobre sua aplicação, para o que modifica os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, do Código Civil (art. 1º).
Referidas normas, por sua vez, disciplinam tanto a guarda compartilhada, quanto a guarda unilateral (arts. 1.583 e 1.584), além da guarda provisória na medida cautelar de separação de corpos (art. 1.585) e as competências de conteúdo pessoal do poder familiar (art. 1.634).
A reforma, portanto, não está restrita à guarda compartilhada, como pode parecer à primeira impressão, mas tem conteúdo um pouco mais amplo.
O artigo que ora se apresenta pretende fazer uma primeira análise a respeito do significado e alcance das novas normas tão somente no que diz respeito à disciplina da guarda unilateral e à compartilhada, contextualizando-as no Código Civil, sem pretensão de aprofundamento bibliográfico ou, ainda, de esgotar a problemática decorrente da nova disciplina legal.
- Divisão equilibrada do tempo de convívio na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.583, § 2º)
A nova redação do art. 1.583, do Código Civil, mantendo sem qualquer alteração a cabeça do artigo, também a conceituação de guarda unilateral e de guarda compartilhada contida no parágrafo 1º, estabelece, em seu parágrafo 2º, um novo elemento integrante da concepção de guarda compartilhada, qual seja, a divisão equilibrada do tempo de convívio dos filhos com o pai e a mãe. Referido parágrafo, ademais, substituiu integralmente o texto anterior, que estabelecia os requisitos para concessão da guarda unilateral estabelecidos pela Lei nº 11.698/08, que não foram realocados em outro local.
O critério tempo de convívio, que é a novidade na norma em comento, já existia na disciplina da guarda, porém como um dos fatores a ser considerado pelo juiz ao decretá-la, em qualquer das suas modalidades. A regra está no art. 1.584, inc. II, do Código, que prescreve que a guarda unilateral ou compartilhada poderá ser “decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”. Norma, inclusive, que ainda está em vigor, não tendo sofrido qualquer alteração com a reforma.
O tempo necessário ao convívio do filho com os pais no art. 1.584, inc. II, é colocado como elemento a ser considerado pelo juiz para definir a modalidade de guarda que será decretada, juntamente com o requisito “necessidades específicas do filho”. Vale dizer, tomando em conta aquilo que de próprio e particular precise lhe ser assegurado ou o tempo necessário ao convívio dele com cada um dos pais, o magistrado decidirá pela guarda unilateral ou compartilhada.
Agora, o tempo de convívio é colocado como elemento integrante da própria noção de guarda compartilhada, inserido que está no artigo que a institui e logo após a conceituação, nos seguintes termos: “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos” (art. 1.583, § 2º).
Com isso, explicita o legislador que a guarda compartilhada deve implicar, necessariamente, uma divisão do tempo do filho com os pais, ou seja, uma partilha de dias e horários da existência do filho, de forma que se pretende balanceada e proporcional entre o casal de pais, modulada, ainda, nas condições fáticas e interesses do filho.
Esse novo elemento integrante da noção de guarda compartilhada deve ser interpretado sistematicamente, para que não se incorra na equivocada compreensão de que se trata de uma simplista divisão aritmética do tempo do filho entre os pais, garantia de solução para eventuais problemas advindos do compartilhamento da guarda. Inclusive, é necessário não confundir a proposta com o modelo de guarda alternada, na qual há, de fato, uma distribuição utilitária do tempo do filho, que fica períodos predeterminados com cada um dos pais. Só que, no âmbito do gerenciamento das questões do filho, referida modalidade de guarda (alternada) funciona como se fossem duas guardas unilaterais, atribuídas aos dois pais ao mesmo tempo, em exercício sucessivo e apenas no período que tem o filho consigo. A guarda alternada é modulada justamente pela divisão equilibrada de tempo, mas sem que haja o pressuposto necessário da responsabilização conjunta dos pais pelo filho, que é exatamente o elemento diferenciador da guarda compartilhada.
Assim, esse tempo de convívio que doravante deverá ser dividido de forma equilibrada na guarda compartilhada não pode ser confundido com um modelo de guarda alternada. Como se fosse uma solução salomônica para os pais, legitimada pela lei, de simplesmente dividir o filho, um pouco para cada um, de modo que ninguém perca, ninguém ganhe, como solução para superar as divergências que eventualmente não lhes permitiram acordar o regime de guarda (o perigo da interpretação equivocada, ademais, reside no fato de a palavra dividir também ter o significado de separar ou, mesmo, romper).
A nova proposta de divisão equilibrada de tempo, inserida agora no § 2º, do art. 1.583, deve ser compreendida em consonância com a definição legal de guarda compartilhada contida no parágrafo primeiro do mesmo artigo, qual seja: “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Uma divisão de tempo de convívio que mais favoreça o exercício compartilhado da guarda, a efetiva gestão conjunta da função paterna pelos dois pais, do que uma mera medida para garantir o acesso isolado de cada pai ao filho, sic et simpliciter. Tudo de modo a não colidir com o próprio conceito de guarda compartilhada estabelecido no parágrafo antecedente da norma.
Até porque, se a guarda compartilhada consiste, em primeiro plano, na responsabilização conjunta e exercício do poder familiar em face do filho comum, ela se realiza muito mais no plano de ação dos pais entre si, voltados ao interesse do filho, do que propriamente no tempo de contato físico de cada pai com o filho.
Com efeito, a guarda é o eixo central ao redor do qual gravitam todas as demais prerrogativas do poder familiar. Por sua vez, o exercício desta função consiste primordialmente na gerência e administração dos interesses e necessidades do filho, na supervisão e fiscalização das atividades dele, com vistas ao cumprimento do dever constitucional de “assistir, criar e educar os filhos” (Constituição Federal, art. 229). E justamente por isso não deve ser medida, necessária e prioritariamente, pelo tempo de convivência (embora elemento indispensável), mas, antes, ao compromisso que cada pai e cada mãe têm com a vida que geraram e no quanto se envolvem nesta tarefa.
Acrescente-se, que os critérios que a lei estabelece para determinar a convivência com cada qual (condições fáticas e interesses dos filhos) são demasiadamente amplos e subjetivos, de modo que pouco devem ajudar a resolver as intrincadas questões que surgirão na aplicação na norma. Condições fáticas são por sua natureza lábeis, sujeitas a constantes oscilações, de modo que não podem servir de critério principal, definidor de tempo de convivência do filho com os pais. O mesmo se diga dos interesses dos filhos, igualmente variáveis e inconstantes, até mesmo por estarem eles em processo de crescimento e maturação e, com isso, a sucessão inevitável de diversas fases e momentos evolutivos, com características e necessidades próprias.
Assim, na implementação da guarda compartilhada, a divisão equilibrada do tempo de convívio deve ser compreendida como um meio para possibilitar a responsabilização conjunta dos pais pelo filho, como medida que garanta o atendimento dos seus superiores e prioritários interesses. Tudo deve convergir para facilitar a relação dos pais entre si, a despeito da ruptura do relacionamento parental, propiciando um ambiente familiar mais favorável, de modo que possam, juntos, dirigir a criação e educação do filho comum, destinatário último de todos os seus esforços.
- Cidade base de moradia na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.583, § 3º)
Outra novidade – que parece também exigir especial cautela ao ser interpretada - é a que estabelece que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender os interesses deles (art. 1.583, § 3º). Com efeito, disso não se pode extrair que o legislador estaria a impor aos pais um domicílio tendo como fator determinante a conveniência dos interesses dos filhos.
O domicilio é o lugar onde a pessoa natural “estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional” (GAGLIANO, 2007, p. 243).
Assim, por evidente que a decisão do domicílio deve ser tomada pelos pais, no âmbito de sua liberalidade e seus critérios de conveniência e oportunidade, também levando em consideração os interesses da família como um todo, inclusive porque são eles (pais) os provedores e principais responsáveis por atender as necessidades dos filhos. Além disso, a presunção que se deve ter é de que os pais agem no melhor e superior interesse dos filhos, e não ao contrário. Donde se extrai que eles certamente levarão em conta, na definição do domicílio, o interesse dos filhos, mas não de forma vinculante e exclusiva.
Interpretação diversa (que o domicílio da família, na guarda compartilhada, seria decidido prioritariamente pelo interesse do filho), implicaria numa inversão na ordem natural das coisas, tirando dos pais o poder de direção da família, como que presumindo exatamente o contrário, ou seja, que eles agem em prejuízo dos filhos. Anote-se, inclusive, que o próprio art. 1.634, inc. I, do Código Civil, estabelece como competência dos pais “dirigir a criação e educação dos filhos”, deixando claro que a gerência e o comando estão com os pais e não com o filho. E assim faz justamente porque os pais são os primeiros obrigados a atender os direitos e interesses dos filhos, não tendo eles (filhos), condições de fazê-los por si (até porque, incapazes).
- Obrigação de supervisionar na guarda unilateral (Código Civil, art. 1.583, § 5º, primeira parte)
O § 5º, do art. 1.583, refere à obrigação de supervisionar os interesses dos filhos na guarda unilateral, ao mesmo tempo em que cria um dever de prestar contas.
A questão acerca do controle do pai não guardião sobre os cuidados prestados pelo guardião ao filho estava disciplinada no § 3º, do art. 1.583, nos mesmos termos do atual § 5º (como obrigação de supervisionar os interesses dos filhos), bem como no art. 1.589 (como faculdade de fiscalização da manutenção e educação do filho), este sem alteração.
A função de fiscalização da manutenção e educação do filho é compreendida em sentido amplo, como encargo que vai além do aspecto meramente econômico, de fiscalização do emprego correto das verbas destinadas pelo outro pai para o sustento do filho. É medida que possibilita maior participação do pai não guardião, permitindo-lhe acompanhar, dentre outros, critérios de educação e modo de criação, e que será cumprida na medida do engajamento pessoal dele nas questões do filho.
Já a obrigação de supervisionar os interesses dos filhos, reinserida no § 5º, do art. 1.583 tem um objeto ainda mais amplo (interesses dos filhos), além de não consistir em uma faculdade, como a regra anterior, mas em uma obrigação. Aqui, a supervisão é obrigatória, tem caráter coercitivo; lá, a fiscalização é faculdade, a critério do pai não guardião.
Essa obrigação de supervisão, por sua vez, pretende trazer o pai não guardião à responsabilidade pelo filho, impondo-lhe dever geral de afeto e cuidados materiais, chamando-o ao exercício da paternidade responsável (GRIZARD FILHO, 2009, p. 199). Deve, pois, ser compreendida como um poder dever, que se insere dentro da função de zelar ínsita ao poder familiar, a ser exercido no superior e prioritário interesse do filho.
Anote-se, enfim, que referida obrigação não é prevista na modalidade de guarda compartilhada, mas apenas nos casos de guarda unilateral (assim, também, no caso do art. 1.589, caput).
- Dever de informar e prestar contas na guarda unilateral (Código Civil, art. 1.583, § 5º, segunda parte)
A prestação de contas, tecnicamente falando, consiste “no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica emergente da lei ou do contrato”, sendo que seu objetivo é liquidar dito relacionamento jurídico no seu aspecto econômico (THEODORO JUNIOR, 2012. p. 81).
No caso de se querer transpor referida figura para o direito de família (e essa deve ser a hipótese, pois o legislador optou pelo uso do termo “prestação de contas”, que tem significado jurídico próprio), o obstáculo que se vai encontrar é que um pai não é credor do outro em face do dever de poder familiar de modo que se possa conceber o dever de prestação de contas entre eles, no sentido técnico do termo. Quando um pai exerce o poder familiar ele não exerce a função administrando bens, valores ou interesses do outro, mas age exercendo dever que lhe é cometido por lei, diretamente relacionado ao filho e no interesse deste.
Para existir a obrigação de prestar contas há de haver uma relação material entre os sujeitos da relação, na qual se verifique “a existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de sujeitar o demandado a prestá-los” (THEODORO JUNIOR, 2012, p. 85).
Inexistente essa relação, não há que se falar em dever de prestação de contas, a despeito de o legislador ter atribuído legitimidade a qualquer dos pais para tal finalidade (“qualquer dos genitores sempre será parte legítima”). Se não há a relação de direito material, a legitimidade reconhecida pela lei é vazia, pois sem objeto.
Causa espécie, ainda, a previsão de que a prestação de contas possa ser objetiva ou subjetiva, sobre assuntos ou situações, que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos – uma amplitude que a torna praticamente inatingível.
Questões que afetem saúde física e educação até seriam admissíveis, em tese, pois de alguma concretude. Porém, não se vislumbra como conceber uma prestação de contas subjetiva, na medida em que o subjetivo reside no âmbito psíquico e emocional, no espírito da pessoa. Não se concebe que espécie de dever subjacente residiria aqui e aonde se chegaria, ao final, com a prestação de contas subjetiva. Difícil conceber a possibilidade de comprovar a ocorrência de fatos subjetivos, que de alguma forma afetem o filho, com a respectiva relação de causa e efeito.
A mesma perplexidade nos ocorre quando pensamos em assuntos (matérias, temas, conversas) ou situações (acontecimentos, oportunidades) como objeto da prestação de contas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica do filho. Mais, a prestação de contas está prevista como forma de “possibilitar a supervisão” dos interesses dos filhos. Em tese, então, o pedido teria que ser justificado na intenção/necessidade de inspecionar para ser admitido.
Com efeito, não se questiona que o pai guardião deva manter o filho sob estreita vigilância e proteção. Todavia, disso a pretender que tenha verdadeiro domínio sobre a vida do filho, sem que nada lhe passe, nada atinja o filho sem que antes saiba, como se devesse monitorá-lo ininterruptamente, tudo para que, eventualmente, possa prestar contas a respeito de todos os assuntos ou situações que direta ou indiretamente o alcancem, parece-nos inviável. Prestar contas do resfriado, da infecção de garganta, do medo de cachorro que não tinha antes. Prestar contas porque o filho está triste, parece deprimido; está sem fome ou come demais. Não quer comer salada, mas antes comia. Falou um palavrão, desrespeitou o avô. Recusou ler o livro que ganhou. Caiu da bicicleta e se machucou; houve ou não negligência, e assim por diante, em infindáveis hipóteses.
E o que dizer das inúmeras possibilidades acerca do elemento causador da situação: a escola, os amigos, os vizinhos, a televisão, a internet, a festinha de aniversário, a casa da avó e seu entorno, os primos, quando estava com o pai no mercado, quando estava com a mãe na farmácia. Difícil imaginar quem vai prestar contas disso e de que forma seria possível. Ainda que se pudesse admitir a obrigação de prestar contas, tratar-se-ia de obrigação inexequível, como regra, salvo situações excepcionais.
Será necessário, portanto, especial cautela e ponderação acerca da viabilidade e utilidade de ações nesse sentido, de modo a não permitir ingerência despropositada na esfera de cuidados e diligências do pai guardião.
- Guarda compartilhada como regra no dissenso (Código Civil, art. 1.584, § 2º)
O art. 1.584 permanece apenas com o caput e seu § 1º com a redação anterior, dada pela Lei nº 11.698/08. Os §§ 2ª a 5º ganham nova redação, acrescendo-se, ainda, um último parágrafo, o 6º.
Continua existindo a regra de que as duas espécies de guarda (unilateral e compartilhada) podem ser requeridas por consenso pelos pais (art. 1.584, inc. I) ou decretadas pelo juiz, conforme os critérios estabelecidos (art. 1.584, inc. II); assim, também, a exortação judicial aos pais acerca da guarda compartilhada na audiência de conciliação (art. 1.584, § 1º).
Já no § 2º encontra-se a principal modificação da reforma, qual seja, de que a guarda compartilhada será aplicada obrigatoriamente quando não houver acordo entre os pais, previsto como singular critério para sua imposição que ambos encontrem-se aptos para exercer o poder familiar, ressalvada a hipótese de um deles declarar que não a deseja.
Extrai-se, portanto, de referido parágrafo, que são três os requisitos para a imposição judicial da guarda compartilhada: 1) ausência de consenso entre os pais; 2) aptidão de ambos para exercer o poder familiar; 3) ausência de declaração de um dos pais que não deseja a guarda. A esses, todavia, deve ser acrescentado um quarto requisito - a ausência de motivo grave que recomende regime diverso - previsto no art. 1.586, do Código.
O primeiro requisito, consistente na ausência de consenso entre os pais, ocorre quando eles não conseguem chegar, com os recursos próprios ou depois de superada a fase de mediação e/ou conciliação judicial, a uma decisão conjunta e espontânea acerca da modalidade de guarda que desejam para os filhos comuns. Não logrando acordar a respeito, a decisão deverá ser, necessariamente, judicial.
A aptidão para o exercício do poder familiar - segundo requisito - deve ser presumida. Os pais investem-se no poder familiar tão somente pelo fato de a paternidade e a maternidade estarem juridicamente estabelecidas (Código Civil, 1.603), em posição de igualdade perante a lei, reconhecendo-se a ambos os mesmos direitos e obrigações. O exercício do poder familiar, por sua vez, é a realização desta tarefa no plano da existência, o desempenho efetivo e pleno das funções que o integram, a prática de todos os atos necessários à proteção e defesa dos interesses do filho.
Dessa forma, e porque não há outros elementos condicionantes ao exercício da função paterna, a expectativa (presunção iuris tantum) é de que atuem no melhor e superior interesse dos filhos, salvo prova em contrário. Até porque, se a lei privilegia o consenso dos pais no que tange à guarda, seja unilateral ou compartilhada – guarda, inclusive, que é justamente o eixo central em torno do qual gravitam as prerrogativas do poder familiar -, não estabelecendo requisitos ou restrições ao ajuste (Código Civil, art. 1.584, inc. I), é porque reconhece que os pais são os primeiros interessados e responsáveis pelos filhos menores, presumindo que agem, de regra, com esses desígnios.
Assim, não é preciso que se comprove que os pais estão aptos ao exercício do poder familiar para que se decida pela guarda compartilhada. Todavia, a arguição de inaptidão, evidenciada, dentre outros, na falta de zelo e cuidado com o filho, no abuso de autoridade ou descumprimento de deveres paternos, deve ensejar detida investigação, para que eventualmente se afaste esse pai da possibilidade de exercer a guarda.
Questiona-se, ainda, que baste a aptidão formal para o exercício do poder familiar para a implementação da guarda compartilhada. Se ela consiste na responsabilização e exercício conjunto do poder familiar, por evidente que tem por pressuposto de viabilidade a possibilidade efetiva e concreta de que os pais tenham condições de partilhar essa responsabilidade entre si, o que vai além da mera aptidão para o exercício do poder familiar. Se eles eventualmente tiverem diferenças pessoais intransponíveis, que obstem um mínimo de relacionamento que lhes possibilite a gestão partilhada da criação e educação do filho, ela não deve ser aplicada, como prejudicial de admissibilidade.
O terceiro requisito reside na declaração de um dos pais de que não deseja a guarda. Consiste em manifestação unilateral de vontade, que se perfaz com uma só declaração, reputando-se perfeita e acabada tão somente pela manifestação do pai ou da mãe. É ato irretratável – enquanto permanecerem as circunstâncias em que foi emitido - e tem caráter personalíssimo, pois prerrogativa que a lei comete a cada genitor, individualmente, e estritamente vinculada ao poder familiar. Somente os pais têm legitimidade para praticá-lo, não se admitindo que ninguém o faça por eles. Caracteriza-se, ainda, por ser ato puro e simples, meramente potestativo, não receptício, que não admite condição ou termo, sujeito, de qualquer forma, às regras da nulidade e anulabilidade do ato jurídico.
Quanto à formalização da declaração de vontade, não deve depender de forma especial, à míngua de previsão legal nesse sentido, aplicando-se, então, a regra do art. 107, do Código Civil. Destaque-se que a lei refere apenas ao destinatário da declaração, o magistrado, nada prescrevendo no que tange à forma. Admite-se seja feita, dentre outros, por escrito público ou particular, neste caso por documento autêntico. Até porque, se uma declaração como o reconhecimento da paternidade pode assim ser feita (Código Civil, art. 1.609), não se vislumbra razão para maior rigor quanto à forma da declaração unilateral de um dos pais de que não se deseja a guarda de filho.
No caso de revelia, em que o pai demandado não comparece em juízo para se defender e igualmente pleitear a guarda do filho, não se terá a declaração expressa de não desejar a guarda. Todavia, neste caso, deve ser presumido o desinteresse, atribuindo-se a guarda unilateral ao pai que a requer, como consequência inarredável da revelia.
O quarto e último requisito encontra-se no art. 1.586, do Código, que prescreve “havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes, a situação deles para com os pais”.
Sempre que se entender, nas circunstâncias concretas, que a guarda compartilhada não vem ao encontro do melhor interesse do filho, deve o juiz de família regular de forma diversa a situação dele, inclusive atribuindo a guarda unilateral a um dos pais, se assim entender.
Em última análise, a problemática familiar e existencial subjacente aos conflitos relacionados à guarda de filho, particularmente nos casos mais resistentes ao consenso, deve ser decidida pelo juiz, mediante a devida valoração das sutilezas e peculiaridades do caso concreto, de acordo com seu prudente arbítrio e com foco no superior interesse do filho, sem que esteja necessariamente vinculado a premissas e requisitos legais preestabelecidos.
Inclusive, na eventualidade de ser detectada pelo magistrado importante incompatibilidade dos pais entre si, ou relacionamento de tal forma violado que revele ser inviável a partilha da guarda, ainda que sob o ponto de vista da integridade psicológica do filho, o fato seguramente pode ser enquadrado como o motivo grave a que se refere o art. 1.586, aplicando-se, então, a guarda unilateral, a bem do filho.
Até porque, a despeito de todas as vantagens da guarda compartilhada, é fato que nem sempre ela vem ao encontro do melhor interesse do filho, particularmente nos casos em que se verifica que o relacionamento dos pais chegou a tal ponto de desgaste que eles não têm condição alguma de compartilhar a criação e educação do filho. Em casos que tais, impor-se a guarda compartilhada a qualquer custo (como parece sugerir o § 2º, do art. 1.584, se analisado isoladamente), afigura-se manifestamente temerário. Colocar o filho, nessas circunstâncias, sob a guarda dos dois pais, de forma compartilhada, deixando em segundo plano todas as outras variáveis que possam eventualmente influenciar no relacionamento parental e filial é, no mínimo, colocá-lo em situação de vulnerabilidade, sujeito, inclusive, à alienação parental.
Admitir-se a guarda compartilhada como imposição legal nos estritos termos do § 2º, do art. 1.584, sem a necessária contemporização com a regra do art. 1.586, é não enxergar o filho como o ser prioritário da relação. É colocar os pais como sujeitos e o filho no lugar de objeto, dividido entre os dois, como se eles tivessem o direito de se apropriar dele (filho) e de seu tempo. É privilegiar o conflito entre os pais, o filho como prêmio ou punição, em desconsideração às reais necessidades dele, à dinâmica do conflito familiar existente e aos efeitos deletérios que uma decisão dessa natureza pode ter sobre o filho.
Esses, portanto, os quatro requisitos a serem considerados para a decretação judicial da guarda compartilhada que, de qualquer forma, na implementação, também deverá atender aos ditames do art. 1.584, inc. II, quais sejam, atenção às necessidades específicas do filho ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
- Divisão do tempo e a orientação técnica na guarda compartilhada (Código Civil, art. 1.584, § 3º)
Dispunha o § 3º, do art. 1.584, do Código, que para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada o juiz poderia se basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
A nova redação do § 3º é a mesma do texto anterior, apenas acrescentando uma parte final, que especifica que a orientação da equipe técnica “deverá visar a divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”, que passou a ser elemento integrante do conceito de guarda compartilhada, conforme o novel § 2º, do art. 1.583.
A alteração normativa estabelece o foco da orientação técnica que vai nortear o juiz no estabelecimento das cláusulas da guarda compartilhada. Devem os profissionais, na análise do caso, dirigir o olhar para a divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. Após colher elementos em ambos os núcleos familiares (do pai e da mãe), também junto do filho, devem trazer ao juízo orientação objetiva para que se possa estabelecer um regime ponderado de partilha de tempo com o filho.
Reportamo-nos, aqui, para não repetir, às considerações a respeito da divisão do tempo de convívio feitas na análise do art. 1.583, § 2º, retro (nº 1).
Com efeito, não nos parece que seja o tempo de contato físico o elemento diferenciador que vá garantir o atendimento dos superiores interesses do filho pelos pais. A orientação técnica deve focar, antes de tudo, a dinâmica familiar lá e cá, o compromisso e seriedade com que cada um dos pais vem cumprindo seu dever de criar e educar os filhos, os laços familiares construídos, também a respectiva inserção social e/ou comunitária para, com base nesses critérios, o juiz decidir acerca da situação familiar do filho, mas sem vinculação necessária a tempo. O tempo é um detalhe que se torna insignificante diante da magnitude que é a vida de uma criança ou adolescente, também da relevância do exercício do poder familiar.
- Alteração ou descumprimento de cláusula de guarda (Código Civil, art. 1.584, § 4º)
A redação anterior do § 4º, do art. 1.584 prescrevia como punição para o pai que descumprisse imotivadamente cláusula de guarda unilateral ou compartilhada a redução de prerrogativas atribuídas ao detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.
Na nova redação foi suprimida a parte final do parágrafo (“inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”), mantendo íntegro, no mais, o texto anterior.
Dentro do contexto da reforma, parece que a supressão da penalidade de diminuição de horas de convívio para o descumprimento de cláusula se fez para não prejudicar o pai que tem a guarda (porque as horas diminuídas eram as dele).
Na nossa linha de pensamento, em que horas de convívio não tem o significado atribuído pelo legislador, a alteração normativa não parece guardar maior importância. Até porque, a questão do descumprimento de cláusula, guardando maior gravidade, pode bem ser resolvida na lei da alienação parental.
- Guarda atribuída a terceiro (Código Civil, art. 1.584, § 5º)
A redação dada ao § 5º, do art. 1.584, pela Lei nº 13.058/2014 é a mesma redação anterior, não tendo sofrido alteração em seu conteúdo, nem de forma indireta.
Mantém-se, então, a possibilidade de atribuir a guarda unilateral a terceiro, se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda dos pais.
Importante anotar que essa modalidade de guarda, tecnicamente, não pode ser compartilhada. É que uma vez conceituada a guarda compartilhada como a responsabilização conjunta dos pais pelo exercício do poder familiar (art. 1.583, § 1º) e estabelecida como prerrogativa do poder familiar (art. 1.634, inc. II), tem-se que é privativa do pai e da mãe (o poder familiar compete com exclusividade a eles), não podendo ser atribuída a terceiro.
A guarda atribuída a terceiro, a rigor, somente pode ser a guarda unilateral, na forma prevista no art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
- Obrigação de terceiros prestar informações (Código Civil, art. 1.584, § 6º)
A reforma instituiu uma regra nova, no § 6º, do art. 1.584, impondo que “qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado ao prestar informações a qualquer dos pais sobre seus filhos, sob pena de multa”.
O sujeito passivo da norma é amplo, obriga todo estabelecimento ou instituição, de natureza pública ou privada, qualquer que seja a forma de constituição (pessoa jurídica, firma individual, associação de qualquer natureza), desde que detentores de informações pertinentes à situação do filho e que de alguma forma permitam participação, controle ou gerência dos pais a respeito.
De grande utilidade será a nova regra diante do estabelecimento de ensino no qual o filho esteja matriculado, do qual se poderá obter informações sobre seu comportamento e desempenho escolar; igualmente poderá ser invocada perante empresas de prestação de serviço das mais diversas categorias (educação, saúde, lazer), também no comércio em geral.
A solicitação não depende de intervenção judicial e deve ser feita pela própria parte interessada, em sede administrativa, diretamente junto ao estabelecimento, bastando identificação pessoal e comprovação do parentesco, sem necessidade de justificativa. Quanto à forma, recomenda-se seja feita por escrito para perfeita delimitação das informações pretendidas, até mesmo para constituição de prova diante de eventual descumprimento e para fins de imputação de responsabilidade.
Trata-se de prerrogativa atribuída a qualquer dos pais, independentemente do regime de guarda, mas que privilegiará mais o pai não guardião, abrindo-lhe a possibilidade de um novo espaço na relação paterno filial, legitimando sua incursão na vida do filho fora dos momentos da visita, independentemente de intervenção judicial ou de autorização do pai guardião. Quando exercida em face dos estabelecimentos de ensino, favorecerá e estimulará o pai não guardião a tomar parte, de modo ativo e continuado, do processo de ensino e aprendizagem a que o filho é submetido na escola, além de permitir acesso a outras informações, como sobre o comportamento e amizades, que igualmente devem ser acompanhados e fiscalizados pelos pais.
- Guarda provisória nas medidas cautelares e liminares – oitiva dos pais (Código Civil, art. 1.585)
Embora a prolixa redação do texto normativo (“em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda” - quando bastaria referir à guarda provisória ou liminar), dele é possível extrair que pretende disciplinar a concessão liminar da guarda (guarda provisória) basicamente em dois aspectos: (i) colocando como requisito prévio da decisão judicial a oitiva dos pais; (ii) estabelecendo que se aplicam à hipótese as regras da guarda unilateral e guarda compartilhada contidas no art. 1.584.
A guarda provisória unilateral a um dos pais, requerida como medida cautelar ou antecipação de tutela em processos de conhecimento (ação de divórcio, ação declaratória de união estável, ação de guarda, dentre outras) é expediente corriqueiro nos foros de família.
São duas as situações fáticas que fundamentam sua concessão, basicamente: a guarda de fato unilateral consolidada ou a situação de risco do filho. Em qualquer caso, deve ser comprovado o fato alegado (guarda de fato unilateral consolidada ou situação de risco do filho) e o parentesco.
A alteração em apreço coloca um requisito específico prévio para a concessão da guarda liminar: a oitiva, preferencialmente, de ambos os pais. A norma, como se vê, é de ordem processual, e não material – donde estaria deslocada do corpo normativo. Seja como for, não se trata de exigência impositiva, obrigatória, mas de recomendação normativa à qual se deve dar preferência (“preferencialmente” – é a expressão legal).
De se questionar, então, até para que se possa buscar elementos para se decidir pelo atendimento ou não da cautela, qual seria o objetivo de tal oitiva. Tecnicamente, a oitiva das partes poderia ser compreendida como meio de prova, com a natureza de depoimento pessoal, produzida em sede de justificação prévia. Assim, poderia ser dispensada a critério do juízo, quando possível formar convicção a respeito dos fatos alegados nas demais provas produzidas nos autos. Até porque, questiona-se a necessidade de oitiva da parte autora no início do processo, eis que, de seu depoimento pessoal, sequer se poderia obter a confissão (Código de Processo Civil, art. 348).
Sob outro ângulo, essa oitiva poderia visar a instauração de um contraditório prévio, para investigar a vontade do outro pai no que tange a guarda. É que para a concessão judicial da guarda unilateral a um dos pais (que se supõe ser o pedido típico nas ações previstas na norma) um dos requisitos é manifestação de vontade do outro pai de que não deseja a guarda do filho (art. 1.584, § 2º, parte final). Neste caso, porém, não se veria necessidade alguma de oitiva da parte autora. Até porque, sua tese já deve ter sido exposta na inicial.
De qualquer forma, não sendo a cautela obrigatória, ficará sempre a critério do magistrado e conforme o caso concreto decidir pela oitiva de qualquer dos pais para concessão da guarda provisória liminar. Aliás, consta ressalva no próprio artigo, ao final, de dispensa da oitiva se a proteção aos interesses dos filhos exigir.
Conclusão
Essas as ponderações que nos ocorreram nesses primeiros momentos da vigência da Lei nº 13.058/2014, na tentativa de compreender o alcance e significado da nova disciplina da guarda de filho de pais que não vivem juntos, bem como de contextualizá-la no Código Civil.
No que tange à guarda compartilhada, as principais alterações residem no acréscimo de um novo elemento à sua concepção, qual seja, a divisão do tempo de convívio do filho com os pais, bem como no fato de ter passado a ser a regra, no caso de não haver acordo dos pais a respeito.
Embora referidas alterações confiram à guarda compartilhada novos contornos, não houve modificação em sua conceituação, que continua sendo “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.
A divisão do tempo de convívio na guarda compartilhada deve ser compreendida como um meio para possibilitar a responsabilização conjunta dos pais pela criação e educação do filho, uma circunstância que mais favoreça o exercício da guarda, a efetiva gestão conjunta da função paterna, do que uma mera medida para garantir o acesso isolado de cada pai ao filho.
A implementação da guarda compartilhada como obrigatória quando não houver acordo entre os pais, tem como singular critério o de que ambos encontrem-se aptos para exercer o poder familiar, ressalvada a hipótese de um deles declarar que não a deseja. Deve, ainda, ser contemporizada com a regra do art. 1.586, do Código que, inclusive, sustenta eventual decisão de guarda unilateral no caso de se revelar ser inviável a compartilhada, do ponto de vista dos interesses e necessidades do filho.
A orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar que auxiliará o juiz na implementação da guarda compartilhada deve focar, antes de tudo, a dinâmica familiar, o compromisso e seriedade com que cada um dos pais vem cumprindo seu dever de criar e educar os filhos, os laços familiares construídos e a respectiva inserção social e/ou comunitária, sem vinculação necessária a tempo de convívio, sob pena de desviar o foco do destinatário final da norma, que é o filho.
Embora a norma estabelecendo que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender os interesses deles, as regras do domicílio da pessoa natural devem sempre prevalecer, inclusive no exercício da guarda compartilhada.
Na disciplina da guarda unilateral, uma das principais novidades reside na criação do dever de prestar contas, cuja concretização encontra obstáculo no fato de não haver uma relação material entre os pais que lhe possa dar subsistência, a despeito de o legislador ter atribuído legitimidade a qualquer deles para tal finalidade. Trata-se, ao que parece, de obrigação anômala, de amplitude tal que a torna praticamente inexequível, como regra, salvo situações excepcionais.
Já a obrigação do pai não guardião de supervisionar os interesses dos filhos pretende trazer este pai à responsabilidade pelo filho; deve ser considerada como um poder dever, que se insere dentro da função de cuidar ínsita ao poder familiar, a ser exercida no superior e prioritário interesse do filho.
Há, ainda, a nova regra que impõe a qualquer estabelecimento público ou privado prestar informações aos pais, sob pena de multa. Implica prerrogativa que privilegiará mais o pai não guardião, abrindo-lhe a possibilidade de um novo espaço na relação paterno filial, legitimando sua incursão na vida do filho fora dos momentos da visita, independentemente de intervenção judicial ou de autorização do guardião.
Inovou-se, ademais, na previsão da oitiva dos pais como medida prévia para concessão da guarda provisória nas ações ordinárias ou medidas cautelares, justificada no fato de agora a guarda compartilhada passar a ser regra para os casos de dissenso. Todavia, não se trata de exigência impositiva, de modo que ficará sempre a critério do magistrado e conforme o caso concreto decidir pela oitiva de qualquer dos pais para concessão da guarda provisória liminar.
Enfim, a reforma que se nos apresenta exigirá algum esforço do operador do Direito na tarefa de harmonizar as novas regras no contexto do Código Civil e com os superiores e prioritários interesses dos filhos menores, particularmente quando ameaçados por eventual dissenso irredutível entre seus pais.
Confia-se, entretanto, na sensibilidade de todos os que militam no foro da família, particularmente magistrados, promotores de justiça e advogados, que certamente saberão encontrar no ordenamento jurídico a interpretação que melhor atenda aos interesses de nossa infância e juventude, particularmente nos casos em que seus pais não se mostrarem capazes de partilhar de algo tão caro e sensível, mas ao mesmo tempo tão gratificante, como a tarefa de educar e criar os filhos, preparando-os para a vida e a cidadania.
Decepciona, enfim, o material que nos lega o Poder Legislativo, bem como a sanção sem qualquer veto pela Presidência da República, aos quais, permissa venia, faltou maior reflexão em matéria de alto significado social e determinante na formação de nossas crianças e adolescentes.
Referências Bibliográficas
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GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 9. ed. rev. atual. ampl. São Paulo : Saraiva, 2007. v. I.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil : procedimentos especiais. 44.ed. rev. atual. Rio de Janeiro : Forense, 2012. v. III.