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Ações autônomas de declaração de produtividade

Este trabalho acadêmico tem por objetivo o estudo da possibilidade de questionar a declaração de improdutividade, ou seja, do não atendimento à função social da propriedade, uma vez que a legislação limita a matéria cognoscível na ação de desapropriação.

Resumo: Este trabalho acadêmico tem por objetivo o estudo da possibilidade de questionar a declaração de improdutividade, ou seja, do não atendimento à função social da propriedade, uma vez que a legislação limita a matéria cognoscível na ação de desapropriação.  A partir de uma abordagem sistemática da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, observar-se-ão posições doutrinárias e jurisprudenciais, e destacar conexões lógicas mediante uma abordagem de princípios constitucionais quais sejam a inafastabilidade da jurisdição, o contraditório, a ampla defesa e, sobretudo, a função social da propriedade, entre outros. [1]

Palavras-chaves: Desapropriação. Declaração de produtividade. Ações autônomas. Garantias. Constituição.

Abstract: (falta tradução) Este trabalho acadêmico tem por objetivo o estudo da possibilidade de questionar a declaração de improdutividade, ou seja, do não atendimento à função social da propriedade, uma vez que a legislação limita a matéria cognoscível na ação de desapropriação.  A partir de uma abordagem sistemática da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, observar-se-ão posições doutrinárias e jurisprudenciais, e destacar conexões lógicas mediante uma abordagem de princípios constitucionais quais sejam a inafastabilidade da jurisdição, o contraditório, a ampla defesa e, sobretudo, a função social da propriedade, entre outros.

Keywords: (falta tradução) Desapropriação. Declaração de produtividade. Ações autônomas. Garantias. Constituição.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da Desapropriação por interesse social. 3. A limitação da matéria cognoscível pelo Poder Judiciário. 4. Ações autônomas como meios de garantir a posse da propriedade exproprianda. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo sobre a possibilidade de questionamento da declaração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA - de não atendimento à função social no processo de desapropriação tem como cenário de discussão a própria Reforma Agrária, os interesses envolvidos no desenvolvimento desse processo.

            A importância da Reforma Agrária vai além da simples distribuição de terras e do estabelecimento do trabalhador rural numa propriedade por conta de um ato administrativo do Poder Executivo ou de uma sentença do Poder Judiciário. Conforme verifica-se na citação a seguir que faz referência ao entendimento de Sérgio Sauer:

“(...) Sauer, apesar de reconhecer que a propriedade da terra deixou de ser um impedimento para a acumulação ampliada de capital, faz uma defesa da funcionalidade e atualidade da reforma agrária distributivista como uma medida relevante ainda hoje que democratizaria as relações sociais, políticas e econômicas. Para ele, a reforma agrária propiciaria a inclusão da população rural na arena política e permitiria também a entrada dessa população no sistema produtivo, resolvendo o problema da falta de uma democratização das relações de dominação, do emprego e da concentração de renda. Além do mais, garantiria a gente rural o acesso a direitos sociais e políticos básicos. Sauer considera ainda que uma reforma agrária redistributivista consolidaria a agricultura familiar, permitindo que ela se torne protagonista de um novo padrão de desenvolvimento social e econômico para o mundo rural, oposto ao veiculado pelo agronegócio, porque coloca ênfase na sustentabilidade e no desenvolvimento local, direcionamento que transforma o local de vida e de trabalho dos agricultores familiares em fatores potencializadores de uma melhoria de vida”. (VASCONCELLOS, Dora Viana. p.16, 2011)

            Ao observar posições e conceitos encontrados na doutrina e promover conexões lógicas dentro do ordenamento jurídico, permeado pela hermenêutica constitucional, entender-se-á que o processo de desapropriação tem mais de uma perspectiva assim como a própria Reforma Agrária.

Primeiramente, far-se-á uma breve análise conceitual sobre a desapropriação por interesse social. Em seguida, fundamentando os comentários na doutrina consolidada, observar-se-á como o Poder Judiciário pode ser fundamental nesse processo que tem como objeto jurídico um direito constitucional, a propriedade.

            Busca-se, com o conteúdo deste trabalho, permitir a análise crítica da ação de desapropriação e também avistar quais os caminhos que poderão ser trilhados pelo expropriado perante a imposição do Estado que é justificada pelo interesse público.

2. DA DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL

Este tópico tem por objetivo geral fornecer base para discussão do tema do artigo, apresentando conceitos do que vem a ser essa desapropriação motivada pelo interesse social.

Há mais de uma perspectiva acerca da definição de desapropriação, segundo Miguel Seabra Fagundes (1942) tem-se ela como uma alienação, aproxima-se ao chamado negócio jurídico:

“a desapropriação assemelha-se a uma alienação compulsória, pois que no procedimento expropriatório aparecem os elementos entrega da coisa e pagamento do preço e falta o acordo de vontade (...) Não quer significar, propriamente, que haja, na desapropriação, consentimento forçado (...) e sim alienação da coisa, sem a vontade ou contra a vontade do dono. Isto, pela existência de dois dos três elementos”. (FAGUNDES, Miguel Seabra. 1942)

Entretanto, contrário a esta posição e desconstruindo essa visão de negócio jurídico tem-se o mestre Pontes de Miranda (1954), retirando essa visão de direito privado e colocando a desapropriação no contexto do direito público:

“a desapropriação ainda quando se dê a composição amigável, segundo o art. 10, verbo acordo, do Decreto-Lei 3.365, não é negócio jurídico. Trata-se de um ato de direito público com que se exerce o direito formativo-extintivo. Ato jurídico stricto sensu (...) e a expropriação nada tem de instituto jurídico misto, parte de direito administrativo e parte de direito civil e processual civil. Como instituto e como fato jurídico, ato jurídico stricto sensu, a desapropriação é direito público e só direito público O que é de direito civil é um de seus efeitos, o principal deles, que é a perda da propriedade. É de visão superficial dizer-se, por exemplo, com Rafaela Bielsa, que se rege em parte pelo direito constitucional e em parte pelo direito civil. O direito civil não rege, de modo nenhum, a desapropriação: a desapropriação, já no plano da eficácia, atinge o direito civil e a ela, somente por isso tem o direito civil de aludir, como um dos meios de perda da propriedade (...). Não se adquire por desapropriação, salvo se a doutrina do país ainda não se libertou da influência da concepção ultrapassada, da compra e venda forçada”. (MIRANDA, Pontes de. 1954)

A natureza jurídica da desapropriação é vista de um lado como uma limitação da propriedade e, de outro, como uma forma de aquisição da propriedade, mostrando que o liame entre esses dois aspectos é de frágil determinação.

“É limitação que afeta o caráter perpétuo da propriedade, porque é meio pelo qual o Pode Público determina a transferência compulsória da propriedade particular, especialmente para o seu patrimônio ou de seus delegados, o que só pode verificar-se por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos na Constituição (art. 5º, XXIV)(...)”. (SILVA, José Afonsa da. p. 281. 2009)

Como forma de aquisição de propriedade pode-se destacar o argumento de Silvia Opitz e Oswaldo Opitz (2011):

“A desapropriação não é limite ao direito de propriedade, mas uma forma de sua aquisição originária, de um lado, e de perda, de outro. Apesar disso, não se pode negar que houve sempre quem defendesse ponto de vista contrário. Reconhecemos uma grande parte de verdade nisso, pois a desapropriação sempre constitui uma ameaça potencial contra a propriedade e se considera uma limitação potencial do patrimônio particular. Mas isso não quer dizer que, de fato, haja uma limitação ao direito de propriedade, como ocorre no usufruto, uso, habitação, etc., como também não é uma restrição a ele, pois na afeta a disponibilidade natural do prédio, como ocorre nas servidões prediais. Portanto a expropriação, seja por necessidade ou por utilidade pública, bem como por interesse social, é uma forma de extinção ou perda total ou parcial do direito em relação aos proprietário. Para o expropriante é um título originário de aquisição (...)”. (OPITZ, Silvia. OPITZ, Oswaldo. p. 200. 2010)

Conforme já exposto nas citações anteriores, a justificativa da desapropriação é, em suma, o interesse público, o qual é ilustrado pela função social da propriedade. Na Constituição Federal, no seu art. 5º, XXII, garante com direito fundamental a propriedade, e no inciso seguinte já fixa que esta mesma propriedade que é assegurada constitucionalmente deve atender à função social.

Como característica do dirigismo econômico verifica-se a intervenção estatal na atividade privada, tal situação é exemplificada na desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária, visando permitir o acesso coletivo do trabalhador rural à terra que não atende às diretrizes da função social.

“O  Estado não pode ficar inerte diante do fracasso da atividade privada; por isso, surge a defesa de sua intervenção na economia mediante leis e processos. Nasce então o denominado direito da economia, que outra coisa não é senão o conjunto de ‘medidas que visam promover melhor a distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade’ ou ‘providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País’ (Estatuto da terra, art. 1º, §§ 1º e 2º)”. (OPITZ, Silvia. OPITZ, Oswaldo. p. 203. 2010)

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A função social da propriedade rural refere-se, principalmente, à sua produtividade. Isto é, quando o Poder Executivo promove a desapropriação com fins de Reforma Agrária, tem por finalidades primordiais o aumento da produtividade e a promoção da justiça social com o acesso coletivo do trabalhador a terra. Conforme verifica-se no art. 18 do Estatuto da Terra:

“Art. 18. À desapropriação por interêsse social tem por fim: a) condicionar o uso da terra à sua função social; b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade; c) obrigar a exploração racional da terra; d) permitir a recuperação social e econômica de regiões; e) estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica; f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais; g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural; h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias”. (Estatuto da Terra)

Diante do já exposto, cumpre definir o que se entender por propriedade produtiva no âmbito do Direito Agrário, mais especificamente na legislação vigente. A Lei n. 8.629/93 que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, traz no seu art. 6º o seguinte:

“Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. Parágrafo 1º: o grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. Parágrafo 2º: O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento)”. (Lei n. 8.629/93)

Observa-se nesse artigo da Lei n. 8.629/93 a faceta de natureza econômica (graus de utilização e de eficiência) quanto à funcionalidade social da propriedade.

E é essa (im) produtividade que é utilizada como justificativa da desapropriação por interesse social, ou seja, o não atendimento à função social é ilustrada pela não produtividade da terra, tendo em vista que na própria Carta Magna esse é um dos requisitos:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. (Constituição Federal)

Dessa forma, a desapropriação para fins de Reforma Agrária é revestida de proteção constitucional e, inclusive sua motivação, está estabelecida na Carta Magna. O INCRA é a entidade responsável pelo procedimento administrativo que analisa a produtividade da propriedade e sua viabilidade para a Reforma Agrária, que oferece base ao Decreto Presidencial, o qual é motivado pelo interesse público do acesso coletivo a terra para seu devido aproveitamento e utilização, gerando justiça socioeconômica no âmbito rural.

3. A LIMITAÇÃO DA MATÉRIA COGNOSCÍVEL PELO PODER JUDICIÁRIO

Relativo ao interesse público, necessidade ou utilidade pública, refletidos na função social, o Decreto-Lei 3.365/41, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, restringe a apreciação do Poder Judiciário decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública no processo de desapropriação (art. 9º).

O interesse social declarado pelo Poder Executivo também é excluído da órbita da cognição judicial no âmbito da Lei complementar n. 76/93 que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. No art. 9º desta Lei, está previsto que da contestação está excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado.

A constitucionalidade da limitação prevista legalmente já foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal ressaltando que “continua em vigor o dispositivo da lei de desapropriação que veda ao Poder Judiciário, no respectivo processo, conhecer das razões de utilidade pública”, conforme RDA 27/193.

Todavia vale expor os argumentos em prol da inconstitucionalidade desse artigo, a não garantia do contraditório e da ampla defesa estabelecidos no art. 5º, LV, da Constituição Federal.[2]

“Essa referida ação tem características peculiares que a distinguem das demais. É, na verdade, um procedimento sui generis, na medida em que o princípio do contraditório, que constitui essência dos processos, praticamente inexiste nos feitos em espécie, a despeito da ressalva contida no já citado art. 184 da CF. A ampla defesa que se permite em outros pleitos judiciais tem limites na ação de desapropriação agrária, porquanto o réu tem a sua contestação reduzida a qualquer matéria de interesse da defesa, menos apreciar o interesse social declarado”. (OPITZ, Silvia. OPITZ, Oswaldo. p. 145. 2011)

Divergindo da posição de Marçal Filho, a qual é minoritária na doutrina, entende-se pela constitucionalidade do texto legal. Juraci Guimarães Júnior (2006), explica esse alinhamento com a Constituição utilizando-se de argumentos de Kazuo Watanabe sobre o processo de cognição vertical e horizontal.

“Na precisa lição de Kazuo Watanabe (2000, p. 111 e ss.), a cognição pode ser vista em dois planos distintos: vertical e horizontal. No plano vertical, avalia-se o grau de profundidade da cognição, que poderá ser exauriente (completa) ou sumária (incompleta). Como exemplo desta última, pode-se mencionar a antecipação dos efeitos da tutela disciplinada no art. 273, do CPC, cujo juízo empregado é de verossimilhança. No plano horizontal, por sua vez, aprecia-se a extensão, a amplitude da matéria cognoscível, que poderá ser plena ou parcial, conforme a cognição do magistrado possa atingir ou não toda a extensão fática do conflito de interesses. (...) À parte o processo de desapropriação, existem vários outros exemplos de cognição parcial no nosso ordenamento jurídico, como o processo de conversão da separação judicial em divórcio (art. 36, parágrafo único, da Lei nº 6.515/77), o processo de embargos de terceiro (art. 1.054, do CPC) e o processo de busca e apreensão da lei de alienação fiduciária (art. 3º, parágrafo 2º, do Decreto-Lei nº 911/69)”. (GUIMARÃES JÚNIOR, Juraci. p. 36-37. 2006)

A limitação da cognição do juiz acerca essa matéria, a qual seja a apreciação da produtividade ou atendimento da função social da propriedade pode ser justificada pela necessidade de celeridade processual, devido a Reforma Agrária constituir uma política social e nesse sentido a duração razoável do processo também beneficiaria o expropriado por não se prolongar o processo indenizatório.

“A técnica de cognição parcial busca atingir a prestação de uma tutela jurisdicional diferenciada e adaptada às várias especificidades dos direitos, interesses e pretensões postas em ponderação numa hipótese concreta, privilegiando, deste modo, a celeridade, ao permitir o surgimento de uma sentença em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa. Numa perspectiva da constitucionalidade da norma restritiva da cognição judicial, mostra-se ainda fundamental analisar a razoabilidade e proporcionalidade da ponderação e opção do legislador, vale dizer, como adverte Luiz Guilherme Marinoni, se a restrição estabelecida pelo legislador é justificável para a implementação de um direito fundamental que em determinada situação deve se sobrepor ou se ela se mostra desarrazoada, constituindo privilégio odioso (MARINONI, 2004, p. 195)”. (GUIMARÃES JÚNIOR, Juraci. p. 36-37. 2006)

A respeito da celeridade processual, o Professor Joseli Lima Magalhães (2003) destaca a importância desse princípio no âmbito do processo e da realização do fim social do processo e garantindo devido processo legal.

“Se é certo que o escopo final do princípio do duplo grau de jurisdição é fazer valer o princípio do devido processo legal, apesar de quando a ‘Constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, ela não está dizendo que toda e qualquer demanda em que é assegurada a ampla defesa deva sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo’, não menos correto é afirmar que havendo abundante número de recursos, prejudicada fica, forçosamente, a celeridade da prestação jurisdicional, ou seja, o devido processo legal, neste particular considerado um ‘super-princípio’, estaria mitigdo na sua importância. Vale lembrar, por oportuno, que havendo excesso de recurso e sua desnecessidade, o que provoca a diminuição ao efetivo acesso a justiça, o fim social do processo não é atingido o tanto mais rápido possível”. (MAGALHÃES, Joseli Lima. p. 63-64. 2003)

Dessa maneira, já fica claro que, referente ao recurso de apelação, apenas será possível discutir a matéria que fixar o valor da indenização. “A Lei Complementar n. 76 estabelece algumas regras processuais, quando determina que caberá apelação da sentença que fixar o preço da indenização” (OPITZ, Silvia. OPITZ, Oswaldo. p. 215. 2010).

Enfim, o INCRA é competente para instaurar o processo administrativo que desemboca na Declaração de Improdutividade do Imóvel por meio de um Decreto Presidencial (decreto expropriatório) que, por sua vez, determina o interesse social e constitui sua intenção para os fins de Reforma Agrária e a propositura de uma ação de desapropriação.

4. AÇÕES AUTÔNOMAS COMO MEIOS DE GARANTIR A POSSE DA PROPRIEDADE EXPROPRIANDA

Nesse processo de desapropriação foi excluída pelo legislador a discussão da matéria cognoscível acerca da produtividade do imóvel, mas quanto à possibilidade de acesso à via judicial mediante o ajuizamento de ações autônomas pode-se ter nesse momento uma alternativa para resistir à desapropriação fundada em interesse público o qual é definido.

Estruturado pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição ou da efetividade da tutela jurisdicional, o direito expropriado pode ser levado a juízo por meio de ação autônoma.

José Afonso da Silva (2009) confirma como garantia constitucional individual a apreciação pelo Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

“O art. 5º, XXXV, declara: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Acrescenta-se agora ameaça a direito, o que não é sem consequencia, pois possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. (...) A Constituição amplia o direito de acesso ao Judiciário, antes da concretização da lesão”. (SILVA, José Afonsa da. p. 431. 2009)

Ainda a respeito do referido princípio, o processualista Humberto Theodoro Júnior (2011):

“Cabe, pois, à Justiça não apenas dar uma resposta qualquer ao demandante, nem mesmo simplesmente enquadrar formalmente o fato deduzido em juízo no enunciado legal que lhe corresponda, dentro do ordenamento jurídico positivo. O direito de ação é abstrato, no sentido de que pode ser exercido sem a prévia demonstração da existência efetiva do direito material que se pretende fazer atuar. Mas a tutela jurisdicional, que só é disponibilizada a quem realmente se encontre na titularidade de um direito subjetivo lesado ou ameaçado, tem de ser efetiva e justa, dentro das perspectivas traçadas pela ordem constitucional”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. p. 51. 2011)

Mesmo quando se está diante de um processo de cognição parcial, é cabível o princípio constitucional, Juraci Guimarães Júnior (2006) cita Luis Guilherme Marinoni: “Por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, estabelecido no art. 5º, XXXV, da CF, em todos os processos de cognição parcial o âmbito de cognição excluído pelo legislador poderá ser objeto de ação própria (MARINONI, p. 194)” (GUIMARÃES JÚNIOR, Juraci. p.38. 2006).

Como proposta de ação viável observa-se logicamente que se o questionamento é acerca da declaração de improdutividade do imóvel, o expropriado pode propor uma Ação Declaratória de Produtividade. Essa ação pode encaixar-se tanto no procedimento ordinário como cautelar.

“A via processual a ser manejada pelo autor da demanda dependerá do vício existente e da respectiva prova já produzida e a que vier ser realizada durante a instrução. Em regra, se a invalidade for referente à desobediência ao procedimento administrativo – por exemplo, ausência de notificação prévia do expropriado – poderá ser manejado mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal; contudo, se a ilegalidade existir nos percentuais de produtividade (grau de utilização da terra e grau de eficiência na exploração) poderão ser propostas ação ordinária e ação cautelar.”. (GUIMARÃES JÚNIOR, Juraci. p. 39. 2006)

As finalidades dessas ações autônomas são: 1) anular o processo administrativo; 2) impedir a imissão na posse provisória do INCRA. E para tal, faz-se necessária a antecipação dos efeitos da tutela ou medida liminar, por conta da já citada celeridade processual que permeia o processo de desapropriação.

Verifica-se que a adoção de medidas cautelares voltada para suspensão do processo administrativo do INCRA não será favorável tendo em vista a jurisprudência do STF:

“Medida cautelar de antecipação de provas ajuizada contra o INCRA não cria óbice a que o Presidente da República desaproprie o imóvel sem necessidade de suspender os procedimentos administrativos”. (MS 23312/PR, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 25/02/2000, p. 54)

Todavia, a ação própria para declaração da produtividade do imóvel, levando em consideração as provas já produzidas ou a ser produzidas, tem propiciado o efeito esperado na suspensão do processo de desapropriação quando se pleiteia a antecipação de tutela do direito em risco.

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRODUTIVIDADE DE IMÓVEL RURAL. SOBRESTAMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO. PARECER TÉCNICO OFERECIDO PROVANDO O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DOS AGRAVADOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. 1. Merece prestígio a decisão agravada pois os agravados juntaram prova que afastou, em princípio, as constatações de que o imóvel não cumpria sua função social. Ademais, a sentença, no processo originário, julgou procedente o pedido dos ora agravados. 2. Agravo improvido”. (AG 137680, GO 2000.01.00.137680-2 rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, DJ 14.06.2004, p. 70)

Relacionado à imissão provisória do INCRA na posse da propriedade objeto da ação de desapropriação, o entendimento da jurisprudência do TRF 1ª Região é que a ação declaratória de produtividade é prejudicial à ação de imissão na posse provisória demandada pelo INCRA para iniciar a implantação do projeto de Reforma Agrária. De acordo com a presunção de legitimidade como atributo do ato administrativo, o ônus da prova recai sobre o expropriado para que ele mesmo demonstre que há produtividade. A partir disso, a suspensão da imissão na posse do INCRA visa garantir o direito de propriedade e afastar ilegalidade do ato do Poder Público por meio de um controle judicial.

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL PENDENTE DE

JULGAMENTO. IMISSÃO NA POSSE INDEFERIDA. 1. Pendente de apreciação ação declaratória intentada pelo expropriado objetivando o reconhecimento judicial de que o imóvel é insuscetível de desapropriação, há que ser indeferida a liminar de imissão na posse do Incra. 2. Agravo de instrumento improvido”. (Agravo de Instrumento n.º 200301000363439, rel. Des. Fed. Carlos Olavo, DJ 03/09/2004, p. 18)

Ressalta-se que o art. 18 da Lei Complementar n. 76/93 estabelece que “as ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando, e independem do pagamento de preparo ou de emolumentos”.

Entretanto, como se pode perceber pela leitura do artigo, destaca-se a expressão “caráter preferencial e prejudicial em relação a outras ações”, isso poderia causar questionamento quando a possibilidade de suspensão da imissão na posse do INCRA ou do processo administrativo.

Apesar disso, a continuidade da leitura leva à expressão “outras ações referentes ao imóvel” deixa claro que são ações vinculadas diretamente à propriedade, conquanto que as ações autônomas propostas aqui são referentes não ao imóvel em si, mas ao próprio processo administrativo ou a produtividade da propriedade que foi analisada dentro dele, o qual é temporalmente antecessor do decreto expropriatório.

Juraci Guimarães Júnior (2006) ainda ressalta que há requisitos mínimos para o provimento favorável da antecipação de tutela. O processo deverá se desenvolver no lapso de tempo antes da determinação judicial de imissão na posse provisória do INCRA, isso é devido à instalação então de um possível conflito de interesses.

De um lado o acesso coletivo do trabalhador à terra, do outro o direito individual de propriedade.

“Mas é certo que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade privada. Contudo, parece-nos que pode fundamentar até mesmo a socialização de algum tipo de propriedade, onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio, que se põe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade (dos meios de produção especialmente) não pode mais ser tido como um direito invidual. A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica a natureza, pelo que, como já dissemos, deveria ser prevista apenas como instituição do direito econômico”. (SILVA, José Afonsa da. p. 284. 2009)

Essa é a perspectiva constitucional, fortalecida ainda mais com o argumento de que quando o INCRA já tivesse com a posse do imóvel, recursos públicos já seriam aplicados no projeto de reforma agrária do local.

Quando já houvesse a imissão na posse do INCRA e o processo administrativo fosse tornado nulo pela Declaração de Produtividade do imóvel, acarretaria numa situação em que a desapropriação se converteria em indireta, devendo o valor indenizatório ser integralmente pago em dinheiro, conforme jurisprudência.

“DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL RURAL. REFORMA AGRÁRIA. INTERESSE SOCIAL. EMPRESA RURAL. AÇÃO DIRETA. NULIDADE DA DESAPROPRIAÇÃO. PERDAS E DANOS. DECRETO-LEI 554/69, ART. 14. DECRETO-LEI 3.365, ART. 35. A nulidade da desapropriação por interesse social,

para fins de reforma agrária, por constituir o imóvel numa empresa rural, não implica na restituição do imóvel, já transcrito em nome do expropriante, se nele se desenvolve, há longo tempo, um projeto social com o assentamento de colonos. Incorporado o bem ao patrimônio do expropriante e atribuído ao imóvel a destinação social, tem aplicação à hipótese a construção jurisprudencial sobre a desapropriação indireta, resolvendo-se em indenização de perdas e danos, em dinheiro”. (RE 100.375, rel. min. Rafael  Mayer, julgamento em 22.11.1983, Primeira Turma, DJ de 16.12.1983)

5. CONCLUSÃO

É visível que a possibilidade de discutir a declaração do INCRA de improdutividade e consequentemente a própria matéria do interesse público inserida no Decreto Presidencial Expropriatório traz ao contexto jurídico da política de Reforma Agrária um conflito de interesses do plano do direito material e que se reflete no plano processual acerca da competência limitado do juiz na ação de desapropriação.

O Mandado de Segurança era o remédio constitucional mais propício ao expropriado para a defesa de seu direito e interesses, contudo, pode-se mostrar a partir do exposto, que a proposta de ações autônomas aliadas à antecipação de tutela serve como alternativa dentro do ordenamento jurídico para contestar a ilegalidade do ato administrativo do Poder Público.

Sabe-se que as mazelas da desigualdade social refletem-se na concentração de terras histórica do Brasil. Na Constituição Federal tem-se previstos os requisitos para que a terra seja considerada produtiva, caso contrário não estará atendendo a sua função social e, em havendo interesse público, é proposta ação de desapropriação que visa garantir o acesso coletivo dos trabalhadores a terra para, a partir de uma terra considerada improdutiva, produzir o seu sustento e melhorar suas condições de vida.

Porém não se pode evitar preservar os direitos do proprietário numa relação jurídica com o Estado, esse Estado que é conhecido pelas características (sobrenome) Democrático e de Direito. Não é satisfazendo apenas o coletivo que se efetivará os princípios constitucionais de inafastabilidade da jurisdição, é válido oportunizar ao expropriado a possibilidade de projetar para a órbita jurídica seus interesses e tentar defendê-los.

É inegável que a funcionalidade da social da terra tem importância além do mundo jurídico, está também no ambiente social, econômico e político. Dessa forma deve ser, ao máximo, revestida de compromisso com a legalidade na sua aplicação fática.

            Acredita-se sim na possibilidade de benefício social com a implantação de um política de Reforma Agrária, o trabalhador rural merece possuir meios para sua sobrevivência digna e decente, não ficando refém da influência social de outros sujeitos sociais mais rigidamente estruturados, como é o caso dos grandes proprietários de terras. Mas é recusável uma política de Reforma Agrária que impossibilite os expropriados de trilharem caminhos de questionamento da imposição do Estado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAGUNDES, Miguel Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Delta, 1968. apud MARQUES, 2009.

GUIMARÃES JÚNIOR, Juraci. A cognição no processo de desapropriação para fins de reforma agrária. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Revista Nacional de Direito Agrário. Ano 19, n. 18. Brasília: 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

MAGALHÃES, Joseli Lima. Tópicos processuais de acesso à justiça. Teresina: Editora TJPI, 2003.

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[2] Nesse sentido: Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005

Sobre os autores
Thalison Clóvis Ribeiro da Costa

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí - UFPI

Lucas Meneses de Santana e Silva

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí - UFPI

Paulo Jackson Leite Lopes

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí - UFPI

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho orientado pela Prof. Dra. Maria Sueli Rodrigues de Sousa, professora de Direito Agrário na Universidade Federal do Piauí – UFPI.

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