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Operação Zelotes deu “cavalo de pau”. A Justiça é para todos?

Agenda 17/02/2016 às 12:29

Quais empresas e corporações teriam pago suborno a agentes públicos para a redução das suas multas? Quais nomes foram divulgados no começo da operação? São nomes de “barões ladrões” ou teria havido precipitação da mídia? O que ocorreu com a investigação..

CAROS internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defende. 

A Operação Zelotes (da PF) foi desencadeada no princípio de 2015 para investigar corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), subordinado ao Ministério da Fazenda. Falou-se em um rombo ao erário de 20 bilhões de reais.

As propinas (aos conselheiros do órgão) teriam sido pagas por poderosíssimas empresas e corporações do País (cujos nomes foram fornecidos pela Folha de S. Paulo – vide abaixo). Toda uma estrutura organizada (envolvendo advogados, funcionários públicos, agentes poderosíssimos do mercado etc.) foi forjada para ludibriar o fisco.

Trata-se de uma expressiva manifestação da delinquência econômica cleptocrata (DEC). Ela começou a ser noticiada pela mídia, mas, de repente, “deu um cavalo de pau” (para apurar as “compras” de MPs no setor automobilístico). A onda investigativa ou, seguramente, a midiática, tomou outro rumo. A cidadania não sabe o que está ocorrendo com a fase 1 da Operação (tão relevante, para o combate da delinquência econômica cleptocrata –DEC –, quanto a fase 2). As duas não podem, evidentemente, parar.

A mídia conta com muitos padrões de manipulação da opinião pública[1]. O “cavalo de pau” (o nome profano está longe da cientificidade) é um deles. Isso precisamente é o que é mostrado no extraordinário filme mexicano (2014) La dictadura perfecta, dirigido por Luís Estrada. É tão real (inclusive para o Brasil) que até parece ficção.

Quais empresas e corporações teriam pago suborno a agentes públicos para a redução das suas multas? Quais nomes foram divulgados no começo da operação? São nomes de “barões ladrões” ou teria havido precipitação da mídia? O que ocorreu com a investigação original da Zelotes? A Justiça não deveria ser “erga omnes”, ou seja, para todos e contra todos?

Corrupção no Carf

Quem é autuado por infração fiscal pode fazer seu recurso chegar ao Carf. Seus conselheiros estariam recebendo propinas para reduzir ou eliminar a multa aplicada. Primeiro se “comprava” um grupo de conselheiros para adotar determinado entendimento “jurídico”. Depois se “manobrava” para o recurso cair para esse grupo de “juízes” já mancomunados com os corruptores.

A Polícia Federal, a mídia e o MPF deram ênfase a esse crime organizado, que teria surrupiado dos cofres públicos (do erário) alguma coisa próxima de 20 bilhões de reais[3]. Chegou-se a instaurar uma CPI para apurar os fatos. Não apresentou resultados concretos. Mais: de repente aconteceu um “cavalo de pau” e tudo mudou de rumo. Em minha rede social o questionamento é frequente: o que ocorreu com a investigação original da Zelotes?

Em abril de 2015 a mídia (especialmente Folha de S. Paulo) chegou a publicar uma lista de 74 investigados na Operação[4]. Dentre as empresas citadas estavam corporações de grande porte como Petrobras e TIM, além de empresas gaúchas como RBS, Gerdau, Marcopolo, Mundial-Eberle, Évora, Copesul e Avipal/Granoleo. Da lista ainda constavam Bank Boston, Santander, Bradesco, Banco Safra (que teria pago 28 milhões de propinas, segundo O Globo) etc. Dela ainda fazia parte o Partido Progressista (dizia o Estadão).

Todas essas empresas fariam parte de mais uma bandidagem econômica (dos “barões ladrões”) ou a mídia teria sido irresponsável, divulgando seus nomes como pagadores de propinas?

O cavalo de pau

Algumas empresas que apareciam na fase original da Zelotes (Marcondes & Mautoni, por exemplo) também teriam feito a intermediação para conseguir benefícios ilícitos em medidas provisórias que estimulavam a venda de veículos. Nisso consiste o método da pilhagem “dentro da lei”.

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Teriam havido várias “vendas de MPs”. Algumas empresas, segundo a PF, “além de promover a manipulação de processos e julgamentos dentro do Carf”, “também negociava incentivos fiscais a favor de empresas do setor automobilístico”. Mauro Marcondes e Cristina Mautoni, os donos da Marcondes & Mautoni, foram presos, assim como José Ricardo da Silva e Eduardo Valadão, sócios no escritório J.R Silva Advogados.

Da investigação das bandalheiras no Carf, de repente, tudo se direcionou para a venda de trechos de medidas provisórias para beneficiar algumas montadoras, dentre elas a Caoa, representante da Hyundai, e a MMC Automotores, que fabrica veículos da Mitsubishi no Brasil.

Também é investigado Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos de Lula. E o próprio Lula. A Marcondes & Mautoni teria recebido mais de R$ 32 milhões das duas montadoras no período em que estaria em curso tratativas para a alteração de três medidas provisórias de concessão de benefícios fiscais para montadoras. As MPs foram editadas em 2009, 2011 e 2013. A LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Cláudio, recebeu R$ 2,5 milhões, da Marcondes & Mautoni[5].

Tudo que acaba de ser descrito está sendo investigado, e isso é fundamental para a nação, mas a origem da Operação não pode ficar perdida. Duas forças-tarefas deveriam atuar, para não deixar nenhum vácuo investigativo.

Justiça “erga omnes”?

Num país cleptocrata de grandes mentiras, pelo menos três verdades são incontestáveis: (a) a corrupção não é uma chaga só estatal, ela é também empresarial (não existe corrupto sem corruptor); (b) a corrupção é pluripartidária (e envolve muitas correntes político-ideológicas); (c) a impunidade da corrupção dos poderosos (dos barões ladrões) faz parte da “ordem social” implantada no Brasil há mais de 500 anos. O mensalão e a Lava Jato são pontos fora da curva.

A cultura patrimonialista (confusão do público com o privado), de longa tradição, não pode ser vista unilateralmente (como se fosse um problema puramente estatal). Se de um lado os donos de cargos públicos mesclam negócios do Estado com interesses privados, de outro, também o mundo empresarial dos barões ladrões misturam nos seus negócios interesses particulares com os favorecimentos públicos.

As pilhagens, a corrupção e outras roubalheiras que emanam das entranhas do poder (do Estado) envolvem em quase 100% das situações agentes públicos e privados[6]. Os que governam são agentes públicos, mas os que influenciam suas decisões são agentes privados. Quando se encontram um empresário com influência no Poder Político e um agente público, o mais recomendável é segurar a carteira, porque você pode estar sendo pilhado.

Considerando-se que o grosso da corrupção é público-privada e que ela envolve praticamente todos os partidos, não há dúvida que a parte do Estado que cuida do controle dos demais poderes (polícia, TCU, MPE e MPF, juízes etc.) tem que agir indistintamente frente a todos, não apenas contra aqueles que disputam a primazia de “ser o mais corrupto”.

Se é verdade que o PT, o que discursava em tempos antigos pela lisura no manejo da coisa pública, se “lambuzou” no lodo subterrâneo das traficâncias econômicas e financeiras resultantes de parcerias criminosas público-privadas, chegando a afundar a maior empresa brasileira (Petrobras), não menos certo é que uma parcela do seu know how nesse mundo da criminalidade organizada foi aprendida com a seção mineira do PSDB (Marcos Valério foi o pivô da lavagem do dinheiro desviado dos cofres públicos “vendendo” campanhas fraudulentas regadas com “empréstimos” dos bancos mineiros)[7]. Daí emergiu o mensalão do PT, que levou marqueteiros, banqueiros, políticos e empresários para a cadeia.

O PT é, de fato, um partido interessante. Começou com presos políticos e vai terminar com políticos presos” (Joelmir Beting).

Joelmir Beting acertou, mas sua frase poderia ser ampliada para praticamente todos os partidos da redemocracia, que estão chafurdados no lamaçal da corrupção (porque é coisa do “sistema”, sistema da delinquência econômica cleptocrata – DEC). Sob pena de desmoralização, a investigação (e a Justiça) não pode ser seletiva. Se as investigações e denúncias forem implacáveis com o PT e seus parceiros privados nas pilhagens e roubalheiras diariamente noticiadas (compra de apartamentos, reformas de sítios etc.) e deixarem no esquecimento fatos graves (do PSDB ou de qualquer outro partido) como as fraudes escolares ou o conluio nas licitações do metrô de São Paulo (fraude e cartel que envolveu a Alstom, a Siemens e tantas outras empresas nacionais e internacionais assim como um conselheiro do Tribunal de Contas com contas secretas na Suíça), o cheiro de favorecimento fica no ar e retira a legitimidade da Justiça (que tem que tratar todos igualmente).

Ou seja: a Justiça ou é “erga omnes” (contra todos) ou se transforma em arremedo de Justiça, passando a funcionar como mais um ente político conivente com a cleptocracia brasileira.

[1] Ver ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

[2] Ver http://saopaulotimes.r7.com/sp/a-ditadura-perfeita-a-realidade-mexicana-retratada-na-ficcao/, consultado em 16/02/16.

[3] Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/02/1736889-pf-diz-a-justica-que-investiga-eventual-participacao-de-lula-na-zelotes.shtml, consultado em 04/02/16.

[4] Ver http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/04/lista-mostra-74-investigados-na-zelotes-e-inclui-empresas-e-partido-politico-diz-jornal-4730867.html, consultado em 01/02/16.

[5] Ver http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/02/1736889-pf-diz-a-justica-que-investiga-eventual-participacao-de-lula-na-zelotes.shtml, consultado em 04/02/16.

[6] Ver SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: LeYa, 2015, p. 23 e ss.

[7] Ver http://noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2016/02/e-imperioso-investigar-toda-denuncia.html, consultado em 11/02/16.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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