Notas
[1] Nota bene: David Hume tratou de fundamentar a ética no naturalismo, baseando na existência de uma emoção simpática a capacidade de entender e valorar os problemas alheios. Hume empregava o termo «sympathy» («simpatia»), enquanto autores mais modernos, como Martin L. Hoffman, utilizam «empatia». Alguns autores fazem uma distinção entre estes dois termos, entendendo a «simpatia» centrada em um interesse pelos demais sem sentir necessariamente as mesmas emoções que os demais sentem (quer dizer, simpatizar com alguém somente por sua situação objetiva, sem considerar seu estado subjetivo), enquanto que a «empatia» se centra explicitamente no estabelecimento de uma correspondência entre as emoções de quem as manifesta e as do observador, isto é, imaginando-se a si mesmo «na pele de outra pessoa». Simon Baron-Cohen, por exemplo, amplia a definição de «empatia», sugerindo que requer não somente a capacidade de identificar os sentimentos e os pensamentos da outra pessoa, senão também de responder ante seus pensamentos e sentimentos com uma emoção adequada. Também há autores que concebem a «empatia» como uma capacidade neutra (que pode ser algo negativo) e a «simpatia», relacionada com a ação, como uma capacidade quase sempre positiva (Frans de Waal). Para os fins dos argumentos aqui articulados utilizo os dois termos indistintamente.
[2] Recordemos que o clássico dilema do trem consiste em duas hipóteses. A primeira, proposta inicialmente nesta forma por Phillipa Foot: “Um trem circula sem controle e se aproxima em direção a cinco pessoas que morrerão se o veículo mantém a mesma trajetória. Pablo, que está passeando junto à via do trem, é testemunha da cena anterior e tem a oportunidade de salvar-lhes a vida mediante o simples movimento de pulsar um interruptor que desviará o trem para outra via diferente, donde só matará a uma pessoa em lugar de cinco. Deve acionar o interruptor e desviar o trem com o fim de salvar a cinco pessoas a expensas de uma?” A segunda, o mesmo cenário, mas com a seguinte variante proposta por Judith Jarvis Thomson: “Como antes, o trem ameaça com matar a cinco pessoas. Frank se encontra em uma passarela (ponte) sobre a estrada de ferro e tem a seu lado a uma pessoa corpulenta e de grande estatura. Se empurra ao desconhecido e o joga às vias deterá a marcha do trem. O desconhecido morrerá, evidentemente, mas se salvarão as cinco pessoas. Está bem ou é correto que Frank salve as cinco pessoas matando a este desconhecido? Deveria empurrar-lhe?”. (http://emporiododireito.com.br/filosofia-experimental-o-trem-assassino-e-as-redes-morais-do-cerebro-parte-1-por-atahualpa-fernandez/)
[3] Inclusive a exortação de Jesus, «Amarás ao teu próximo como a ti mesmo» (Mateus 22,39; Marcos 12,31), pressupõe o «amor próprio».
[4] Não é por mera casualidade, por exemplo, que um dos Dez Mandamentos determina: “Não cobiçarás a mulher do teu próximo”... Ao que os hipercríticos acrescentam: “Sempre e quando o «próximo» estiver próximo.”
[5] “¡Allí donde el número triunfa, la moral capitula!”, recorda Pascal Bruckner.
[6] Segundo a descrição de Hannah Arendt, a compaixão vai à pessoa, a piedade vai ao conjunto: “La compasión, por su propia naturaleza, no puede estar inspirada por los sufrimientos de toda una clase. No puede ir más allá de lo que sufre una persona única sin dejar de ser lo que es por definición: un co-sufrimiento”.
[7] Não creio que hoje, mais que em qualquer outra época, tenha ainda algum sentido a tão reptida frase poética «Ojos que no ven, corazón que no siente». Agora que temos direito a tudo (menos a conformar-nos com qualquer coisa), em que nos limitamos a ver a vida e o mundo de forma fugaz, nugativa, apática e em formato digital carregado de «hiperenlaces» e imagens, o certo é que nunca tivemos tanta oportunidade de «ver» e nunca nosso «coração» se sensibilizou tão pouco. Uma paisagem desoladora da trivialidade contemporânea em que aprendemos a desatender caprichosa e deliberadamente o chamado do «outro». Isso que Ortega y Gasset chamava «el espíritu de nuestro tiempo».
[8] E não percamos de vista o mal que há na piedade generalizada ou indiferenciada: ser objeto de compaixão geral não é somente uma forma despiedada de amputação ou de morte social, senão também um ato que, frequentemente, só beneficia ao doador, quase sempre em algum tipo de expressão pública interessada, e ofende a humanidade daqueles que se encontram no lado receptor: sua humanidade resulta maltratada pela comiseração compulsória e/ou descuidada de outras pessoas; quer dizer, como uma questão de imagem e sutil forma de perversão da noção de respeito, a indulgência arbitrária "degrada a quien la recibe y enaltece a quien la dispensa". (George Sand)