Inicio esse despretensioso texto, relembrando Bobbio (2010, p. 146), que afirma que todo aquele que detém o Poder tende a dele abusar.
Esse abuso de poder pode vir mascarado sob o manto do direito quando este é astutamente manobrado com o claro desvirtuamento do texto constitucional, como se verificou na recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que autoriza a prisão já em segunda instância, ou seja, antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória, conforme comando expresso na nossa Carta Magna, no seu artigo 5º, inciso LVII, e consagrado por diversos diplomas internacionais positivados no Direito Brasileiro com a Constituição de 1988.
Uma decisão polêmica e contraditória porque “caminha” na contramão dos esforços de importantes e respeitáveis órgãos, como o CNJ, Defensorias Públicas e diversos seguimentos da sociedade, que sempre se demonstraram preocupados e atentos com a questão da superlotação dos presídios brasileiros.
Após essa decisão do STF, iniciativas como a do CNJ, com a instalação das audiências de custódia, que já se tornam uma realidade em todo o país e que vêm demonstrando que são importantes ferramentas para impedir a sobrecarga do nosso já falido sistema carcerário, com prisões abusivas e desnecessárias, perdem completamente o sentido, na medida em que, a meu sentir, atenta contra o princípio da não culpabilidade, sedimentado na Lei Maior, e consequentemente fere de morte outros princípios abarcados na Soberana Carta.
Ademais, piora o caos já existente nos presídios de todo país, reforçando ainda mais aquele “estado de coisas inconstitucionais” tão combatido no julgamento na ADPF 347/DF, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se discutiu exatamente a problemática do sistema prisional brasileiro e a necessidade premente de garantir institutos que assegurassem a esses infratores da lei o direito ao cumprimento de suas penas de uma forma justa e digna, que não fossem " masmorras medievais", como o que se verificou nas prisões brasileiras, na CPI do Sistema Carcerário.
Teme-se, agora, não sem razão, consequências mais funestas do que aquelas já causadas pelo descaso e abandono em que se encontram todos os presídios superlotados do nosso país e sua ultrajada população.
Certamente essa “estranha” decisão do colendo STF refletir-se-á negativamente na sociedade, como um todo, pois, ao contrário do que muitos pensam, as estatísticas indicam que, quanto mais se prende, mais se aumenta a violência e a criminalidade em todo o país. Oxalá essas estatísticas estejam todas erradas. Afinal, a maioria, não acredita em estatísticas “gratuitas”, sempre preferiu “pagar pra ver”.