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"Horas Decisivas" e as escolhas ideológicas dos produtores de ilusões

Agenda 22/02/2016 às 08:40

Nos EUA, a indústria do cinema se dedica à difusão do heroísmo pasteurizado para salvar a imagem dos industriais norte-americanos que produzem verdadeiras tragédias, afastando a reflexão sobre questões delicadas.

O protagonista do filme "Horas Decisivas" é um homem bom que acabou de marcar o casamento. Apesar disto, ele não recusa uma missão altamente perigosa para salvar marinheiros num barco cujo casco se rompeu ao meio. Nenhum outro posto da guarda costeira pode fazer o serviço, pois todos estão concentrados no resgate de sobreviventes de um outro barco, que também afundou ao quebrar em dois.

Após vencer os perigos do mar revolto, o protagonista chega ao seu destino, realiza uma tarefa exemplar - o resgate de dezenas de sobreviventes - e retorna ao porto onde sua amada o espera. A noiva dele é muito impetuosa e ajuda-o, com atos e pensamentos, a sair do labirinto em que ele poderia afundar após perder a bússola. O amor de ambos derrota a tempestade.

Filme de ação inspirado em fatos reais que narra de forma convencional uma típica jornada do herói. Dito isto, fica bem mais fácil compreender o desenvolvimento da narrativa composta sob influência do livro “O Herói das Mil Faces”, de Josehp Campbell.

“Horas Decisivas” vale o ingresso. A trilha sonora é simplesmente fantástica. As cenas no mar revolto, produzidas por computação gráfica, são interessantes, apesar dos evidentes e costumeiros exageros.

O foco do filme é a jornada do herói norte-americano, mas no fundo a obra esconde uma verdadeira tragédia capitalista: a produção de barcos baratos, inseguros, mal projetados e porcamente construídos pelos estaleiros norte-americanos. A informação mais importante do filme - o rompimento dos cascos de dois navios durante a mesma tempestade - poderia levar à produção de dois ou mais longas metragens. A indústria do cinema norte-americano, contudo, sempre faz suas escolhas de maneira a isentar as corporações de suas responsabilidades.

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A irresponsabilidade empresarial que provocou duas tragédias navais semelhantes e simultâneas não é questionada. Tudo é ofuscado pela jornada do herói bonitão que retorna para os braços de sua namorada amorosa. O fato de dezenas de tripulantes terem morrido nos dois naufrágios é irrelevante. Eles não têm direito a uma história, porque, para contá-la, seria preciso discutir questões dolorosas como as que foram acima apontadas.

Propaganda ideológica e cinema norte-americano já são duas coisas indistinguíveis. Nos EUA os profissionais da imagem em movimento sabem bem o que mostrar. Sabem ainda melhor o que esconder. E assim a História daquele país vai sendo constantemente mutilada para que os empresários não sejam importunados. O “respeitável público” deve apenas consumir heroísmo pasteurizado e nunca questionar as vicissitudes capitalistas que engendram as tragédias que criam os palcos para os heróis do americanismo.

É evidente que filmes como este têm um grande poder de sedução. Eles fortalecem a ideologia capitalista removendo de cena os industriais gananciosos que devoram as vidas dos seus operários e dos empregados que trabalham nos produtos que eles fabricaram.

Suponho que até mesmo os habitantes de Flint, Michigan, ficarão emocionados ao ver "Horas Decisivas". O problema é que quando voltarem para suas casas, barracos e barracas, a água que eles serão obrigados a consumir continuará envenenada. Quantos habitantes de Flint têm consciência de que um veneno ainda mais tóxico está sendo consumido por eles no cinema?

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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