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Crime de apropriação indébita previdenciária

O objetivo deste trabalho centra-se na tentativa de esclarecer o novo tipo penal do art. 168-A, introduzido no CP, através da Lei 9983/2000, bem como demonstrar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais atinentes à sua aplicabilidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento (Sujeitos do Delito - Objetividade Jurídica - Elemento Objetivo do Tipo - Elemento Subjetivo - Distinção entre o Art. 168 e o Art. 168-A). 3. Causas de Extinção da Punibilidade. 4. REFIS - Causa de Suspensão / Extinção da pretensão punitiva do Estado. 5. Perdão Judicial. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia.


1. Introdução

O objetivo deste trabalho centra-se na tentativa de esclarecer o novo tipo penal do art. 168-A, introduzido no CP, através da Lei 9983, de 14/07/2000, que revogou o art. 95, d, da Lei 8212, de 24/07/1991, bem como demonstrar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais atinentes à sua aplicabilidade.

Analisaremos, também, a distinção entre este novo preceito incriminador e aqueloutro já existente no CP/1940, ou seja, o art. 168 que trata da apropriação indébita comum.

Posteriormente, examinaremos questões referentes às causas de extinção e suspensão de punibilidade e perdão judicial, assim como levantaremos questionamentos acerca da constitucionalidade/inconstitucionalidade do delito em testilha, em virtude de tratar-se de prisão por dívida, matéria defesa na Constituição.

Com o fito de atingirmos nosso objetivo, passaremos a expor o tipo penal dissecando o seu conceito, os seus elementos e questionamentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios da forma abaixo descrita.


2. Desenvolvimento

Inicialmente, vale registrar que a Lei 8212, de 14 de julho de 1991, já previa em seu art. 95, d, a conduta de "deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público", que foi criada com o intuito de inibir a prática constante de os empregadores recolherem ou reterem as contribuições sociais e não repassá-las à entidade responsável pelo seu gerenciamento e administração. Referida norma incriminadora, por conter inúmeras falhas e imperfeições, mostrou-se prejudicada em sua aplicabilidade.

Acrescente-se, ainda, que tais imperfeições geraram várias discussões no seio dos tribunais superiores, na medida em que parte da jurisprudência posicionou-se no sentido de que mencionada modalidade de conduta assemelhava-se ao delito da apropriação indébita comum, exigindo-se, para tanto, a existência do elemento volitivo consistente no animus de ter para si os valores não recolhidos (animus rem sibe habendi), o que tornava praticamente impossível provar a existência do referido animus.

Posteriormente, com a nova sistemática perpetrada pela Lei 9983/00, mencionado dispositivo foi revogado. Desfez-se, assim, o impasse anteriormente existente nos tribunais e o citado delito passou a ser reconhecido como tipo autônomo, classificado como crime omissivo puro (ou próprio), revigorado, e passando a viger com a seguinte redação:

''''Art. 168-A - Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional;

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsadas à empresa pela previdência social;"

Da análise dos dispositivos supradescritos, percebe-se uma evolução no sentido de delimitar sua abrangência, uma vez que a norma anterior abarcava a contribuição social como um todo, ou seja, a previdência, a assistência social e a saúde, enquanto a nova lei, em seu caput, restringiu seu campo de atuação à contribuição previdenciária, tornando-se mais eficaz e de maior aplicabilidade.

Outra modificação, facilmente perceptível, diz respeito ao prazo de recolhimento, que antes era vago e impreciso, suscitando dúvidas e criando brechas para interpretações escusas de modo a beneficiar os agentes do delito, uma vez que o antigo texto rezava a expressão: "... deixar de recolher, na época própria..." Tal imprecisão foi suprida quando do caput do novo ordenamento ficou estabelecido que tal prazo será o fixado em lei ou em forma de convenção.

Como se vê, o art. 95 da Lei 8212/91, falecia de boa técnica, o que gerou a sua quase total inaplicabilidade. O crime de apropriação indébita previdenciária veio escoimar suas falhas, repelindo e impedindo que tais condutas continuem sendo praticadas sem a devida sanção legal. Coadunando desse entendimento o TRF da 1ª Região assim posicionou-se: "4. O objetivo do legislador ao promover as alterações, via art. 168-A do Código Penal, foi de aperfeiçoar o tipo legal então existente e não o de deixar de considerar como infração fato que anteriormente era penalmente punido." [1]

Após estas considerações iniciais, passaremos ao estudo, propriamente dito, da apropriação indébita previdenciária:

- Objetividade Jurídica

O referido tipo penal visa proteger o patrimônio público, de forma a garantir junto ao Tesouro Nacional os valores necessários ao pagamento dos segurados pela Previdência Social.

-Sujeitos do Delito

1) Sujeito Ativo

Trata-se de crime omissivo próprio e, por isso, somente pode ser praticado por quem tem o dever legal de repassar contribuições previdenciárias recolhidas/retidas dos contribuintes.

Vale frisar que tais contribuições são recolhidas em instituições bancárias e que estas, em razão de convênios, têm prazo para repassá-las ao INSS, de forma que, também elas, podem figurar no pólo ativo desse delito, tendo em vista que estas instituições podem ser enquadradas não só na posição de empregadoras, mas também incorrer no delito enquanto agente responsável pelo recebimento e repasse do pagamento de ditas contribuições.

Assim sendo, pode ocorrer de determinada instituição bancária encontrar-se com todas as suas obrigações previdenciárias adimplidas, mas enquadrar-se, perfeitamente no tipo em tela pelo não repasse de valores de terceiros.

2)Sujeito Passivo

De fato, o sujeito passivo desse delito é a Previdência Social que deixa de receber os valores retidos/arrecadados e não repassados, seja pela empresa empregadora, seja pela instituição arrecadadora.

- Elemento Objetivo do Tipo

A conduta à qual esse tipo penal pretende repelir tem como núcleo norteador a expressão deixar de repassar /recolher, que caracteriza o mencionado crime como omissivo puro e autônomo.

De acordo com a legislação ora comentada, dispensa-se a existência do animus rem sibe habendi, matéria de ampla discussão jurisprudencial quando da vigência da Lei 8212/91, pois de difícil comprovação. Isto porque, a necessidade de ocorrência da vontade de ter para si vantagem indevida foi afastada desse delito, tendo em vista que o verbo penal, da forma que vem exposto no art. 168-A, visa punir o fato de deixar de repassar ou recolher no prazo estipulado, de sorte que, uma vez praticada essa conduta, consumado já estará o delito.

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Ensina-nos, entretanto, o mestre Damásio E. de Jesus [2] tratar-se de crime de conduta mista, posto que, anterior à conduta omissiva (deixar de repassar), existe uma conduta comissiva estribada na ação de recolher. Para ele, portanto, não há que se falar simplesmente em conduta omissiva, vez que há uma ação inicial e uma omissão final.

A Carta Magna de 88 veda expressamente em seu art. 5.º, LXVII, a prisão por dívida, salvo as duas únicas hipóteses nela previstas, que são: 1 - inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e 2 - a do depositário infiel.

Nesse passo, se não fizermos uma anilese cuidadosa desse preceito constitucional poderiamos verificar que o tipo penal de que cuida o art. 168-A do estatuto repressor seria uma norma eminentemente inconstitucional. Entretanto, não é esse o entendimento que vem sendo adotado, tendo em vista que tal dispositivo visa a rechaçar justamente a conduta de DEIXAR DE REPASSAR à previdência contribuições recolhidas dos contribuintes, bem como de DEIXAR DE RECOLHER contribuições ou outras importâncias descontadas de pagamento efetuado a segurados, a terceiro ou arrecadado do público; ou que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou a prestação de serviços. E, por fim, objetiva repelir a conduta de deixar de pagar benefício a segurado, quando a respectiva cota ou valor já tiver sido reembolsado à empresa pela previdência.

Assim, nota-se que o que se tenta inibir é exatamente o fato de o sujeito ativo reter quantias recolhidas e que deveriam ser repassadas ao INSS. Posta dessa forma, de fato, afastada estará qualquer alegação de inconstitucionalidade do delito em tela.

- Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo do tipo é o dolo; é a vontade livre e consciente do agente de deixar de repassar as contribuições descontadas e/ou recolhidas pelos contribuintes não sendo necessária a existência de qualquer outro elemento subjetivo ulterior ao dolo, tal qual o animus rem sibe habendi requerido na prática da apropriação indébita comum (art. 168, CP).

A natureza do crime em testilha não se insere em nenhuma das hipóteses de prisão por dívida, mas tão-somente na quebra de confiança depositada no empregador, configurada no deixar de repassar valores retidos /recolhidos dos contribuintes, que constitui, inequivocadamente, conduta omissiva. Ressalte-se que referido delito se consuma no momento em que se finda o prazo convencional ou legal para o repasse ou recolhimento das contribuições devidas ou do pagamento dos benefícios devidos a segurados, quando mencionadas quantias já tiverem sido reembolsadas às empresas pela Previdência.

- Distinção entre o art. 168 e o art. 168-A

Quando nos referimos ao delito da apropriação indébita comum (art. 168, CP), encontramos em seu próprio núcleo do tipo a expressão apropriar-se, que quer dizer tomar para si, fazer sua a coisa, o que implica, além do dolo, a ulterior manifestação do animus rem sibe habendi. A inexistência de tal animus, como dito, anteriormente, era insistentemente invocado por sujeitos ativos do delito da apropriação de valores devidos à Previdência, com a finalidade de afastar a tipicidade da conduta.

A Lei 9983/00 criou a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP) como tipo autônomo e veio para afastar, de uma vez por todas, a controvérsia que imperava na jurisprudência com relação ao animus, vez que, para a configuração do delito, de acordo com o núcleo do referido tipo que se traduz na expressão deixar de repassar/recolher, é incabível a alegação da ausência do animus para a infringência do mesmo.

Verificamos, então, que a diferença entre os dois tipos penais resume-se na existência (art. 168) ou não (art. 168-A) do animus rem sibe habendi e a denominação apropriação indébita previdenciária, decorre única e exclusivamente de erro do legislador, quando da rotulação do tipo penal em estudo.


3. Causas de Extinção da Punibilidade

Com efeito, quando partimos para o estudo da extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita previdenciária, elencada no § 2.º, observa-se que referido dispositivo enumera uma série de requisitos que deverão ser devidamente cumpridos, para que tal benefício seja concedido. São eles:

a) ESPONTANEIDADE,

b) DECLARAÇÃO E CONFISSÃO DA QUANTIA DEVIDA A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA, IMPORTÂNCIAS OU VALORES (CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS DE MORA),

c)PRESTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES DEVIDAS À PREVIDÊNCIA, NA FORMA LEGAL OU REGULAMENTAR,

d)ANTES DO INÍCIO DA AÇÃO FISCAL, e

e)ACOMPANHADA DO PAGAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES, IMPORTÂNCIAS OU VALORES.

Tendo em vista os pressupostos acima descritos, observa-se que o simples pagamento do débito tributário na forma exigida pelo INSS é suficiente para que os efeitos punitivos, senão a própria tipicidade de delito já consumado, sejam afastados, desde que tal adimplemento ocorra antes de iniciada a ação fiscal.

Diante do quanto dispõe mencionado parágrafo, percebe-se que a única intenção do legislador, ao criar a figura típica da apropriação indébita previdenciária, anteriormente incriminada pelo art. 95, ''''d'''', da Lei 8212/91, foi, na verdade, de tentar forçar o contribuinte ao recolhimento de ditas contribuições, ou seja, a de captar recursos.

O primeiro dos requisitos exigidos é a espontaneidade, que, em muitos casos, não se pode chamar de pagamento espontâneo, vez que o Direito Penal apresenta-se como ultima ratio, sendo mister sua aplicação apenas quando falharem todos os outros mecanismos, ou seja, todas as outras formas de repressão existentes nos demais ramos do direito.

A despeito disso, vale salientar que o próprio INSS utiliza-se de vários meios de repressão para tentar obrigar o contribuinte a cumprir com suas obrigações tributárias para com essa autarquia, a exemplo da inscrição do nome da empresa no CADIN e do não fornecimento de Certidão Negativa de Débito - CND, o que gera sérios problemas para as empresas, em virtude da necessidade constante da realização de operações bancárias (como financiamentos, por exemplo), bem como da freqüente participação em Licitações Públicas - cujo requisito é a apresentação de CND.

Destarte, a expressão espontânea é imprópria porque o INSS possui mecanismos verdadeiramente eficazes para coibir a prática de tais condutas delitivas, posto que óbices como a inscrição no CADIN e a não expedição de CND dificultam o bom desempenho de qualquer empresa.

No atinente à declaração e confissão constante da letra ''''b'''' dos requisitos não há muitas considerações a serem feitas

Outro pressuposto é o de que a extinção só poderá ocorrer se o pagamento for efetivado antes de ajuizada a ação fiscal. Por ação fiscal entenda-se a judicial e não administrativa, posto que o crédito em favor da previdência apenas se constitui depois de efetivado o lançamento [3], que é da competência da administração pública e se perfaz depois de esgotadas todas as etapas da esfera administrativa. Isto porque referido crédito, quando ainda nesta esfera, encontrar-se-á suspenso, quando houver impugnação ou recurso voluntário pendente de julgamento, consoante art. 151 do CTN.

Tem-se, por fim, o pagamento como principal dos requisitos, tendo em vista ser ele causa de extinção do crédito tributário, na forma do que dispõe o art. 156 do CTN. [4]

Urge ressaltar que o art. 15, § 3.º da Lei 9964, de 10 de abril de 2000, trouxe em seu bojo outra modalidade de extinção da pretensão punitiva do Estado. Referido preceito legal reza o seguinte:

(...)

§ 3.º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.

Ao se examinar a norma acima, pode-se verificar que, em se tratando de débitos decorrentes de parcelamentos, o Sujeito Ativo do delito terá a possibilidade de, cumprindo com sua obrigação tributária, ver a pretensão punitiva do Estado extinta. E isso gera um grande contra-senso, uma vez que o núcleo incriminador do crime de apropriação indébita centra-se na expressão DEIXAR DE REPASSAR, bem como de RECOLHER, que caracteriza mencionado tipo como sendo omissivo próprio, de modo que, não efetivado o repasse / recolhimento no prazo legal ou convencional, o tipo penal já se consumou e milhões de indivíduos já tiveram de alguma forma direito seu lesado ou, no mínimo, ameaçado de lesão.

Esclarecemos também que, nos termos desse dispositivo, o pagamento deverá ser realizado antes do recebimento da denúncia, e não antes de iniciada a Execução fiscal, como apregoa o § 2.º do art. 168-A. Dessa forma, verifica-se que esta nova norma apresenta-se mais severa que a anterior, ao diminuir o prazo em que o contribuinte poderá quitar seu débito e, por via de consequência, suprimir a pretensão punitiva do Estado.


4. REFIS - Causa de Suspensão/Extinção da Pretensão Punitiva do Estado (art. 15 da Lei 9964/2000)

O Programa de Recuperação Fiscal foi instituído pela Lei 9964/00, com o objetivo de regularizar os débitos de pessoas jurídicas ou físicas decorrentes de tributos e contribuições sociais devidos à União.

Ademais, vale asseverar que essa sistemática tem como ponto basilar o de suspender a exigibilidade do crédito tributário, concedendo aos contribuintes vários benefícios, cabendo, neste trabalho, abordar apenas o concernente à suspensão/extinção da pretensão punitiva do Estado.

O art. 15 da Lei 9964/00, caput dispõe:

Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Numa análise detida acerca da norma acima, nota-se que o legislador, ao tratar do contribuinte integrante do Refis, concedeu a este a prerrogativa de ter a pretensão punitiva do Estado suspensa.

Entretanto, cumpre salientar que referida conduta pode vir a ser considerada como conduta atípica, desde que o contribuinte, utilizando-se da faculdade estampada no preceito supra descrito, parcele seu débito com a previdência antes de recebida a denúncia criminal, visto que o Programa de Recuperação Fiscal foi instituído justamente com a finalidade de facilitar o pagamento de débitos fiscais em atraso.

Nesse passo, uma vez iniciado o recolhimento/repasse da referida contribuição previdenciária, em consonância com o proposto pela Lei em tela, não mais subsistiria a pretensão punitiva do Estado, sendo o ingresso no Refis causa de extinção e não de suspensão, conforme entendimento do STJ, que se tem pronunciado acerca do tema da seguinte forma: "1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei 9249/95, art. 34, porquanto a expressão ‘promover o pagamento’ deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido." [5]

Há de se notar, portanto, uma perfeita concordância entre o art. 15 da Lei 9964/00 e o art. 168-A, § 2º que trata das causas de extinção de punibilidade do delito.


5. Perdão Judicial e a Causa de Diminuição de Pena.

Perdão Judicial - Trata-se de instituto insculpido no CP como causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, IX, infra:

''''Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

......

IX - pelo perdão judicial, nos termos previstos em lei.''''

A rigor, impende afirmar que mencionado benefício poderá ocorrer nos casos em que, de fato, houver condenação, ou seja, nas hipóteses em que, mesmo sendo reconhecidos os elementos objetivos e subjetivos do delito, a lei conferir ao juiz a faculdade de não aplicar a pena, bem bomo dar por extinto o pressuposto da condenação para efeito de reincidência.

O art. 120, do CP, elenca o seguinte: ''''A sentença que conceder o perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência''''.

No atinente à natureza jurídica da sentença que concede ao condenado perdão judicial, os autores vêm travando vastas discussões, ocasionando o surgimento de várias correntes doutrinárias. Abordaremos apenas a predominante, que entende possuir tal decisum natureza condenatória, de forma a subsistirem todos os efeitos secundários, a exemplo da inscrição do réu no rol de culpados, pagamento das custas etc.. Esse entendimento funda-se no fato de a lei supra não ter dito taxativamente quais efeitos seriam realmente escoimados.

Ante o impasse ora comentado, o STF inclinou-se no sentido de que a sentença que concede o perdão judicial é causa de extinção unicamente dos efeitos da punibilidade, isto é, da pena, ficando resguardadas todas as outras sanções, previstas nos demais ramos do direito.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que não subsistirá nenhum efeito secundário da sentença penal concessiva de perdão judicial. Tal posicionamento encontra-se consolidado pela Súmula n.º 18 do STJ, in verbis:

''''A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório''''.

Diante do exposto, e à vista do quanto dispõe o § 3.º, I e II, do art. 168-A da lei repressiva, conclui-se tratar, mencionado preceito, de mais um caso em que é autorizado ao juiz extinguir os efeitos condenatórios da sentença, no referente à punibilidade, desde que atendidos os requisitos elencados na lei abaixo descrita:

Art. 168 -A. (...)

§ 3.º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I -tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios.

O § 3.º traz em seu texto dois requisitos essenciais, sem os quais referida faculdade não será concedida. O primeiro deles é ser o agente primário e o segundo possuir bons antecedentes criminais. Além destes, também são exigidos, nos termos do inciso I, que seja promovido o pagamento [6], devendo este ser efetivado após iniciada a ação fiscal e antes do recebimento da denúncia.

Ora, nesta última parte, é preciso ressaltar que o agente somente se enquadrará na hipótese de perdão judicial, se a quitação se operar depois de iniciada a ação fiscal e antes de recebida a denúncia, isto porque se o mencionado adimplemento for realizado antes de iniciada a ação fiscal, o sujeito ativo incorrerá na causa de extinção da punibilidade, de sorte que a conduta nem típica será.

O inciso II prevê a segunda hipótese, em que ao juiz será facultado aplicar tão-somente pena de multa, mas, para isso, é mister que o crédito tributário seja inferior ao mínimo permitido para ajuizamento de Execução Fiscal.


6. Considerações Finais

Ante o exposto, esperamos ter alcançado o objetivo inicial de tentar de forma clara e sintética dissecar, teleologicamente, o art. 168-A do CP que trata da apropriação indébita previdenciária, tanto no que diz respeito ao delito em si mesmo, quanto à intenção do legislador em não apenas punir àquele que descumpre referida norma, mas de dotar o Estado repressor de forma mais eficaz de arrecadar os valores devidos à Previdência, por quem tem o dever de repassá-los. O tipo penal em estudo pareceu-nos, realmente, de maior eficácia e melhor aplicabilidade do que aquele a que se propôs a substituir, qual seja o art. 95, d, da Lei 8212/91.


Bibliografia

1. BITTENCOURT, Luiz Henrique Pinheiro. "A Abolitio Criminis do Art. 95 da Lei

8212/91 pela Lei 9983/00. in Jus Navigandi. jus.com.br/revista/doutrina.

2. CASTRO, Wellington Cláudio Pinho de. "Lei 9983/00: Crime de Apropriação Indébita

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3. CUNHA, Rubem Martinez. "Efeitos Penais e Extrapenais do REFIS (Lei 9964/00)." in Jus

Navigandi. jus.com.br/revista/doutirna.

4. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – 2º Vol. – Parte Especial. 24 ed. São Paulo: Saraiva,

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5. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 9ª ed. São Paulo: Malheiros.

6. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

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8. SALOMÃO, Heloisa Estellita. "Novos Crimes Previdenciários" – Lei 9983, de 14 de julho

de 2000: Primeiras Impressões. in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 64, RDDT,

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9. SOUZA, Nelson Bernardes de. "Crimes Contra a Ordem Tributária e Processo

Administrativo. in Jus Navigandi. www1. jus.com. br/doutrina

10. SITE: www.trf1.gov. br

11. SITE: www.stj.gov.br


Notas

01. RCCR 2001.38.00.026514-9/MG

02. Direito Penal – 2º volume – Parte Especial – p. 426

03. Dr. Hugo de Brito Machado em sua obra Curso de Direito Tributário, editora Malheiros, 9.ª Edição, p. 121 definiu lançamento da seguinte forma: ''''é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.'''' Ademais disso, cumpre ressaltar que o lançamento possui natureza jurídica constitutiva, de forma que somente após constituído o crédito tributário é que o mesmo ganhará exigibilidade, a fim de que possa ser devidamente cobrado.

04. No que se refere ao lançamento por homologação ou auto lançamento – em que o próprio contribuinte declara seus rendimentos,e com base nesta declaração faz o recolhimento de alguns tributos – vale frisar que o crédito tributário somente se extingue com a homologação. Consoante afirma Paulo de Barros Carvalho, o lançamento é a certidão de nascimento do crédito tributário enquanto a homologação é a certidão de óbito.

05. "Habeas Corpus" nº 9.099 – Pernambuco (1999/0055215-6)

06. Por pagamento deve ser entendido o início do pagamento, tendo em vista a possibilidade dos créditos tributários serem parcelados.

Sobre os autores
Geraldo Edson Amaral

Acadêmico de Direito da UCSAL.

Franco Alves Sabino

consultor tributário do escritório Tenório & Dornelas Advogados Associados S/C

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Geraldo Edson; SABINO, Franco Alves. Crime de apropriação indébita previdenciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 167, 20 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4686. Acesso em: 22 dez. 2024.

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