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Anotações sobre o procedimento e a instrução criminal à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos)

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Agenda 21/12/2003 às 00:00

01 – INTRODUÇÃO

Desde da entrada em vigor da nova Lei Antitóxico, Lei 10.409/02, mesmo com inúmeros vetos do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, grande polêmica envolve a questão da aplicabilidade ou não das disposições acerca do procedimento e da instrução criminal determinados pela nova lei.

O artigo 59 do Projeto de Lei, que determinava que fosse revogada a Lei 6.368/76, foi mais um dos dispositivos vetados pelo Presidente da República. Por esse motivo, assim como pela opção do Chefe do Executivo Federal de vetar parcialmente dispositivos da nova lei, necessário se faz verificar se há revogação ou coexistência dos dispositivos das duas leis antitóxicos.

Em relação aos crimes e às penas, não resta dúvida de que aplicáveis são as disposições da Lei 6.368/76, já que também foram vetados os dispositivos da nova lei acerca do tema (Capítulo III, que definia os crimes e as penas).

Ao que se refere ao procedimento, portanto, controvérsia existe sobre qual deve ser aplicado, o da Lei 6.368/76 ou o da Lei 10.409/02? Dúvida não há de que o rito da nova lei é mais amplo e, com isso, mais benéfico ao acusado. Entretanto, o art. 27 da Lei 10.409/02, teoricamente impossibilita a aplicação do novo procedimento, visto que dispõe: "O procedimento relativo aos processos por crimes definidos nesta Lei rege-se pelo disposto neste capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal". Ora, o problema reside no fato de que a nova lei não define crime algum, daí não há como se aplicar o novo procedimento a eles relativos.

Mas essa não é a melhor maneira de interpretar a disposição. Neste caso, deve-se analisar a real intenção do legislador. Não se deve realizar uma interpretação literal, mas sim sistemática da nova lei. Ora, se houve revogação de determinados dispositivos com a preservação de outros, nítido é que o legislador quis que os preservados fossem perfeitamente aplicáveis.

Partindo dessa idéia, passa-se para a análise das principais novidades acerca do procedimento e instrução criminal introduzidas pela Lei 10.409/02.


02 – DOS PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS

2.1 – Dos Novos Procedimentos Investigatórios

A Lei 10.409/02 introduziu novos métodos de investigação dos crimes de tóxicos, mediante prévia autorização judicial, não afastando, portanto, os procedimentos investigatórios previstos na Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95).

O artigo 33, inciso I, autoriza a infiltração de policiais em grupos, organizações ou bandos, com o fim de investigar as operações ilícitas desenvolvidas por estes. Também, o inciso II, do artigo 33, autoriza a não-atuação policial com a finalidade de identificar e responsabilizar o maior número possível de integrantes da operação de tráfico e distribuição.

Quanto à infiltração de policiais, não é praticamente uma novidade, já que tal procedimento era previsto na Lei do Crime Organizado desde 2001, sendo acrescentado pela Lei 10.217/01. Quanto à não-atuação policial, que também já estava prevista na Lei do Crime Organizado desde 1995, a nova Lei Antitóxico conferiu ao agente policial a discricionariedade de não efetuar um flagrante a fim de aguardar o momento mais propício para a melhor formação de prova, conforme a conveniência e oportunidade do ato.

O art. 34, da Lei 10.409/02 assegura que para a investigação de crimes de tóxicos, tanto o Ministério Público, como a autoridade policial, poderão, munidos de indícios suficientes da prática criminosa, requerer à autoridade judicial: a) o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, patrimoniais e financeiras; b) a vigilância de contas bancárias; c) o acesso a sistemas informatizados das instituições financeiras; e d) a interceptação telefônica.

Registre-se que a nova Lei Antitóxico deu ao Ministério Público plena capacidade de realizar as atribuições investigatórias antecedentes à relação processual, tendo este o dever-poder de proceder as investigações preliminares. Nada mais justo, já que como autor da ação penal, é o maior interessado de que se proceda uma investigação de qualidade, sendo que é através dela que obterá subsídios para intentar a correspondente ação penal.

2.2 – Do Prazo Para Conclusão do Inquérito Policial

A nova Lei Antitóxico dilatou o prazo para conclusão do inquérito policial, estando o indiciado preso, passando de 05 (cinco) dias, conforme lei 6.368/76, para 15 (quinze) dias, conforme artigo 29 da Lei 10.409/02. Quanto ao indiciado solto, o prazo estabelecido pela nova lei é o mesmo da anterior, qual seja, 30 (trinta) dias.

Outra novidade trazida pela Lei 10.409/02 é que a prorrogação da conclusão do inquérito policial somente será possível mediante autorização judicial, através de pedido justificado da autoridade policial (artigo 29, parágrafo único), diferentemente do que ocorria nos moldes da Lei 6.368/76, onde a duplicação dos prazos referentes aos crimes de tráfico se dava automaticamente.

Ademais, o artigo 31 da nova lei determina que, findos os prazos previstos no artigo 29, os autos do inquérito policial serão enviados ao juízo competente, sem prejuízo à realização de diligências complementares, que seguirão em apartado e depois serão juntadas aos autos até o dia anterior ao marcado para a realização da audiência de instrução e julgamento. Como bem observa Renato Flávio Marcão [1], apesar de a lei silenciar a esse respeito, na prática haverá de o juiz, ao marcar a audiência de instrução e julgamento, além de ordenar a intimação do acusado e do Ministério Público, designar que se oficie a autoridade policial da data da audiência para que esta providencie os laudos pendentes até a data anterior à designada para a audiência de instrução e julgamento.

04 – Da Colaboração Processual [2]

É uma inovação na persecução penal contra crimes de tóxicos a chamada "colaboração processual", decorrente de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, ensejando a prisão de um ou mais de seus membros; tornar possível a apreensão da droga ilícita ou que, de qualquer maneira, contribuir para os interesses da Justiça. Nota-se que os requisitos exigidos são a espontaneidade e a relevância da revelação.

O § 2º, do artigo 32 permite que o Ministério Público, fundamentadamente, deixe de propor a ação penal, com o pedido de arquivamento do inquérito policial [3], ou requeira, expressamente na denúncia, a diminuição da pena ao agente que proceder a revelação eficaz. Note-se, portanto, que o acordo deve ser homologado pelo juiz, à luz dos requisitos legais (eficácia e espontaneidade da revelação). Neste caso vigora, para o Ministério Público, o princípio da oportunidade controlada.

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Também, se a revelação do indiciado for ofertada após o oferecimento da denúncia, o § 3º, do artigo 32 outorga-lhe o benefício da revelação eficaz tardia, onde, por proposta do Ministério Público, o juiz, ao prolatar a sentença, poderá deixar de aplicar a pena (perdão judicial) ou reduzi-la de 1/6 a 1/3, justificando a sua decisão.


03 – DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

3.1 – Recebimento do Inquérito Policial e as Opções do Ministério Público

A partir do recebimento do inquérito policial em juízo, inicia-se a fase de instrução criminal, disciplinada pelo Capítulo V, da Lei 10.409/02.

O artigo 37 determina que recebidos os autos do inquérito em juízo, será dado vista ao Ministério Público, que, no prazo de dez dias, adotará uma das seguintes providências:

a)Requerer o arquivamento do inquérito (artigo 37, inciso I), mediante fundamentação, onde os autos serão conclusos ao juiz que, discordando das razões do parquet, fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, que, por sua vez, oferecerá a denúncia, determinará que outro membro do Ministério Público o faça ou ratificará a proposta de arquivamento, que, neste caso, não poderá ser recusada pela autoridade judiciária;

b)Requerer [4] as diligências que entender necessárias (artigo 37, inciso II), visando a realização de provas para melhor formar sua convicção quanto aos elementos determinantes do oferecimento da denúncia;

c)Oferecer denúncia (artigo 37, inciso III), arrolando até cinco testemunhas e requerendo outras provas que entender necessárias. Observe-se que este dispositivo regula situação em que, concomitantemente ao oferecimento da denúncia, outras provas serão requeridas, para apreciação no curso da instrução criminal, diferentemente do que ocorre no inciso II, onde as novas provas são requeridas a fim de melhor elucidar os fatos para tomada de decisão do membro do Ministério Público (requer o arquivamento ou oferecer denúncia);

d)Deixar de propor ação penal contra agentes ou partícipes de delitos (artigo 37, inciso IV). Essa disposição é conseqüência do instituto da revelação eficaz do artigo 32, § 2º, onde o Ministério Público poderá deixar, justificadamente, de propor a ação penal contra o indiciado que voluntariamente revele a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de integrantes desta ou de droga ilícita, ou que, de qualquer forma, contribua para os interesses da justiça.

Por fim, quanto ao oferecimento da denúncia (artigo 37, caput), cumpre registrar que a nova Lei Antitóxico dilatou o prazo para tal, que antes, pela Lei 6.368/76, era de 03 (três) dias, passou para 10 (dez) dias, sem possibilidade de prorrogação ou duplicação, já que a Lei 10.409/02 nada prevê sobre alteração deste prazo. Ademais, estando o indiciado solto ou preso, a lei não faz distinção quanto ao prazo para a denúncia, que para ambos os casos, será de 10 (dez) dias.

3.2 – O Procedimento Entre o Oferecimento e o Recebimento da Denúncia

3.2.1 – Defesa Preliminar

O artigo 38, caput, determina que, oferecida a denúncia, o juiz, antes de recebê-la, deverá, em 24 (vinte e quatro) horas, determinar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em 10 (dez) dias, contado da data de juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora para interrogatório, que acontecerá dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 05 (cinco) dias, se preso.

Diversamente do que normalmente ocorre no procedimento ordinário (artigos 394/405 e 498/502 do Código de Processo Penal), essa defesa prévia deve abordar inclusive questões preliminares ao exame do mérito da acusação, tais como as exceções previstas no artigo 95 do Código de Processo Penal, que, com se sabe, tem aplicação subsidiária.

Assim, essa defesa preliminar deve esgotar todos os argumentos defensivos, já que, fazendo uso desse instrumento, o acusado pode conseguir que seja até rejeitada a denúncia. Também, nessa defesa, conforme o § 1º, do artigo 38, poderão ser juntados documentos ou justificações, especificar provas que pretende produzir e, será o momento oportuno para a apresentação do rol e o requerimento de oitiva de testemunhas, sob pena de preclusão. Observe-se que nesse momento processual somente serão realizadas diligências voltadas à formação da convicção do juízo no tocante ao recebimento ou rejeição da denúncia.

A defesa preliminar, conforme determinação da Lei 10.409/02, trata-se de ato imprescindível, devendo o juiz suprir a eventual inércia do indiciado, nomeando defensor dativo para ofertá-la em 10 (dez) dias. Observe-se que o texto é taxativo no sentido de que não havendo apresentação de defesa no prazo, o juiz "nomeará" defensor (artigo 38, § 3º).

Portanto, essa determinação choca-se com preceitos processuais e outros constitucionais. Como bem leciona Tourinho Filho [5], a defesa prévia não é obrigatória, "o que o é, sob pena de nulidade, é a concessão do prazo, não o ato processual".Ora, se o acusado não tem interesse de oferecer a defesa preliminar, optando pelo silêncio, que lhe é uma garantia constitucional, não poderia o magistrado nomear-lhe defensor para tal, em desacordo com a sua vontade.

3.2.2 – Interrogatório

Divergência doutrinária há, envolvendo a questão da existência ou não de um interrogatório preliminar do indiciado antes de o juiz decidir sobre receber ou não a denúncia ofertada pelo Ministério Público.

Ocorre que, diferentemente do que antes existia no processo penal brasileiro, a nova Lei Antitóxico, no artigo 38, estabeleceu que o juiz, antes de receber a denúncia, além de mandar citar o acusado para responder à acusação por escrito, designará dia e hora para o interrogatório. E que, além deste interrogatório, o artigo 41 dispõe que na audiência de instrução e julgamento, o acusado será novamente interrogado. Haveria, então, dois interrogatórios no procedimento para apuração de crimes de tóxicos?

No entendimento de Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves [6] é sim possível e conciliável os dois interrogatórios, visto que "a existência de mais de um interrogatório no mesmo processo não é novidade, vez que o artigo 196 do CPP dispõe que o juiz, em qualquer ação penal, poderá proceder novo interrogatório". Ademais, segundo os juristas acima:

O art. 38, caput, diz que, na mesma oportunidade em que ordenar a citação do réu para oferecer a defesa preliminar no prazo de dez dias, o juiz marcará interrogatório, que se realizará em cinco dias, se o réu estiver preso. É óbvio, portanto, que esse interrogatório não é realizado na audiência de instrução, pois deve, segundo a lei, ocorrer antes mesmo do término do prazo da defesa preliminar (que é de dez dias). Aliás, como poderia o juiz designar, nesse despacho, data para interrogatório na audiência de instrução, quando ainda não é possível saber, sequer, se a denúncia será recebida e, em caso positivo, quando isso ocorrerá?

Entretanto, há entendimento diverso, como, por exemplo, o de Renato Flávio Marcão [7] que defende a não aplicabilidade da parte do artigo 38 que determina que o juiz deverá designar data para interrogatório na oportunidade da citação do acusado para responder à acusação, por escrito. Segundo o autor, o interrogatório deverá acontecer somente no momento da audiência de instrução e julgamento (artigo 41).

Ademais, o mesmo autor cita a existência do Projeto de Lei nº 6.180/02, que altera a Lei 10.409/02 (nova Lei de Tóxico). Esse Projeto de Lei, em seu artigo 1º, determina que o artigo 38, da Lei 10.409/02 passe a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital.

Da observância deste projeto de lei, vê-se que a intenção é excluir do procedimento o tão controverso interrogatório do acusado antes do recebimento da denúncia, concluindo o mesmo autor: "como se vê, tudo está a indicar que não é desejo do legislador que se realizem 2 (dois) interrogatórios".

Registre-se que a disposição legal que estabelece a existência de dois interrogatórios na fase de instrução criminal, ainda é muito controversa. De um lado, há de notar-se que a intenção da nova Lei é a ampliação de possibilidade de defesa do acusado, e, sendo assim, há de admitir-se a existência de dois interrogatórios. De outro lado, se aceitável for a existência de dois interrogatórios, haveria aumento demasiado da pauta dos juízes.

Ademais, quanto aos empecilhos acerca da realização de dois interrogatórios, há que se registrar as questões de segurança e as dificuldades encontradas no deslocamento dos presos, especialmente os de grande periculosidade, comuns nos crimes de tóxicos. Para observar tal situação, basta ver as notícias acerca de Fernandinho Beira-mar, onde gastos astronômicos são empregados a cada operação a fim de deslocá-lo de um lado para outro.

3.2.3 – Da Resposta do Ministério Público e da Determinação de Diligências

A nova Lei Antitóxico instituiu ao Ministério Público a possibilidade de contrariar, se for o caso, os argumentos apresentados na defesa preliminar, no prazo de 05 (cinco) dias. Note-se que aqui há a instauração de um verdadeiro contraditório antes da decisão de recebimento ou rejeição da denúncia.

O Ministério Público terá, assim, a oportunidade de manifestar-se acerca das razões contidas na defesa prévia, bem como dos documentos e justificações trazidas aos autos. Não significa, portanto, que o membro do Ministério Público deva refutar todas as questões deduzidas pelo acusado, lhe sendo permitido apenas que dê seu "ciente" nos autos, nada havendo nisto causa de nulidade.

Passada esta fase, no prazo de 05 (cinco) dias, o juiz deverá, em análise às questões propostas pelas partes, decidir sobre receber ou não a denúncia. Ainda, caso entenda imprescindível a realização de diligências a fim de melhor formar sua convicção, o juiz as determinará, com o prazo máximo de 10 (dez) dias (artigo 38, § 5º). Observa-se que as diligências realizadas neste momento processual têm por fim apenas a formação da convicção do Juízo no que se refere ao recebimento ou rejeição da denúncia.

3.2.4 – A Revelia e a Suspensão do Processo

O Parágrafo 6º do artigo 38 da Nova Lei de Tóxico, determina o seguinte: "Aplica-se o disposto na Lei 9.271/96, ao processo em que o acusado, citado pessoalmente ou por edital, ou intimado para qualquer ato processual, deixar de comparecer sem motivos justificado".

Referida Lei 9.271/96, que deu nova redação aos artigos 366 usque 370 do Código de Processo Penal, estabeleceu que: sendo o acusado citado por edital e não comparecer, o processo e o prazo prescricional ficarão suspensos (art. 366 do CPP); sendo o acusado citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato do processo e não comparecer injustificadamente, será decretada a sua revelia (art. 367 do CPP).

Dessa forma, segredo não há quanto à aplicabilidade do § 6º, do artigo 38. A regra é simples: havendo citação editalícia e o acusado não comparecer, será decretada a suspensão do artigo 366 do CPP; havendo citação pessoal e o acusado não comparecer sem motivo justificado, será decretada a revelia do artigo 367 do CPP.

Note-se que a nova Lei Antitóxico quis reforçar a aplicação destas normas processuais, sendo tal disposição desnecessária em face do artigo 27 da mesma lei, que determina a aplicação subsidiária das disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

3.3 – Da Rejeição da Denúncia

Ao que se refere à rejeição da denúncia, o artigo 39 determina:

Art. 39. Observado o disposto no art. 43 do Código de Processo Penal, a denúncia também será rejeitada quando:

I – for manifestamente inepta, ou faltar-lhe pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

II – não houver justa causa para a acusação.

Passa-se à análise das hipóteses de rejeição da denúncia:

a)Inépcia da Inicial – A denúncia será considerada inepta se lhe faltar as exigência do artigo 41, do Código de Processo Penal, quais sejam, a exposição do fato criminoso, incluído as condições de tempo e lugar do ocorrido; a qualificação do acusado ou os elementos para sua identificação; a classificação do crime; o rol das testemunhas, quando necessário;

b)Falta de pressuposto processual – Faltando condições de existência válida ou de desenvolvimento regular do processo, falta-lhe pressuposto processual. Compreendem tanto os pressupostos subjetivos (competência do juiz para causa, capacidade civil das partes etc), como os pressupostos objetivos (observância da forma processual adequada à pretensão, a inexistência de nulidade prevista na legislação processual, a inexistência de coisa julgada etc);

c)Falta de condição para exercício da ação penal – Refere-se à falta das condições gerais da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam) e à falta das condições especiais (condições de procedibilidade, condições de punibilidade, pressupostos processuais);

d)Faltar justa causa – Especificamente ao que se refere aos crimes de tóxicos, vale aqui os ensinamentos de Jorge Vicente Silva [8]:

Podemos citar como exemplo, para os casos de crimes de tóxico, para a inexistência de justa causa para a acusação, em especial pelo que nossos tribunais vêm decidindo: a) falta de exame toxicológico da substância apreendida; b) o fato de a perícia no material atestar que não se trata de produto capaz de gerar dependência física ou psíquica; c) a extrema fragilidade da prova a indicar a autoria do crime; d) o oferecimento de uma segunda denúncia, pelo mesmo fato ao mesmo acusado [...] etc.

Desta forma, não há novidade quanto às hipóteses permissivas de rejeição da denúncia. Todas as causas de rejeição previstas na nova Lei Antitóxico estão, também, previstas no Diploma Processual Penal Brasileiro. Entretanto, cumpre salientar que o rol do artigo 43, do CPP é exemplificativo, e não taxativo. Daí a conclusão de que existem sim outras causas de rejeição, que não as elencadas.

Da decisão que rejeita a denúncia cabe, para o Ministério Público, recurso em sentido estrito, conforme o artigo 581, inciso I, do CPP.

3.4 – Do Recebimento da Denúncia e dos Atos Posteriores

3.4.1 – Do Recebimento da Denúncia

Ao receber a denúncia, o juiz deverá designar dia e hora para que se dê a audiência de instrução e julgamento, mandando intimar, para o ato, o acusado, o Ministério Público e, se for caso, o assistente de acusação.

Apesar da lei não prever, é nesse mesmo despacho que o julgador deve determinar a intimação das testemunhas arroladas na denúncia e na defesa preliminar do artigo 38.

Momento oportuno, também, é para que seja determinada a cientificação da autoridade policial quanto à data da audiência de instrução e julgamento para que este proceda, conforme o parágrafo único do artigo 31, a remessa das conclusões das diligências e os laudos complementares destinados a esclarecer o fato, pois estes deverão ser juntados aos autos até o dia anterior ao designado para a referida audiência.

Cumpre salientar, que não cabe ao juiz desclassificar o crime neste momento do recebimento da denúncia. Tal decisão equivaleria à rejeição da peça acusatória, o que ensejaria a interposição de recurso em sentido estrito.

3.4.2 – A Audiência de Instrução e Julgamento

Cuida o artigo 41 da Lei 10.409/02 da audiência de instrução e julgamento, assim:

Art. 41. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz, que, em seguida, proferirá a sentença.

Parágrafo único. Se não se sentir habilitado a julgar de imediato a causa, o juiz ordenará que os autos lhe sejam conclusos para, no prazo de 10 (dez) dias, proferir a sentença.

A audiência de instrução e julgamento iniciar-se-á com o interrogatório do acusado. Há quem entenda que este já é o segundo interrogatório (se foi procedido o do artigo 38), e quem entenda que este é o primeiro e único interrogatório (se não se procedeu ao do artigo 38).

No interrogatório, deve-se proceder nos moldes do Código de Processo Penal, com a diferença de que o juiz deve indagar o acusado sobre a dependência toxicológica deste, conforme o artigo 22, § 5º, da Lei 6.368/76, de plena aplicabilidade em face da omissão da Lei 10.409/02. Mesmo sendo a resposta do acusado positiva, o juiz não está obrigado a instaurar o incidente, caso não estejam presentes os elementos indicadores da dependência. Aliás, dessa forma entende o Supremo Tribunal Federal. Veja-se:

"A necessidade do exame pericial de dependência toxicológica não se restringe à declaração de viciado do acusado, mas deve se coadunar com outros elementos convicção durante a instrução probatória" (HC nº 73.308-5, Rel. Min. Marco Aurélio, publicado no DJU de 19.abr.1996, p. 12217)

Entretanto, entendendo o juiz estar diante de um acusado dependente toxicológico, deve determinar a realização do exame, já que este é indispensável para aferir a capacidade mental do acusado, daí decorrendo que:

a)Se comprovado estar o acusado, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, será ele isento de pena.

b)Se comprovado que o acusado não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, poderá ter ele a pena reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).

Dessa forma, verificada a necessidade da realização do exame, o juiz deve determinar a realização da prova, e, após a juntada do laudo nos autos, designar nova data para os debates e sentença.

Cumpre salientar que, conforme o parágrafo único do artigo 41, caso o juiz não se sinta apto para proferir a sentença na audiência de instrução e julgamento, determinará que os autos lhe sejam conclusos, devendo proferir a sentença em 10 (dez) dias.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Simone Moraes. Anotações sobre o procedimento e a instrução criminal à luz da Lei nº 10.409/02 (nova lei antitóxicos). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 168, 21 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4689. Acesso em: 5 nov. 2024.

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