Não chega a ser novidade o que ocorreu com o Capoteiro levado por engano a prestar depoimento perante Sérgio Moro: https://www.youtube.com/watch?v=-_Ahn22nSMg
Incidentes como este são comuns no dia-a-dia da Justiça brasileira. Sou advogado há 25 anos e poderia contar inúmeros casos semelhantes. Citarei aqui apenas três:
1. Certa feita, na Vara do Trabalho de Carapicuíba há uns 20 anos, surgiu uma controvérsia se o reclamante havia ou não assinado um documento. O Juiz mostrou o documento ao operário e perguntou se ele o tinha assinado. O rapaz olhou o documento e disse que não sabia se a assinatura era dele. O juiz ficou irritado e começou a esbravejar com meu cliente. Fui obrigado a fazer um aparte para informá-lo que o rapaz era semi-analfabeto e apenas desenhava o nome.
2. Numa outra oportunidade mais recente, uma Juíza do Trabalho de Osasco começou a colher o depoimento de uma testemunha. O rapaz respondeu a primeira pergunta e começou a gaguejar ao responder a segunda indagação lhe dirigida. Irritada, a juíza disse que ele estava mentindo e que iria interromper o depoimento. Interferi para dizer à juíza que o rapaz era gago que ela estava prejudicando o depoimento ao pressioná-lo. Quanto mais o rapaz ficasse nervoso mais ele teria dificuldade para responder as perguntas. Sua excelência ficou furiosa comigo. Disse que eu não poderia interromper ela durante a inquirição da testemunha. Disse que faria isto sempre que ela colocasse em risco a prova do meu cliente. Ela se acalmou e começou a ser gentil e paciente com o gago e o depoimento pode ser colhido.
3. Um dos primeiros divórcios que fiz no Fórum de Osasco, há 25 anos, foi de um casal miserável. Defendia a esposa gratuitamente, o réu compareceu a audiência sem advogado dizendo que concordaria com a dissolução do casamento. As condições do divórcio foram acertadas (guarda dos filhos, alimentos para os mesmos e divisão dos móveis do casal). O juiz perguntou se estava tudo certo e o rapaz disse que a casa não havia sido dividida. O juiz ficou irritado e começou a me repreender por pedir gratuidade num caso em que havia um imóvel a ser partilhado. Disse calmamente ao mesmo que a "casa" era um barraco numa área pública e que as partes não poderiam dividir nem a posse (pois a mesma era ilegítima), nem as paredes de tabuas e o telhado precário. Se isto fosse feito o barraco perderia sua utilidade.
Estes conflitos - e o que ocorreu no caso da video-conferência - são extremamente comuns. Todas estas comédias judiciárias de erros tem a mesma origem: a distância entre o judiciário brasileiro e a população jurisdicionada. Ao lidar com os cidadãos pobres (com a maioria da população) os juízes brasileiros presumem que o mundo deles é semelhante ao dos demais brasileiros. O Capoteiro convocado por equívoco provavelmente saiu da sala de audiência irritado, pois perdeu um dia de trabalho. O procurador e o juiz sabem o que faz um Capoteiro?