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A problemática do direito aplicável aos contratos no âmbito do Mercosul

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Agenda 12/03/2016 às 15:20

Partindo de estudos consagrados, o que pretende este artigo é apenas ratificar a problemática de se encontrar a legislação aplicável para resolver eventuais conflitos contratuais no âmbito do Mercosul.

                    Partindo de estudos consagrados, o que pretende este artigo é apenas ratificar a problemática de se encontrar a legislação aplicável para resolver eventuais conflitos contratuais no âmbito do Mercosul.

                   Os contratos internacionais são a essência do comércio internacional. Trata-se de elemento essencial para a pacificação mundial, dedicando as Nações Unidas especial atenção, através da UNCITRAL. Sob todos os aspectos, o comércio internacional vêm se desenvolvendo de maneira avassaladora no mundo globalizado em que estamos vivendo atualmente.

                    A ideia de livre comércio, na esteira da globalização, isto é, uma liberalização da circulação de bens, com a eliminação de todas as barreiras que venham a obstruir a livre circulação das mercadorias, condenando, assim, qualquer forma de intervenção estatal, faz surgir a célebre frase francesa "laissez faire, laissez passer, le monde va de lui même" .

                  Neste contexto, as empresas transnacionais passaram a ter importância maior que os Estados,  que estas possuem mais autonomia nas suas relações comerciais. 

                   Embora as empresas possuam este papel preponderante nas relações comerciais, para fortalecimento deste sistema, os Estados Nacionais estão criando zonas protegidas, através de blocos, pois assim  vislumbram a possibilidade de um crescimento mais sustentável.

                   Na América Latina, após várias formações diferentes, com distintos propósitos, surgiram a integração regional nos moldes da Comunidade Européia. Foram criadas a ALALC, a ALADI, a Comunidade Andina de Nações e, mais por ultimo, o MERCOSUL.

                    Estas tentativas integracionistas, embora ainda encontrem resistências, somente se tornaram possíveis devido a troca de mentalidade de nossos lideres políticos que, antigamente, tinham intenções de permanecerem isolados do resto do mundo e, principalmente, do resto da região. Outro fator que também contribuiu para a integração do povo latino-americano foi a redemocratização de nosso continente, proporcionando, assim, um ambiente mais conforme para a integração em todas as suas áreas pertinentes, inclusive a jurídica.

                   Nos blocos regionais, um dos objetivos propostos, é o de criar uma zona integrada, onde tenhamos, entre outras coisas, uma livre circulação de bens e serviços.

                    Desta forma, os processos de integração se baseiam, preferencialmente, no âmbito do comércio entre os Estados partes.

                    A origem da palavra comércio, como se define no dicionário, é uma relação da sociedade, uma troca, uma compra e venda de produtos ou valores, um mercado ou um negócio[1]  e forma parte de nossas vidas desde os primórdios da sociedade como tal.

                      O gênero étnico-jurídico dos povos da antigüidade clássica, sobre tudo os romanos, criou o tipo, valioso por todo o tempo, do homem de negócio honesto, (Bonus vir), tão distante do egoísmo brutal, como da terrena renúncia a qualquer objetivo pessoal.[2]

                     De acordo com o avanço da civilização, ocorre a evolução da ciência econômica e se estende o comércio. Por fim, todos os instrumentos de intercambio de serviços ou de mercadorias, ou seja, os contratos, devem ser harmonizados junto com as condições econômico-sociais, principalmente em um processo de integração cujo objetivo é formar um Mercado Comum entre seus membros.

                     O intercâmbio comercial realizado entre os Estados partes do MERCOSUL se realiza através das operações de exportação e importação e estas, por sua vez, são conduzidas através de instrumentos contratuais, os denominados contratos de compra e venda internacional.

                     Estes instrumentos possuem características próprias, não encontradas nos contratos de venda no mercado interno.

                        Cada Estado nacional possui seu próprio ordenamento jurídico, aplicável dentro de suas fronteiras. As relações que são concluídas longe do limite territorial de um Estado, podem gerar um conflito de leis no espaço que serão resolvidas, em sua grande parte, pelo Direito Internacional Privado.

                      Existem, em cada país, normas criadas para reger as soluções a tais situações, as denominadas normas indiretas ou de conflitos.  

                      No entanto, existem, ainda, normas advindas de Convenções ou Tratados internacionais que regulam a matéria no âmbito das relações internacionais com outros Estados nacionais.

                      Assim que, pelo vasto campo de atuação e pela forma prática dos contratos de compra e venda internacional, se tem buscado a harmonização de seu conteúdo com o objetivo primeiro de diminuir a questão dos conflitos de leis no espaço.

                      Antes de tudo, devemos aclarar que um contrato internacional, por ser um contrato, é um acordo de vontades, no qual as partes visam alcançar um objetivo comum; porém, é composto, ademais, por um elemento de estraneidade, tornando dito acordo de vontade em internacional. Estes elementos, contudo, devem ser facilmente comprovados, de forma objetiva, de maneira tal que a simples vontade das partes em torná-lo internacional não seja válida.[3]

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                       O instrumento contratual da compra e venda é sem dúvida o mais antigo e o mais importante por sua função econômica, consiste em trocar bens por preço. Como assinala R. URIA[4] ,  este constitui o protótipo dos atos de comércio, já que nenhum outro expressa com tanto rigor a função peculiar do tráfico mercantil como atividade mediadora direcionada a facilitar a circulação de bens, ou seja, o contrato de compra e venda (sales contract) é considerado como o "mercantile contract par excellence" [10] ou, ainda, o "lifeblood of international commerce" [11].

                       IRINEU STRENGER, por seu turno, conclui que "são contratos internacionais do comércio, todas as manifestações bi ou plurilaterais das partes, objetivando relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicilio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar de execução, ou qualquer circunstância que exprime um liame indicativo de Direito aplicável" .{C}[5]

                       Na verdade, não existe uma definição concisa e uniforme sobre o presente instrumento contratual, muito menos um corpo de normas capaz de regular de forma harmônica e completa a problemática que envolve os contratos de compra e venda internacional no âmbito do MERCOSUL, principalmente na área da Lei Aplicável aos mesmos.

                        A ‘Lei aplicável’ é aquela normativa que irá reger o contrato de compra e venda internacional, ou por ser a escolhida pelas partes ou por ser a determinada pelo ordenamento interno do país de qualquer delas, através de seu Direito Internacional Privado. Pode, ainda, ser a determinada por alguma Convenção, Tratado ou Protocolo que tenha sido ratificado pelos países das partes envolvidas em dito contrato de compra e venda internacional e que regule tal temática.

                       Os contratos de compra e venda internacional, por envolverem partes de diferentes países, sempre vamos nos deparar com o fato de que, num primeiro momento, ambas as legislações têm a possibilidade de serem aplicadas no caso de um possível litígio originado deste contrato, fazendo surgir, dessa maneira, o ‘Conflito de Leis’ acima mencionado.

                        Este ‘Conflito de Leis’ ocorre quando, em um contrato internacional, duas ou mais legislações podem ser aplicadas ao caso. Isso acontece porque, neste tipo contratual, existem diversos elementos de estraneidade que o vinculam a estes ordenamentos jurídicos distintos, fazendo com que todos possam ser utilizados para auxiliar na solução da controvérsia em questão.

                        Pelos fatores demonstrados, o contrato internacional traz consigo elementos de estraneidade que podem levá-lo de maneira efetiva a dois ou mais sistemas jurídicos. Um único contrato internacional pode conter vários elementos de estraneidade. Com isso, cada legislador nacional pode adotar distintos critérios frente a uma mesma problemática]. Não existe um critério técnico ou jurídico, mas sim, critérios de conveniência e de oportunidade que fazem parte do mundo do legislador, os quais, na atualidade, podem ser convenientes, ao passo que posteriormente podem assim não o serem.

                        Estes elementos de estraneidade são capazes de ser, igualmente, os pontos de conexão,  ou seja, as "expressões legais de conteúdo variável, de efeito indicativo, capazes de permitir a determinação do direito que deve tutelar a relação jurídica em questão" . Em outras palavras, estes pontos de conexão têm, em Direito Internacional Privado, uma função indicativa, uma vez que irão demonstrar qual será o direito aplicável a uma determinada situação conflitante.[6]

                         Desta forma, devemos escolher entre os distintos elementos de estraneidade que vinculam o contrato internacional a mais de um ordenamento jurídico, aquele mais relevante, para que possa adquirir a categoria de ponto de conexão, e então, determinar, em função dele, qual será a normativa aplicável a dito contrato internacional. O problema passa em saber qual é o elemento de estraneidade mais relevante, pois os legisladores nacionais dão valorações distintas a estes elementos de conexão, ou seja, o que para um país é um ponto de conexão importante, para outro não o é.

                       Num caso real, em um contrato celebrado entre uma empresa brasileira e uma argentina, temos, em um primeiro instante, que ambas as legislações podem ser aplicadas ao caso, gerando o conflito de leis. A legislação brasileira interna – art. 9º, da LICC  - dispõe que o contrato deva ser regulado pela lei do lugar de sua constituição, enquanto que a normativa interna argentina contém várias combinações, podendo ser a lei do lugar de sua celebração – art. 1205 do CC argentino  -, lugar de seu cumprimento – art. 1209  - ou, ainda, a lei do domicilio do devedor – art. 1212 , dependendo dos supostos encontrados no contrato.

                        Agora, neste contrato que foi celebrado no Brasil por uma empresa que tem a obrigação de enviar mercadorias a outra empresa com sede na Argentina, cada normativa poderá reclamar para si a regulação de dito acordo, gerando o conflito de leis. A brasileira, já que o contrato foi celebrado em seu território - § 2º, do art. 9º da LICC - e a argentina porque a obrigação principal deve ser cumprida em seu território: entregar as mercadorias no domicilio do comprador, empresa argentina – art. 1209 do Código Civil argentino.

                        Em realidade, cabe competência do Direito Internacional Privado fornecer por si só a norma material aplicável ao caso concreto, mas este deve designar o ordenamento jurídico ao qual a norma aplicável deverá ser requerida, sistema esse conhecido como multilateral. Contudo, esse método clássico de solucionar os conflitos de leis mediante a remissão a um ordenamento jurídico interno está ultrapassado. Existem outros, no direito comparado, que regulam a problemática de uma melhor maneira e com resultados mais eficazes.

                          Uma dessas tentativas surgiu com a idéia de determinar que o elemento de estraneidade mais relevante era aquele que possui o vínculo mais estreito com o contrato[7].

                            Existem, entretanto, opiniões divergentes, como a do ilustre autor WERNER GOLDSCHMIDT, o qual afirma que a obrigação característica é aquela prestação principal cujo cumprimento se demanda, variando a mesma segundo qual seja a parte credora - por exemplo, para o vendedor a obrigação típica é o pagamento do preço[8]. Na verdade, em um contrato de compra e venda internacional a prestação característica deve ser a entrega das mercadorias e não o pagamento do preço.

                         Esta premissa, da prestação mais característica, é o ponto de conexão mais utilizado nas Convenções internacionais que tratam do tema, quando as partes não tenham escolhido livremente a lei aplicável ao contrato por eles firmado; apesar de nem todas terem o mesmo entendimento, variando de uma Convenção a outra, os critérios indicadores que ajudam a localizar o lugar ou o país da prestação mais característica.

                           A questão problemática pode ser amenizada quando os contratantes, recorrendo ao principio denominado autonomia da vontade, decidiram, no momento de redigir o contrato, qual iria ser a lei aplicável a tal contrato [9].

                           No entanto, devemos verificar, antes de tudo, se os países dos contratantes aceitam a aplicação desse principio da autonomia da vontade, pois, como temos conhecimento, o Brasil não o aceita. Depois de grandes controvérsias a respeito da possibilidade ou não, ante a normativa brasileira, das partes pactuarem a lei que irá reger seu contrato internacional, atualmente, existe quase um consenso, de grande parte da doutrina nacional, que tal pacto de lege utenda não é permitido pela ‘nova’ normativa brasileira.[10]

                           Modernamente existem autores que entendem que dito principio deva ser aceito por nosso país[11].

                       Conforme ensinamento da ilustre Professora Sara Cardenas, a normativa argentina nada contém acerca da liberdade das partes em eleger a lei a ser aplicada à sua contratação internacional[12]].

CONCLUSÃO

                           Pelos ensinamentos de juristas consagrados, mencionados neste texto, quando as partes não pactuam lei a ser aplicada a seu contrato de compra e venda internacional, temos que buscar a solução, num segundo momento, junto a alguma Convenção ou Tratado que vincule os países dessas partes e que traga, em seu corpo normativo, a solução para essa busca.

                           Analisando o problema sob nossa ótica regional, deparamos com o fato de que nesse espaço integrado do MERCOSUL, não existe uma norma única que trata da matéria da determinação da lei aplicável à contratação mercantil internacional, ou seja, não possuímos um instrumento, seja qual for sua natureza, que possibilite aos operadores do comércio regional conhecer a normativa que será aplicada a seu contrato comercial realizado com operadores de outro Estado parte, trazendo, dessa maneira, uma insegurança jurídica muito grande, com resultados negativos para o próprio avanço do bloco econômico.

                           Os textos legais que tratam este tema da contratação mercantil internacional vigentes neste âmbito regional são, ademais das legislações internas de cada país, o Tratado de Montevidéu de 1889 e de 1940, vigente entre Argentina, Paraguai e Uruguai; a Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias - Convenção de Viena de 1980 – vigente em Argentina e Uruguai; a Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1986, vigente somente na Argentina; e, por fim, a Convenção de México, ou melhor a CIDIP – V  sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, em estudo para sua aprovação no Brasil.

                              Não existindo um instrumento internacional capaz de ser utilizado como meio mais adequado para encontrar a lei aplicável a uma controvérsia originada de um contrato de compra e venda internacional, o responsável por solucionar esta disputa, sendo em nosso estudo o juiz estatal, terá que se valer das normas de conflitos vigentes nas distintas legislações que possam resultar aplicáveis, ou seja, as normativas internas dos países dos contratantes, voltando às incertezas anteriormente comentadas. Sem mencionarmos o fato de que os juízes estatais, por seu vínculo com o Estado nacional que o nomeou, na grande maioria das vezes, resolvem aplicar sua própria legislação ao caso concreto, mesmo não sendo esta a mais indicada.

                                 Considerando todas estas situações, os operadores do comércio internacional ou, neste caso, do comércio regional, devem conhecer todas as possíveis legislações que possam ser aplicadas ao contrato de compra e venda por eles firmado com parceiros de outro Estado Parte do MERCOSUL, uma vez que não existe uma normativa comum entre os mesmos que possibilite, de antemão, conhecer o direito que será aplicado ao seu negócio comercial, principalmente sendo uma das partes uma empresa brasileira.

                                  Desta forma, atualmente, os operadores do comércio regional trocam de lei cada vez que cruzam as fronteiras de seu país, convertendo-se em um grande incômodo, custoso e perigoso que deve acabar, principalmente porque tais limites territoriais não são mais fronteiras reais nos processos de integração.

                                   A existência de vários ordenamentos jurídicos que tratam da mesma matéria, porém de formas distintas, pode ser considerada, como já foi, uma barreira não tarifária ao comércio, seja internacional ou regional.

                                Portanto, se a idéia é derrubar todo tipo de barreira ao livre intercâmbio de bens entre os Estados Partes, mister se faz um ordenamento jurídico confiável nesta área, para assim, termos um correto crescimento do bloco econômico regional.

                                  A América Latina é uma região onde a unificação do direito das obrigações se pode alcançar com maior facilidade, por distintas razões, sendo uma delas, a afinidade substancial dos respectivos sistemas jurídicos existentes. Isso não ocorre, por exemplo, na Europa, onde inexiste tal identidade de origens históricas, culturais e de idiomas.

                                 Devemos, com isso, aproveitar essa vantagem que temos e começar a colocar em prática, no âmbito do MERCOSUL, a harmonização das legislações que tratam do tema da determinação da ‘Lei Aplicável’ em matéria de contratos mercantis internacionais.

Sobre o autor
Cláudio Jose de Alencar

advogado, consultor e parecerista, graduado em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP, Doutorando em Derecho Civil (Obligaciones) pela UBA - Universidad de Buenos Aires, Curso de Especialización en Derecho en Contratos y Danos - Universidade de Salamanca, Pós-Graduação ´´Lato Sensu´´, Direito Público pela PUC/MG e e cursos de atualização na Université de Genève, Cambridge Law Studio – Girton College e Postgrado Máster en Comercio Internacional y E-Commerce pelo Instituto Europeo Campus Stellae - Santiago de Compostela – España.<br>

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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