4. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO POR DANOS AMBIENTAIS.
Neste item, colacionam-se argumentos favoráveis à responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público por danos ambientais.
O primeiro argumento em defesa da responsabilização penal dos entes públicos é que nem a Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, parágrafo 3º, nem a Lei 9.605/98 em seu art. 3º estabeleceram que suas prescrições não seriam aplicadas às pessoas jurídicas de direito público. Veja-se o conteúdo dos dispositivos mencionados: "Art. 225. omissis. Parágrafo 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. "
À vista destes dispositivos, leciona Renato de Lima Castro: "O legislador brasileiro não diferenciou, entre as variadas vestes de uma pessoa jurídica, a qual espécie se aplicaria a nova legislação. Onde este não distingue, não compete ao intérprete distinguir, segundo os postulados básicos de hermenêutica jurídica. Neste diapasão, todas as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que eventualmente venham a praticar factos delituosos previstos na Legislação Ambiental, através de seus órgãos, poderão integrar o pólo passivo de uma relação jurídica processual-penal." [25]
Dento desta visão do autor, na hipótese de um ente público (pessoa jurídica de direito público) cometer um crime ambiental a sanção penal aplicada deverá ser condizente com a sua natureza, respeitando a continuidade dos serviços públicos prestados.
Em suma, com base neste primeiro argumento, como a Lei 9.605/98 e a Carta Magna de 1988 são omissas quanto ao tipo de pessoa jurídica a sofrer imputação penal, poderão ser punidas criminalmente por danos ao meio ambiente tanto pessoas jurídicas de direito privado como de direito público. [26]
Outro argumento defendido por doutrinadores, como Walter Rothenburg, é de que as pessoas jurídicas de direito público devem ser penalizadas igualmente às pessoas jurídicas de direito privado, sob pena de afronta à isonomia. [27]
Lembra ainda Pedro Krebs que na doutrina estrangeira também há defensores desta tese, ressaltando-se a lição de Silvina Bacigalupo que destaca: " Estas questiones ponen de manifesto la necessidad de poder imponer sanciones, por ejemplo referidas a los delitos contra el medio ambiente, también a ciertas personas jurídicas de Derecho público." [28]
Enfim, o fundamento deste argumento é de que se deve tratar igualmente as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado independentemente de suas supostas naturezas jurídicas, sob pena de não o fazendo quebrar o princípio da isonomia amparado constitucionalmente.
Outra tese forte para responsabilização das pessoas jurídicas de direito público é que a penalização destes entes serviria como freio e imputaria maior cuidado por parte dos mesmos e de seus administradores (prefeitos, presidentes, governadores, etc..) para com o meio ambiente.
Agora, vejam-se os inúmeros argumentos contrários à responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público.
5. ARGUMENTOS CONTRA A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO POR DANOS AMBIENTAIS.
Primeiramente, são apresentados os argumentos visando a desconstituir as teses defendidas anteriormente pelos doutrinadores que apoiam a responsabilização penal das pessoas jurídicas de direito público, para depois elencar outros elementos contra a responsabilização criminal dos entes públicos, em especial por danos ao meio ambiente.
Primeiro, em relação à inexistência de diferenças específicas na Lei 9.605/98 e na Constituição Federal de 1988, quanto à responsabilização da pessoa jurídica de direito público e privado, não podendo o intérprete fazer uma distinção aonde as normas nada estabelecem, contra-argumentam os doutrinadores afirmando que a legislação ordinária e a Carta Magna devem ser interpretadas harmonicamente com os princípios constitucionais e do direito em geral.
Nestes termos, a partir dos princípios infere-se que as pessoas jurídicas de direito público, segundo defendem, não poderiam ser responsabilizadas penalmente porque a sua aplicação de sanções criminais seria inviável e poderia trazer na realidade maiores prejuízos à própria coletividade que é representada pelo Estado. Também, a sua responsabilização seria inviável nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98 que estabelece a necessidade do dano ambiental dar benefícios ao ente coletivo a fim deste vir a ser responsabilizado, o que estabelecem não pode ocorrer com os entes públicos. Veja-se: " Não é possível responsabilizar as pessoas jurídicas de direito público, certo que o cometimento de um crime jamais poderia beneficiá-las e que as penas a elas impostas ou seriam inócuas ou, então, se executadas, prejudicariam diretamente a própria comunidade beneficiária do serviço público." [29]
Destacam ainda estes doutrinadores, como Guilherme José Pereira e Solange Teles da Silva, que em outros ordenamentos jurídicos modernos há até vedação a tal responsabilidade do ente estatal. Citam para tanto o direito francês: " Art. 121-2, que assim dispõe: " As pessoas jurídicas, à exclusão do Estado, são responsáveis penalmente, de acordo com as distinções dos artigos 121-4 a 121-7 e nos casos previsto pela lei ou regulamento, das infrações cometidas, por sua conta, por seus órgãos ou respresentantes." [30]
Ocorre, assim, na França uma exclusão do ente estatal do âmbito de responsabilização penal, devido ao fato de que estes entes não exercem direitos em sentido específico, mas somente funções e competências em atenção ao bem geral e ao interesse público comum. Além da França, o Tribunal Supremo da Holanda também nega a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas de direito público. [31]
Enfim, por estar razões, estes autores defendem que a omissão legal e constitucional de diferenciação das pessoas jurídicas de direito público e direito privado no sistema jurídico brasileiro, quanto à responsabilização penal dos entes públicos por dano ambiental, não permiti dizer que as duas modalidades de pessoas jurídicas devem sofrer a imputação penal, já que são bastante distintos seus objetivos, natureza jurídica e organização à luz dos princípios jurídicos pertinentes, asseverando também que diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros expressamente inviabilizam a responsabilização destas pessoas jurídicas de direito público.
Agora, quanto ao segundo argumento de que se devem tratar com igualdade às pessoas jurídicas de direito público e de direito privado diante do cometimento de danos ambientais, contra argumentam estes doutrinadores que não há igualdades entre os dois entes.
Ou seja, lecionam que as pessoas jurídicas de direito privado e de direito público são bem distintas em sua natureza jurídica, objetivos, elementos, por isto para respeitar as desigualdades devem ser tratadas de forma desigual. Bem incisivo neste sentido é Pedro Krebs que assevera: " Assim, sendo, ousamos discordar daqueles que afirmam ser possível a punição das pessoas jurídicas de direito público interno pelo simples fato de serem também pessoas jurídicas, atestando carecer de importância a natureza jurídica que lhes é imposta. É uma conclusão apressada cujo raciocínio já se encontra viciado em sua própria origem. (...) Neste sentido, não podemos acatar o entendimento de que a irresponsabilidade penal do ente público acarretaria uma violação do princípio da igualdade. Isto porque as pessoas jurídicas de direito público interno são distintas – senão em tudo – em vários aspectos das de direito privado. Ora, em não se confundindo, é possível (ou, no mínimo, necessário) efetivar um tratamento desigual entre elas." [32]
Acaba por concluir o citado autor, Pedro Krebs, que inexiste igualdade entre os dois entes públicos e privados, em virtude das diferenças de objetivos, interesses e a distinta origem e formação, havendo mesmo diferentes deveres e prerrogativas em relação a cada um, devendo estas nuances e distinções se refletirem também na seara penal.
Enfim, quanto ao segundo argumento, estabelecem inexistir igualdade entre pessoas jurídicas de direito privado e de direito público, não podendo os entes públicos serem responsabilizados na esfera criminal, sob pena de afrontar seus objetivos e interesses que são de toda coletividade.
Além dos argumentos acima delineados, existem outras teses defendidas que obstacularizariam a penalização dos entes públicos. Analisa-se a seguir.
Primeiro, se houvesse aplicação de uma pena a um ente público esta seria solidarizada com toda a coletividade; acabando, pois, o verdadeiro punido sendo toda a comunidade que o ente público representa porque no caso, por exemplo, de aplicação de uma multa a um ente público quem pagaria seria a própria coletividade através de impostos. Bem ressalta a respeito Fernando Quadros: " Ocorreria o fenômeno indesejável da socialização das penas, ou sejam, toda sociedade seria duplamente atingida. Sofreria o dano ao meio ambiente e arcaria em termos reais com os custos das penalidades. O ente público teria de recorrer aos recurso públicos para fazer frente às penalidades." [33]
Outras perplexidades são asseveradas e listadas na forma de questões por Marlusse Daher: " Como se multará a pessoa jurídica de direito público? Do orçamento viria a constar uma nova rubrica destinada a tanto? Que destino se dará à multa, será revertida ao fundo de reparação dos interesses difusos? Em que consistiria restringir direitos da pessoa jurídica de direito público? E que outro serviço se imporia a ela se já é inerente à sua essência, a prestação de serviços à comunidade?" [34]
Ressaltam, ainda, estes autores a total inadequação de aplicação de penas aos entes públicos, imaginando situações concretas que condeuzem o intérprete à perplexidade, tais como: 1-) a multa aplicada reverteria, como já dito, para o próprio ente estatal; 2-) as penas restritivas de direito implicariam no prejuízo à continuidade dos serviços públicos; 3-) a pena, que inviabilizasse a celebração de um contrato/convênio entre a União, Estados e Municípios, seria uma afronta ao principio federativo; 4-) a penalização a um ente estatal, para que custeie programas ambientais, é inócua por já se constituir em um obrigação do Estado constitucional e legalmente, devido ao seu dever de amparar, proteger, recuperar e preservar o meio ambiente.
Diante desta situação, Guilherme José Purvin e Solange Teles, asseveram que a aplicação de qualquer penalidade ao ente público que vise a recompor o ambiente lesado ou pagar valores a título de multa por agressão ao meio ambiente " na realidade, somente uma visão extremamente míope de cidadania é que faria enxergar esses deveres estatais – deveres incumbidos aos Poderes Públicos através de previsão constitucional expressa, clara e inequívoca – como ‘sanções penais’." Ainda, quanto às penas, completam dizendo que "punir um estado com a proibição de firmar um convênio com a União Federal ou com os municípios seria, quiçá, punir também a própria União Federal e os municípios. Haveria grave afronta ao princípio da individualização da pena e a própria coletividade estaria sendo sancionada." [35]
Além disto, quando se aplicam sanções penais contra o Estado, estar-se-ia, segundo alegam, punindo quem é o detentor do "jus puniendi", que pauta sua conduta na própria legalidade, chegando-se a novas perplexidades que atingiriam a própria soberania do ente estatal. Acompanhe-se a lição de Marlusse Daher: "De fato, é notável a impertinência, no sentido de que não é possível ‘fechar ou interditar o Estado, fechar ou interditar o Município, quanto mais a União’. Onde se colocaria a soberania e a própria supremacia da qual está investida, que se faria da sua superposição direcionada a assegurar e preservar as liberdades individuais, os direitos sociais, os fundamentais, mediante o exercício do poder outorgado pelo outorgante-povo, numa expressão maior do que seja democracia e cidadania. Não se expõe a guardiã ao perigo de deixar a mercê de outras influências ou de outros inimigos, seus tutelados: o povo, o território, a nação. Nem se há de desprovê-la dos mecanismos capazes de assegurar aquelas garantias de todos, como constitucionalmente previstas." [36]
Outra crítica que se faz à tese de responsabilização criminal das pessoas jurídicas de direito público é de que se punem penalmente os agentes públicos e políticos causadores do dano e não o Poder Público, até porque são aqueles que se locupletam, desviando-se dos interesses públicos em suas condutas para auferir benesses de cunho particular a seu favor ou de outrem, destruindo de forma ilegal o meio ambiente e se apropriando de dinheiros públicos. Bem destaca este argumento Fernando Quadros: " No caso da pessoa jurídica de direito público, há ainda a possibilidade de afastamento dos seus dirigentes, o que é impossível nas pessoas de direito privado. A condenação criminal tem como um dos efeitos secundários a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, I, CP) quando a pena aplicada for superior a 4 anos, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública (...) A partir da Lei 9.605/98, passou a constituir crime contra a administração ambiental diversas condutas lesivas ao meio ambiente, conforme arts. 66, 67, 68 e 69. Portanto, a prática de crimes ambientais pelos agentes públicos será considerada crime contra a administração." [37]
Pedro Krebs ainda assevera que a impossibilidade de sancionar penalmente as pessoas jurídicas de direito público reside na própria idéia de manutenção do ente estatal, já que os entes estatais necessitam desta prerrogativa para manter sua legitimidade a fim de aplicar penalidades criminais. Acompanhe a lição do autor: " Sob esse enfoque, podemos constatar que a irresponsabilidade penal dos entes públicos fundamenta-se em argumentos que traduzem a própria sustentação do poder punitivo do Estado (penal ou administrativo): se entendermos que o Estado pode praticar crimes, com que direito teria ele de punir o autor de um delito ? Que legitimidade teria ele, em suma, de impor uma sanção – seja através do Poder Judiciário ou do Poder Executivo – se ele próprio delinqüe ?" [38]
Outro argumento bastante forte é de que o art. 3º da Lei 9.605/98 estabelece só haver punição penal se a infração for cometida por decisão do representante legal ou contratual da entidade (pessoa jurídica). Guilherme e Solange questionam se a União, Estados e Municípios seriam meras entidades, e se os administradores públicos teriam liberdade de dispor dos interesses da comunidade. Tais fatos, segundo alegam, já demonstram a falta de amparo mesmo legal quanto à possibilidade de responsabilização penal dos entes públicos. Veja-se a lição: " Não haveria aqui uma abertura para responsabilizar a pessoa jurídica de direito público, uma vez que entidade também é pessoa jurídica de direito público ? Se se aceitar o termo ‘entidade’ abarca conceitos complexos como a União, o estado, o Distrito Federal ou o município, dever-se-á perquerir-se se será possível a consecução do interesse estatal ou do interesse público, a partir do cometimento de uma infração." [39]
Enfim, com base nas diversas lições acima sintetizadas, defendem estes doutrinadores que as pessoas jurídicas de direito público não poderiam responder penalmente pelas seguintes razões fundamentais: 1-) as penas são inadequadas para os entes públicos, e caso aplicadas prejudicariam à própria comunidade, podendo mesmo afetar a continuidade dos serviços públicos prestados; 2-) as pessoas jurídicas de direito público e privado são diferentes em sua natureza jurídica, objetos, interesses merecendo na esfera penal por isto tratamento distinto; 3-) as pessoas jurídicas de direito público são detentoras do "jus puniendi" e se pudessem sofrer sanções na órbita penal estariam sacrificando a sua própria legitimidade, afetando o próprio princípio federativo; 4-) em caso de ilícitos penais cometidos contra o meio ambiente quem os pratica não são os entes públicos, mas as pessoas que ocupam os cargos e funções públicas, atuando contra os interesses da comunidade, em afronta às normas retoras e aos objetivos do próprio ente estatal, devendo estes sim, agentes e administradores públicos, serem punidos e penalizados criminalmente.
A seguir, faz-se uma crítica aos defensores e opositores da responsabilização penal das pessoas jurídicas em geral e das pessoas jurídicas de direito público em especial, destacando fundamentos e peculiaridades para superação desta polêmica em especial na seara do direito ambiental.