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Insider trading: uso indevido de informações privilegiadas no mercado de capitais

Agenda 17/03/2016 às 11:54

Definição e análise da responsabilização do uso indevido de informações privilegiadas no Direito brasileiro.

O insider trading é uma expressão originária dos Estados Unidos, internacionalmente conhecida para tratar das transações desleais que se dão no âmbito do mercado de capitais por detentores de informações privilegiadas (“insiders”) e que acarretam lesões aos direitos dos demais investidores.

O mercado de capitais ou mercado de valores mobiliários é um subsistema do sistema financeiro, que serve, primordialmente, para que empresas, quando realizem emissões públicas de suas ações, consigam captar recursos para se financiar ou até mesmo para tratar de suas dívidas.

O mercado de capitais preza por uma maior transparência de informações, visando auxiliar o investidor na tomada de decisões. Para que haja eficiência econômica no mercado, o preço dos valores mobiliários tem de refletir as informações disponíveis acerca das companhias cujos títulos são negociados. E, para isso, a transparência e lisura das informações apresentadas aos demais investidores do mercado é primordial.

Vale notar que determinadas pessoas, seja pela posição que ocupa dentro da estrutura organizacional de uma sociedade anônima, ou por deter o seu controle acionário, têm acesso a todas as condições financeiras e negociais da empresa, podendo, devido a essas informações confidenciais e privilegiadas, comportar-se como insider, negociando (vendendo e comprando ações no mercado de capitais) em condições privilegiadas em relação aos demais investidores (“outsiders”).

São igualmente qualificados como insiders os membros de conselhos, os ocupantes de funções técnicas, de assessoramento ou que desempenhem função ou cargo (advogados, auditores, analistas de investimento, instituições financeiras e etc.), ou quaisquer outros que tenham acesso a informações relevantes e confidenciais sobre as circunstâncias econômico-financeiras ou negociais de uma companhia de capital aberto.

Evidentemente que o uso indevido de informações privilegiadas é péssimo para o mercado de capitais, pois lesa os direitos dos demais investidores e destrói a confiança e a lisura de suas relações neste mercado.

Em razão disso, os países detentores das maiores economias do mundo combatem há muito tempo e severamente a prática de insider trading. Vejamos.

No Direito Europeu, desde a Directiva 592 de 1989 do CEE (Conselho das Comunidades Europeias), a generalidade dos países membros vem adotando normas penais no combate ao insider trading, sob os fundamentos de igualdade entre os investidores, confiança no mercado, justa distribuição dos riscos, e os pressupostos de eficiência do mercado de capitais (EIZIRIK, 2008).

Na mesma esteira, os Estados Unidos, país que abriga a mais liberal das economias do mundo, reprime, desde 1934, as condutas tipificadas como insider trading, cominando severas penalidades de natureza civil, administrativa e criminal (PROENÇA, 2005).

No Brasil, foram criados mecanismos de controle e combate ao insider trading, que são divididos em duas vertentes: (i) normas preventivas: conceitos éticos, econômicos, além dos deveres dos administradores (diligência, cumprimento das finalidades da empresa, lealdade, sigilo e informação) elencados a partir do artigo 153 da Lei 6.404/76 e (ii) normas repressivas: sanções de responsabilidade civil, administrativa e criminal.

Quanto às normas preventivas usadas para diminuir e frear a conduta abusiva dos detentores de informações privilegiadas, foram desenvolvidos conceitos éticos, amparados no princípio da transparência ou full disclousure, visando assegurar a necessária visibilidade às operações do mercado de capitais, além de construir e solidificar a consciência dos administradores de seus deveres de diligência, lealdade e informação.

Sobre as normas repressivas e o “combate” ao insider trading, a responsabilidade civil recai sobre aqueles que detém o dever de sigilo ou de informar de modo isonômico, linear e estruturado para o mercado.

A responsabilidade civil dos insiders tem natureza subjetiva, ou seja, necessita da culpa, do dolo, da intenção de fraudar o mercado, de se utilizar das informações privilegiadas para obter lucro próprio ou em favor de terceiros.

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Na esfera administrativa, a prática de insider trading constitui violação da lei e enseja a abertura de inquérito, com eventual punição do insider. Trata-se de infração grave e a própria Lei de Valores Mobiliários (LVM), em seu artigo 11, outorga à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) competência para impor penalidades (advertência, multa, suspensa, inabilitação, proibição temporária e etc.).

No âmbito criminal, apenas em 2001 foi editada a Lei n. 10.303 de 2001, que trouxe em seu bojo o ineditismo de, alterando a LVM, incluir um novo capítulo denominado “Dos crimes contra o mercado de capitais”, tipificando três condutas ilícitas: “manipulação de mercado”, “uso indevido de informação privilegiada” e “exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função”. Hoje, no Brasil essa prática é punida com pena de reclusão de 01 (um) a 05 (cinco) anos e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Recentemente, o ex-diretor da Sadia Luiz Gonzaga Murat Jr. foi o primeiro condenado pelo Superior Tribunal Justiça pelo crime de uso indevido de informação privilegiada (insider trading). A 5ª Turma do STJ, por unanimidade de votos, manteve a pena de 2 anos, 6 meses e 10 dias de reclusão, além de pagamento de multa de R$ 349,7 mil.

O ex-diretor usou informações relevantes acerca das negociações da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sadia pelo controle acionário da Perdigão, ocorrida em 2006, para obter vantagem indevida (comprou ações da Perdigão em Nova York antes do anuncio do OPA).

O ex-diretor foi punido administrativamente no Brasil pela CVM e nos Estados Unidos pela SEC (Securities and Exchange Comission).

Conclui-se que a ação dos insiders de uso de informações privilegiadas é extremamente prejudicial ao mercado de capitais, e que o insider trading, recentemente, com a ampliação e amadurecimento do mercado de capitais no Brasil, tem sido apenado civil, criminal e administrativamente.

Sobre o autor
Victor Simoni Marques

Advogado no Marques Filho Adv. Ass.

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