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Resilição unilateral nos contratos de distribuição

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Agenda 28/01/2004 às 00:00

A intensa evolução da prática mercantil tornou a atividade de distribuição de mercadorias instrumento de grande importância para estabelecimento das relações comerciais, aperfeiçoando o elo de ligação entre a produção de bens e serviços e o público consumidor.

sumÁrio: INTRODUÇÃO ; CAPÍTULO I, AUTONOMIA PRIVADA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS, 2.I Liberalismo clássico: substrato do direito privado, 2.II Século XX: a industrialização e o Estado paternalista, 2.III Autonomia da vontade e a concepção clássica de contrato, 2.IV A moderna abordagem contratual; CAPÍTULO II -CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO, 3.I Terminologia adotada, 3.II Natureza jurídica, 3.III Classificação, 3.IV Características, 3.IV.a Direção técnica do concedente, 3.IV.b Subordinação econômica, 3.IV.c Exclusividade, 3.IV.d Duração do contrato, 3.V Formas de extinção, 3.VI Legislação aplicável, 3.VI.a Código Civil de 2.002, 3.VII Função social do contrato de distribuição; CAPÍTULO III- RESILIÇÃO UNILATERAL NOS CONTRATOS DE DISTRIBUIÇÃO,4.I Considerações gerais, 4.II Qualificação jurídica do instituto, 4.III Juridicidade do exercício da denúncia; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1 INTRODUÇÃO

As profundas modificações observadas na sociedade civil no século XX, essencialmente no que tange àquelas implicadas à economia de mercado pelo incremento industrial e tecnológico, aliadas às duas grandes guerras, tornaram mais complexas as relações jurídicas travadas entre os homens.

Paralelamente à estas transformações, no campo do Direito, a autonomia privada, antes predominante em tais relações, é atenuada pela ingerência do Estado, que passa a disciplinar as matérias de Direito privado, buscando sobrepor a vontade geral da sociedade sobre os interesses particulares.

No campo do direito contratual, essa mudança é sentida com o advento da formulação jurídica que culminou no dogma da função social do contrato, segundo o qual, a relação jurídica contratual deve atender aos anseios da sociedade como um todo, em detrimento da vontade manifestada pelos agentes privados.

A intensa evolução da prática mercantil em escala mundial tornou a atividade de distribuição de mercadorias instrumento de grande importância para estabelecimento das relações comerciais, aperfeiçoando o elo de ligação entre a produção de bens e serviços e o público consumidor.

Neste contrato de colaboração, para que a atividade empresarial acompanhe os parâmetros impostos pela globalização do mercado, é exigida a reunião dos interesses dos contratantes para atingir a finalidade proposta.

Tratando-se daqueles negócios em que o proponente pretende alcançar cada vez maior porção do mercado consumista, a distribuição deve ser consubstanciada em uma relação negocial envolvendo a associação cooperativa de interesses, devendo dispor o produtor de uma rede organizada de distribuidores, estabelecendo estratégias de vendas e planejamento de atividades.

Uma vez que ordena o implemento de uma organização comercial, exigindo investimentos de vulto bastante significativo, as relações comerciais de distribuição tendem a se estender em um intervalo razoavelmente estendido no tempo. Porém, pelas características do direito obrigacional moderno, os negócios jurídicos têm o seu término previsto de maneira implícita, não sendo admitida a vinculação eterna entre os sujeitos de direito.

Ultrapassados os relevantes aspectos históricos que influenciam de maneira direta a atual abordagem da matéria, o presente estudo tem como objeto a análise das formas e modalidades pelas quais esta relação empresarial tende a se findar, especialmente quanto à possibilidade conferida a um dos contratantes em ter por findo o pacto de distribuição.


2 AUTONOMIA PRIVADA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS

2.I LIBERALISMO CLÁSSICO: SUBSTRATO DO DIREITO PRIVADO

O estudo do princípio da autonomia da vontade no presente trabalho demonstra-se de fundamental importância, principalmente em razão da mutação que vem sofrendo no transcorrer do tempo. As transformações econômicas e sociais ocorridas na primeira metade do século XX e conseqüente repercussão no mundo jurídico, ensejam o estudo aprofundado deste princípio, visto apresentar-se como eixo central da discussão das fontes do direito obrigacional.

Seguindo as concepções liberais do século XIX, fundadas no princípio da autonomia da vontade, foram emergindo a maioria das codificações ocidentais, embora o Direito romano e o Direito medieval não adotassem a teoria voluntarista, que via na manifestação da vontade o elemento formador das relações jurídicas. Isto porque, conforme se referia Ulpiano, a lei romana era atribuída à determinada ordem racional, à vontade do príncipe, considerada não como arbitrária, mas como subordinada à razão. Aristóteles, por seu lado, afirmava haver uma associação entre o justo natural e o justo legal, produto da vontade do homem.

Portanto, as construções greco-romana e medieval constituem doutrinas dualistas onde o Direito é produto ora da razão e da vontade, ora da natureza e da vontade, ocupando esta apenas uma posição subsidiária e subordinada.

Verifica-se, então, que o marco inicial para a afirmação e evolução do conceito de autonomia da vontade está na escolástica franciscana do século XIV, quando foi proclamada a supremacia da vontade e sua aptidão para conduzir de maneira mais eficaz do que a razão, as relações interpessoais, rebatendo a soberania do chefe de Estado, o direito natural e o direito de propriedade privada, considerados dogmas históricos arbitrários, jamais fundados no racionalismo, prevalecendo, desta forma, o consentimento do indivíduo na fruição de sua reconhecida liberdade, ressaltando-se o acordo de vontades como única origem das regras de Direito.

Esta concepção voluntarista da formação dos contratos, veio a se firmar, no entanto, somente com o advento do Código de Napoleão, em 1804, principalmente pelas influências dos filósofos individualistas Rousseau, Kant e Fichte.

Aliados a Hobbes, tido como um dos principais defensores do voluntarismo jurídico, estes filósofos introduziram à sociedade o que serviria como pilar do constitucionalismo moderno, colocando a razão à serviço da vontade individual, encontrando o Direito Público sua fonte primeira na intenção: o Estado é produto do contrato. Daí decorre que a lei seria definida como a expressão da vontade geral e será interpretada de acordo com a vontade do legislador.

E este dogma, no campo do Direito Privado, constituiu a base de toda construção legislativa, doutrinária e jurisprudencial até o final do século XIX, trazendo o Code Napoléon a homenagem dos codificadores à liberdade individual do homem criadora de Direito.

O pensamento voluntarista da época pode ser sintetizado, nas palavras de GOUNOT, nestes termos: "na base do edifício social e jurídico se encontra o indivíduo, quer dizer, uma vontade livre. A liberdade faz do ser humano seu próprio mestre, o torna infinitamente respeitável e sagrado, o eleva à dignidade de fim em si mesmo. No sentido mais geral da palavra, o direito não é outra coisa senão esta liberdade inicial e soberana que pertence a todo homem. Da vontade livre tudo procede, a ele tudo converge".

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A tendência individualista, em oposição à tradição romana e romanística medieval, se consolidou pela idéia de liberdade e igualdade, segundo as quais os homens não podem se ligar senão voluntariamente.

Ao estabelecermos uma relação entre a evolução dos conceitos de autonomia de vontade, autonomia privada e liberdade contratual, será possível encontrar em comum determinado espaço temporal compreendido na transição entre os sistemas feudalista e capitalista.

Neste sentido, estes se prestaram nesta época de mudanças para garantir a proteção da situação econômico-social emergente do liberalismo político e econômico, aliado à livre-concorrência da economia de mercado.

O período de transição dos referidos sistemas políticos se caracterizou principalmente pela "disputa" entre a classe que pode ser chamada de mercantilista, interessada na utilização dos recursos provenientes da agricultura, e a classe fundiária, detentora dos recursos utilizados para a produção agrária.

Neste panorama surgiu a necessidade de introduzir um elemento que viesse a equilibrar a equação jurídica envolvendo estas classes sociais, tendo como referência o consensualismo como produtor do vínculo jurídico, que, de um lado favorecia a classe mercantil na relação com os proprietários, e ainda, garantia o direito de propriedade destes em face de eventuais tentativas de usurpação.

O liberalismo introduzido pelos dogmas "liberdade, igualdade e fraternidade" da Revolução Francesa, tinha para o campo do direito obrigacional em sua essência a necessidade de se estabelecerem relações jurídicas (possibilidade de contratar), no intuito de fazer circular riquezas.

E isto se tornou válido, como foi visto, por meio da evolução da figura do sujeito de direito, aliada às novas perspectivas na abordagem da autonomia da vontade, autonomia privada e autonomia contratual.

O elemento volitivo, como fator de eficácia jurídica e criação de relações jurídicas, deve estar revestido da forma estabelecida pelo sistema normativo, dividindo a doutrina neste aspecto em duas grandes vertentes: aquela que considerava a vontade como elemento essencial do direito subjetivo e a outra que o tinha no objeto, ou seja, no interesse protegido.

De qualquer maneira, a possibilidade ou faculdade de que dispõe o indivíduo para atuar de acordo com a sua vontade, fundamentalmente para as relações que importem para o direito, pode ser chamada de liberdade jurídica.

No âmbito desta liberdade, ou seja, na criação, modificação, extinção de direitos, ou no poder de regular juridicamente estas relações, dando-lhes conteúdo e eficácia reconhecida e determinada pelo Direito, encontra-se a autonomia, vocábulo grego que significa "dar leis a si mesmo".

Segundo Norberto BOBBIO, a autonomia da vontade pode ser entendida como "outra fonte de normas de um ordenamento jurídico, o poder atribuído aos particulares de regular, mediante atos voluntários, os próprios interesses: trata-se do chamado poder de negociação". Complementa ainda dizendo que "se se coloca em destaque a autonomia privada, entendida como capacidade dos particulares de dar normas a si próprios numa certa esfera de interesses, e se considerarmos os particulares como constituintes de um ordenamento jurídico menor, absorvido pelo ordenamento jurídico estatal, essa vasta fonte de normas jurídicas é concebida de preferência como produtora independente de regras de conduta, que são aceitas pelo Estado".

Deve ser ressaltada ainda, pela pertinência relacionada à matéria em estudo, no campo da autonomia da vontade, a liberdade contratual, consubstanciada na sistemática da livre concorrência da economia de mercado, sendo princípio fundamental do Direito Civil e do Direito Comercial.

A liberdade contratual pode ser dividida na conhecida trilogia adotada modernamente, relacionada à autonomia do indivíduo de decidir-se a realizar o contrato, de escolher o outro contratante e de escolher a figura tecnicamente, o tipo de contrato.

Pode-se se dizer, portanto, que, em conseqüência das profundas mudanças observadas até o final do século XIX, no que pertine ao Direito positivo brasileiro, adotando as concepções liberais, especialmente quanto ao princípio da autonomia da vontade, a liberdade contratual encontra-se fundada na garantia da liberdade de iniciativa econômica, no princípio da força obrigatória dos contratos, e se refletem ainda no campo sucessório, onde há liberdade de testar e de estabelecer o conteúdo do testamento, sempre em conformidade à prevalência da vontade do indivíduo nas relações interpessoais.

2.II SÉCULO XX – A INDUSTRIALIZAÇÃO E O ESTADO PATERNALISTA

O advento do novo século apresentou não menos relevantes transformações na sociedade civil, notadamente causadas pela modificações na economia, em decorrência do incremento industrial e tecnológico, aliado às duas grandes guerras, tornando mais complexas e cada vez mais específicas as relações no campo jurídico.

A mais significante característica deste período, e observada a partir da segunda parte do século XX, é a presença do Estado a disciplinar matérias de Direito privado, por meio de normas cogentes, imperativas, com sensível superação do individualismo soberano do século anterior.

Ao contrário do que fora observado nas Constituições francesas de 1791 e 1793, as quais limitavam-se a assegurar os direitos políticos do homem, a partir de 1848 surgem novas pretensões que posteriormente se apresentariam sob a forma de direitos econômicos e sociais, contando a partir de então com proteção do Estado.

Passam a ser resguardados de maneira imperante os interesses gerais em detrimento dos particulares, tratando as regras constitucionais não apenas das relações de Direito Público, mas também daquelas de Direito Privado.

Os pilares fundamentais da ordem jurídica até então absolutos e inabaláveis, a propriedade, a família e o contrato, são implicados por limitações do poder estatal.

Em síntese, sobreveio moderada substituição da unidade interna do Direito privado pelo direito social e econômico surgido a partir da 2ª Guerra Mundial.

A intervenção estatal passou a ser considerada como a melhor técnica de combate às idéias socialistas, o que foi largamente observado no governo provisório francês de 1848, no socialismo de estado alemão, e ainda, na Constituição mexicana, pela restrição à propriedade privada. A grande maioria das constituições posteriores à Guerra de 1914 passaram a ser influenciadas por estes princípios, sendo notados nos Estados Unidos com o New Deal de Roosevelt, e na França, como o Front Populaire, buscando aumentar a intervenção estatal na vida econômica e social do país.

No entanto, isto não implicou na admissão da completa limitação da autonomia da vontade, mas sim, no seu enriquecimento pela regulação por meio da ingerência Estatal no sentido de proteger determinados interesses, nos quais o aspecto volitivo não apresenta a relevância outrora conferida.

No Brasil, as Constituições de 1934, 1946, 1967, 1969 e 1988 contêm referências especiais à função do Estado na ordem econômica e social, fixando os princípios básicos da legislação trabalhista e adotando uma política nacionalista no tocante às minas, à energia hidráulica e aos bancos.

Especialmente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 foi reconhecido expressamente o princípio da liberdade da iniciativa econômica e da dignidade da pessoa humana, garantindo a liberdade de desenvolvimento econômico. Exemplo nacional que pode da mesma maneira caracterizar esta mudança é o Código de Defesa e Proteção do Consumidor - Lei nº 8.078, de 11.09.1990, editado sob a égide da Constituição Federal de 1988, rompendo com o pensamento individualista da concepção liberal clássica, apresentada pelo Código Civil.

Esta utópica harmonia entre a vontade geral e a individual é atualmente perseguida pelo Direito, sendo objeto do presente estudo a abordagem jurídica do princípio da autonomia da vontade face à moderna acepção da teoria contratual.

No período observado após a segunda Guerra Mundial (1939-1945), o intervencionismo alcançou os últimos redutos do liberalismo clássico, sendo na Inglaterra iniciada a nacionalização; na Espanha e Argentina a tentativa de integrar no sistema estatal às grandes forças econômicas nacionais; e ainda a crescente socialização dos países balcânicos.

Nos Estados Unidos, notou-se a pretensão de intensificar a legislação trabalhista, aumentar o controle da economia nacional e das medidas contra os trusts e monopólios, revogando a legislação restritiva da liberdade sindical, através do Fair Deal de Truman. Os franceses recorreram a nacionalização da indústria e do comércio pela criação de sociedades de economia mista e empresas públicas.

O liberalismo econômico passou a ceder espaço à conciliação entre o liberalismo político e o dirigismo econômico, perseguindo a planificação da economia e o equacionamento dos problemas nacionais.

Aumentando cada vez mais a sua interferência na esfera privada, o Estado, na busca de maiores recursos a fim de atender aos interesses nacionais tais como a proteção da moeda, a defesa do plano econômico e a necessidade de impedir o aparecimento de interesses privados que pudessem entrar em conflito com o interesse público, fez emergir o contrato publicizado, ou contrato "dirigido", bem como os contratos de adesão e evolutivo.

Estas medidas tomadas pelo poder público visavam inicialmente estabelecer a supremacia da democracia sobre o monopólio econômico.

Trata-se da pretensa conjugação dos princípios da democracia política com as aspirações sociais, a concentração econômica e o desenvolvimento tecnológico, contando necessariamente com o entendimento entre a iniciativa privada e a administração, perseguindo a democracia tanto no plano econômico, como político, garantindo os interesses individuais e sociais no desenvolvimento da nação.

No cenário nacional, a intervenção estatal se deu a partir de 1930, pela criação de autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, atuando nos setores mais variados desde a previdência social até as instituições bancárias, abrangendo a atuação dos órgãos públicos na indústria, geração de energia, organização da produção, contratos de seguros, mercado de capitais, na área habitacional e desenvolvimento de regiões.

Atualmente, em sentido inverso às anteriores pretensões do Estado paternalista, vem sido consolidado no mundo inteiro a partir de 1980, um movimento de privatização da economia, estabelecendo uma nova posição do Estado, restringida à atuação nos setores em que não pode ser admitida constitucionalmente a participação de entes privados no seu comando, aspecto observado em razão da chamada hipertrofia das funções do Estado, ensejando a transferência e delegação de poderes a fim de evitar um possível colapso econômico.

2.III AUTONOMIA DA VONTADE E A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DO CONTRATO

Remonta aos primórdios do Direito romano a noção de contrato como instituto jurídico, tendo o contractus a conotação objetiva de instrumento utilizado para designar os acordos reconhecidos como obrigatórios e providos de actio, distintos de outros acordos não obrigatórios nomeados de pacta.

Assim, era entendido como um vínculo objetivo, servindo para designar as conseqüências do acordo, ou seja, a vinculação dele decorrente, e não como manifestação de duas vontades convergentes.

No Código Civil Napoleônico, foram reguladas as condições essenciais à sua validade, conferindo força de lei às convenções pela consagração do princípio pacta sunt servanda, originado na canonística medieval.

Na segunda metade do século XIX, surgiram as primeiras criações doutrinárias no desenvolvimento da teoria do negócio jurídico, concebido como exteriorização da vontade dos particulares, visando um resultado prático reconhecido pelo ordenamento jurídico.

Desta forma, a abordagem mais ampla do dogma da vontade se expressava através do então negócio jurídico, caracterizado por uma declaração de vontade dirigida à produção de efeitos jurídicos. Desta categoria abstrata e generalizada emergiria o contrato propriamente dito.

Em seu caráter subjetivo, o negócio jurídico tem em estima a importância da vontade humana, sendo ela por si mesma a própria lei, criando uma obrigação própria, ou seja, se um determinado sujeito se encontra obrigado por um ato jurídico manifestado livremente, é porque em momento determinado exarou sua vontade individual de assim fazê-lo.

Importante salientar, entretanto, que este vínculo criado pelo próprio sujeito encontra sua validade ligada diretamente à capacidade jurídica, do exercício do direito, a ele próprio inerente.

Este entendimento decorre da filosofia jurídica emergente nos séculos XVIII e XIX, tendo como sua essência o indivíduo capaz de manifestar a sua vontade, detentor do poder criativo na esfera da autonomia privada, conferindo o ordenamento jurídico os efeitos relacionados aos atos por ele externados ao mundo dos fatos no sentido da criação, modificação e extinção de direitos e obrigações.

Críticas eram dirigidas a esta concepção no sentido de que, em razão de vontade não exteriorizada pelo agente, jamais conhecida pelo outro contratante, poderia ser anulado determinado negócio jurídico na proteção daquela vontade, conferindo conseqüentemente instabilidade ao desenvolvimento do comércio.

Por este prisma, surgiu, na segunda metade do século XIX, a Teoria da Declaração, podendo ser vista como o marco na tentativa de desconstituição das teorias individualistas e subjetivas até então predominantes.

Segundo os defensores da chamada Erklärungstheorie, tendo LIEBE desenvolvido suas primeiras considerações, a declaração deve ser sobreposta à vontade, uma vez que o efeito criador de direitos e obrigações não teria sido atribuído à vontade, mas unicamente à ordem jurídica positiva. Assim, não seria a vontade interna a formadora do elemento constitutivo do ato jurídico, mas sim a declaração de vontade.

Nesta vertente, a vontade seria apenas uma causa do negócio jurídico, e não elemento, pois ainda que existam defeitos na sua formação, constitui mera circunstância relacionada ao modo como o negócio jurídico se desenvolveu e somente em razão de pressupostos especiais pode prejudicar a validade do pacto.

O Código Civil alemão buscou uma posição intermediária entre a prevalência da vontade ou da declaração, cominando aos casos considerados como de erro substancial, a anulabilidade, mas não a nulidade como assim seria considerado de acordo com a teoria clássica da vontade.

No Brasil, adotou-se ora a teoria subjetivista, ora a objetivista, conforme podemos constatar no artigo 85 do Código Civil de 1.916, como exemplo, dispondo que "nas declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido literal da linguagem". No entanto, seguindo a posição tomada no BGB, comina serem anuláveis as declarações de vontade emanadas de erro substancial, no artigo 86 daquele diploma.

2.IV A MODERNA ABORDAGEM CONTRATUAL

Atualmente, a interpretação do contrato como instrumento representativo de interesses antagônicos vem deixando de ser adotada pela doutrina e jurisprudência como axioma jurídico, vindo à tona a sua concepção caracterizada pela afinidade de pretensões, observando-se a existência do affectio contractus.

Outrora entendidos como adversários, os contratantes passaram a ser caracterizados como parceiros pretendendo uma relação mútua, equilibrada e igualitária, tendo como horizonte a realização de justiça social. A doutrina francesa, já no início do século, já desenvolvia o pensamento moderno no sentido de que os contratos serviam como instrumento de cooperação leal, obra de confiança mútua, amparada nas bases do direito administrativo, na busca de equilíbrio e colaboração entre os contratantes.

Esta nova noção da relação contratual tem em vista a moderna acepção da preponderância do consenso formado pelas partes sobre a vontade individual, sendo vedado a qualquer um deles, obter vantagem extravagante no que diz respeito ao que se fazia aceitável no momento da celebração do pacto, bem como na execução de suas disposições.

Na já estudada teoria clássica dos contratos, às partes era conferida a garantia de imutabilidade das prestações convencionadas e a sobrevivência da convenção diante de fatos imprevistos, mesmo quando alteravam substancialmente a equação contratual.

Entretanto, a sua moderna abordagem tornou mais flexível a sua interpretação em face de eventuais desproporções observadas durante o seu cumprimento, estimando pelo interesse social e o interesse comum dos contratantes.

Assim, as intenções das partes antes divergentes no intuito da obtenção da vantagem contratual, agora convergem na direção da manutenção da sobrevivência de um bem maior, caracterizado pela construção de direitos e obrigações que é o novo contrato, ainda que isto implique no sacrifício de determinada vantagem, superando a vontade individual.

Por este prisma, admite-se a anulação do contrato por lesão, a sua resolução ou a sua revisão em virtude da excessiva onerosidade, a cessão do contrato e a assunção da posição contratual, a oponibilidade das cláusulas contratuais a terceiros não contratantes, a relação que se estabelece em contratos conexos e subordinados uns aos outros, inclusive com a eventual substituição de cláusula.

As modificações ora verificadas emergiram da interpretação jurisprudencial e do trabalho doutrinário pela extensão do princípio da boa-fé e pelas obrigações implícitas de leal execução do contrato, significando um dever, imposto às partes, de encontrar uma solução para eventuais impasses que possam surgir. Do mesmo modo influenciaram a nova teoria contratual as normas extravagantes e leis de emergência, e ainda, o surgimento de certos ramos mais recentes da ciência jurídica, como o direito do consumidor.

Sobre o autor
Alessandro Duleba

Bacharel em Direito pelas Faculdades IntegradasCuritiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DULEBA, Alessandro. Resilição unilateral nos contratos de distribuição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 206, 28 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4762. Acesso em: 23 dez. 2024.

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