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Algumas manifestações dos princípios do direito processual civil no processo eleitoral

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Agenda 03/02/2004 às 00:00

Como ramo autônomo do direito que é, o direito processual não poderia deixar de ser composto por diversos princípios, sendo que alguns deles serão abordados no presente estudo, tendo como enfoque primordial o direito processual eleitoral.

1. Importância dos Princípios

A doutrina moderna destaca a importância dos princípios no estudo dos mais diversos ramos do Direito. Se antigamente era negada aos princípios qualquer espécie de densidade jurídica, hoje os mais renomados autores reconhecem o significativo papel dos princípios na compreensão de determinado sistema jurídico.

Tanto assim que afirma Nelson Nery Júnior que "se considera ciência aquele ramo de estudos que é informado por princípios. Estes, portanto, é que dão natureza de ciência a determinada matéria." [1]

Assim sendo, como ramo autônomo do direito que é, o direito processual não poderia deixar de ser composto por diversos princípios, sendo que alguns deles serão abordados no presente estudo, tendo como enfoque primordial o direito processual eleitoral.


2. Princípios em espécie:

2.1.Princípio do devido processo legal

No campo do direito processual, desponta como princípio fundamental, do qual derivam todos os demais, o princípio do devido processo legal [2].

Nesse sentido, afirma Nelson Nery Jr. que "bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do ‘due process of law’ para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies." [3]

Abrange, assim, a cláusula do devido processo legal o princípio do contraditório e da ampla defesa, a rapidez na prestação jurisdicional [4], a imprescindibilidade da publicidade e da motivação das decisões judiciais, a vedação à obtenção de provas por meios ilícitos, a igualdade entre as partes do processo, o direito de arrolar testemunhas e vê-las comparecer em juízo por meio de notificação [5], dentre outros aspectos relevantes, alguns dos quais se passará a examinar a seguir. [6]

2.2.Princípio da imparcialidade do juiz

Como é fartamente sabido, não dispõe a Justiça Eleitoral de quadro próprio de juízes, sendo estes recrutados da Justiça Comum, Federal e Estadual, ou dentre advogados [7]. Assim, os membros da Justiça Eleitoral exercem suas funções por meio de investidura temporária.

Tal circunstância, todavia, não descaracteriza qualquer das garantias asseguradas aos demais membros do Poder Judiciário, a teor do que prescreve o art. 95 da Constituição Federal, dispondo, ademais, a Lei Orgânica da Magistratura, em seu art. 23, que "os juízes e membros de tribunais e Juntas Eleitorais, no exercício de suas funções e no que lhes for aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis".

Se dispõem de todas as garantias próprias da magistratura, por outro lado, reclama-se dos juízes eleitorais todos os deveres necessários à correta e justa prestação jurisdicional. Deste modo, devem os membros da Justiça Eleitoral observar as exigências de imparcialidade comuns a todos os outros membros do Poder Judiciário.

Nesse sentido, afirmam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco que "o caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz. A incapacidade subjetiva do juiz, que se origina da suspeita de sua imparcialidade, afeta profundamente a relação processual. Justamente para assegurar a imparcialidade do juiz, as constituições lhe estipulam garantias (Const., art. 95), prescrevem-lhe vedações (art. 95, par. único) e proíbem juízos e tribunais de exceção (art. 5º, inc. XXXVII)." [8]

Na legislação eleitoral, encontram-se diversas disposições visando a garantir a imparcialidade dos membros da Justiça Eleitoral.

Assim é que, visando a evitar colusão entre os membros dos órgãos colegiados, o art. 16, § 1º, do Código Eleitoral proíbe, no Tribunal Superior Eleitoral, a presença de cidadãos que tenha entre si parentesco até o quarto grau. Semelhante vedação incide também sobre os membros dos Tribunais Regionais Eleitorais (Código Eleitoral, art. 25, § 6º) e das Juntas Eleitorais (Código Eleitoral, art. 36, § 3º, inciso I), com a diferença de que aqui o impedimento é mais brando, na medida em que se veda a coexistência de parentes somente até o segundo grau.

Da mesma forma, objetivando evitar que o magistrado atue de forma tendente a prejudicar alguma parte componente da relação processual, o art. 95 da Lei nº 9.504/97 impede o exercício da função judicante por quem seja parte em ações judiciais que envolvam determinado candidato em processo eleitoral no qual aquele postulante seja interessado.

Vale salientar, ademais, que a preocupação com uma prestação jurisdicional isenta de vícios é tão importante que o Código Eleitoral estabelece impedimentos inclusive aos servidores daquela Justiça Especializada, proscrevendo o art. 366 do Código Eleitoral o exercício da atividade político-partidária por parte desses agentes públicos, sob pena de demissão. [9]

2.3.Princípio da isonomia

O princípio da igualdade, no plano processual, significa que o juiz deve dispensar tratamento idêntico às partes da relação processual, de modo a conferir eficácia ao disposto no art. 5º, caput, da Constituição Federal.

No processo civil, costuma a doutrina destacar a norma contida no art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil que determina ao juiz assegurar às partes igualdade de tratamento. [10]

De logo se percebe que, à falta de dispositivo semelhante na legislação eleitoral, tem plena aplicabilidade, no direito processual eleitoral, o citado dispositivo do Código de Processo Civil, devendo, assim, o juiz eleitoral prestar aos litigantes tratamento isonômico.

Por outro lado, no campo do processo civil, muito se discute acerca da legitimidade das prerrogativas processuais de que dispõem determinados entes, tais como a Fazenda Pública e o Ministério Público.

Os que advogam a tese da compatibilidade dessas prerrogativas com a Carta Magna costumam levar em conta o entendimento, hoje quase elevado à categoria de jargão, de que o princípio da igualdade somente se efetiva na medida em que se trate desigualmente os desiguais, além de obtemperar com a prevalência do interesse público sobre o privado.

No direito processual eleitoral, não existe previsão expressa que garanta ao Ministério Público e à Fazenda Pública prerrogativas similares àquelas previstas na legislação processual civil. Assim, tem entendido o TSE que em se tratando de matéria de cunho eminentemente eleitoral não há espaço para aquelas prerrogativas [11], as quais apenas incidem em processos versando matéria administrativa, como reajuste de servidores ou discussão acerca de contribuições previdenciárias. [12]

A par do plano eminentemente jurisdicional, na esfera administrativa, tão comum à atividade dos juízes eleitorais, também se manifesta o princípio em análise, valendo destacar, como exemplos, a distribuição do fundo partidário, em parte igualitariamente, e em parte levando em conta a proporção dos votos obtidos (Lei nº 9.096/95, art. 41), em raciocínio que vale também para a distribuição do tempo da propaganda eleitoral no rádio e na televisão (Lei nº 9.504/97, art. 47, § 2º), a previsão de sorteio para distribuição dos outdoors, de modo a evitar que determinado candidato obtenha, por meios escusos ou pelo poder econômico, pontos de maior impacto visual (Lei nº 9.504/97, art. 42).

Cumpre destacar, outrossim, no que diz respeito à organização das eleições, a polêmica reserva de número de lugares para candidatos do sexo feminino (Lei nº 9.504/97, art. 10, § 3º).

Note-se a interessante redação do dispositivo que evita tocar na expressão "sexo feminino", tal qual fazia a revogada Lei nº 9.100/95, limitando-se a assegurar apenas uma proporção mínima de trinta por cento e máxima de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.

A inovação, ao que parece, tencionou conciliar a norma com a Constituição Federal, como se, em nossa sociedade acentuadamente machista, houvesse possibilidade de as candidaturas do sexo masculino não virem a atingir o percentual mínimo de trinta por cento.

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Em verdade, a constitucionalidade da norma decorre do princípio da razoabilidade, tendo em vista a notória dominação dos partidos políticos por pessoas do sexo masculino, conforme deixa transparecer o elevando número de candidatos homens eleitos, quando comparado ao número de mulheres.

2.4.Princípio do contraditório

O princípio do contraditório possui assento constitucional, constituindo mesmo inatingível direito individual, eis que o art. 5º, inciso LV, da Carta Magna estatui que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Ensina Nelson Nery Jr. que "por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem as atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de realizar as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos prioritariamente no processo em todos os seus termos." [13]

No mesmo sentido, manifesta-se José Frederico Marques, para quem "com o contraditório, torna-se inviolável o direito do litigante de propugnar, durante o processo, com armas legais, a defesa de seus interesses, a fim de convencer o juiz, com provas e alegações, de que a solução da lide lhe deve ser favorável. Para isso, cumpre que lhe seja permitido fazer provas, tomar ciência das alegações de seu adversário e das provas que também este produzir, ou pretenda produzir." [14]

Na legislação eleitoral, encontram-se inúmeras manifestações do princípio do contraditório, como, por exemplo, a previsão de resposta do réu nas mais variadas espécies de processo eleitoral: impugnação ao pedido de registro de candidatura (Lei Complementar nº 64/90, art. 4º), investigação judicial eleitoral (Lei Complementar nº 64/90, art. 22, inciso I, alínea "a"), representação por descumprimento da lei eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 96, § 5º), dentre outros exemplos.

No direito processual eleitoral, outras interessantes questões também surgem envolvendo o princípio do contraditório.

Na esfera recursal, o principal apelo em matéria eleitoral, nas instâncias ordinárias, trata-se do recurso inominado previsto no art. 265 do Código Eleitoral. Em seu rito procedimental, existe a possibilidade do exercício da réplica por parte do recorrente, no caso em que o recorrido junte novos documentos com a sua resposta, em clara manifestação do princípio em análise.

Outro ponto interessante é a previsão, no rito de alguns processos eleitorais, da publicação da decisão em cartório ou em sessão, objetivando-se, com tal providência, acelerar o procedimento em busca de seu desfecho. Exemplo disso é a impugnação ao pedido de registro de candidatura: estabelece a Lei Complementar nº 64/90, em seu art. 8º, que o Juiz Eleitoral apresentará a sentença em cartório três dias após a conclusão dos autos, começando a fluir daí o tríduo legal para a interposição de recurso para o Tribunal Regional Eleitoral. Ali aportando, o apelo será julgado independentemente da publicação de pauta (art. 10, par. único).

Como se percebe, os procuradores das partes devem dispensar especial atenção na tramitação desses processos, sob pena de perder os exíguos prazos previstos em lei.

Entrementes, procurando evitar situações iníquas e de forma a preservar o princípio do contraditório, o Tribunal Superior Eleitoral tem atenuado o rigor legal, passando a entender que a dispensa da intimação apenas terá lugar quando o órgão julgador observar os prazos estabelecidos na legislação. [15]

Note-se que em se tratando dos "prazos impróprios", assim denominados porque dirigidos ao próprio órgão judicante ou a seus auxiliares, costuma a doutrina afirmar que eles apenas ensejam conseqüências de ordem disciplinar, não produzindo efeitos dentro do processo. [16]

No caso que se analisa, porém, percebe-se claramente que o descumprimento de um prazo impróprio acarreta efeitos endoprocessuais, eis que, uma vez argüido o vício, anula-se a decisão para que outra seja proferida, em homenagem ao princípio do contraditório.

Quanto à liminar inaudita altera pars, entende-se, de modo uníssono, que essa providência de urgência não vulnera o princípio do contraditório, que no caso fica apenas diferido para ser exercido em outra oportunidade. [17]

Como não poderia deixar de ser, também o processo eleitoral admite essas espécies de provimentos de urgência, valendo citar a possibilidade de o Corregedor, em ação de investigação judicial eleitoral, determinar a suspensão do ato inquinado de abusivo do poder econômico, uma vez verificando a relevância do fundamento (Lei Complementar nº 64/90, art. 22, inciso I, alínea "b").

Frise-se que até mesmo em processos em que não há essa previsão expressa na lei, admite-se largamente a concessão de liminares com base no poder geral de cautela, como, por exemplo, nas representações por descumprimento da Lei nº 9.504/97 (art. 96).

2.5.Princípio dispositivo

O princípio dispositivo manifesta-se sob dois aspectos: por primeiro, significa dizer que a máquina judiciária apenas se movimenta mediante atividade das partes (inércia da jurisdição) [18] e, sob outro ângulo, "consiste na regra de que o juiz depende, na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto às provas e às alegações em que se fundamentará a decisão". [19]

No direito processual eleitoral, tem plena e irrestrita aplicação o primeiro dos aspectos supracitados. Com efeito, não obstante o poder de polícia de que é dotado o magistrado eleitoral, é-lhe vedado iniciar qualquer espécie de processo.

Exemplo emblemático do que ora se afirma aconteceu com as representações visando à apuração de irregularidades na propaganda eleitoral. Nessa matéria, é muito comum a atuação preventiva dos magistrados eleitorais, fazendo cessar a prática ilícita, com fundamento no art. 249 do Código Eleitoral. [20]

Tal circunstância, como se percebe, parece mitigar o princípio dispositivo, mas não é bem assim. Em realidade, a atuação ex officio do membro da Justiça Eleitoral tem como escopo tão-só a manutenção da ordem pública, assemelhando-se à polícia administrativa, e não a prestação jurisdicional propriamente dita, mediante a aplicação do direito objetivo ao caso concreto. De fato, essa prestação jurisdicional depende de prévia atuação das partes, sendo proscrito ao juiz a ativação do poder jurisdicional.

Justamente por desconhecimento dessas peculiaridades, alguns juízes eleitorais, especialmente nas eleições de 1998, tão logo exerciam o poder de polícia na propaganda eleitoral, instauravam, por meio de portarias, as ditas representações, em atuação inteiramente divorciada do papel do Poder Judiciário enquanto órgão estatal incumbido de dirimir conflitos.

Coibindo essa prática equivocada, o Tribunal Superior Eleitoral, na via recursal, anulou todos os processos assim iniciados, culminando por editar a Súmula nº 18, com o seguinte teor: "Conquanto investido de poder de polícia, não tem legitimidade o juiz eleitoral para, de ofício, instaurar procedimento com a finalidade de impor multa pela veiculação de propaganda eleitoral em desacordo com a Lei nº 9.504/97."

Sob o segundo aspecto do princípio dispositivo – inércia do juiz na instrução da causa – a doutrina tem apontado uma certa mitigação, eis que, "diante da colocação publicista do processo, não é mais possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial." [21]

Assim sendo, cada vez mais se defere ao juiz poderes instrutórios, não ficando o direito eleitoral afastado dessa realidade. De feito, tendo em vista o interesse eminentemente público presente nas lides eleitorais, almejando-se em última análise a preservação da vontade popular, divisa-se na legislação eleitoral diversos dispositivos que acolhem essa orientação.

Para ficar apenas na Lei Complementar nº 64/90, pode-se mencionar os arts. 5º, § 2º, e 22, inciso VI, que permitem ao julgador, nas impugnações aos pedidos de registro de candidatura e nas investigações judiciais eleitorais, determinar diligências de ofício; os arts. 7º, par. único, e 23, que, naqueles mesmos processos, determinam que o órgão sentenciante forme sua convicção pela livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes, ainda que não alegados pelas partes.

2.6.Princípio do impulso oficial

Uma vez ativada a jurisdição mediante a iniciativa das partes (princípio dispositivo), cumpre ao juiz determinar o prosseguimento do processo, tendo em vista razões de interesse público, na medida em que não se admite a perpetuação dos litígios, impondo-se ao Poder Judiciário a rápida prestação jurisdicional. Tem-se, assim, o princípio do impulso oficial.

No processo eleitoral, o princípio em análise tem plena e especial aplicação, tendo em conta a celeridade que deve informar a atuação da Justiça Eleitoral. Assim, por exemplo, nas representações por descumprimento da Lei nº 9.504/97 determina esse diploma legal, em seu art. 96, § 5º, que, uma vez recebida a inicial, o órgão jurisdicional notifique imediatamente o representado para apresentação de defesa, notando-se semelhante mandamento no rito da investigação judicial eleitoral (Lei Complementar nº 64/90, art. 22, inciso I, alínea "a").

Interessante norma encontra-se contida no art. 279, § 4º, do Código Eleitoral, que defere ao Presidente do Tribunal Regional Eleitoral a possibilidade de interferir na instrução do agravo de instrumento dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral. Semelhante disposição, longe de espelhar o princípio do impulso oficial, parece indevida intromissão do órgão judiciário em ônus que, em tese, incumbe somente à parte recorrente. [22]

2.7.Princípio da oralidade

Pelo princípio da oralidade as atividades das partes são feitas na forma oral, principalmente em audiência, sem prejuízo de que sejam reduzidas a termo (documentação), a fim de que lhes seja conferido um caráter de durabilidade.

Segundo Chiovenda, para que seja outorgada a nota da oralidade a um determinado processo, impõem-se as seguintes regras: prevalência da palavra como meio de expressão combinada com uso de meios escritos de preparação e de documentação; imediação da relação entre o juiz e as pessoas cujas declarações deve apreciar; identidade das pessoas físicas que constituem o juiz durante a condução da causa; concentração do conhecimento da causa num único período (debate) a desenvolver-se numa audiência ou em poucas audiências contíguas (princípio da concentração); e, finalmente, irrecorribilidade em separado das interlocutórias. [23]

Manifestação mais pura do princípio da oralidade no direito processual eleitoral ocorre com as impugnações à apuração perante as Juntas Eleitorais, as quais devem ser feitas sob a forma oral, e, uma vez decidida, pode a parte prejudicada interpor recurso também verbalmente, dispondo, nesse caso, do prazo de 48 horas para juntada das razões da irresignação, tudo sob pena de preclusão (Código Eleitoral, art. 169).

Quanto ao subprincípio da concentração, percebe-se sua aplicação nos processos de impugnação ao pedido de registro de candidatura e de investigação judicial eleitoral, pois, em ambos, as testemunhas de acusação e de defesa devem ser ouvidas em uma só assentada (Lei Complementar nº 64/90, arts. 5º, § 1º e 22, inciso V).

Já em relação à questão da irrecorribilidade em separado das interlocutórias é muito difícil encontrar exemplos de sua aplicação na forma mais pura, salvo no processo do trabalho. No direito processual eleitoral, sua única manifestação mais nítida ocorre nas investigações judiciais eleitorais, nas quais assentou o Tribunal Superior Eleitoral, em face da celeridade que deve presidir esses feitos, que as decisões interlocutórias ali proferidas são irrecorríveis, sendo impugnáveis apenas por ocasião da decisão final, não ocorrendo na espécie o fenômeno da preclusão. [24] Para sanar a lesividade que um provimento interlocutório tomado em investigação judicial pode causar, o Tribunal Superior Eleitoral tem admitido largamente o uso do mandado de segurança. [25]

Mas esse subprincípio não se manifesta apenas no simples descabimento de recurso contra decisão interlocutória. Mais do que isso, aceita-se a aplicação da cláusula quando, ainda que impugnável a interlocutória, o manejo do recurso não suspenda o curso do processo, ou seja, abre-se a via recursal, porém sem efeito suspensivo. Esse aspecto sim, tem lugar em praticamente todos os procedimentos levados a cabo pela Justiça Eleitoral, eis que, salvo em hipóteses excepcionais, previstas em lei, os recursos eleitorais não são dotados de efeito suspensivo (Código Eleitoral, art. 257. [26]

2.8.Princípio da publicidade

Possui o princípio da publicidade status constitucional, a teor do que prescreve o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Prelecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco que "o princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição. A presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores públicos e advogados. Em última análise, o povo é o juiz dos juízes. E a responsabilidade das decisões judiciais assume outra dimensão, quando tais decisões hão de ser tomadas em audiência pública, na presença do povo." [27]

Como se percebe, o princípio da publicidade vem ao encontro do ideal democrático que cumpre à Justiça Eleitoral observar de forma irrestrita.

É certo que o princípio em referência não assume caráter absoluto, prevendo o mesmo dispositivo constitucional que o assenta que pode a lei, "se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes."

Alguns desses casos excepcionais são previstos no próprio texto constitucional, interessando ao presente estudo o preceito do art. 14, § 11, que determina que a ação de impugnação de mandato eletivo tramite em segredo de justiça.

Ocorre que interpretando esse dispositivo em face do princípio da publicidade insculpido no art. 93, inciso IX, assentou o Tribunal Superior Eleitoral que embora a tramitação da ação de impugnação de mandato mantenha caráter sigiloso, seu julgamento será público. [28] Já se pode notar assim a importância conferida ao princípio da publicidade dos atos processuais.

Ponto tormentoso também ocorre em relação à publicidade das declarações de bens apresentadas pelos candidatos por ocasião dos pedidos de registro de candidatura e das prestações de contas. Muito se questionou a respeito da possibilidade de entrega de cópias dessas declarações a terceiros, principalmente aos órgãos de imprensa. Pacificando a matéria, em face da renitência de alguns Tribunais Regionais em emitir esses dados, assentou o Tribunal Superior Eleitoral que as declarações de bens devem se tornar disponíveis a todos os interessados, mercê justamente do caráter público dos processos de registro de candidatura e de prestação de contas. [29]

2.9.Princípio da lealdade processual

A doutrina moderna, com reflexos na legislação mais recente, tem conferido maior ênfase ao princípio da lealdade processual. Por esse princípio, impõe-se a todos os participantes do processo (partes, advogados, juízes, membros do Ministério Público e auxiliares da justiça) deveres de ética e honestidade.

No direito eleitoral, encontram-se diversas disposições que buscam reprimir ofensas ao princípio da lealdade processual, a começar pela Constituição Federal, que, em seu art. 14, § 11, determina a punição do autor de ação impugnação de mandato eletivo intentada de forma temerária ou com manifesta má-fé.

Semelhante mandamento incide sobre a investigação judicial eleitoral, com a agravante de que constitui crime, punível com pena cumulada de detenção e multa, o ajuizamento dessa ação de modo temerário, a teor do que prescreve o art. 25 da Lei Complementar nº 64/90.

2.10.Princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas

Os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas encontram-se intimamente ligados, daí serem estudados em conjunto.

O primeiro desses princípios – economia processual – significa que a máquina judiciária deve despender o mínimo possível de esforço com vistas a fornecer uma efetiva prestação jurisdicional. Assim é que, no direito processual civil, vem se outorgando maiores poderes aos relatores para decidir monocraticamente os recursos sob apreciação dos tribunais. Mesmo sem alteração legislativa formal nesse sentido, a Justiça Eleitoral não ficou indiferente a esses avanços, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 557 do Código de Processo Civil ao rito dos recursos eleitorais. [30]

Já o princípio da instrumentalidade das formas consiste no aproveitamento dos atos processuais, quando, realizados de uma determinada forma, ainda que não sendo aquela prescrita em lei, tenha atingido sua finalidade e não cause prejuízo a qualquer das partes ou ao interesse público.

Afirmam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini que com a adoção do princípio da instrumentalidade das formas, manifestação da cláusula pas de nullité sans grief, "prestigia-se o conteúdo, e não a forma, somente se lhe exigindo quando sua ausência implicar não ser alcançada a finalidade. Mas, para que o princípio da instrumentalidade seja aplicado, é mister verificar se, inobservada a forma prescrita, o escopo do ato foi alcançado, não tendo sido causado prejuízo quer às partes, quer ao processo. O que se busca é afastar o culto exacerbado da forma, sem cair no extremo oposto: liberdade total dos sujeitos processuais." [31]

Especificamente no direito eleitoral, cumpre mencionar que o art. 219 do Código Eleitoral [32], que traduz materialização da instrumentalidade das formas, muito embora localizado no capítulo "Das Nulidades da Votação", constitui vetor que orienta toda a interpretação e aplicação da lei eleitoral, sendo de se aplicar a todos os processos em curso perante a Justiça Eleitoral. [33]

2.11.Princípio da preclusão

Como é fartamente sabido, o fim último do processo é servir de instrumento para o pleno exercício da jurisdição com vistas à pacificação social. Como tal, deve o processo seguir marcha em caminho da sentença final, abstendo-se a máquina judiciária, assim, de voltar a fases passadas.

Justamente por isso, criou-se a idéia de preclusão, que pode ser conceituada, segundo Chiovenda, como "a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual." [34]

A preclusão pode ser de três espécies: consumativa, que ocorre pelo fato de já se haver exercitado regularmente a faculdade processual; lógica, consistente na prática de um ato incompatível com o exercício da faculdade; e, finalmente, aquela espécie que mais interessa ao presente estudo, a preclusão temporal, que incide "sobre a parte que devendo praticar um determinado ato, deixou de praticá-lo na forma e tempo previstos em lei." [35]

No direito eleitoral, assume especial importância o instituto da preclusão, em face principalmente da celeridade que deve informar o processo eleitoral. [36] Com efeito, dispõe o art. 259 do Código Eleitoral que "são preclusivos os prazos para interposição de recurso, salvo quando neste se discutir matéria constitucional."

Pode-se assim dizer que permanecendo inerte o interessado em aviar o recurso, considera-se consumada a preclusão temporal.

A mais importante manifestação prática do princípio da preclusão sucede em relação aos recursos contra a apuração das eleições, que não serão admitidos caso não haja prévia e oportuna impugnação perante o Junta Eleitoral. Assim não se procedendo, considera-se preclusa a matéria (Código Eleitoral, art. 171).

Mas não apenas a atividade das partes pode render ensejo à preclusão. De fato, cogita a doutrina da preclusão pro judicato, incidente sobre o órgão julgador. Costuma-se afirmar que essa espécie de preclusão apenas pode tomar a forma lógica ou consumativa, não havendo falar em preclusão temporal pro judicato, já que não sucederia conseqüências endoprocessuais no descumprimento dos prazos por parte do juiz (prazos impróprios). Como já se afirmou, porém, no direito eleitoral pode sim a inércia do magistrado produzir efeitos internos ao processo. [37]

2.12.Princípio da celeridade processual

Assim como o instituto da preclusão, o princípio da celeridade processual merece especial relevo no direito processual eleitoral. De fato, muito se comenta acerca da rapidez e eficiência com que são resolvidos os litígios postos à apreciação da Justiça Eleitoral.

Interessante manifestação do princípio em estudo ocorre em relação ao prazo para interposição de recurso extraordinário contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Não obstante o art. 508 do Código de Processo Civil e o art. 26 da Lei nº 8.038/90 disponham que aquele prazo é de quinze dias, independentemente do tipo de matéria veiculada no extraordinário, vem reiteradamente entendendo o Supremo Tribunal Federal que, em se tratando de recurso extraordinário eleitoral, deve-se observar o prazo de três dias. Frise-se que o mesmo raciocínio vale para o agravo de instrumento contra decisão denegatória de trânsito do apelo extraordinário, por força do art. 282 do Código Eleitoral. [38]

Também por força do princípio da celeridade, o Tribunal Superior Eleitoral, afastando a prerrogativa institucional do Ministério Público de ser intimado mediante vista dos autos, determinou por meio da Resolução nº 20.951, de 13.12.2001, que a intimação do órgão ministerial nos processos em curso nos Juizados Auxiliares se faça mediante o simples encaminhamento de cópia da decisão. [39]

Ressalte-se que essa duvidosa orientação já se encontrava assentada na jurisprudência do TSE em relação aos processos regidos pela Lei Complementar nº 64/90, nos quais contava-se o prazo recursal da apresentação da sentença em cartório, independentemente da intimação pessoal do membro do Ministério Público. [40]

Tal a importância do princípio da celeridade, que o Tribunal Superior Eleitoral já teve oportunidade de prestigiar essa cláusula em detrimento do princípio da busca da verdade real, na medida em que não admitiu a produção de prova testemunhal nas reclamações por descumprimento da Lei nº 9.504/97, justamente em virtude da celeridade que devem possuir aqueles feitos. [41]

Cumpre destacar, por fim, como forma de demonstrar a relevância conferida pela legislação eleitoral à observância dos prazos previstos para os órgãos da Justiça Eleitoral, que, a par dos efeitos endoprocessuais que o descumprimento dos prazos impróprios acarreta [42], o Código Eleitoral tipifica como crime punível com a pena de multa a inobservância dos prazos legais para o exercício dos deveres impostos por aquele Estatuto (art. 345).

Sobre o autor
Marcílio Nunes Medeiros

procurador federal, especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Marcílio Nunes. Algumas manifestações dos princípios do direito processual civil no processo eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 212, 3 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4778. Acesso em: 22 dez. 2024.

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