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Leis fundamentais do Maranhão: pioneirismo pré-constitucional na américa e vinculação normativa

Agenda 30/03/2016 às 12:49

As Leis Fundamentais do Maranhão (16012) possuem valor constitucional material e densidade normativo-jurídica superior e, levando-se em conta os fatores da cronologia e da territorialidade, são a primeira manifestação pré-constitucional na América.

1. Introdução. 2. As Leis Fundamentais do Maranhão. 3. Valor Constitucional. 4. Densidade Normativa. 5. Pioneirismo pré-constitucional. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.

RESUMO

As Leis Fundamentais do Maranhão (16012) com o propósito de constituir um Estado soberano no território maranhense, legitimado pela vontade convergente de colonizadores e colonizados, assim como pelo poder temporal e pelo poder divino, estabelecia e garantia direitos gerais, determinava a organização política do Estado assim como limitava o poder. Algumas regras nelas contidas não poderiam ser violadas nem mesmo pelo monarca francês. Nestes termos, é lícito afirmar que o documento possui valor constitucional material e densidade normativo-jurídica superior, e levando-se em conta os fatores da cronologia e da territorialidade, as Leis Fundamentais do Maranhão são a primeira manifestação pré-constitucional na América.

1. Introdução

Considerável parte da doutrina constitucional trata o movimento do constitucionalismo como fruto do marco histórico sucedido na Europa nas ultimas décadas do século XVIII, período fundamentalmente marcado pelo rompimento com os ideais do Estado absolutista.

Tais doutrinadores alegam que somente a partir das revoluções, movidas pelos ideais iluministas, pode-se falar em Estado Constitucional e, por conseguinte, em constitucionalismo. No entanto, tal visão pode ser vista como exacerbadamente formal e permite a conclusão equivocada de que não houve manifestações constitucionais que antecedessem o citado momento histórico.

Seria mais apropriado afirmar que somente a partir das revoluções burguesas do século XVIII a humanidade se viu diante do chamado Estado Legal (representado pela independência dos Estados Unidos e pela Constituição dos Estados Unidos da América), pois o Estado Constitucional, em si, já podia ser observado em outros momentos da história. Falar-se, pois, em constitucionalismo restringindo-se ao dado momento histórico seria limitar a noção de constituição ao seu aspecto jurídico, à sua perspectiva formal. Não deve ser olvidado o fato de que constituição também existe em sentido material e em sentido substancial, tomada sob uma perspectiva política.

Nestes termos, tomadas em conta as demais perspectivas de constituição, é lícito e conveniente enquadrar o objeto do presente artigo (as Leis Fundamentais do Maranhão) no chamado pré-constitucionalismo, pois se trata de um documento constitucional dotado de uma finalidade orgânica e institucional que data de um período anterior ao constitucionalismo moderno e que possui elementos embrionários do mesmo, presentes ainda hoje nas constituições modernas.

2. As Leis Fundamentais do Maranhão

Com o intuito de instalar no “novo e promissor continente” uma nova França, os franceses, na figura de François de Rasilly, o Barão de Sansy, e Daniel de la Touche, o senhor de Ravadiére, enviados para o nosso território no século XVII, mediante contrato firmado com o rei da França, viram no território maranhense uma das possibilidades de concretizar tal empreendimento que, no Maranhão, recebeu o nome de França Equinocial e teve como marco a fundação de São Luís em 8 de setembro de 1612. Os mesmos possuíam liberdade e poder para estabelecer os ditames necessários para a construção da França Equinocial como, por exemplo, leis, polícia, etc.

As Leis Fundamentais serviriam como legitimação para reconhecimento do novo território e ainda como instrumento legal, para regular as ações dos indivíduos. A referida legitimação é comprovada através dos fatos relatados que explicitam a vontade política dos habitantes de assim constituírem um novo Estado baseados em atos simbólicos que muito tem a dizer em relação à força normativa das Leis fundamentais do Maranhão.

A cruz plantada pelos índios (habitantes nativos) juntamente aos franceses (colonizadores) em sinal de dominação de um território, assim como as procissões, estandartes e exposição das armas de França são exemplos destes atos simbólicos que caracterizam a vinculação normativa das Leis Fundamentais do Maranhão tanto aos índios nativos quanto aos franceses colonizadores.

3. Valor Constitucional

São várias as acepções em torno das quais pode girar o significado da palavra constituição. Uma destas acepções é aquela segundo a qual uma sociedade dotada de organização política, de instrumentos limitadores do poder e de garantias de direitos é regida por uma diretriz ou um conjunto de diretrizes que pode ser denominado de constituição. Esta concepção é uma daquelas que permite falar-se em constitucionalismo independentemente de um dado momento histórico (o século XVIII). Neste contexto, fala-se, pois, de constituição material. As Leis Fundamentais do Maranhão são prova de que a intenção dos franceses que aqui desembarcaram não era, simplesmente, comercial, mercantil e menos ainda exploratória. O intuito principal era de estabelecer aqui a chama França Equinocial, um Estado que deveria ser instituído e organizado a partir da referida norma.

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Tomar a palavra constituição em seu aspecto material não significa, no entanto, opô-lo à ideia proposta pelo aspecto formal do termo. Uma coisa não exclui a outra, ao revés, o grande propósito e maior desafio das constituições em vigor hodiernamente é harmonizar as duas perspectivas, o ideal no Estado Democrático de Direito é que ambas estejam presentes. Para evitar, portanto, equívocos indesejados em relação à materialidade das Leis Fundamentais do Maranhão, tratar-se-á de seu valor constitucional sob uma perspectiva substancial, ou seja, sob os olhos de quem busca aquilo que é estritamente necessário, essencial, fundamental para que se possa dizer que uma sociedade tem sua organização pautada em normas devidamente legitimadas, que limitem o poder, determinem o modo de aquisição e exercício do mesmo e que sejam capazes de instituir a desejada ordem formando o que se chama de Estado Constitucional (diferente de Estado Legal).

As Leis Fundamentais do Maranhão, por óbvio, não tratam de determinados aspectos constitucionais (como a separação de poderes, por exemplo) com o requinte e a propriedade presente nas constituições liberais justamente por ser anterior ao tempo em que estas surgiram. Nos moldes do sistema político dentro do qual foram criadas as Leis Fundamentais do Maranhão não se podia falar em institutos como este dada a concentração (típica) de poderes nas mãos do rei e ao domínio cultural exercido pela Igreja Católica. Não obstante tais fatores, estavam previstos nas Leis Fundamentais “dispositivos” asseguradores de direitos dos nativos, da organização administrativa, além do desejo mútuo de nativos e colonizadores de ali instituírem um Estado (o Estado da França Equinocial) regido por este regime normativo que não coincidia com o que, pelo Tratado de Tordesilhas, deveria regulamentar aquela região, ou seja, as leis portuguesas. Claro é, no entanto, que devem ser relvados e que, portanto, não eximem de caráter constitucional as Leis Fundamentais do Maranhão o fato de estas não terem a “perfeição” relativa às constituições modernas e contemporâneas nem o fato de possuir determinadas feições teológicas porque tais fatores simplesmente se enquadram à realidade social da época na qual tais leis foram criadas, ou seja, o século XVII e, portanto, no pré-constitucionalismo.

4. Pioneirismo Pré-constitucional na América

Documentos como a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (mais precisamente a Carta da Virginia) e o Pacto de Mayflower, considerada a perspectiva material de constituição, são aqueles frequentemente apontados pela doutrina em geral como os pioneiros na expressão constitucional na América. Comprovado o valor constitucional das Leis fundamentais do Maranhão, merece registro o fato de estas, em verdade, configurarem o primeiro exemplo de manifestação pré-constitucional no continente americano, dado que a maioria dos estudiosos do Direito Constitucional desconhece.

A Declaração da Virgínia, mais especificamente a carta da Virginia (1606), merece esse destaque por ser cronologicamente anterior às Leis Fundamentais do Maranhão além de ser a primeira manifestação formal que reconheceu direitos inerentes à pessoa humana com base nos ideais iluministas. Um fator, no entanto, lhe retira o caráter pioneiro. Este fator é o da territorialidade. Pesa em favor do pioneirismo das Leis Fundamentais do Maranhão o fato de estas terem sido criadas e publicadas em solo americano, o que não ocorre com a Declaração do Bom Povo da Virgínia.

Já o Pacto de Mayflower é considerado como primeira manifestação pré-constitucional na América por muitos em decorrência do fato de ter normas que muito bem expressam a organização, a extensão e o fracionamento do governo, sendo assim um importante elemento embrionário do constitucionalismo moderno e grande contribuinte das atuais constituições. Em que se pese o fato de o Pacto de Mayflower haver sido formalizado em território americano, o documento deixa de ser pioneiro em razão do fator cronológico.

Em suma, as Leis Fundamentais do Maranhão (1612, criadas e publicadas em solo americano) são dotadas de pioneirismo pré-constitucional na América por dois fatores que as privilegiam em relação a seus dois principais “concorrentes” que são o Pacto de Mayflower (1620, formalizadas em solo americano) e a Carta da Virginia (1606, não produzida na América). Estes dois fatores são: a cronologia e a territorialidade.

5. Densidade Normativa      

A vontade convergente, e é muito importante que assim se diga, de colonizadores e colonizados, de índios e de franceses, em constituir um Estado Soberano e com bases no poder temporal e no poder divino (comum à época) é de fundamental importância para que as Leis Fundamentais do Maranhão tenham a primeira característica capaz de conferir a devida densidade normativa a essas Leis, qual seja: a legitimidade.

 Normas protetivas de direitos como a integridade física e a propriedade privada, assim como normas determinadoras e organizadoras do poder de polícia, normas que protegem as minorias, no caso os índios, estão presentes nas Leis Fundamentais do Maranhão e são pressupostos que ainda hoje são encontrados na grande maioria das constituições modernas e contemporâneas. Estas normas são validas bilateralmente, ou seja, vinculam as duas faces dessa relação, quais sejam: índios e franceses. A característica da generalidade dessas normas é o segundo plano a conferir densidade normativo-jurídica às Leis Fundamentais do Maranhão.

Outro ponto importante para a determinação da densidade normativa destas Leis é o fato de que apesar de ainda haver resquícios de vinculação às normas da França (Estado também soberano) as Leis Fundamentais do Maranhão continham regras que nem mesmo o monarca francês poderia ignorar, violar ou transpor. Daqui conclui-se o caráter normativo superior das Leis Fundamentais do Maranhão.

Munidos destes pressupostos, é lícito afirmar que as Leis Fundamentais do Maranhão - ao instituírem um Estado Soberano, regido por normas de cunho organizador e limitador do poder, assim como normas que são prendadas de generalidade, ou seja, incidentes sobre todos aqueles que vierem a formar parte desse Estado enquanto elemento humano – são dotadas de um caráter normativo jurídico superior, legítimo e geral.

6. Conclusão

Elaboradas em 1º de novembro de 16012, as Leis Fundamentais do Maranhão -com o propósito de legitimar um Estado Constitucional em nosso território composto por franceses e nativos – foram comprovadamente o primeiro documento constitucional de que se tem noticia a ser elaborado em terras americanas .

As Leis Fundamentais possuíam valor normativo superior, pois trataram da organização e legitimação do Estado, e ainda estabeleceram direitos e garantias que incidiam sobre todos aqueles que faziam parte da França Equinocial. O Estado era soberano, devido a sua legitimação decorrente do poder monárquico, o qual era concebido a partir da relação entre poder natural e divino, que eram aceitos pelos nativos, através dos rituais simbólicos existentes e da catequização dos mesmos, o que era um propósito tanto dos índios quanto dos franceses.

As Leis Fundamentais do maranhão, portanto, são um documento dotado de valor constitucional material, legitimidade e densidade normativo-jurídica superior, assim como a primeira manifestação do chamado pré-constitucionalismo no continente americano.

7. Bibliografia

SANTANA, José Cláudio Pavão. O pré-constitucionalismo na América. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2010.

SANTANA, José Cláudio Pavão. Pré-constitucionalismo na América: Uma abordagem

acerca de manifestações constitucionais nas terras do Maranhão do século XVII. São

Luís: Ediceuma, 1997.

Sobre a autora
Mariana Balby Mendonça Santos

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

Informações sobre o texto

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