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A Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais:

estudo sobre o Direito dos Tratados e o Direito Constitucional brasileiro

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

4. O STF E OS TRATADOS INTERNACIONAIS

Neste tópico a intenção é apenas traçar alguns pontos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como também identificar a interpretação dada pelo Tribunal aos tratados internacionais, sejam os tratados convencionais e os tratados de direitos humanos. Em suma procurar vislumbrar o tratamento dispensado pelo Supremo Tribunal Federal aos pontos polêmicos concernentes aos conflitos existentes entre o ordenamento jurídico interno e o direito internacional.

4.1 Tratados e lei interna [38]

É posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde o final dos anos setenta, em acolher o sistema paritário que equipara juridicamente o tratado internacional à lei ordinária federal. Tendo como marco desta posição o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em 1977.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 80.004 – SE

(Tribunal Pleno)

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cunha Peixoto.

Recorrente: Belmiro da Silveira Góes.

Recorrido: Sebastião Leão Trindade

Convenção de Genebra – Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias – Aval aposto à Nota Promissória não registrada no prazo legal – Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei nº 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

(R.T.J. 83, p. 809-48).

O Supremo Tribunal Federal decidiu por uma paridade existente entre o tratado internacional e a lei ordinária federal, "por conseqüência, concluiu ser aplicável o princípio de que a norma posterior revoga a norma anterior com ela incompatível". [39]

O que ficou decidido na oportunidade, é que na ausência de uma norma constitucional que atribua prevalência ao tratado internacional sobre a lei interna, deve-se dar valor ao entendimento firmado no Poder legislativo.

Para MAGALHÃES o raciocínio desenvolvido no muito criticado acórdão "é o de que o processo legislativo brasileiro está previsto na Constituição da República, dele não constando o tratado, nem qualquer indicação de eventual posição hierárquica sobre a lei ordinária. A única exceção é a estabelecida pelo Código Tributário Nacional, que confere superioridade do tratado sobre a lei e que prevalece por se tratar de lei complementar à Constituição. Sendo assim, se tratado revoga lei, por ser a ela posterior, a lei também revoga-lo, independentemente de o país continuar obrigado a cumpri-lo na esfera internacional, por não tê-lo denunciado". [40]

4.2 A ratificação dos tratados e o STF

O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a provação ou referendo do Poder legislativo, com a conseqüente troca ou depósito no na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo.

Tal argumento fez com que o Supremo Tribunal Federal, proferisse decisão no sentido de recusar o cumprimento de carta rogatória expedida pela Argentina, [41] alegando que a Convenção sobre Cumprimento de Medidas Cautelares celebradas pelo Brasil no âmbito do Mercosul, [42] mesmo tendo sido ratificado, não se encontrava em vigência no direito interno face a ausência do decreto de promulgação do Chefe do Poder Executivo.

Precisamos identificar que "essa decisão de um pedido de cumprimento de rogatória expedida pela República Argentina, com base na referida Convenção, segundo a qual as Partes obrigaram-se a executar medidas cautelares pedidas por qualquer dos países dela signatários. Normalmente as medidas cautelares, por resultarem em atos de coerção determinados por sentença judicial, devem ser objeto de prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para isso competente, segundo estabelecido pela alínea h do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal. A mesma Corte é também competente para dar cumprimento a cartas rogatórias, cujo objetivo é o de pedir ao País rogado a execução de determinada providência judicial, como citação, produção de provas e outras". [43]

Para HERRERA VEGAS, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de aplicar aos tratados do Mercosul a doutrina dualista e exigir o ditame de uma norma de incorporação, "criou insegurança nas relações jurídicas entre nossos países. Nesse caso o ministro presidente CELSO DE MELLO mostrou que o Protocolo de Medidas Cautelares, um dos tratados de Ouro Preto firmados em 1994, não estava vigente entre os países do Mercosul, apesar de sua aprovação parlamentar e de sua ratificação pelo presidente, já que não havia sido incorporado ao direito positivo brasileiro porque requeria uma norma especial, um decreto do presidente da República. Deve-se lembrar que esse Protocolo está vigente nos demais Estados-membros da união aduaneira.

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A aplicação do dualismo, doutrina que mantém a separação absoluta entre o direito internacional e o direito interno, aparece como um anacronismo jurídico. Segundo essa posição, o direito internacional é a lei entre os Estados soberanos e o direito interno se aplica dentro de um Estado e regulamenta as relações entre seus cidadãos e com o Estado. O dualismo não se compadece com o aumento das relações jurídicas coincidente com a atual situação internacional, e é por isso que foi abandonado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência internacional. Inclusive pela Corte Constitucional da Itália, país que deu origem e principal sustento à doutrina.

Essa decisão causou maior surpresa porque é contrária à doutrina do monismo atenuado que tradicionalmente sustenta a doutrina brasileira. Quer dizer que os tratados entram em vigência logo depois do câmbio ou depósito de seus instrumentos de ratificação, salvo se o tratado indique expressamente outra coisa. Essa é a posição que sustenta, nesse caso, o procurador-geral da República ao manter a vigência do Protocolo de Medidas Cautelares. A sentença cria uma grande insegurança jurídica e põe em dúvida os fundamentos legais do Mercosul, já que seus tratados não têm uma norma de incorporação ao direito interno como a exigida nesse caso, na decisão do ministro presidente.

Deve-se considerar que os tratados envolvem outros membros da comunidade internacional, nesse caso os outros Estados partes do Mercosul e estes negociam de boa-fé suas obrigações internacionais e não esperam que a legislação interna lhes seja contrária, como exceção para não cumprir com os compromissos internacionais. Para isso há a norma estabelecida na Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, que diz Artigo 27: O direito interno e a observância dos tratados. Uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do não-cumprimento de um tratado. Exigir uma norma de incorporação de maneira inesperada supõe que os outros Estados partes devam averiguar que normas estão vigentes em sua relação com o Brasil para manter o princípio de reciprocidade básico em nosso processo de integração.

(...).

Nesse caso, a reintegração de uma doutrina em grande medida esquecida tem levado a insegurança jurídica aos países do Mercosul, o que constitui um dos fatos mais negativos desde a assinatura do Tratado de Assunção e põe em perigo nossa credibilidade internacional". (44)

4.3 O STF e os tratados de direito humanos

Como já afirmado, o Supremo Tribunal Federal, contrariando sua própria tradição, ao final dos anos setenta firmou posicionamento no preceito da paridade entre tratados internacionais e a lei ordinária federal. Para o STF, então, leis especiais têm prevalência sobre pactos ou convenções internacionais que lhes sejam posteriores, por serem estes normas infraconstitucionais gerais que, por esse motivo, não são aptos a revogar normas infraconstitucionais especiais anteriores (lex posterior generalis non derogat legi priori especiali).

Lembra MAZZUOLI que segundo expôs "o Ministro JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, do STF, em conferência inaugural ao Simpósio Imunidades Tributárias, coordenado pelo jurista IVES GANDRA MARTINS, o §2º do art. 5º da Carta da República, ‘só se aplica aos Tratados anteriores à CF/88 e ingressam como lei ordinária’. Salienta ainda naquele evento que, quanto aos tratados posteriores, não seria de se aplicar o referido parágrafo, pois, ‘senão por meio de Tratados teríamos Emendas constitucionais a alterar a Constituição’". [45]

Podemos identificar que o STF voltou a aplicar a teoria da paridade, também, em matéria comercial, em 1995, quando do julgamento do recurso de hábeas corpus, relacionado à prisão civil por dívida do depositário infiel. Julgando o HC, de forma a enfrentar a questão do Pacto de São José da Costa Rica (previsão do art. 7º, inciso VII, do referido tratado)

HABEAS CORPUS Nº 79.870-5 – SÃO PAULO

Rel. MOREIRA ALVES

Paciente: GILBERTO B;ASAMO SCARPA

Coator: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA

Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), já firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se ao disposto no artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel.

A essas considerações, acrescenta-se outro fundamento de ordem constitucional para afastar a pretendida derrogação do Decreto-lei nº 911/69 pela interpretação dada ao artigo 7º, item 7º, desse pacto. Se se entender que esse dispositivo, que é norma infraconstitucional, revogou, tacitamente, a legislação também infraconstitucional interna relativa à prisão civil do depositário infiel em caso de depósito convencional ou legal, essa interpretação advirá do entendimento, que é inconstitucional, de que a legislação infraconstitucional pode afastar exceções impostas diretamente pela Constituição, independentemente de lei que permita impô-las quando ocorrer inadimplemento de obrigação alimentar ou infidelidade de depositário.

Hábeas corpus indeferido.

( HC 79.870-5, São Paulo, STF, 1ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Ementário nº 2009-9, D.J. 20.10.2000).

"Acredita-se, ao revés, que conferir grau hierárquico constitucional aos tratados de direitos humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com sua racionalidade e principiologia. Trata-se de interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana – que é valor fundante do sistema". [46]


5. O PROCESSO INTEGRACIONISTA DO CONE SUL

O processo de globalização da economia que se desenvolve no final do século e início do novo milênio, ao mesmo tempo que possibilita, também força a integração regional. O Brasil e alguns países territorialmente próximos, estão envolvidos no processo de integração econômica que se denomina Mercado Comum do Cone Sul - MERCOSUL.

O Tratado de Assunção assinado em 26 de março de 1.991, que deu origem ao MERCOSUL, pretende criar um Mercado Comum. Este tem características próprias que o distinguem de outras formas de organização do comércio internacional, como as zonas de livre comércio e as uniões aduaneiras. Os processos pacíficos de integração seguem etapas definidas que é preciso recordar para avaliarmos aonde o MERCOSUL pretende chegar, e que são: a zona de livre comércio, a união aduaneira, o mercado comum, e depois as uniões econômica e monetária.

5.1 ALALC; ALADI; PICAB, TICD e ACE 14

As experiências integracionistas latino-americana [47] não são recentes, a pouco mais de quarenta anos realizara-se a primeira experiência. A iniciativa deu-se em 1.960 com o primeiro Tratado de Montevidéu que instituiu a ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio. Porém, a ALALC não obteve o sucesso esperado, mas criou conceitos e estruturas vigentes até hoje (pautas alfandegárias, exceções incorporadas às listas de mercadorias em livre circulação, sistema de pagamentos e créditos recíprocos).

O segundo Tratado de Montevidéu de 1.980 criou a ALADI - Associação Latino-Americana de Integração. Esta também estabeleceu conceitos e metodologias vigentes até os tempos atuais. Como, por exemplo, a figura dos acordos parciais, em que participam todos os países-membros, encontra-se no artigo 7º do referido Tratado: a filosofia é que tais acordos serão passos progressivos e pragmáticos na edificação, a longo prazo, do mercado comum latino-americano. Uma destas modalidades é o acordo de complementação econômica previsto no artigo 11, e adotado pelo MERCOSUL.

Todavia, o ponto fundamental no processo integracionista latino-americano foi marcado pela aproximação entre Argentina e Brasil. No mês de julho de 1.986 foi assinada a "Ata para a Integração entre Argentina e Brasil", conhecida como "Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil (PICAB)". Em 1.988 foi firmado pelos dois países o "Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento", objetivando construir num espaço de dez anos uma relação econômica comum. Iniciando-se com a assinatura de vinte e quatro protocolos, em diversas áreas setoriais, que foram absorvidos em um único instrumento assinado em dezembro de 1.990 (ACE nº 14, décimo quarto Acordo de Complementação Econômica, firmado no âmbito da ALADI - Associação Latino-Americana de Integração).

Seis meses após, os Presidentes Collor e Menem firmaram a "Ata de Buenos Aires", que acelerou o processo integracionista para 31 de dezembro de 1.994. Em agosto de 1.990, Paraguai e Uruguai foram convidados a participar das negociações que levou a adoção do Tratado de Assunção. [48] Portanto, o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) foi criado pelo Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1.991, pelos Presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai.

5.2 Mercosul sucessão de tratados [49]

O MERCOSUL foi criado pelo Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, na cidade de Assunção, Paraguai. Além dos Tratados de Montevidéu que criaram a ALALC e ALADI, outros precederam o MERCOSUL, sendo considerados como ponto de partida da integração do cone sul.

Principalmente os tratados bilaterais firmados com a Argentina desde o início dos anos quarenta. Por isso, fala-se em sucessão de tratados ao se referir ao MERCOSUL. Diz-se sucessão de tratados ou sua cumulação quando os mesmos se sobrepõe regulando a mesma matéria.

Daí BORJA dizer que "o princípio geral de direito que estabelece que lex posterior derogat priori, aplicado no campo da eficácia temporal das normas é a regra básica para reger os casos em que pelo menos exista identidade de partes signatárias. Esta regra geral pode ser excepcionada conforme o disposto no art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e seus incisos que estabelece a possibilidade de inversão da regra geral dos casos ali mencionados. O Tratado do Mercosul com relação ao Tratado da ALADI é perfeitamente compatível por força de seu art. 9º que estabelece a possibilidade do estabelecimento de quaisquer acordos, entre os seus membros, que visem a aprofundar a integração entre os países que são participantes. O Tratado da ALADI ampliou o tratado da ALALC dando uma liberdade maior aos signatários para a consecução de seus objetivos". (50)

Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. A Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais:: estudo sobre o Direito dos Tratados e o Direito Constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4785. Acesso em: 23 dez. 2024.

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