SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS – 1. A DIFERENÇA ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO NACIONAL – 1.1 Os indivíduos como sujeitos dos direitos: nacional e internacional – 1.2 A transformação do direito internacional em nacional – 2. AS TEORIAS MONISTA E DUALISTA – 2.1 O falecimento das teorias monista e dualista – 2.2 O posicionamento da doutrina nacional – 3. O DIREITO DOS TRATADOS E O DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO – 3.1 O poder de celebrar tratados – 3.1.1 Tratado convencional – 3.1.2 Tratado de direitos humanos – 3.1.3 Acordos Executivos – 3.2 A teoria da parametricidade de J.J. GOMES CANOTILHO - 4. O STF E OS TRATADOS INTERNACIONAIS – 4.1 Tratados e lei interna – 4.2 A ratificação dos tratados e o STF – 4.3 O STF e os tratados de direito humanos – 5. O PROCESSO INTEGRACIONISTA DO CONE SUL – 5.1 ALALC; ALADI; PICAB, TICD e ACE 14 – 5.2 Mercosul sucessão de tratados – 6. DO MERCOSUL – 6.1 CF/88 – Art. 4º, Parágrafo único – 6.2 Etapas: provisória e definitiva – 6.3 MERCOSUL: quatro institucional – 6.3.1 Órgãos intergovernamentais – 6.3.2 Primeira fase – CMC e GMC – 6.3.3 Segunda fase – CCM; CPC; FCES e SAM – 7. MERCOSUL E A HIERRARQUIA DAS FONTES – 7.1 Normas primárias – 7.2 Normas derivas – 8. Considerações conclusivas – 9. Referências bibliográficas.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente estudo – em forma de ensaio –, presta-se a apresentar os mais diversos aspectos conflitantes existentes entre a Constituição Federal, as decisões do Supremo Tribunal Federal e as figuras dos diversos Tratados Internacionais existentes. A intenção é de demonstrar as peculiaridades que se encontram a mostra sobre o tema proposto, de maneira simples e não aprofundada, pois o foro não é o adequado para um trabalho em nível de stricto sensu. No entanto, procurando levantar os conflitos práticos do tema em comento.
A demonstração primeira – depois dos aspectos relevantes entre o direito internacional e o direito interno –, será a questão do poder para celebrar tratados à luz da Constituição Federal, bem como a hierarquia dos tratados no direito constitucional brasileiro. Uma segunda demonstração, trata-se das previsões constitucionais nos mais diversos direitos internos, das figuras dos tratados internacionais. Uma terceira demonstração, reside na interpretação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal acerca dos tratados internacionais no direito interno.
E uma quarta e última demonstração, ficará sobre os aspectos institucionais envolvendo o MERCOSUL, como: o das etapas propostas, órgãos criados pelos tratados, protocolos e acordos assinados pelos Estados-partes, os preceitos da Constituição Federal de 1988 em face da criação de um mercado comum, a figura dos tratados em forma simplificada, a hierarquia das fontes no MEROCSUL, e, finalmente, as decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo o MERCOSUL.
1. A DIFERENÇA ENTRE DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO NACIONAL
O direito internacional em momento algum da história da humanidade recebeu tamanha importância como neste (compreendendo o período pós-guerra) final de século e começo de novo milênio. Os acontecimentos adquiriram uma dimensão internacional que se torna impossível não reconhecer a indispensabilidade de uma produção científica cada vez mais aprofundada acerca do Direito Internacional Público.
Com o estreitamento das relações internacionais entre as nações, o surgimento de uma nova ordem internacional, principalmente, após a derrocada do bloco soviético e a sucumbência dos demais países socialistas, temos a exteriorização ou intensificação dos conflitos existentes entre o direito internacional e o direito interno.
HANS KELSEN faz uma pergunta que é respondida prontamente pela doutrina nacional, qual seja, (...) mi análisis del Derecho internacional ha demonstrado que las normas ilamadas así puedem ser consideradas como Derecho em el mismo sentido que las normas del Derecho nacional. Pero como se distiguem estas dos clases de normas jurídicas? [1]
O que se pode afirmar sobre a indagação de KELSEN é que o direito internacional é distinto do direito interno, tal distinção apresentando-se de duas formas: as normas de direito internacional regem as relações entre os Estados; e, as normas de direito interno regem as relações entre os indivíduos de um determinado Estado, regulam as relações de convivência civil estabelecidas para o contrato social. Porém, a distinção não é tão simples como aparenta ser. A discussão sobre tal indagação faz nascer correntes doutrinárias, mais especificamente, as correntes monista e dualista, que ao logo da história da hermenêutica das normas internacionais desenvolveu-se e fez surgir ramificações. É o que veremos mais adiante.
1.1 Os indivíduos como sujeitos dos direitos: nacional e internacional
Mais do que em qualquer momento da história é fato que os indivíduos são sujeitos de direitos nacional e internacional. Portanto, tal premissa apresentando-se como regra, porém, toda regra tem sua exceção, o que ocorre aqui também.
Os sujeitos são indivíduos de direito nacional em função de um ordenamento jurídico interno revestido de legitimidade, competência, vigência, eficácia etc., que atribuí aos indivíduos garantias, direitos e deveres no contrato social. Os sujeitos sempre foram indivíduos do direito internacional, [2] dando-se sua exteriorização no campo dos direitos fundamentais. A primeira geração dos direito fundamentais surge com a Revolução Francesa. [3] Após tivemos as teorias marxistas criando os direitos fundamentais de segunda geração, [4] que consiste nas relações entre os indivíduos e a sociedade a qual pertencem.
Sobre os indivíduos como sujeitos do direito internacional KELSEN vai dizer que esta declaración expresa uma regla que no deja de tener excepciones. En modo alguno queda excluído en principio que se obligue y autorice directamente a individuos. En efecto, existen tanto normas de Derecho internacional general consuetudinario como normas de Derecho particular estabelecido por tratados en los cuales aparecen individuos como obligados y como autorizados de manera directa. Hay normas de Derecho internacional en que se designa directamente a aquel individuo cuya conducta constituye la materia de la facultad o del deber, que el Derecho internacional establece. Hay casos en que el Derecho internacional no confiere al nacional la designación del elemento personal, sino que él mismo la hace. Estas normas del Derecho internacional son normas completas, que no necesitan complemento. [5]
1.2 A transformação do direito internacional em nacional
É sabedor que a ordem constitucional de cada país é quem dispõe sobre a negociação, assinatura e conclusão dos tratados internacionais, bem como a admissibilidade da ordem internacional no direito interno. A figura dos chamados tratados de devida forma ou tratados legislativos [6] sempre esteve presente como uma das principais, senão a principal, fonte do Direito Internacional Público.
FLÁVIA PIOVESAN vai dizer que "os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituem a principal fonte de obrigação do Direito Internacional. O termo ‘tratado’ é um termo genérico, usado para incluir as Convenções, os Pactos, as Cartas e demais acordos internacionais". [7]
É forçoso identificar que o direito internacional impõe obrigações e deveres aos Estados no que concerne a determinadas condutas. Diante destas condutas ficando de fora os indivíduos. O que quer significar que o direito internacional atribui ao direito interno – referente a conduta dos indivíduos –, uma determinação de dever, sendo necessário fazer uma distinção entre os casos.
Daí KELSEN lecionar no seguinte sentido "hasta ahora se había supuesto que en el momento en que se actualiza la obligación internacional de un Estado, la constitución de este Estado ya contiene la designación de los órganos que han de cumplir con la obligación internacional. Pero también es posible que el ordem jurídico del Estado no contenga todavia una norma que designe el individuo que, como órgano del Estado, ha de cumplir con la obligación internacional. En tal caso, ha de crearse esa norma. La situación es la misma si la norma de Derecho internacional obliga al Estado a cierta conducta pero la designa tan sólo en términos generales, de tal manera que sea necesario hacer outras determinaciones para ilevar a cumplimiento esta norma del Derecho internacional. En este caso, se debe dictar una norma nacional para ampliar o completar la norma de Derecho internacional, porque la conducta de los órganos del Estado que deben cumplir los deberes internacionales de este tiene que estar determinada de modo adectuado. También se debe dictar una norma de Derecho nacional para la ejecución de una norma de Derecho internacional cuando los órganos del Estado, que deben cumplir los deberes internacionales de éste, pueden, según la constitución, ejecutar únicamente normas de Derecho nacional... ". [8]
A questão envolvendo a transformação do direito internacional em direito interno faz surgir duas teorias que apresentam soluções divergentes, quais sejam: a teoria monista e a teoria dualista. Que analisaremos a seguir.
2. AS TEORIAS MONISTA E DUALISTA
A problemática envolvendo as teorias monista e dualista reside no ponto da incorporação dos tratados internacionais ao direito interno. Para a teoria monista a questão resume-se a uma unidade de ordenamentos, as ordens internacional e interna seriam uma. Argumentando que, no caso do Estado obrigar-se na ordem internacional, estaria utilizando-se de sua soberania, soberania esta reconhecida pela ordem internacional. E que tal obrigação pelo Estado estender-se-ia aos indivíduos subordinados a este Estado, passando os mesmos a sujeitos de direitos e obrigações internacionais.
Já para a teoria dualista o que existe é uma inegável separação entre a ordem internacional e a ordem interna. Pautando tal argumento em algumas premissas, dentre elas, a de que a ordem internacional regula as relações entre os Estados, enquanto a ordem interna regula a convivência civil entre os indivíduos de um determinado Estado
2.1 O falecimento das teorias monista e dualista
Numa síntese da interpretação da doutrina monista, o que podemos dizer é que para esta existe tão só uma espécie de única ordem jurídica envolvendo a ordem interna e a ordem internacional. O que quer dizer, que para alguns, a prevalência é do direito interno – o que se convencionou chamar de monismo com primazia do direito interno –, o que vem caracterizar a absoluta soberania do Estado. Para outros tantos, deve ocorrer a prevalência do direito internacional – o que se denominou chamar de monismo com primazia do direito internacional –, já que a ratificação de um tratado internacional produz a sua vigência nos direitos internacional e interno, ocasionando uma produção de direito e obrigações, tanto para o Estado, como para os indivíduos.
Ensina ALBUQUERQUE MELLO que o monismo sustenta de um modo geral, a existência de uma única ordem jurídica. Esta concepção tem duas posições, quais sejam, a primazia do direito interno, e outra, a primazia do direito internacional. Diz o mestre:
a) O monismo com primazia do direito interno tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do DI é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por JELLINEK. O DI tira a sua obrigatoriedade do Direito Interno. O DI é reduzido a um simples ‘direito estatal externo’. Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O DI é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional. Esta concepção foi seguida por WENZEL, os irmãos ZORN, DECENCIÈRE-FERRANDIÈRE, VERDROSS (inicialmente). Os autores soviéticos (KOROVIN) sustentaram que o direito internacional só é válido para o Estado, como parte do seu direito nacional, filiando-se a esta concepção da soberania absoluta do Estado. Seguiram a esta tese ainda os juristas nazistas e mais recentemente ela foi adotada por GEORGES BURDEAU, que considera o DIP ‘um direito nacional para uso externo’.
b) O monismo com primazia do Direito Internacional foi desenvolvido principalmente pela escola de VIENA (KELSEN, VERDROSS, KUNZ, etc). Kelsen, ao formular a teoria pura do direito, enunciou a célebre pirâmide de normas. Uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da que lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide estava a norma fundamental, a norma base (‘GRUNDNORM’), que era uma hipótese, e cada jurista podia escolher qual seria ela. Diante disso, a concepção kelseniana foi denominada na sua primeira fase de teoria da livre escolha; posteriormente, por influência de VERDROSS, KELSEN sai do seu ‘indiferentismo’ e passa a considerar a ‘GRUNDNORM’ como sendo uma norma de DI: a norma costumeira ’pacta sunt servanda’. Em 1927, DUGUIT e POLITIS defendem o primado do DI e com eles toda a escola realista francesa, que apresenta em seu favor argumentos sociológicos. A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional. (9)
A teoria dualista, por sua vez preceitua a existência de duas ordens jurídicas distintas, sendo uma nacional e outra internacional. O que faz surgir a necessidade de emissão de uma norma de caráter especial que produza no direito interno o disposto na norma internacional. Ficando claro que para esta teoria as duas ordens jurídicas distintas não podem sofrer conflito, já que inexistente quaisquer espécies de relação entre ambas.
Porém, a exemplo da corrente monista, esta sofreu modificações no que concerne a realidade prática da doutrina – quanto a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento interno –, já que alguns sistemas jurídicos optaram pela técnica da INCORPORAÇÃO LEGISLATIVA, enquanto outros optaram pela SIMPLES RATIFICAÇÃO do tratado internacional, para sua aplicação no direito interno. [10]
Fazendo uso mais uma vez do magistério de ALBUQUERQUE MELLO, que leciona no sentido de informar que o primeiro estudo sistemático da matéria teria sido feito por HEINRICH TRIEPEL, em 1899, na obra "Volkerrecht und Landesrecht". Parte o jurista da concepção de que o Direito Internacional e o Direito Interno são "noções diferentes" e, em conseqüência, as duas ordens jurídicas podem ser tangentes, mas não secantes, isto é, são independentes, não possuindo qualquer área em comum. O pensador pátrio vai dizer que esta oposição é resultante de três diferenças que existem nas duas ordens jurídicas: a primeira diferença é de ‘relações sociais’: na ordem internacional o Estado é o único sujeito de direito enquanto na ordem interna aparece o homem também como sujeito de direito; a segunda diferença é das fontes nas duas ordens jurídicas: o Direito Interno é o resultado da vontade de um Estado, enquanto o DI tem como fonte a vontade coletiva dos Estados, que se manifesta expressamente nos tratados-leis e tacitamente no costume internacional. TRIEPEL, neste aspecto, se baseara em trabalhos de BERGBOHM e BINDING, sendo que este último já utilizara a expressão ‘Vereinbarung’ (convenção, ato-união) em tratabalho publicado um decênio antes. A ‘Vereinbarung’ é, na definição de BINDING, ‘a fusão de vontades diferentes com um mesmo conteúdo’. Ela se manifestaria nas decisões do Congresso, etc. A ‘Vereinbarrung’ se diferenciaria do ‘Vertrag’ (contrato), em que as vontades têm conteúdo diferente; a terceira diferença é relativa a estrutura das duas ordens jurídicas: a interna está baseada em um sistema de subordinação e a internacional na coordenação. É a comunidade internacional uma sociedade paritária. [11]
É importante mencionar que nos dias atuais a discussão sobre ambas as doutrinas perdeu o sentido, por diversos motivos, dentre eles, a dinâmica que envolve as relações internacionais neste final de século e começo de novo milênio. O que ocorre na verdade é um falecimento, senão das doutrinas, mas pelos menos, das discussões que as envolve. Pois, é bem claro para todos – pode-se até afirmar numa existente unanimidade –, que é a Constituição de cada Estado que vai determinar as regras para incorporação dos tratados internacionais ao direito interno.
Corroborando nossa posição MAGALHÃES vai dizer que, é por isso que perdeu sentido a antiga polêmica sobre dualismo e monismo... Tal polêmica, na verdade, pode-se considerar ultrapassada, uma vez que a questão se cinge ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados. Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna.
Mas não basta verificar a constitucionalidade de um tratado, pois há também que se ter em conta a compatibilidade da própria Constituição com as normas cogentes de Direito Internacional, de aplicação geral e obediência compulsória por todos os Estados, por expressarem valores permanentes da comunidade internacional. Dentre estes estão os que dizem respeito aos Direitos Humanos que prevalecem sobre eventuais valores de comunidades nacionais com eles contrastantes, como adiante se verá. [12]
2.2 O posicionamento da doutrina nacional
Na constituição Federal de 1988 tivemos o surgimento de dois dispositivos – relacionados com o poder de celebrar tratados e incorporação dos mesmos no direito interno –, que causam até os dias de hoje enormes insatisfações entre os constitucionalistas pátrios, que são os artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII.
Daí FLÁVIA PIOVESAN dizer que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados internacionais, que não se aperfeiçoa enquanto a vontade do Poder Executivo, manifestada pelo Presidente da República, não se somar à vontade do Congresso Nacional. Logo, os tratados internacionais demandam, para seu aperfeiçoamento, um ato complexo, onde se integram a vontade do Presidente da República, que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova, mediante decreto legislativo. Ressalte-se que, considerando o histórico das Constituições anteriores, constata-se que, no Direito brasileiro, a conjugação de vontades entre Executivo e Legislativo sempre se fez necessário para a conclusão de tratados internacionais. [13]
No entanto, a discussão não reside apenas nos preceitos trazidos pelos dispositivos constitucionais acima citados – que trataremos em capítulo específico, mais adiante –, mas também, na questão da aplicabilidade dos tratados internacionais. Principalmente, os tratados que versam sobre direitos e garantias fundamentais e direitos humanos. Cabendo, por assim dizer, uma análise dos (art. 4º, inciso II, e art. 5º, §1º e §2º) dispositivos constitucionais referentes.
É importante lembrar que na Constituição Federal, não há menção expressa a qualquer das correntes, seja à monista, seja à dualista. Por isso, controvertida é a resposta à sistemática de incorporação dos tratados – se a Carta de 1988 adotou a incorporação automática ou não-automática.... "A doutrina predominante tem entendido que, em face do vazio e silêncio constitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens jurídicas diversas: a ordem interna e a ordem internacional. Para que o tratado ratificado produza efeitos no ordenamento jurídico interno, faz-se necessária a edição de um ato normativo nacional. No caso brasileiro, este ato tem sido um decreto de execução, expedido pelo Presidente da República, com a finalidade de conferir execução e cumprimento ao tratado ratificado no âmbito interno". [14]
O magistério de SILVIA STEINER é no sentido de um sistema monista, o que quer dizer que o tratado ingressa no ordenamento jurídico interno sem necessidade de lei no sentido formal, "em verdade, pelo nosso sistema, é de competência exclusiva do Executivo a celebração de tratados (art. 84, VIII, da CF). Ao Congresso é enviada cópia do texto, a qual, se aprovada, gera a publicação de um decreto legislativo, cuja função é apenas a de dar ciência da aprovação do texto apreciado, das reservas eventualmente impostas, das cláusulas facultativas aceitas etc. Somente após a aprovação do texto é que o Executivo ratifica o tratado e, por via da promulgação, assinala o início de sua vigência e eficácia no País. Nem o decreto legislativo, nem o decreto do executivo de promulgação podem ser considerados ‘lei’ no sentido de norma de direito interno editada segundo a forma e procedimento previstos na Constituição". [15] A autora utiliza-se do ensinamento de PEDRO DALLARI, que assinala "o tratado ingressa no direito brasileiro – e entendo que essa é uma questão pacífica hoje – com vida própria, com forma própria, por força do compromisso internacional celebrado pelo Brasil, sendo o decreto presidencial a via pela qual se dá a publicidade ao seu conteúdo e se fixa o início de sua vigência no território nacional. Prevalece, assim, a solução monista para o dilema da integração dos tratados de direito internacional público ao direito interno". [16]
Assim, a total ausência de um dispositivo constitucional que determine a superior hierarquia da norma convencional sobre a interna está a demandar a alteração do texto constitucional, para que nele se inclua dispositivo que preveja que os tratados são recebidos "como tal" na ordem nacional e que possuem superior hierarquia em face do ordenamento interno. [17]
Enfim, o que se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais, é que a Carta Magna de 1988 adotou um sistema misto para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Um tratamento de incorporação imediata dispensado aos tratados de direitos fundamentais e direitos humanos e, um tratamento de incorporação mediata para os tratados convencionais.