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A Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais:

estudo sobre o Direito dos Tratados e o Direito Constitucional brasileiro

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

6. DO MERCOSUL

O Tratado de Assunção que criou o MERCOSUL prevê etapas para a consecução do tratado. O MERCOSUL nasce como área de livre comércio, evolui para uma união aduaneira e finalizará como mercado comum. Sendo as duas primeiras etapas provisórias e a última uma etapa definitiva. A fase atual é a da União Aduaneira, pois que esta tem como características além da livre circulação de mercadorias uma tarifa aduaneira comum, eliminando os complexos problemas da definição das regras de origem. Ela tem início com a implantação da decisão 7/94, da Tarifa Externa Comum – TEC.

6.1 CF/88 – Art. 4º, Parágrafo único

O artigo 4º, parágrafo único, da Constituição Federal, preceitua:

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios

(...)

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

É prerrogativa da República Federativa do Brasil a construção de uma nação latino-americana. E o Brasil faz parte do MERCOSUL, [51] tratado que tem como países signatários Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinado na cidade de assunção, em 26 de março de 1991.

6.2 Etapas: provisória e definitiva

É de se notar que inerente ao processo prospectivo delineia-se no tempo um processo gradativo de implementação de objetivos que de uma fase transitória desloca-se paulatinamente para a fase definitiva. A renovação é constante, pois atingido um patamar passa-se a colimar o próximo, dentro de uma ótica pautada nos princípios da gradualidade, flexibilidade, equilíbrio e principalmente reciprocidade, este último de acordo com o parâmetro fundamental estabelecido no artigo 2º do Tratado de Assunção.

No primeiro momento, este Tratado estabeleceu em seu art. 5º, um período de transição em que um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas de eliminação de restrições não-tarifárias ou medidas de efeitos equivalentes, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados-membros, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo I). Sob estes lineamentos o MERCOSUL nesta fase inicial caracterizar-se-ia inicialmente como Zona de Livre Comércio. [52]

Em seguida tivemos, "a partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 17 de dezembro de 1994, os Presidentes das quatro Repúblicas que integram o MERCOSUL reafirmam os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e salientaram a importância da implementação da União Aduaneira como etapa para a construção do Mercado Comum do Sul. Durante a etapa de Consolidação da União Aduaneira, que se iniciou em 1º de janeiro de 1995 e se estenderá até 31 de dezembro de 2005, prioridade repousa na consecução de dois objetivos centrais: a implementação dos instrumentos de político comercial comum acordados durante o Período de Transição e a elaboração do quadro normativo complementar necessário ao adequado funcionamento da União Aduaneira". [53]

6.3 MERCOSUL: quatro institucional

A doutrina costuma, ao classificar os processos integracionistas, numa graduação de menor para maior, partir de uma Zona de Livre Comércio, passando pela União Aduaneira e, finalizando-se no Mercado Comum. O que caracteriza uma Federação, que diante desta classificação, perpassa matérias que são objeto ora de Direito Internacional Público e Privado, ora de Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado, ora concomitantemente afetas, tanto ao Direito Externo como ao Direito Interno Público.

Na realidade o conceito matriz que delineia todo este processo de concepção assenta-se sobre o substrato da significância de Soberabia. BORJA vai dizer que JEAN BODIN afirmava-a absoluta e perpétua e assim ela constituí-ia na supremacia do poder dentro da ordem interna e na ordem externa e desta forma era e ainda é a justificativa jurídica da existência do Estado pois lhe é implícita necessariamente a noção de soberania. Se o princípio da subordinação passou a reger o Estado, em contrapartida, na ordem internacional este princípio relativizou-se dando a origem a noção de igualdade entre os Estados, pelo menos em nível jurídico, dando origem ao princípio da coordenação que embaça e dá surgimento ao Direito Público Internacional. Diante do ensinamento de BODIN, BORJA vai afirmar que "analogamente ao processo de justaposição dos direitos e garantias individuais de cidadãos que se relativizam colocados em reciprocidade de sendo que o direito de um termina onde inicia o de outro, da mesma forma, repito analogamente, o princípio da reciprocidade relativiza as soberanias estatais em nível jurídico, de forma que elas se tornem iguais. O princípio da reciprocidade expressa bem a sua íntima natureza isonômica quando Estados-membros pactuam vinculando-se de forma eqüipolente criando assim, através do princípio de coordenação possibilidades para a consecução de fins mútuos ali concebidos. [54]

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É previsão do artigo 26 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a cláusula pacta sunt servanda, associada ao princípio da boa-fé, a base estrutural do sistema. "Assim sobre os parâmetro estabelecidos, ou os do Direito Internacional, coordenam sua soberania com outros Estados-membros também soberanos, de um nível diáfano a um mais denso, que pode chegar até ao patamar máximo de uma confederação, em que o nível de coordenação chegaria a uma gama de complexidade abordando não só assuntos de ordem econômica, mas também políticos, mantendo órgãos e relações em nível intergovernamental, ou os Estados, não mais ao nível do Direito Internacional Público, mas já no âmbito do Direito Constitucional, abdicariam de suas soberanias, transformando-se numa federação por fusão ou incorporação, seja num estado composto, em que a União possuiria a soberania e as unidades componentes seriam meras autonomias políticas, consolidando-se, neste estágio, não mais instituições orgânicas de ordem internacional, mas instituições de ordem nacional, ou mesmo supranacionais, atuando não mais sob a égide do princípio da coordenação, mas sob o princípio da subordinação, pois depositários plenipotenciários das soberanias das partes". [55]

Ainda, utilizando-nos da Teoria Geral do Estado, para o entendimento de soberania numa nova ordem nas relações entre os Estados, objetivando uma distinção entre federação e confederação, podemos falar que a primeira trata-se de uma união de Estados detentores de Soberania, tendo como objetivo os mesmos fins, ligados através de um Tratado, que na verdade é um documento de Direito Internacional Público. Enquanto, a Segunda, trata-se de um único Estado detentor de Soberania, com os poderes constituídos, sob a égide de uma Constituição, documento este de Direito Público Interno.

Para BORJA sob o aspecto da Teoria Geral do Estado e do Direito Constitucional "existem graduações no federalismo e evidentemente zonas de transição que por sua própria condição eclética permitem uma certa ambiguidade que dificulta sobremaneira a definição da temática, já que no âmbito da Teoria Geral do Estado e do Direito Constitucional, no que se refere a confederação, o tema, carregado com estas nuanças, problematiza-se. Sabemos, que tanto as Zonas de Livre Comércio, como as Uniões Aduaneiras, podem caracterizar-se como confederações em nível econômico-comercial-tarifário, porque mantém órgãos institucionais intergovernamentais de mera coordenação de suas macroeconomias, no entanto, com relação ao cognominado Mercado Comum este poderia estabelecer-se ou com instituições orgânicas em nível intergovernamental ou, já num grau maior de convergência, regido por órgãos institucionais supranacionais, como caracteriza-se atualmente a Comunidade Européia. Esta última caracteriza perfeitamente a ambiguidade da temática, pois apresenta, pela própria supranacionalidade e supra-projeção das funções legislativas, executivas e judiciais delegadas a órgãos com poderes vinculantes aos Estados, uma característica, neste elevado grau de coordenação-subordinação, que pende mais para a caracterização de uma federação do que de uma confederação. O problema não é meramente semântico pois compartilha soberanias (princípio da reciprocidade concatenado com o princípio da coordenação) que está diretamente ligado ao conceito confederativo é um conceito que exprime quantificação, enquanto que o conceito de partilha de soberanias (visão heterodoxa) que diz mais respeito ao princípio federativo, pois pelo maior grau de envolvimento, se exprime como qualificação e definidora inerente de um verdadeiro sistema político integrado em todos os sentidos". [56]

Para GUIDO SOARES em que pese a denominação oficial de uma organização de integração econômica regional, "os graus de supranacionalidade das normas, se mede pela configuração das competências de seus órgãos decisórios e pela extensão dos poderes legislativos relativos a atos de vigência imediata nos respectivos territórios, que os Estados-Partes, nas normas primárias compreendidas nos instrumentos constitutivos da organização, a eles delegaram. Entre o grau zero de supranacionalidade (nas denominadas áreas de livre comércio) e o grau máximo (a união econômica a que pretende a Comunidade Européia, após Maastricht), há as variantes da união aduaneira e das zonas de mercado comum, em configurações supranacionais diferenciadas dentro de cada classe. No que respeita às variantes das zonas de mercado comum, é da natureza própria dos seus órgãos competentes, o pressuposto de que possam eles elaborar normas, dentre outras (e não todas, dependendo do grau de Supranacionalidade dentro da classe), que tenham uma vigência imediata na ordem jurídica dos Estados-Partes, sem a necessidade da mediação ou da intervenção ou pronunciamento dos órgãos legislativos tradicionais de tais Estados, no que se refere à executoriedade dos atos internacionais no território dos Estados envolvidos. Por outro lado, na aplicação de tais normas supranacionais, há a necessidade de órgãos judiciários, permanentes e de natureza supranacional que assegurem a uniformidade na interpretação e aplicação daquelas normas, que não tiveram origem direta nos poderes legislativos naconais". [57]

6.3.1 Órgãos intergovernamentais

O MERCOSUL, da assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991 até o início da vigência do Protocolo de Ouro Preto, funcionou como Zona de Livre Comércio. A partir de então adentrou a chamada União Aduaneira com prazo de término para 31 de dezembro de 2005. Logo após teremos o início do Mercado Comum.

Durante estas duas primeiras etapas provisórias o relacionamento entre os Estados-partes tem-se dado mediante o serviço diplomático dos países integrantes, sob a competência dos órgãos intergovernamentais. É previsão do artigo 3º do Tratado de Assunção tal fase de transição, quando então os Estados-partes decidiriam por outras alternativas no que diz respeito a criação de órgãos supranacionais ou a manutenção dos referidos órgãos.

BORJA fala que a decisão dos Estados-partes residiria em "ou criavam órgãos novos e próprios a um Mercado Comum, com delegação e projeções das três funções do Poder, legislativa, executiva e judiciária, para órgãos supranacionais, ou, como medida mais prudente e mais consentânea com o estágio evolutivo do próprio envolvimento de suas respectivas sociedades civis, mantivessem os mesmos órgãos do período de transição (intergovernamental), aperfeiçoando-os ou adicionando órgãos auxiliares sendo a coordenação conduzida soberanamente pelos Estados-partes. Optou-se pela última alternativa em face dos princípios da flexibilidade, gradualidade, equilíbrio e reciprocidade que regem o sistema como um todo, pois a primeira opção incidiria num perigoso salto que poderia comprometer a seriedade do sistema queimando uma etapa necessária para a sua consolidação que é a União Aduaneira, alternativa adotada pelo Protocolo de Ouro Preto. Durante o período de transição, a administração e a execução do Tratado, bem como os acordos e decisões importantes, comprometeriam somente aos dois órgãos que foram mantidos e que se situariam, como já dissemos, em nível estritamente intergovernamental, sendo eles: O Conselho do Mercado Comum e o Grupo Mercado Comum". [58]

6.3.2 Primeira fase – CMC e GMC

Portanto, os órgãos do MERCOSUL não têm, como os Estados, divisão de funções, estes têm funções normativas, operacionais e de coordenação e outra de solução de controvérsias. Durante a Primeira fase, os seguintes órgãos:

CONSELHO DE MERCADO COMUM – órgão superior do Mercosul correspondendo-lhe a condução política do mesmo e tomada de decisões para o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos na constituição definitiva do Mercosul; atividades de controle e administrativa; composto pelos ministros de relações exteriores e da economia; manifesta-se por meio de deliberações e tem função normativa decisória sendo sua hierarquia superior ao GMC e CCM;

GRUPO DE MERCADO COMUM – órgão executivo, de funcionamento contínuo, subordina-se ao CMC, sua natureza é intergovernamental; composto por oito representantes, sendo que estas devem estar representando todos os Estados-membros; suas funções são velar pelo cumprimento do Tratado, tomar providências necessárias ao cumprimento das decisões do Conselho, propor medidas de implementação do programa de liberação comercial, coordenação de políticas nacroeconômicas e negociação de acordos frente a terceiros;

6.3.3 Segunda fase – CCM; CPC; FCES e SAM

A partir da Segunda fase, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, num ambiente de União Aduaneira, tivemos a criação de mais quatro órgãos intergovernamentais, que são:

COMISSÃO DE COMÉRCIO DO MERCOSUL – que tem a função de administrar os instrumentos de política comercial comum do Mercosul, principalmente, a Tarifa Externa Comum – TEC; como também o regime de origem e os regulamentos contra práticas desleais de comércio;

COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA – composta por Parlamentares dos quatro países, que buscará acelerar os procedimentos necessários, no âmbito do Legislativo, à implementação dos acordos e normas emanados dos órgãos decisórios, e contribuirá para o processo de harmonização das legislações;

FORO CONSULTIVO ECONÔMICO-SOCIAL – órgão de natureza consultiva, composto por representantes do setor empresarial, trabalhista e outras entidades da sociedade civil, que formulará recomendações ao Grupo Mercado Comum;

SECRETARIA ADMINISTRATIVA DO MERCOSUL – desempenhará funções de apoio ao processo negociador;

Sobre o autor
Luciano Nascimento Silva

professor universitário, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, pesquisador em Criminologia e Direito Criminal no Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht – Freiburg in Breisgau (Alemanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciano Nascimento. A Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais:: estudo sobre o Direito dos Tratados e o Direito Constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4785. Acesso em: 24 dez. 2024.

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