3 TRANSAÇÃO E DIREITOS INDIVIDUAIS DO EMPREGADO
3.1 DO PROBLEMA DA CONCESSÃO
Consoante abordagem feita no tópico 1, a transação consiste em reciprocidade de concessões e, ordinariamente, envolve renúncia.
De outro lado, de acordo com o tópico 2, a maior parte dos direitos do empregado são irrenunciáveis.
Chega-se, assim, a questão principal deste trabalho: se a transação pode ser aplicada quando esteja em questão direitos do empregado.
Dogmaticamente, pode-se afirmar com segurança que a transação será aplicável se não implicar renúncia de direitos do empregado e, se implicar, somente será válida se não forem ofendidos os dispositivos cogentes do direito do trabalho, em especial o art. 9.º, art. 444 e art. 468 da CLT.
ARNALDO SÜSSEKIND (2000, p. 214) parece compartilhar deste entendimento:
Daí por que será nulo o ato que tiver por fim obstar a aplicação de direito cogente (art.s 9.º e 444 da CLT) ou do qual resultar alteração das condições pactuadas no campo do direito dispositivo, quando a modificação contratual implicar prejuízo direto ou indireto para o trabalhador (art. 468), salvo nos casos expressamente previstos pela própria lei trabalhista;
Os demais requisitos de validade da transação são os dos negócios jurídicos em geral. Mas não é necessário que sejam analisados, uma vez que, se nem mesmo uma transação perfeita pode ser aplicada em relação a direitos indisponíveis, com muito mais razão a imperfeita.
Fato interessante apontado por ARNALDO SÜSSEKIND (2000, p. 218) consiste em que mesmo os direitos disponíveis do empregado encontram um óbice para sua renúncia, principalmente quando efetuada durante a vigência do contrato de trabalho. Isso porque, segundo ele, neste período a vontade do empregado é restringida pelo fator subordinação:
colocando-se o empregado, na quase totalidade dos casos, num estado de absoluta dependência econômica em relação ao empregador – inócua seria a proteção ao trabalho se se desse validade à renúncia ocorrida durante a execução do contrato de trabalho, seja pertinente a direito adquirido, seja alusiva a direito futuro. Se o direito resulta de norma de ordem pública, sua aplicação "não pode ceder ao arbítrio das partes", pois, se assim fosse, a função do Direito do Trabalho "seria totalmente estéril".
Se nasceu da livre manifestação de vontade dos contratantes, deve ser presumido o vício de consentimento do empregado, sempre que não possui legítimo interesse no resultado do ato pelo qual abre mão do direito ajustado.
Após a cessação do contrato, todavia, afirma que "a faculdade de renunciar amplia-se consideravelmente", mas continua restrita a direitos renunciáveis (SÜSSEKIND, 2000, p. 218).
GEOVANY JEVEAUX, MARCOS PINTO DA CRUZ e RICARDO AREOSA (2002, p. 24) apontam também essa presunção:
Por força da irrenunciabilidade, própria do direito do trabalho, qualquer ato de disposição praticado pelo empregado é presumido viciado na origem, caso em que o ato revela-se ineficaz para o empregado, salvo se houver em troca evidente benefício proporcional à renúncia.
Com base nisso, também mencionam a diferença entre a renúncia feita no durante e após a cessação do contrato de trabalho (2002, p. 27):
Durante a vigência do contrato de trabalho, a situação economicamente inferior do empregado faz presumir que qualquer ato de disposição lhe foi impingido ilicitamente pelo empregador. Agora, após o final de vigência do contrato, costuma-se admitir a renúncia, nos casos acima relatados.
Porém, admitem que o princípio da irrenunciabilidade não é absoluto, embora sejam raras hipóteses em que sejam permitidos atos de disposição por parte do empregado (2002, p. 24).
Entendimento que mais se aproxima do adotado neste trabalho é o de ALICE MONTEIRO DE BARROS (1997, p.1323-1324), para quem:
No curso do contrato a renúncia é permitida apenas quando prevista em lei.
[...]
Finalmente, na ruptura do contrato a renúncia vem sendo permitida, mas a meu ver, desde que o direito seja disponível. Isto porque muitos dos institutos jurídicos assegurados ao trabalhador só são devidos após a ruptura do pacto e nem por isso deixam de estar consagrados em preceitos irrenunciáveis. Além do mais, a pressão econômica viciadora da vontade do empregado poderá estar mais acentuada por ocasião da cessação do pacto, em virtude do desemprego que assola o país. (grifou-se)
Quanto à renúncia a direitos futuros, ou, mais especificamente, antes ou no momento da celebração do contrato, ainda segundo ALICE MONTEIRO DE BARROS, há unanimidade na doutrina no sentido de não ser admissível, salvo raras exceções previstas em lei (1997, p.1323-1324).
De fato, é muito difícil levantar algum exemplo em que o empregado possa renunciar. Isso parece ser conseqüência do fato de que, mesmo no campo da livre estipulação das partes, depois de firmado o contrato, este não admite alteração quando for prejudicar o empregado, nos termos do art. 468 da CLT. Ou seja, o que era disponível e flexível, acaba ficando com uma certa rigidez.
Citam a renúncia à multa do art. 477, parágrafo 8.º, da CLT (JEVEAUX; CRUZ; AREOSA, 2002, p. 27).
ARNALDO SÜSSEKIND (2000, p. 219) menciona a renúncia ao direito à estabilidade no emprego ao optar pelo regime do FGTS.
VALTON DÓRIA PESSOA (2003, p.58), também aponta esta hipótese do art. 500 da CLT, e o exemplo da multa do art. 477 da CLT.
Acresce ainda: o caso em que o empregado renuncia à redução de jornada durante o cumprimento do aviso prévio, desde que tenha encontrado outro emprego; os casos de substituição processual, admitido no Enunciado 310, VI do TST.
Parece contraditório o fato de que, embora este último autor reconheça ser restrito o campo da possibilidade da renúncia, tenta defender que a transação extrajudicial seria uma solução para desafogar o Judiciário Trabalhista (2003, p. 112-115).
Com relação ao exemplo da renúncia à multa do art. 477, parágrafo 8.º, da CLT, implicaria afastamento de aplicação de norma da CLT, caindo na hipótese do art. 9.º desta Consolidação. A presença do juiz não torna renunciáveis direitos indisponíveis, mas apenas pode retirar a presunção de coação se o empregado, perante o juízo, renunciar a direitos disponíveis, principalmente se isso ocorrer após o término do contrato de trabalho, de acordo com os posicionamentos doutrinários acima.
MOZART VICTOR RUSSOMANO (1990, p. 48) assinala que, embora os Tribunais tenham cuidado ao examinar a renúncia feita pelo empregado, em razão de presumirem vício de vontade deste:
[...] devemos ter a cautela de não cairmos no excesso e violarmos a lei pelo lado contrário. Essa presunção, a que se refere Dorval Lacerda, não pode ser nem intensa, nem extensa. Dependerá, sempre, dos fatos concretos e, em grande parte, da prova, o que lhe desvirtua o caráter presuntivo. Se não for assim, não terão, jamais, valia alguma os recibos firmados pelo obreiro, não havendo a menor segurança para o empregador, que também deve ser alvo de respeito dentro das leis protetoras dos empregados.
Vale lembrar que a questão da presunção de coação só tem relevância no estrito campo em que caiba a renúncia, razão pela qual se mostra válida a conclusão de MOZART VICTOR RUSSOMANO.
Realmente, o valor constante do recibo presume-se, até prova em contrário, que foi efetivamente pago, conforme ele mesmo assinala (1990, p. 48). Valores que excedam o que consta do recibo deverão ser provados pelo empregado, caso ingresse em juízo.
Se, por exemplo, constar no recibo que o empregador pagou R$ 300,00 referentes a 10 horas-extras feitas pelo empregado, quando, na verdade, este trabalhou mais do que 10 horas, o recibo continua válido, mas o empregado deverá provar o excedente não pago. Se não recebeu pagamento algum, também deverá provar esse fato, mas ainda sim se presume verdadeiro o recibo, uma vez que, além de ter sido assinado por ele próprio empregado, a CLT prevê a figura do recibo contra pagamento em seus artigos 464 e 457.
Com efeito, se a presunção de coação fosse levada ao extremo, poderia ser alegado que, embora recibo não implique renúncia, o fato de ser passado pelo empregado sem que este tenha recebido seus direitos configuraria renúncia, mas camuflada, ou seja, uma fraude. E, com base na presunção, argüir-se-ia que essa fraude seria resultado de coação por parte do empregador, que poderia ameaçar o empregado caso este não assinasse o recibo.
Porém, se fosse intenção do legislador estender a presunção de nulidade aos recibos assinados pelo empregado, seja no recebimento de seus pagamentos durante o contrato, seja na rescisão deste, não haveria a previsão do art. 464 e a do art. 477, ambos da CLT.
O raciocínio lógico-dogmático parte do pressuposto de que, se o legislador determina a existência de algo – o recibo-, é porque isso deve ter alguma utilidade –que é a prova do pagamento.
Caso contrário, o pagamento deveria ser feito perante um tabelião de notas, ou perante uma autoridade estatal...
Continuando na lição de MOZART VICTOR RUSSOMANO (1990, p. 49):
Por outras palavras, portanto, qualquer renúncia ou transação extrajudicial sobre direitos do empregado é ato nulo de pleno direito, uma vez que a quitação produz efeitos restritos ao valor efetivamente pago. O mesmo não ocorre, no entanto, nos casos de renúncias ou transações feitas em juízo, sob a vigilância e a orientação do magistrado, como nas conciliações.
Merece algum reparo este comentário, pois não é qualquer renúncia que é nula, e o fato da presença do magistrado tem relevância apenas quanto ao elemento vontade do eventual ato jurídico (lato sensu).
Não está dito na lei que os direitos indisponíveis do empregado passem a ser disponíveis diante do juiz, ou após o término do contrato.
EDUARDO GABRIEL SAAD (1996, p. 56) chega a admitir a transação até mesmo quando o objeto for direito protegido por regra de ordem pública, desde que feita perante Juiz do Trabalho, sob o fundamento de que:
No caso, não se pode presumir que houve violação de qualquer preceito consolidado ou que o trabalhador sofreu qualquer coação para transacionar seu direito.
Mas o magistrado não é justamente o guardião da lei? Aquele que faz a união do mundo jurídico ao mundo fático? Aquele que, verificando a subsunção, promove a aplicação da lei, ou seja, fá-la ser eficaz por meio de sua concretização? Como admitir que os atos que visem a impedir a aplicação da CLT sejam válidos?
Enfim, fica mantido o posicionamento adotado no início deste tópico.
3.2 ANÁLISE DE ALGUNS JULGADOS
Nos programas de demissão incentivada, o TST tem entendido ser nula a cláusula que preveja quitação ampla a quaisquer eventuais direitos além dos constantes do termo de rescisão:
PROGRAMA DE DEMISSÃO INCENTIVADA. QUITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. TRANSAÇÃO. EFEITOS.
Na forma do art. 1025 do Código Civil, a transação é um acordo liberatório, com a finalidade de extinguir ou prevenir litígios, por via de concessões recíprocas das partes. Deve, portanto, ser enfatizado que, se não há concessões mútuas, poderemos estar diante de renúncia e não de transação. De qualquer forma, não é possível se aplicar o art. 1025 sem os limites impostos pelo art. 1027 do mesmo Código Civil. No Direito do Trabalho, o rigor com a transação deve ser maior que no Direito Civil, em face do comando do art. 9º da CLT. Daí o magistério de ARNALDO SÜSSEKIND, no sentido de que a renúncia está sujeita, no Direito do Trabalho, a restrições incabíveis em outros ramos do direito, razão pela qual traz à colação o art. 1027 do Código Civil para ressaltar a inexistência de transação tácita, dizendo que ela deve corresponder a atos explícitos, não podendo ser presumida. Aplicar o Direito Civil, pura e simplesmente, é o mesmo que dar atestado de óbito ao Direito do Trabalho. Dessa forma, não é possível que, em cumprimento à liberalidade da empresa que concede o prêmio de incentivo ao desligamento do empregado, esse quite todos os direitos, mesmo aqueles sequer nomeados pelo recibo de quitação. Assim como não há salário complessivo, não pode haver quitação "em branco".
Revista conhecida e provida.
(TST, 2.ª Turma, RR 70162-2002-900-02-00, Rel. Min. MINISTRO JOSÉ LUCIANO DE CASTILHO PEREIRA, j. 30/04/2003, v.u., DJ 23/05/2003)
Este entendimento está de acordo com a previsão do art. 477, § 2.º da CLT, verbis:
Art. 477 [...]
§ 2.º O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.
Com efeito, caso fosse admitida uma cláusula de quitação ampla, estar-se-ia permitindo ao empregado renunciar a direitos porventura existentes. Isso porque, se ulteriormente ele ingressasse em juízo pleiteando valores que não constavam nas parcelas especificadas no termo, estes estariam abrangidos na cláusula de quitação geral.
Mas deve ser ressaltado que o legislador não presume a nulidade de recibo de quitação no art. 464 e no art. 477 da CLT, conforme visto no tópico anterior.
Ainda acerca de planos de demissão incentivada, o TST reconheceu ser cabível a compensação do valor da verba indenizatória de incentivo à adesão com eventuais débitos do empregador:
EMBARGOS DO RECLAMANTE.
PLANO ESPECIAL DE DEMISSÃO INCENTIVADA. BEMGE. COMPENSAÇÃO DA VERBA RECEBIDA A TÍTULO DE INCENTIVO À DEMISSÃO COM OS VALORES DECORRENTES DO CONTRATO DE TRABALHO, EM FACE DO RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA ADESÃO. VIABILIDADE.
O Egrégio Tribunal Regional, ao declarar a nulidade da renúncia aos direitos decorrentes do contrato de trabalho, prevista no Programa Especial de Desligamento Incentivado - PEDI, observou o disposto no artigo 9º da CLT. Considerou válida a determinação para compensar os valores pagos a título de indenização com aqueles reconhecidos na presente ação, porque ambos têm natureza salarial, evitando o enriquecimento ilícito da parte.
Embargos não conhecidos.
EMBARGOS DO RECLAMADO.
ADESÃO AO PLANO DE DEMISSÃO INCENTIVADA - INVALIDADE – ENUNCIADO Nº 297 DO TST - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 37 DA C. SBDI1.
1) O Egrégio Tribunal Regional não dirimiu a controvérsia à luz dos dispositivos apontados como violados pelo Reclamado (artigos 1025 e 1030 do Código Civil e 5º, II e XXXVI, da Constituição da República). Considerou: "Aduz que, ao aderir ao PEDI, o reclamante renunciou aos direitos discriminados no termo respectivo e ainda outorgou ao reclamado quitação pelo extinto contrato de trabalho. No entanto, a renúncia expressa no documento em epígrafe é ineficaz, não foi submetida à apreciação da entidade representativa da categoria profissional." (fls. 357/358). Incide o óbice do Enunciado nº 297 do TST.
2) A Colenda Subseção Especializada pacificou o entendimento de que não viola o art.896 da CLT decisão de Turma que, examinando premissas concretas de especificidade da divergência colacionada no apelo revisional, conclui pelo conhecimento ou não do Recurso de Revista (Orientação Jurisprudencial nº 37).
3) Não conhecida a Revista, não se configura hipótese de divergência jurisprudencial, no mérito."
(TST, Subseção I Especializada Em Dissídios Individuais, Embargos em Recurso de Revista - RR 559.209/99 3.ª Região, Rel.ª Min. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, j. 24/06/2002, v.u., DJ 02/08/2002.)
Ocorre que referida verba foi paga por mera liberalidade do empregador e não pode representar um crédito deste a ensejar a compensação.
O plano de demissão incentivada apresenta um aspecto positivo, qual seja, o de permitir que pessoas que realmente tenham vontade de rescindir o contrato o façam, evitando, assim, a dispensa de outros empregados que não tinham esta intenção.
Não merece concordância a alegação de que a existência do plano faz com que haja uma pressão psicológica no sentido de que, aderindo ou não, haverá a dispensa.
A uma, porque a dispensa é direito potestativo do empregador, embora o ordenamento preveja certas sanções (ou simplesmente conseqüências não queridas) para esta conduta.
A duas, porque, se o empregado pede demissão, não recebe todas as vantagens que receberia ao ser dispensado sem justa causa, ou aderido ao plano de demissão incentivada.
No julgado abaixo, o TST considera a res dubia como elemento indispensável à transação, o que destoa do entendimento defendido neste trabalho:
RECURSO DE REVISTA. ADESÃO DO EMPREGADO AO PLANO DE DESLIGAMENTO OU APOSENTADORIA VOLUNTÁRIOS. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE OU DISPONIBILIDADE RELATIVA. "RES DUBIA" E OBJETO DETERMINADO. CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DE VALIDADE DA TRANSAÇÃO DO ART. 477, §§ 1º E 2º DA CLT. EFEITOS. ART. 9º DA CLT E 51 DO CDC.
O Direito do Trabalho não cogita da quitação em caráter irrevogável em relação aos direitos do empregado, irrenunciáveis ou de disponibilidade relativa, consoante impõe o art. 9º consolidado, porquanto admitir-se tal hipótese importaria obstar ou impedir a aplicação das normas imperativas de proteção ao trabalhador. Neste particularismo reside, portanto, a nota singular do Direito do Trabalho em face do Direito Civil.
A cláusula contratual imposta pelo empregador que ofende essa singularidade não opera efeitos jurídicos na esfera trabalhista, porque a transgressão de norma cogente importa não apenas na incidência da sanção respectiva, mas na nulidade "ipso jure", que faz substituir automaticamente pela norma heterônoma de natureza imperativa, visando a tutela da parte economicamente mais debilitada, num contexto obrigacional de desequilíbrio de forças. Em sede de Direito do Trabalho a transação tem pressuposto de validade na assistência sindical, do Ministério do Trabalho ou do próprio órgão jurisdicional, por expressa determinação legal, além da necessidade de determinação das parcelas porventura quitadas, nos exatos limites do artigo 477, §§ 1º e 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo do elemento essencial relativo à existência de "res dubia" ou objeto determinado, que não se configura quando a quitação é levada a efeito com conteúdo genérico e indeterminado, pois ao tempo em que operada, nenhuma delimitação havia quanto a supostos direitos descumpridos ou controvertidos, bem como nenhuma determinação se especificou quanto ao objeto, se pretendia apenas satisfazer todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato de trabalho. A transação ou a compensação pretendidas, em termos genéricos, porque abusivas, e como tal consideradas nulas, afrontam as normas já que citadas que as desqualificam, máxime quando se tem em vista princípio idêntico contido no artigo 51 da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor), segundo o qual são consideradas nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que colocam o consumidor em desvantagem ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade, princípio inafastável do direito e processo do trabalho.
Recurso conhecido e provido."
(TST, 1.ª Turma, RR 730837/01 – 15.ª Região, Rel. Juiz Convocado VIEIRA DE MELLO FILHO, j. 27/06/2001, v.u., DJ 14/09/2001, p. 412)
Esta decisão retrata a hipótese de renúncia efetuada durante o contrato, sendo que, na mesma data, este foi rescindido. Porém, foi considerada nula a renúncia, em razão da indisponibilidade do direito:
1. RENÚNCIA À ESTABILIDADE DO EMPREGADO-ACIDENTADO - POSSIBILIDADE.
Excetuadas as hipóteses previstas na Constituição Federal, no que se refere à flexibilização dos direitos trabalhistas, as vantagens alcançadas por lei ou instrumento coletivo são irrenunciáveis, em face da natureza protecionista da CLT quanto a esses direitos (arts. 9º, 444 e 468), revelando-se nula, de pleno direito, a cláusula ou o ato jurídico que induz renúncia à estabilidade assegurada por lei, mormente porque a Consolidação das Leis do Trabalho congrega, em sua grande maioria, normas de ordem pública e cogente, indisponíveis pelo trabalhador. Na hipótese, contudo, o Regional não esclareceu os motivos que teriam levado o Obreiro a renunciar à estabilidade assegurada pelo art. 118 da Lei nº 8213/91 (empregado-acidentado), de modo que a revisão pretendida fica limitada ao quanto decidido pelas instâncias ordinárias, que entenderam ser irrenunciável o direito à estabilidade do empregado-acidentado, mormente porque não se esclareceu, sequer, se teria havido assistência sindical quanto à renúncia ao direito da estabilidade-acidentária, a par da circunstância de que o documento na qual se materializou a renúncia estava preenchido com data e máquinas idênticas à do documento que deu ciência da rescisão contratual, conforme reportado pelo Regional.
Revista conhecida e não provida.
2. DESCONTOS FISCAIS.
A SBDI-1 firmou o entendimento de que a Justiça do Trabalho é competente para impor descontos fiscais e de que tais descontos são devidos, a teor do disposto no Provimento nº 01/96 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.
Recurso conhecido e provido."
(TST, 4.ª Turma, RR 717.456/00 – 9.ª Região, Rel. Min. IVES GANDRA MARTINS FILHO, j. 14/03/2001, v.u., DJ 20/04/2001, p.578.)
Aqui, foi reconhecido como irrenunciável a manutenção do emprego e salário da gestante:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. TRANSAÇÃO. RENÚNCIA.
"Nos termos do art. 10, II, "a", do ADCT, a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do artigo 9º da CLT, torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário." (OJ/SDC Nº 30).
(TST, Seção Especializada em Dissídios Coletivos – SDC, Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo – RODC 614.627/99 – 4.ª Região, Rel. Min. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA, j. 06/11/2000, v.u., DJ 23/02/2001, p. 614.)
Na linha seguida por este trabalho não se pode aceitar a afirmação categórica de que não é admitida transação de "garantias referentes à manutenção de emprego e salário". Como se viu, pode haver transação sem renúncia. Também pode haver transação em que a renúncia não está ligada ao direito objeto do negócio.
Este acórdão demonstra a possibilidade de renúncia do direito individual do empregado mediante convenção coletiva:
ADICIONAL NOTURNO. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA QUE CRIA O ''''ADICIONAL DE TURNO''''. NORMA COLETIVA QUE CRIA ADICIONAL MAIS BENEFICO AO EMPREGADO.
Não há que se falar que deva ser aplicado também o adicional noturno, pois não houve renúncia dos empregados ao referido adicional, o que representaria ofensa ao artigo nono da CLT. Os direitos trabalhistas tiveram seu campo de transação ampliado pela Constituição Federal de oitenta e oito, que reconheceu grande flexibilização às convenções coletivas, com alteração de jornada e salário, a teor dos artigos sétimo, incisos seis e quatorze e parágrafos do cento e quatorze. A referida convenção está em harmonia com o princípio da hierarquia legal, posto que estabeleceu condição mais benéfica. O referido acordo, de certo, trouxe vantagens e benefícios para a categoria, não cabendo o exame de uma questão isoladamente, quanto mais em sede de dissídio individual. Há de prevalecer a autonomia negocial do sindicato, que deve predominar sobre a vontade individual do reclamante.
Recurso de revista conhecido e não provido.
(TST, 5.ª Turma, Recurso de Revista – RR 226.263/95 2.ª Região, Rel. Min. ANTONIO MARIA THAUMATURGO CORTIZO, j. 23/04/1997, v.u., DJ 23/05/1997, p. 22.348.)
Tendo em vista que o objeto deste trabalho é apenas o direito individual, questiona-se aqui a aplicabilidade retroativa de convenção coletiva, a qual, neste caso, poderia vir a violar direitos adquiridos do empregado, os quais, nem mesmo a lei pode ofender, conforme art. 5.º, inc. XXXVI, da Constituição da República. Fica ressalvado, porém, a hipótese de a convenção coletiva trazer situação mais vantajosa para o empregado.
O julgado abaixo afirma de forma peremptória a inadmissibilidade de transação acerca de direitos indisponíveis:
RENÚNCIA E TRANSAÇÃO. APLICABILIDADE NO DIREITO DO TRABALHO.
Não se admite transação acerca de direitos de natureza indisponível, e dessa qualidade se revestem, de forma geral, os direitos derivados das disposições legais de regulamentação ou tutela do trabalho, cujo escopo alimentar é universalmente reconhecido. Tais direitos, em face de sua acentuada relevância social, encontram-se protegidos por normas de ordem pública, de conteúdo imperativo, não se admitindo, em relação a eles, renúncia ou transação, a não ser em condições especiais e com a indispensável intervenção do sindicato da categoria profissional (nesse sentido, o disposto nos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da CF/88). No curso do contrato de trabalho, encontra a transação severos limites nas disposições insculpidas nos artigos 9º, 444 e 468 da CLT, estando neste último consagrada a ineficácia da alteração do pactuado, sempre que prejudicial ao trabalhador. No momento da dissolução contratual, as regras pertinentes à quitação estão contempladas no art. 477 da CLT, remanescendo em qualquer hipótese o direito do empregado de perseguir em Juízo as verbas a que entenda fazer jus, independentemente de qualquer ressalva, não obtendo a empregadora eficácia liberatória senão em relação aos valores consignados no recibo e comprovadamente pagos. Tampouco nesta hipótese se pode vislumbrar a ocorrência de transação extintiva das obrigações decorrentes do contrato.
(TRT 2.ª Região, 8.ª Turma, Recurso Ordinário n.º 02980598695, Ano 1998, Rel. Designada WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA, j. 29/11/1999).
Contudo, o entendimento adotado neste julgado só é aceitável quando se pretende que o direito irrenunciável seja concedido por meio da transação.
3.3 REFLEXÕES FINAIS
Como se viu, a transação pode implicar renúncia de direitos. De outro lado, ao passar pelo direito de trabalho, verificou-se a existência do princípio da proteção do empregado, que tem como corolário a irrenunciabilidade de direitos.
Nesse contexto, dentro de um raciocínio dogmático, pode-se dizer que a transação só se aplicaria em relação a controvérsias envolvendo direitos individuais do empregado se não forem ofendidas as normas imperativas do Direito do Trabalho, mormente o art. 9.º, o art. 444 e o art. 468 da CLT.
Lembrando que a transação envolve concessões recíprocas, é possível que, mesmo se tratando de direitos indisponíveis, o empregado conceda algo disponível em troca de seu direito. Ex.: o empregador, em juízo, manifesta sua vontade de pagar as verbas rescisórias somente se o empregado se comprometer a não trabalhar para seu maior concorrente, sob pena de multa. O direito de escolher para quem trabalhar é disponível e pode ser restringido pela vontade do indivíduo.
Ocorre que, em princípio, este raciocínio torna sobremaneira restrito o âmbito de aplicação da transação em sede de direito individual do trabalho. Levado ao extremo, conforme visto, nem mesmo perante o Judiciário é possível abdicar de direitos, pois, em última análise, a renúncia implica em impedimento à aplicação de normas da CLT, incidindo o art. 9.º e, por conseguinte, levando à nulidade este ato.
Nada obstante, ressalte-se a curiosidade consistente no fato de que, embora sejam irrenunciáveis os direitos decorrentes do contrato de trabalho, seu exercício não é obrigatório e, além disso, são prescritíveis, e em prazo bem exíguo, diga-se de passagem.
Voltando à irrenunciabilidade e, imaginando uma demanda em que um ex-empregado está pleiteando horas-extras de seu ex-empregador. Suponha-se que este ofereça o pagamento de metade das horas. Se aquele aceitar, e o acordo for homologado, poderá ele vir novamente a juízo pugnar pelo pagamento das horas restantes? Na linha do que foi exposto neste trabalho, a resposta seria sim, pois não se pode renunciar a direitos trabalhistas se houver ofensa a normas cogentes.
Os que defendem a plena aplicação da transação nos dissídios individuais podem alegar que o processo seja um instrumento de entrega do direito e, indiretamente, garantidor da paz social, onde se visa primordialmente à conciliação. Com base nisso, poderiam sustentar que ninguém faria um acordo com o único objetivo de extinguir o processo, uma vez que o empregado ingressaria novamente para pleitear as verbas restantes. Nesta linha, a irrenunciabilidade faria com que a conciliação ficasse reduzida ao reconhecimento da procedência do pedido, à satisfação do pedido ou à desistência (instituto meramente processual).
Defenderiam, ainda, que a irrenunciabilidade tem como pressuposto a "turbação" ou mesmo privação da liberdade contratual do trabalhador, normalmente presumida durante a vigência do contrato, mas, segundo a doutrina, atenuada após a cessação. Assim, se a liberdade estiver plena, a irrenunciabilidade cessaria.
Nesse ponto, poderiam argüir que, em juízo, e após o término do vínculo contratual, em princípio, não haveria fatores externos que influenciassem a liberdade do trabalhador, sendo-lhe permitido renunciar certos direitos e, por conseguinte, fazer transação.
Porém, quando se tratou da irrenunciabilidade, constatou-se que esta foi decorrência da desigualdade existente na relação de trabalho, que fazia com que o trabalhador não pudesse exprimir sua vontade livremente e, assim, ficaria sobremaneira prejudicado, sendo levado a condições sub-humanas.
Note-se, todavia, que, se o trabalhador de fato tem direitos, e isso vale para qualquer ser humano, o que o motivaria a privar-se destes? Normalmente as pessoas buscam trocar bens por outros de valor no mínimo igual ao do que está sendo entregue. Às vezes, embora este seja objetivamente de menor valor, subjetivamente, ou seja, por razões íntimas do indivíduo, interessa-lhe mais o bem pretendido do que o cedido.
Voltando à sala de audiência da Justiça do Trabalho, o que leva o empregado a aceitar somente parte do que está sendo pedido, sendo que o acordo homologado quita a parte cedida?
Insegurança acerca do provimento jurisdicional? Mas o sistema não é feito com base em Códigos e leis escritas que objetivam a segurança jurídica, onde apenas se requer o ônus da prova para a satisfação do interesse? Desincumbindo-se deste ônus, restaria apenas aguardar a tutela jurisdicional, que deveria ser certa, sob pena de o sistema se autocontradizer.
A demora na prestação jurisdicional? Mas o sistema não foi feito para uma entrega célere? A solução para esse problema seria melhorar a estrutura judicial, e não suprimir direitos sob a bandeira de que a lei é que está defasada e que deva ser flexibilizada. Isso seria retrocesso.
Medo do empregado de que o empregador deixe de existir, ou se torne insolvente? Mas se o direito do empregado é irrenunciável, na dúvida, não se poderia cogitar de determinar ao empregador que depositasse certa quantia como garantia?
Isso demonstra que, se a irrenunciabilidade pressupõe privação de liberdade, então os direitos devem continuar irrenunciáveis nesse contexto, uma vez que, claramente, percebe-se a pressão que sofre o indivíduo para submeter-se a acordos.
Ao que parece, admitir a renúncia seria admitir um mau menor ao empregado. Menor do que ter que aguardar por tempo indefinido até o término do processo e pelas incertezas do futuro. Menor do que não poder mais aproveitar seu direito quando este lhe for entregue. Seria, sob alegação de que a realidade é esta e é cruel, admitir que o sistema que foi criado para protegê-lo, tornou-se um óbice à própria satisfação de seus interesses.
Talvez a celeridade tenha-se tornado apenas a rápida extinção do processo com a finalidade maior de esvaziar as prateleiras dos arquivos judiciários. Talvez os acordos firmados estejam beneficiando o próprio empregador, mesmo com sua torpeza e infração à lei, sem contar no correspondente prejuízo ao empregado.
Talvez o ideal de igualdade, de justa distribuição dos bens, esteja tão longe que se deva desistir dele.
Enfim, admitir a renúncia, nesse contexto, seria demonstrar que apenas mudaram as regras, mas que a guerra de todos contra todos continua...