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O conhecimento do Direito

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Agenda 20/03/2004 às 00:00

A maior parte dos profissionais que lidam com o Direito não sabe o motivo da existência de tantas disciplinas estudando a sua própria matéria de trabalho, não sabe distinguir quais dessas disciplinas constituem ciência ou dizer dos critérios que servem para qualificá-las.

Resumo: Esta monografia é dedicada à realização de abordagens sobre o conhecimento em geral e o conhecimento específico do Direito, visando a proporcionar ao leitor ao menos as noções elementares para que possa se orientar rumo a uma compreensão mais ampla sobre o modo como se forma o conhecimento de sua matéria de trabalho.

Sumário: 1. Introdução; 2. Considerações sobre o conhecimento em geral e o conhecimento jurídico, 2.1. Sobre a possibilidade do conhecimento, 2.1.1. O dogmatismo no Direito, 2.1.2. O ceticismo no Direito, 2.1.3. O relativismo, 2.2. Concepções a respeito do processo de elaboração do conhecimento, 2.3. O permanente questionamento sobre a viabilidade de se submeter o Direito a um conhecimento científico, 2.4. Graus do conhecimento; 3. Disciplinas que estudam o fenômeno jurídico, 3.1. Considerações prévias, 3.2. Relação de disciplinas "propriamente jurídicas", 3.2.1. Teoria Geral do Direito, 3.2.2. Ciência do Direito, 3.2.3. Dogmática Jurídica, 3.2.4. Teoria do Direito, 3.2.5. Introdução ao Direito, 3.3. Relação de disciplinas "não-propriamente jurídicas", 3.3.1. Filosofia do Direito, 3.3.2. História do Direito, 3.3.3. Sociologia do Direito, 3.3.4. Psicologia Jurídica, 3.3.5. Direito Comparado, 3.3.6. Lógica Jurídica, 3.3.7. Cibernética Jurídica, 3.3.8. Política Jurídica, 4. Conclusão; 5. Referência Bibliográfica.


1. INTRODUÇÃO

São muitas as disciplinas que tratam do Direito em suas diversas manifestações, cada uma produzindo um conhecimento particular. Todavia, a maior parte dos profissionais que lidam com o Direito – e aqui se incluem quase todos os que com este atuam na prática – não sabe o motivo da existência de tantas disciplinas estudando a sua própria matéria de trabalho, não sabe distinguir quais dessas disciplinas constituem ciência ou dizer dos critérios que servem para qualificá-las – ou não – com esse "título honorífico". Muito pouco sabem, os práticos do Direito, também, sobre o processo de formação do conhecimento e outras questões afins, necessários para uma adequada compreensão do assunto em referência.

Por isso, esta monografia é dedicada à realização de abordagens sobre o conhecimento em geral e o conhecimento específico do Direito, visando a proporcionar ao leitor ao menos as noções elementares para que possa se orientar rumo a uma compreensão mais ampla sobre o modo como se forma o conhecimento a respeito de sua matéria de trabalho.

O núcleo da monografia é composto de duas partes que se complementam. Uma dessas partes, consubstanciada no item "2", contém uma incursão na teoria do conhecimento1, incluindo o debate histórico sobre a viabilidade de se alcançar o conhecimento científico do Direito. A outra parte (nuclear) da monografia, constante do item "3", principia-se com o desenvolvimento de possíveis explicações para o problema da diversidade de disciplinas estudando o Direito, e com referência a critérios para qualificar cada disciplina – como científica ou não-científica (subitem "3.1"); e é encerrada com uma menção a várias dentre as disciplinas que estudam o Direito e com a indicação do objeto de estudo de cada uma (subitens "3.2" e "3.3" e respectivas subdivisões).

No item "4" da monografia consta uma conclusão, que consiste numa síntese das observações principais da parte nuclear.


2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONHECIMENTO EM GERAL E O CONHECIMENTO JURÍDICO

Os números "2.1" a "2.4", a seguir, embora sejam breves, contêm os temas principais da teoria do conhecimento em geral e especificamente sobre do conhecimento jurídico.

2.1. Sobre a possibilidade do conhecimento

Duas correntes de pensamento se destacam no debate sobre a possibilidade do conhecimento: o dogmatismo e o ceticismo (Reale, 1998, p. 158). Mas se impõe a menção a uma terceira vertente, o relativismo, que consiste em um dogmatismo parcial, que muitos autores confundem com o ceticismo, conforme se verá adiante.

Dogmatismo é o pensamento atribuído à "(...) corrente que se julga em condições de afirmar a possibilidade de conhecer verdades universais quanto ao ser, à existência e à conduta, transcendendo o campo das puras relações fenomenais e sem limites impostos a priori à razão" (Reale, op. cit., p. 158-159).

O dogmatismo pode ser total ou parcial. É total o dogmatismo quando a afirmação da possibilidade de se alcançar a verdade última é feita tanto no plano da especulação, quanto no da vida prática ou da Ética, inexistindo barreiras intransponíveis ao conhecimento humano. O dogmatismo total crê na livre possibilidade de acesso à realidade em si, sem quaisquer dúvidas quanto à rigorosa adequação entre o pensamento e a realidade. O dogmatismo parcial acredita na possibilidade de atingir-se o absoluto em dadas circunstâncias e modos quando não sob certo prisma (Reale, 1998, p. 158).

O dogmatismo total pode ser encontrado em Hegel, para quem o pensamento tem absoluta identidade com a realidade. O dogmatismo parcial apresenta duas vertentes: o dogmatismo teorético, que concentra autores que se julgam aptos a afirmar a verdade absoluta no plano da ação; e o dogmatismo ético, reunindo autores que somente admitem tais verdades no plano puramente especulativo. David Hume e Kant são exemplos de autores que estão na primeira vertente. David Hume duvidava da possibilidade de atingir as verdades últimas enquanto no plano teórico, mas afirmava as razões primordiais de agir, estabelecendo as bases de sua Ética ou de sua Moral. Kant também achava impossível o conhecimento absoluto, porém, no plano da ética ele era dogmático, sustentando que o homem, na vida prática, deve obedecer a imperativos categóricos, que não se revelam à razão teórica, mas à vontade pura, descortinando-lhe o mundo noumenal (Reale, 1998, p. 159-160).

É possível ser dogmático em um sentido e relativista (dogmático parcial) em outro, como é o caso de Pascal, que não duvidava de seus cálculos matemáticos e da exatidão das ciências enquanto ciências, mas tinha dúvidas sobre a possibilidade do conhecimento absoluto no plano do agir ou da conduta humana (Reale, op. cit. p. 160).

O ceticismo "implica uma constante atitude dubidativa ou em todos os graus e formas de conhecimento, convertendo a ‘incerteza’ em característico essencial dos enunciados da Ciência como da Filosofia" (Reale, 1998, p. 162). A Filosofia Cética ou Escola Cética provém de Pírron de Elis. Este filósofo viveu na Grécia no tempo de Alexandre Magno e o acompanhou em sua expedição ao Oriente, tendo morrido por volta de 270 a.C. Tornou-se conhecida como Pirronismo a forma extrema do ceticismo grego de Pírron, que consistia na pregação da necessidade de suspender o assentimento. Considerando que para o homem as coisas são inapreensíveis, a única atitude legítima é a de não julgá-las verdadeiras ou falsas, nem belas ou feias, nem boas ou ruins etc. (Abagnano, 2000, p. 764).

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Assim como o dogmatismo, o ceticismo se manifesta de forma parcial ou total. O ceticismo total ou radical – ou Pirronismo, como visto – costuma ser repudiado. Céticos parciais correspondem àqueles que são céticos quanto a alguns problemas da realidade ou da vida, ao mesmo tempo em que são dogmáticos em relação a outros problemas, como é o caso de Pascal, já mencionado, a quem se atribui um ceticismo ético ao mesmo tempo em que se diz dele tratar-se de um dogmático quanto à sua matemática e em relação às ciências, enquanto tais (Reale, 1998, p. 163-164).

Resta ainda dar a noção de relativismo. Este, conforme afirmado anteriormente, é uma manifestação do dogmatismo, porém, um dogmatismo parcial. Reale condena a atitude de muitos autores que consideram as doutrinas relativistas (entre elas, por exemplo, o criticismo de Kant e o positivismo de Augusto Comte) como uma expressão do ceticismo, pois

"(...) o ceticismo nunca abandona a atitude dubidativa do espírito, mesmo quando enuncia juízos de natureza científica (...) e o relativismo baliza o conhecimento humano, excluindo de suas possibilidades a esfera do absoluto, mas daí não resulta que o relativismo possa ser considerado cético. Os relativistas declaram que se conhece parcialmente, mas sustentam a certeza objetiva do pouco que se conhece, até que se não prove a sua invalidade" (Reale, 1998, p. 162).

Dada a noção básica acerca do dogmatismo, do ceticismo e do relativismo, passa-se, nos três tópicos seguintes, a tratar dessas doutrinas especificamente com relação ao conhecimento do Direito.

2.1.1. O dogmatismo no Direito

Como visto, grosso modo, o dogmatismo afirma a possibilidade de atingir-se a verdade com certeza e sem limites a priori (Reale, 1998, p. 162). No Direito, o dogmatismo se revela, principalmente, por meio das doutrinas do Direito Natural e do Direito Positivo. Reale (1998, p. 161) aponta como exemplos, embora parciais, de dogmáticos no Direito "os ‘construtores de sistemas racionais de Direito’, tão em voga na época do Iluminismo(...)", assim como "os contratualistas de vários matizes, ou (...) os juristas que pretenderam plasmar o Direito Positivo mediante o encadeamento formal de raciocínios inicialmente assentes em verdades evidentes ou reveladas" e, ainda, "(...) a concepção tomista do Direito Natural, (...) ao subordinar o Direito ao justo(...)".

Os dois extremos do dogmatismo jurídico estão representados nas teorias de Hegel e Kant. Na teoria hegeliana,

"a posição dogmática atinge sua expressão máxima, superando o dualismo entre Direito Natural e Direito Positivo, pois no processo dialético em que o real e o pensamento se identificam, não há que falar em dever ser ou em valores jurídicos, porque tudo se resolve na realidade jurídica como expressão do espírito objetivo".

Por sua vez, para Kant, é rígida a distinção entre o mundo da realidade e o dos valores (Reale, 1998, p. 162). Atribui-se aos filósofos do Direito contemporâneos a renovação de algumas teses fundamentais do hegelismo, assumindo características de uma terceira solução – a da polaridade ser-dever-ser –, que constitui um meio-termo entre a identificação hegeliana daquilo que é com o que deve ser e a rígida distinção formal Kantiana entre o mundo da realidade e o dos valores (ibid.).

2.1.2. O ceticismo no Direito

Ao longo da história, sempre existiu quem negasse a possibilidade de se encontrar fundamentos para o Direito, alegando que este não tem qualquer fundamento intrínseco e exprime apenas autoridade e força. Em Roma, o embaixador da Grécia Carnéades de Cirene teria gerado perturbação com sua dialética, ao sustentar que o critério do justo não se funda na natureza. O mesmo pensamento foi formulado pelos modernos céticos franceses dos séculos XVI e XVII, como Montaigne e Pascal. De Montaigne, é expressiva a seguinte indagação: "que bondade será essa, que da banda de lá do rio é delito (?)"; e de Pascal, estas ‘constatações’: "mudando o clima, muda a justiça. Três graus de elevação no pólo derrubam a jurisprudência. Um meridiano decide da verdade... Divertida justiça que um rio limita! Verdade aquém dos Pirineus, erro além" (Vecchio, 1979, p. 333; Gusmão, 1985, p. 68).

O ceticismo no Direito tem se manifestado quando se discute sobre a possibilidade de determinar-se o valor da justiça de maneira universal, ou sobre a viabilidade de um conhecimento do fenômeno jurídico dotado de certeza e de natureza científica. Duvida-se "(...) da objetividade do justo, quer em virtude dos critérios mutáveis que a História do Direito nos revela, quer pela não menos desconcertante variedade do sentimento jurídico, ou pelo conflito entre a justiça e os demais valores" (Reale, 1998, p. 164-165).

2.1.3. O relativismo

Adotada a orientação de Reale (1998), de não confundir o dogmatismo parcial como uma manifestação do ceticismo, tem-se que concluir que o relativismo consiste na posição daqueles que crêem na viabilidade de se alcançar um conhecimento do fenômeno jurídico que, mesmo sendo parcial, é estreme de dúvidas (op. cit., p. 165).

O relativismo, historicamente, tem-se apresentado sob várias formas. Destacam-se o relativismo criticista e o relativismo positivista. O relativismo criticista, ou "kantismo", é a doutrina originária de Kant, segundo a qual o homem não pode conhecer senão fenômenos, considerando-se fenômeno aquilo que é suscetível da experiência. Kant subordina o conhecimento do objeto a algo que preexiste logicamente em nosso espírito, às formas a priori da sensibilidade e às categorias do intelecto. O relativismo positivista, ou "comtismo", teve início com Augusto Comte e, como o "kantismo", exclui o absoluto da possibilidade de conhecer, contrapondo-se à metafísica tradicional. Ambos partem, porém, de pressupostos diversos, pois, ao contrário de Kant, Comte não admite qualquer subjetividade a priori, estabelecendo uma correlação progressiva entre o processar-se dos fenômenos e o pensamento que no real encontra a fonte de seu desenvolvimento (Reale, 1998, p. 165-167).

Segundo Reale, mais doutrinas poderiam ser inseridas entre os relativistas, como, por exemplo, o convencionalismo gnoseológico, o pragmatismo e muitas outras. Segundo o convencionalismo gnoseológico, há algo de convencional no saber científico, na medida em que sempre existe uma preocupação de adaptar as respostas a certas conveniências ditadas pelo êxito, pela segurança etc. Assim, por exemplo, o pensamento de Hans Vaihinger, sustentando o caráter puramente ficcionalista de todo conhecimento: afirmamos algo como se houvesse certeza, por sua utilidade biológica. Por sua vez, o pragmatismo sustenta que devemos resolver o problema do conhecimento e do alcance do conhecimento reconhecendo que a teoria se insere ou se integra como momento da "ação" ou da vida prática, a tal ponto que os "elementos formais" da Lógica são "formas de dada matéria" (op. cit., p. 168-169).

2.2. Concepções a respeito do processo de elaboração do conhecimento

Na discussão do problema atinente ao processo de elaboração do conhecimento, destacam-se três correntes: o empirismo e o racionalismo, que têm debatido entre si ao longo da história; e a moderna dialética, que parece superar os questionamentos das duas outras.

O empirismo, cuja forma mais radical e mais moderada são representadas, respectivamente, pelo positivismo de Augusto Comte e pelo empirismo lógico ou neopositivismo do Círculo de Viena, tem como principal característica a suposição de que o conhecimento nasce do objeto. No empirismo, o vetor do conhecimento parte do real para o racional (não é a razão que toma a iniciativa), o conhecimento flui do objeto, refere-se especificamente a ele e só tem validade quando comprovável empiricamente. É o conhecimento, para o empirismo, uma descrição do objeto, que é tanto mais exata quanto melhor apontar as características reais deste. O papel do sujeito seria semelhante ao de uma câmara fotográfica, ou seja, registrar e descrever o objeto tal como ele é. Enfim, a preocupação fundamental do empirismo, em qualquer de suas correntes, consiste em reduzir todo o conteúdo do conhecimento a determinações observáveis (Marques Neto, 2001, p. 3).

Por sua vez, para o racionalismo, o vetor epistemológico vai do racional para o real (a razão é que toma a iniciativa), constituindo o objeto real mero ponto de referência, quando não é praticamente ignorado, como ocorre na forma extrema do racionalismo, que é o idealismo 2. Para o idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, como idéia pura... Não se conhecem as coisas, mas sim representações de coisas ou as coisas enquanto representadas (...), o que não implica necessariamente numa negação do real, mas na concepção de que é impossível conhecer as coisas tal como elas são em si mesmas. Uma forma moderada de racionalismo é representada pelo denominado intelectualismo, que atribui à razão o papel de conferir validade lógico-universal ao conhecimento, embora sustente que este não pode ser concebido sem a experiência. O fundamento do ato de conhecer, segundo o racionalismo, está no sujeito... "O pensamento opera com idéias, e não com coisas concretas. O objeto do conhecimento é uma idéia construída pela razão" (Marques Neto, op. cit., p. 6).

A moderna dialética parte de uma crítica ao empirismo e ao racionalismo, atacando os pressupostos fundamentais tanto de uma como de outra corrente, sobretudo nas suas formas extremas, representadas pelo positivismo e pelo idealismo. As epistemologias dialéticas tratam sob um enfoque novo o problema da relação entre o sujeito e o objeto: discordam quer da concepção metafísica empirista como idealista, que separam o sujeito cognoscente do objeto real que é conhecido... O que importa é a própria relação concreta que efetivamente ocorre dentro do processo histórico do ato de conhecer (Marques Neto, 2001, p. 13-14). São exemplos de epistemologias dialéticas o materialismo histórico, a epistemologia genética, a epistemologia histórica e a epistemologia crítica, das quais não há espaço para comentários neste trabalho monográfico, pelo seu alcance restrito.

As epistemologias dialéticas distinguem o objeto real do objeto de conhecimento aquele é coisa existente independente do pensamento, seja em si mesma considerada, seja através de suas manifestações concretas; por sua vez, o objeto do conhecimento vem a ser o objeto tal como é conhecido, um objeto construído, sobre o qual se estabelecem os processos cognitivos (filosóficos, científicos, artísticos etc.). Dessa maneira, o ato de conhecer equivale a um ato de reconstruir, de aprimorar os conhecimentos anteriores. O conhecimento é, assim, na epistemologia contemporânea, um processo de retificação de verdades estabelecidas. O sujeito não vai "em branco" observar o objeto, ele leva consigo todo um conhecimento já acumulado historicamente e tenta superá-lo para construir conhecimentos novos (Marques Neto, op. cit., p. 14).

2.3. O permanente questionamento sobre a viabilidade de se submeter o Direito a um conhecimento científico

Entre os que estudam o Direito, os adeptos do ceticismo científico-jurídico acreditam que é inviável um conhecimento sistemático do Direito e que, por isso, a ciência do Direito 3 não é uma ciência. O argumento dessa corrente é o de que o Direito, que é o objeto de estudo dessa "ciência", se modifica no tempo e no espaço, de modo a impedir o jurista de alcançar exatidão na construção científica, no que difere do naturalista, que "(...) tem diante de si um objeto permanente ou invariável, que permite fazer longas locubrações, verificações, experiências e corrigir erros que, porventura, tiver cometido" (Diniz, 2001, p. 32-33).

Mas, para a maioria dos autores, o Direito é suscetível de conhecimento científico, conforme Diniz (2001) e Ferraz Júnior (1977). Segundo este último autor,

"(...) se percorrermos os tratados de Direito Civil, Direito Comercial, Direito Penal e outros, podemos assinalar duas preocupações que revelam um aparente comum acordo sobre a existência de uma ciência do Direito, nas suas diversas ramificações, e sobre sua especificidade:

1ª) definir cada um destes ramos como partes de uma ‘ciência unitária do Direito’; e

2ª) distinguir a ‘ciência do Direito’, propriamente dita, de outras com as quais mantém relações, em geral, de subsidiariedade, p. ex., ciência do Direito Penal e Criminologia; Psicologia Forense, Sociologia Criminal. Fala-se da Ciência Dogmática do Direito, para distingui-la da Psicologia, História e outras" (op. cit., p. 13).

2.4. Graus do conhecimento

Do ponto de vista lógico 4, o conhecimento humano em geral pode ser vulgar, científico e filosófico (Torré, 1997, p. 35-36).

O conhecimento ou saber vulgar de um objeto, também conhecido como conhecimento pré-científico, ingênuo ou imperfeito, é o conhecimento que tem uma pessoa sem preparação especial para tanto e que deriva da própria experiência da vida. Estão nessa classe todos aqueles conhecimentos revelados pelos sentidos, ainda que com uma dose mínima de raciocínio, como é o caso do conhecimento vulgar desenvolvido pelos homens da cidade, impregnado de noções científicas ou pseudo-científicas assimiladas insensivelmente. O conhecimento vulgar tem como características principais o fato de ser incerto, superficial e desordenado: incerto, porque, mesmo sendo verdadeiro, não se conhece com certeza; é superficial porque somente se lhe conhece a partir dos efeitos; e é desordenado por não ser metódico, que facilmente conduz a conclusões distorcidas (Torré, 1997, p. 35-36).

O conhecimento científico é o conhecimento que se caracteriza por ser certo, explicado e fundamentado, sistemático e de sentido limitado: certo, no sentido de certeza objetiva, ou seja, de poder ser constatada por todos, de buscar a realidade tal qual ela é e não como ela se reflete em nossos sentidos; explicado e fundamentado, porque a ciência nos dá uma explicação satisfatória da realidade material e espiritual, fundamentada em rigorosas comprovações; sistemático, uma vez que, por mais provado e justificado que esteja, o conhecimento não é ciência se não estiver organizado metodicamente, se não estiver sistematizado; e de sentido limitado, tendo em vista que as ciências, embora às vezes considerem determinados setores do universo que às vezes são muito amplos, elas, contudo, não ultrapassam um certo setor ou região, que constitui o objeto de cada uma, posto que, se o fizesse, adentraria no objeto de outra disciplina (Torré, op. cit., p. 37-39).

O conhecimento ou saber filosófico é um tipo de conhecimento que não pressupõe outros conceitos, ou seja, que dispensa pressupostos, dedicando, aliás, grande parte de seu esforço à dilucidação dos pressupostos científicos. Também se distingue o conhecimento filosófico por caracterizar a totalidade dos objetos, naquilo que eles têm de essencial, de modo que qualquer matéria pode ser objeto de reflexão filosófica (Torré, 1997, p. 39).

No campo jurídico, a noção do conhecimento vulgar e do conhecimento científico, e a diferença entre ambos, podem ser mais bem transmitidas através de exemplos práticos. Uma pessoa qualquer, pelo fato de ter celebrado um contrato de locação, por certo sabe como se realiza esse contrato, que cláusulas ele contém etc., o que caracteriza um conhecimento apenas vulgar do assunto (contrato). Mas, se essa mesma ou qualquer outra pessoa estudar o regime jurídico do referido contrato nas leis do local da celebração, ou com base na jurisprudência etc., ou mesmo se vier a cuidar da análise dos elementos permanentes e essenciais daquele contrato, já estará fazendo Ciência do Direito.

Destarte, "(...) o enfoque científico da realidade jurídica é o que dá origem às Ciências Jurídicas, as quais, por serem várias, a encaram a partir de distintos pontos de vista" (Torré, 1997, p. 40).

Quanto à distinção entre o conhecimento científico e o filosófico no campo jurídico, bem assim a noção deste, pode-se afirmar que as ciências jurídicas são as que fornecem como pressupostos uma série de conceitos, como a noção do Direito, da justiça etc. Por sua vez, o pensamento filosófico trata de problematizar e estudar intensivamente os mencionados pressupostos dados pelas ciências jurídicas, implicando essa atividade na análise dos próprios fundamentos sobre os quais repousam as ciências jurídicas. Em suma, o conjunto dos problemas essenciais e mais profundos que se referem ao Direito é que dá origem à Filosofia do Direito (Torré, 1997, p. 40).

Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O conhecimento do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 262, 20 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4801. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Título anterior desta publicação: "Disciplinas que estudam o fenômeno jurídico" (até maio de 2005).

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