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O conhecimento do Direito

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Agenda 20/03/2004 às 00:00

4. CONCLUSÃO

Tendo em vista a exposição feita na parte nuclear desta monografia, impõe-se aduzir algumas conclusões sobre o tema abordado.

No que concerne à crença na possibilidade ou impossibilidade de se alcançar o conhecimento absoluto, distinguem-se a corrente dogmatista e ceticista. A corrente dogmatista afirma a possibilidade de se atingir o conhecimento da realidade, sem quaisquer dúvidas (dogmatismo total), ou de alcançar a realidade sob determinadas circunstâncias (dogmatismo parcial ou relativismo). A corrente ceticista, por sua vez, acredita que as coisas não são apreensíveis, independentemente dos graus e formas de conhecimentos adotados, recomendando, assim, nunca julgá-las como verdadeiras ou falsas. Assim como no dogmatismo, o ceticismo pode-se apresentar parcial, quando se é cético quanto a alguns problemas da realidade ou da vida ao mesmo tempo em que se é dogmático em relação a outros. O cético parcial, assim como o dogmático parcial, é relativista.

No Direito, o dogmatismo consiste na crença de que é possível atingir-se a verdade dos conceitos jurídicos fundamentais, com certeza e sem limites estabelecidos a priori. As principais manifestações do dogmatismo no Direito são as doutrinas do Direito Natural (Jusnaturalismo) e do Direito Positivo (Juspositivismo). O ceticismo, em Direito, se manifesta principalmente em torno da discussão de assuntos como o da possibilidade de determinar-se o valor da justiça de maneira universal, ou de se formular um conhecimento do fenômeno jurídico dotado de certeza e de cientificidade. E o relativismo se afigura como a crença na de que não se pode conhecer totalmente o fenômeno jurídico, mas mas nas partes em que esse conhecimento é possível, o conhecimento não enseja dúvidas.

Quanto ao processo de elaboração do conhecimento, duas vertentes historicamente se confrontaram: o empirismo e o racionalismo. Para o empirismo, o conhecimento consiste numa descrição do objeto (parte do objeto para o sujeito) e só tem validade quando for suscetível de comprovação empírica. Já para o racionalismo, o objeto de conhecimento é algo que é construído pela razão, de modo que o ato de conhecer parte do sujeito para o objeto. Modernamente, parecem ter sido superados o empirismo e o racionalismo pela moderna dialética. Esta não concorda com a separação que o empirismo e o racionalismo fazem entre o sujeito e o objeto do conhecimento, salientando que o importante é a relação concreta que efetivamente ocorre no processo histórico do ato de conhecer. Na moderna dialética, diferentemente do empirismo e do dogmatismo, o objeto não é o objeto real, mas o objeto como está conhecido até o momento de ser estudado, consistindo o ato de conhecer em acrescentar conhecimentos àquele objeto de conhecimento. Daí a distinção entre objeto material e objeto formal (ou objeto de conhecimento), sendo este o objeto tal como é conhecido e não como se apresenta na realidade material.

O conhecimento, quanto à lógica em que se concretiza, classifica-se em vulgar, científico e filosófico. O conhecimento vulgar é incerto, superficial e desordenado, enquanto o conhecimento científico caracteriza-se por ser certo, explicado e fundamentado, sistemático (metódico) e de sentido limitado. Por sua vez, o conhecimento filosófico se caracteriza por ser um conhecimento que visa a totalidade dos objetos, naquilo que eles têm de essencial, podendo qualquer matéria ser objeto de reflexão filosófica. Outrossim, o conhecimento filosófico não pressupõe outros conceitos e, aliás, dedica grande parte de seu esforço à dilucidação dos pressupostos científicos.

Na discussão sobre a viabilidade de se submeter o Direito a um conhecimento científico, a corrente "ceticista cientítico-jurídica" defende a inviabilidade do conhecimento sistemático do Direito, de modo que não é possível a formação de ciências do Direito. Porém, para a maioria dos estudiosos, o Direito é suscetível de conhecimento científico.

É no conhecimento filosófico que são encontradas saídas para os problemas essenciais e mais profundos que se referem ao Direito, tais como a noção do Direito, da justiça etc., mas é a partir do enfoque (conhecimento) científico que surgem as diferentes ciências jurídicas.

A causa da existência de várias disciplinas estudando o Direito reside no fato de os juristas não estarem de acordo sobre o método e do objeto de sua matéria de trabalho.

A tranqüilidade nesse tema há que ser encontrada firmando-se a convicção de que

"(...) não há um método único, que por si mesmo garanta a cientificidade de qualquer proposição teórica. O método deve ser construído em função da teoria direcionadora da pesquisa, do problema formulado e da natureza do objeto. Cabe, assim, ao cientista, elaborar o método que lhe pareça mais adequado a cada pesquisa concreta, cuja validade só pode ser determinada dentro de uma visão retrospectiva. Há pontos comuns, usuais, no percurso metodológico, mas eles não podem ser considerados como regras fixas, a serem rigorosamente observadas em qualquer investigação científica... O método jurídico faz parte do processo de elaboração teórica, e sua validade não pode ser estabelecida a priori, mas sempre em função da natureza de cada pesquisa" 13.

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As distintas teorias que descrevem o fenômeno jurídico não se refutam entre si, nem podem considerar-se umas melhores do que as outras. Elas partem de diferentes definições estipulativas, delimitam distintos campos temáticos e, por isso mesmo, são incomparáveis (ou "incomensuráveis" na terminologia de Kuhn e Feyerabend) 14.

Portanto, não se deve pretender a existência de uma única ciência jurídica, pois é o conjunto das diversas investigações científicas com a investigação filosófica que possibilitam a análise mais eficiente e completa do Direito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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KAUFMANN, Arthur. Filosofía del derecho, teoría del derecho, dogmática jurídica. In KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. EL PENSAMIENTO JURÍDICO CONTEMPORÁNEO. [Trad. Gregório Robles]. Madrid: Editorial Debate, 1992, cap. 1, p. 27-44.

LANDIM, Francisco Paes. Aulas ministradas no período de 23 a 25 de nov. de 2001, no primeiro curso de Mestrado Interinstitucional em Teoria e Filosofia do Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em convênio com a Universidade Federal do Piauí e a Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí – ESAPI.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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VECCHIO, Giorgio del. Lições de filosofia do direito. [Tradução de Antonio José Brandão]. 5. ed. Coimbra: Sucessor, 1979.


Notas

1 Ou seja, contém uma incursão na Epistemologia Jurídica, que é a parte da Filosofia do Direito "(...) que se ocupa da ciência do Direito, estudando os seus pressupostos, analisando os fundamentos em que repousam os princípios que informam sua atividade, bem como a delimitação de seu objeto temático, procurando verificar, ainda, quais os métodos, ou melhor, os meios lógicos que dão garantia de validade aos resultados teóricos alcançados" (Diniz, 2001, p. 34).

2 Linhas atrás já se tratou da corrente idealista, porém, para mencionar a sua concepção quanto à viabilidade de se alcançar o conhecimento (inclusive o conhecimento jurídico), ao passo que agora se lhe menciona para apontar sua idéia a respeito de como se processa o conhecimento.

3 Em sentido amplo, ou seja, compreendendo todas as disciplinas que estudam o Direito.

4 O conhecimento pode também ser classificado segundo outros critérios: do ponto de vista psicológico, em sensível e racional; com base na sua finalidade, em teórico ou especulativo e prático etc. (Torré, 1997, p.35).

5 Remete-se o leitor ao item 2.2, onde se tratou mais detidamente do processo de elaboração do conhecimento.

6 A) Na teoria da ciência, distingue-se o objeto material do objeto formal. Objeto material é o objeto concreto de que se ocupa uma determinada ciência, considerando-o em sua totalidade fenomênica, enquanto objeto formal consiste na perspectiva a partir da qual se investiga essa "totalidade" (daí ser denominado, às vezes, de objeto de investigação). O que caracteriza cada ciência é, portanto, seu objeto formal, tendo em vista que o objeto material pode ser comum a várias ciências (Kaufmann e Hassemer, 1992, p. 29). B) Essa distinção – entre objeto material e objeto formal – foi obrada pela epistemologia moderna e a ela já se reportou no último parágrafo do item 2.2 desta monografia (sob os nomes de obeto real e objeto de conhecimento, respectivamente), ao qual se remete o leitor. C) Segundo orientação de Landim, em aula ministrada 25/11/2001, em Teresina/PI, no 1º curso de mestrado interinstitucional da Universidade Federal de Pernambuco em convênio com a Universidade Federal do Piauí e a Escola Superior da Advocacia do Piauí – ESAPI, constituem funções do objeto: 1) definir o tipo de conhecimento (empírico, científico, transcendental etc.); 2) estabelecer relações entre os diversos campos do conhecimento jurídico; 3) definir o campo de pesquisa. Por sua vez, o método serve para demarcar o campo de estudo.

7 "...É por isso que o Positivismo afirma a possibilidade de existência de um método único, comum a todas as ciências, independentemente do grau de evolução que elas tenham atingido e das circunstâncias histórico-culturais em que se processe sua elaboração"...O Positivismo "...transfere a crença no objeto para a crença no método, o qual se validaria por si mesmo (Marques Neto, 2001, p. 65).

8 "Ciências jurídicas", aqui consideradas em sentido amplo, de quaisquer das ciências que estudam o Direito.

9 Na sua Contribucion a la teoria del derecho, edición a cargo de Alfonso Ruiz Miguel, p. 72.

10 Conforme consta da mesma obra referida na nota anterior, p. 74.

11 A palavra jurisprudência, além de significar a Ciência do Direito, também é comumente utilizada para designar as decisões judiciais como fontes do Direito. Nos países saxônicos, a palavra jurisprudence é empregada para designar as disciplinas que estudam o Direito.

12 No mesmo sentido, Kaufmann e Hassemer, 1992, p. 27, entre outros.

13 Cf. Marques Neto, in A ciência do direito: conceito, objeto, método, 2001, p. 239-240.

14 Cf. Russo, in Teoria general del derecho en la modernidade y en la posmodernidad, 1995, p. 23.

Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O conhecimento do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 262, 20 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4801. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Título anterior desta publicação: "Disciplinas que estudam o fenômeno jurídico" (até maio de 2005).

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