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Responsabilidade tributária de sócios e administradores

Agenda 15/02/2004 às 00:00

As Fazendas Públicas Estaduais e também a Federal, além do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, têm dado aplicabilidade, ao nosso ver, equivocada ao dispositivo do Código Tributário Nacional que atribui responsabilidade pessoal aos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, pelos créditos tributários resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.

Tal dispositivo está inserido no capítulo da Responsabilidade Tributária, especificamente na seção da Responsabilidade de Terceiros, artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Aqui vale lembrar que a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1.988 (CTN), dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional (...). Pressupõe, portanto, a disposição sobre um conjunto de preceitos jurídico-tributários organizados através de um método. Tal fato impossibilita uma interpretação isolada de qualquer artigo do código.

A mencionada seção da Responsabilidade de Terceiros é composta por dois artigos: o primeiro trata das hipóteses de solidariedade, sendo aplicável tão somente quando há impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal por parte do contribuinte. Assim sendo, os agente elencados pelo artigo 134 do CTN figurarão subsidiariamente como sujeito passivo da execução fiscal, figurando neste pólo tanto o contribuinte como o responsável solidário. Vale destacar que o elemento que desencadeará a solidariedade prevista é a infringência dos deveres de fiscalização, de representação e de boa administração, que deveriam ser exercidos com diligência e zelo, seja por ação ou omissão.

Diferentemente da hipótese citada acima, no artigo 135 o débito surge em nome do contribuinte (pessoa jurídica) e, em função de práticas de ato com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto devidamente apuradas pelo exeqüente, este é substituído na relação obrigacional, passando a recair exclusivamente sobre o responsável, que efetivamente substituirá o contribuinte em função do dolo.

E não poderia ser de outra forma. Uma vez apurado um ato praticado com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto o agente causador do dano deve ser pessoalmente responsabilizado, não havendo que se falar em responsabilidade para a pessoa jurídica. E é exatamente isto que previu o legislador ao determinar a responsabilidade pessoal do agente.

A discussão passa, portanto, para a pertinente aplicabilidade ao caso do princípio da separação da personalidade jurídica da empresa da de seus sócios, respondendo exclusivamente estes por atos infracionais e, ainda, pela responsabilidade dos administradores pelos prejuízos causados às companhias por atos praticados com violação à lei ou estatuto (artigo 158, da Lei 6.404/76).

É de clareza textual a diferença entre os dispositivos: enquanto o artigo 134 do CTN trata da responsabilidade solidária de terceiros, o artigo 135 cuida especificamente dos casos de responsabilidade pessoal dos agentes, sem qualquer menção à solidariedade. Se a responsabilidade prevista no artigo 135 é pessoal, resta impossível a constituição do pólo passivo de uma execução fiscal pelo contribuinte (pessoa jurídica) "e" pelos seus sócios e/ou administradores, porque tal hipótese seria de solidariedade e não de responsabilidade pessoal, conforme previsto em lei.

A existência de um sistema organizado, em que os termos não são lançados sem um fim específico é reforçada quando da análise do artigo do mesmo codex que, mais uma vez, trata expressamente da responsabilidade pessoal, sendo que, nas hipóteses discriminadas pelo citado dispositivo não há como concluir de outra forma senão que há uma efetiva substituição do contribuinte pelo sucessor. Resta, pois, única indagação: por que o CTN utilizaria expressão específica para tratar situações diferentes?

As conclusões aqui lançadas são esposadas pela mestra Mizabel Derzi, senvindo de sustentação para este trabalho, assim ensinando:

"O ilícito é assim prévio ou concomitante ao surgimento da obrigação (mas exterior à norma tributária) e não posterior, como seria o caso do não pagamento do tributo. A lei que se infringe é a lei comercial ou civil, não a tributária, agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte. Daí se explica que, no pólo passivo, se mantenha apenas a figura do responsável, não mais a do contribuinte, que viu, em seu nome, surgir dívida não autorizada, quer pela lei, que pelo contrato social ou estatuto." [1] (Grifos nossos)

Em nossa prática nos tribunais, lamentavelmente, não observamos a aplicação rigorosa dessa disposição legal. Os ilustres procuradores das exeqüentes, na maioria absoluta das vezes, requerem a inclusão dos sócios e administradores no pólo passivo da execução, sendo o pedido em rigor atendido pelos juízes de primeira instância. Regra geral, tais pedidos sequer vêm acompanhados de fundamentação ou prova.

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Com este quadro, nos defrontamos com um aspecto relevante do Processo penal a ser analisado. O artigo 333 do Código de Processo Civil estabelece em seu inciso I que o ônus de prova recai sobre o autor quanto ao fato constitutivo de seu direito. O direito à substituição da sociedade pelo sócio na execução decorre da prática de fato específico, ou melhor, ato praticado com excesso de poderes ou em detrimento à lei ou em função do encerramento irregular das atividades da empresa. Conclusão inevitável é que o ônus da prova no caso em apreço não pode ser invertido, permanecendo sob encargo da Fazenda Pública que, para fazer valer seu direito, deverá trazer aos autos as alegações e provas em relação ao fato constitutivo de seu direito.

O Superior Tribunal de Justiça tem decidido nos julgados mais recentes que há necessidade de expressa indicação dos motivos que sustentam o pedido de redirecionamento da execução fiscal para os sócios, sob pena de indeferimento. Exemplo disso é o Recurso Especial nº 513555/PR, de 06/10/2003, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, que assim decidiu:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. PRESSUPOSTOS DE VIABILIDADE.

1. Para que se viabilize o redirecionamento da execução é indispensável que a respectiva petição descreva, como causa para redirecionar, uma das situações caracterizadoras da responsabilidade subsidiária do terceiro pela dívida do executado. Pode-se admitir que a efetiva configuração da responsabilidade e a produção da respectiva prova venham compor o objeto de embargos do novo executado. O que não se admite - e enseja desde logo o indeferimento da pretensão - é que o redirecionamento tenha como causa de pedir uma situação que, nem em tese, acarreta a responsabilidade subsidiária do terceiro requerido.

2. Segundo a jurisprudência do STJ, a simples falta de pagamento do tributo e a inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da devedora (sociedade por quotas de responsabilidade limitada) não configuram, por si sós, nem em tese, situações que acarretam a responsabilidade subsidiária dos sócios 3. A ofensa à lei, que pode ensejar a responsabilidade do sócio, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a que tem relação direta com a obrigação tributária objeto da execução. Não se enquadra nessa hipótese o descumprimento do dever legal do administrador de requerer a autofalência (art. 8º do Decreto-lei nº 7661/45).

4. Recurso Especial improvido.

Por se tratar de matéria de ordem pública cremos que, caso não seja apreciada de ofício pelo juiz de primeira instância, a matéria envolvendo a responsabilidade pessoal dos sócios ou administradores que praticam atos com excesso de poderes, contra a lei ou contrato social poderá ser argüida pela parte através da "Exceção de Pré-Executividade".

Este instrumento doutrinário e jurisprudencial do processo civil tem-se mostrado útil sempre que o título executivo se mostra manifestamente nulo ou manifestamente ilegítima a parte contra quem se intenta a execução fiscal. Nestes termos, se estamos diante de hipótese de responsabilidade pessoal de sócios e/ou administradores, a mera inclusão destes no pólo passivo para responder solidariamente pela obrigação tributária, não goza de embasamento legal, devendo ser afastada de plano pelo Poder Judiciário face à ilegitimidade passiva ad causam do sujeito passivo.


Notas

01. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Derzi. 11ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 756.

Sobre o autor
Leonardo Siqueira

advogado tributarista em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Leonardo. Responsabilidade tributária de sócios e administradores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 222, 15 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4825. Acesso em: 5 nov. 2024.

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