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Assalto a ônibus não gera dano moral

Agenda 16/04/2016 às 21:05

O sujeito sacou um dinheiro, tomou o ônibus e foi assaltado quando voltava para casa. O banco tem alguma responsabilidade nisso?

Um sujeito foi ao banco sacar os seus caraminguás e, ao sair, sofreu a conhecida “saidinha de banco”, e ficou sem seus tostões. Outro, sacou o salário normalmente no caixa, tomou o ônibus de volta para a casa e, no meio do caminho, o ônibus foi assaltado, e ele ficou sem seu dinheirinho. No primeiro caso, o correntista processou o banco e o banco foi condenado a indenizá-lo. No segundo, o correntista processou o banco e perdeu a ação. Por que um ganhou e outro perdeu a causa? Leia este “artiguinho” até o fim e você vai saber.

Os tribunais do trabalho estão repletos de decisões em que empresas de ônibus são condenadas a pagar vultosas indenizações em dinheiro por dano moral a motoristas e cobradores vítimas de assaltos. Até onde minha inteligência permite ir, assalto a ônibus numa via pública é caso fortuito, e, se alguém tem de ser responsabilizado, é o Estado, pela negligência no dever de proteger, evitar, vigiar e punir. A empresa de ônibus não pode jamais ser apenada porque é tão vítima da relapsia do Estado quanto os passageiros que transporta. Não é caso de responsabilidade civil do transportador por falha do serviço. Isso é outra coisa, que convém não misturar.

Os hermeneutas ensinam, com sobrada razão, que onde a lei é clara, cessa a interpretação. O art. 393. do Código Civil brasileiro não faz diferença entre “caso fortuito” e “força maior”. Diz, apenas, que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito e força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Para completar o raciocínio, seu parágrafo único diz que o caso fortuito ou de força maior se verifica no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir. Explico melhor: se os efeitos do fato necessário (aquele que é a causa do evento danoso) não podiam ser evitados, ou impedidos, há caso fortuito ou força maior, e não é possível imputar a alguém a sua culpa. Dou exemplo para aclarar o conceito: se alguém, em condições normais de tráfego, dirige um carro em meio a uma tempestade e esse veículo é atingido por um raio e, por conta disso, se desgoverna e atinge outro veículo, não há culpa nem indenização. O raio é um fato natural cuja ocorrência danosa era impossível evitar ou impedir.

Na questão dos assaltos, o STJ tem duas linhas de jurisprudência. Se o assalto ocorre dentro de uma agência bancária, a responsabilidade civil é do estabelecimento bancário, porque zelar pela integridade física dos clientes é obrigação própria da atividade-fim dos bancos. Trata-se de evento previsível e evitável. Isso inclui, por extensão, o estacionamento do banco e as áreas periféricas às suas agências. O banco tem de manter vigilância ostensiva num raio razoável em torno das agências justamente para evitar a ação dos ladrões. Essa presença ostensiva tem nome: “ação de presença”. Ainda que o vigilante não trabalhe armado, a sua presença ali indica que está a serviço do banco. Mas, se o assalto ocorre dentro de um ônibus, é caso fortuito. A empresa de transporte não pode ser apenada por um fato que não tinha nenhuma condição de impedir ou evitar. Mais que isso: esse fato não se liga ao risco presente na cadeia produtiva normal dessa empresa. O assalto não é um evento que decorre normalmente da atividade de transporte público de passageiros. O assalto é um crime que decorre da falta de vigilância ostensiva do poder público.

Um dia desses, li no site do TST 1 que uma cobradora de ônibus, vítima de oito assaltos, receberá do ex-patrão R$50 mil por dano moral. Segundo ela, por determinação da empresa, cumprira jornada das 14h a 1h30min e, por diversas vezes, pedira ao patrão, sem êxito, mudança de turno. O relator entendeu que o dano era inequívoco, havia nexo de causalidade entre os fatos e as lesões e a empregada desenvolvera estresse pós-traumático como decorrência desses assaltos. Fiando-se nisso, manteve a indenização fixada no primeiro grau. Ninguém duvida que assaltos deixam sequelas emocionais. Qualquer um que tenha passado por essa situação de estresse sabe disso. O fato objetivo — o dano psicológico — está mais do que provado. O que não consigo ver é a outra ponta do problema. Segundo o Código Civil, a responsabilidade civil no direito brasileiro é, em regra, subjetiva, isto é, a vítima tem de provar a culpa do agressor. Se não há prova da culpa, não há dever de indenizar.

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Nos casos em que a lei diz que a responsabilidade é objetiva, ou nos casos em que a atividade empresarial produz, normalmente, risco acima da média, a responsabilidade de quem produz esse risco será objetiva, presume-se que exista o risco e, com isso, não há que se falar em culpa. Na responsabilidade objetiva, inverte-se a lógica da imputação de responsabilidade, e quem tem de provar que não se obriga a indenizar o prejuízo material ou moral é o causador do dano. Se uma empresa cria o risco e causa acidente vitimando pessoas, é ela, como causadora do dano, quem terá de provar que houve força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima, em qualquer das suas modalidades (negligência, imperícia, imprudência). Essas causas excluem a imputabilidade. É ela quem terá de provar que não podia prever a ocorrência do acidente; que o acidente ocorreria mesmo que tivesse tomado todas as cautelas; ou que a vítima deu causa ao acidente e deve suportar o prejuízo.

Respondam-me, sinceramente: em relação aos assaltos, o serviço de transporte público de passageiros é uma atividade empresarial que produz risco potencial acima da média? Se a resposta for “não”, então trata-se de risco normal de qualquer empreendimento, e a culpa, se houver, deverá ser provada pela vítima. Logo, se se fala em culpa, não se trata de responsabilidade civil objetiva, mas de responsabilidade subjetiva. Se não se pode presumir responsabilidade pelo risco, porque o transporte de passageiros produz risco normal em sociedade, então as empresas de ônibus somente podem ser condenadas a indenizar passageiros em assaltos se agirem com culpa.

Torno a perguntar: as empresas de ônibus têm culpa nos assaltos?

Obviamente, não!


Nota

1 https://www.tst.jus.br/; Processo AIRR-1191740-19.2007.5.11.0013; acesso: 30/8/2011

Sobre o autor
José Geraldo da Fonseca

Advogado - Veirano Advogados. Desembargador Federal do Trabalho aposentado.

Informações sobre o texto

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