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As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco

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Agenda 21/02/2004 às 00:00

CONCLUSÕES

1.O surgimento dos fatos jurídicos depende da efetiva ocorrência, no mundo fenomênico, do fato ou conjunto de fatos anteriormente previsto(s) numa determinada norma jurídica.

2.Assim, somente se há falar em fatos jurídicos e, via de conseqüência, em relações jurídicas, onde haja inteira correspondência entre o fato concretamente ocorrido e aquele que restou previsto na norma jurídica correspondente. Eis o fenômeno da incidência.

3.Apesar disso, não é raro o direito socorrer-se da existência comprovada e do conhecimento direto de determinados fatos para deles extrair, por conclusão, a ocorrência de outros fatos, não diretamente comprovados, e que constituem o suporte fáctico de certa norma jurídica.

4.Ao contrário do que se possa pensar, não se está diante da negação de que só existem fatos estritamente jurídicos onde haja a incidência de uma norma jurídica sobre o suporte fáctico nela hipoteticamente previsto. Apenas a comprovação de tais fatos é que se faz de forma indireta.

5.Eis o campo das presunções, que assumem importante papel em matéria tributária.

6.O fundamento jurídico da utilização das presunções em matéria tributária se edifica sobre dois pressupostos: a) a necessidade de recolhimento, pelo Estado, dos tributos que lhe são devidos e que constituem a sua maior fonte de receita para fazer face às despesas que são inerentes à própria existência daquele; b) o uso, sempre crescente, pelos contribuintes, de mecanismos de fraude, com o intuito de se imiscuírem do cumprimento de suas obrigações tributárias.

7.Tal utilização depende, demais disso, do atendimento aos princípios constitucionais informadores da tributação e às garantias individuais dos contribuintes, tais quais a ampla defesa e o devido processo legal.

8.Além disso, deve partir do pressuposto de que seja impossível ou impraticável chegar-se ao conhecimento do fato de que se trate, por meio de provas diretas.

9.Presunção é, portanto, o resultado de um processo lógico, resultante da associação formada entre determinado fato conhecido, cuja existência é certa, e um fato desconhecido, cuja existência é provável, mas que tem relação direta com aquel’outro.

10.As presunções se dividem em três espécies: a) presunções relativas ou juris tantum, que são aquelas que admitem a produção de prova em contrário; b) as presunções absolutas, ou jure et de jure – aquelas que não admitem a produção de contraprovas da ocorrência do fato, tratando-se, tais quais as ficções legais, de verdadeiras normas de direito material; e c) as presunções mistas, em que apenas se permite a produção de determinadas provas contrárias ao fato presuntivo de que se trate.

11.Entendemos razoável apenas a utilização das presunções relativas, pois admitem a ampla produção de provas que possam vir a infirmar o fato presuntivo, atendendo assim o primado do devido processo legal e da ampla defesa.

12.A doutrina aponta alguns princípios constitucionais que restariam infirmados ante a utilização das presunções no direito tributário. No entanto, após a detida análise de alguns desses princípios, inclinamo-nos por reconhecer a legitimidade do uso das presunções em tal seara, conforme adiante exporemos.

13.Com relação aos princípios da legalidade e da tipicidade, entendemos que, ao chegar-se à comprovação plausível, explicável, da ocorrência de um fato jurídico tributário, através do uso das presunções – que consiste num processo lógico-mental resultante da ocorrência de um fato conhecido e comprovado, indiretamente ligado a um outro fato, desconhecido e que se pretende demonstrar através da associação com aquel’outro – não está a autoridade administrativa, ou mesmo o julgador, desvirtuando ou infirmando o fenômeno da incidência ou os princípios em tela.

14.Ora, a existência do fato jurídico tributário é indispensável à tributação. Apenas a comprovação de sua existência se faz de forma indireta, por impossível ou impraticável de o ser de forma direta, de acordo com o estabelecer-se de uma correlação lógica na ordem natural dos acontecimentos, v.g. se deixou de emitir notas fiscais de saída de mercadorias tributáveis, a única justificativa plausível para a falta de cumprimento da obrigação acessória em tela (falta de emissão de documentos fiscais obrigatórios) é o intento de sonegação do ICMS, fugindo à incidência da norma jurídica tributária sobre o suporte fáctico cujo encobertamento se pretende – a operação relativa à circulação de mercadorias ou serviços.

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15.Assim, por tratar-se apenas do conhecimento indireto do fato descrito na norma jurídica tributária, cuja ocorrência efetiva há que se basear em fatos graves, precisos e concordantes neste sentido, a utilização das presunções não afronta os princípios em tela.

16.Da mesma forma, não agride os princípios da segurança jurídica e da certeza do direito, eis que se não está a modificar, através da atividade de fiscalização, a regra-matriz de incidência do tributo, elegendo-se, como fatos jurídicos tributários, fatos que não constituem hipótese de incidência de tributo regularmente previsto em lei.

17.Ao contrário, as presunções visam a suprir dificuldades ou impossibilidades de comprovação direta da ocorrência dos fatos jurídicos tributários, sem o comprometimento da segurança jurídica ou da certeza das relações jurídicas.

18.Assim, temos presente que a relação jurídica se formou a partir da ocorrência do fato descrito no tipo tributário, ao qual se chegou de forma indireta, como resultado de um processo lógico, com a presença de indícios fortes que deságuam naquela conclusão.

19.Quanto à capacidade contributiva, dado que a presunção nada mais é do que o resultado de uma operação lógico-mental na qual, a partir de um fato diretamente conhecido se extrai, por conclusão, a existência de um outro fato, indiretamente comprovado, e que constitui hipótese de incidência de determinada norma jurídica tributária, entendemos que a sua utilização não modifica o fato jurídico tributário, que há de ser aquele efetivamente previsto na norma jurídica de que se trate, tampouco o fato-signo presuntivo de riqueza.

20.Ora, o fato gerador in concreto do tributo, in casu o ICMS, continua sendo aquele devidamente previsto na regra-matriz de incidência, e tal fato denota capacidade contributiva, quer seja em seu aspecto objetivo – o fato expressa manifestação de riqueza passível de ser tributada – ou subjetivo – a tributação não retira do sujeito os meios indispensáveis à sua sobrevivência ou à manutenção de suas atividades econômicas.

21)Assim, usar da presunção como técnica para a comprovação indireta da ocorrência do fato jurídico tributário não afeta o princípio da capacidade contributiva, demonstrada no fato indiretamente provado, devido a circunstâncias especiais, e que fora previsto na regra-matriz de incidência do tributo.

22.Na seara do ICMS, vários são os casos em que são utilizadas as presunções como meio de prova da ocorrência dos fatos jurídicos tributários, como: a) suprimento de caixa; b) passivo fictício; c) falta de emissão de documentos fiscais; d) as pautas fiscais; e) o fato gerador presumido na substituição tributária "para a frente".

23.Diante da análise dos casos acima citados, concluímos pela idoneidade e legitimidade da utilização das referidas presunções, à exceção daquela que trata da ocorrência presumida do fato jurídico tributário nos casos de substituição tributária "para a frente".

24.É que a presunção jurídica há que sempre referir-se à comprovação indireta de um fato jurídico já ocorrido no passado.

25.Ao contrário, na substituição tributária "para a frente", prevista no § 7.º do art. 150 da Constituição Federal de 1988, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 3/93, e repetida nas legislações estaduais, pretende-se a ilógica inversão das coisas, fazendo-se presumir a ocorrência de um fato ainda não ocorrido, contrariando, de forma primária, qualquer noção de bom-senso e ferindo-se de morte o fenômeno da incidência jurídica, base de sustentação de toda a Teoria Geral do Direito.

26.Ora, a admitir-se a constitucionalidade e legitimidade de tal norma jurídica, há que se admitir, mutatis mutandis, a modificação da regra-matriz de incidência do imposto em questão, que já não mais seria a operação relativa à circulação de mercadorias e serviços, mas a mera probabilidade (incerta) de sua ocorrência.

27.E não se argumente em defesa da tese de constitucionalidade de tal dispositivo que as presunções são normalmente aceitas para a comprovação de ocorrência de fatos geradores de tributos devidos, pois a semelhança não resiste à mais mínima refutação – é que a presunção legitimamente aceita diz com fatos geradores efetivamente ocorridos no mundo fenomênico, cuja comprovação se faz de forma indireta – ou que o referido § 7.º, por inserto na Constituição Federal de 1988, é norma possuidora da mesma hierarquia das normas postas no referido diploma superior, quando de sua elaboração original.

28.Neste aspecto, entendemos que as emendas constitucionais, porque formuladas em conseqüência do exercício do poder constituinte derivado, hão que observar as regras que constam do texto original, pois somente o Poder Constituinte originário detém as qualidades que lhe são próprias. Nenhum outro.

29.No que toca com a utilização das chamadas ‘pautas fiscais’, que, conforme restou assente em tópico específico, nem sempre constituem matéria de presunção, mas sim de ficção, há que se terem presentes as seguintes ponderações para a sua legítima utilização, enquanto presunção relativa, por parte do Fisco: a) o contribuinte deverá ter-se omitido quanto à apresentação de documentos fiscais obrigatórios ou, mesmo os tendo apresentado, que sejam inidôneos; b) há que ser observado o comando do art. 148 do CTN, conforme já decidiu a 1.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 23.313-3, Rel. Min. Demócrito Reynaldo, em 18.12.1992.

30.Finalmente, entendemos, atendidas as ponderações e cautelas acima relacionadas, como legítima a utilização das presunções relativas em matéria tributária.


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Sobre a autora
Mirca de Melo Barbosa

Procuradora do Estado de Pernambuco, Advogada, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Mirca Melo. As presunções em matéria tributária e a casuística do Tribunal Administrativo-Tributário do Estado de Pernambuco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 228, 21 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4835. Acesso em: 23 nov. 2024.

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