5. Atos
Para que se dê o tombamento é preciso um meio de procedimento - atos preparatórios -, cujo princípio é a inscrição do bem, no livro próprio, e verificadas as demais preliminares (parecer da Diretoria, notificação do proprietário, assinatura ´despacho´ do Presidente do IBPC, após a devida homologação do Secretário de Cultura, o final se dá com o registro no Livro do Tombo).
O instituto do tombamento, não obstante o reconhecermos como um verdadeiro procedimento administrativo, pela sucessão ordenada daqueles atos, a grande parte da doutrina que a ele se referia, o considera, tão-somente como ato administrativo.
"Ato administrativo unilateral, discricionário e constitutivo", é definição do jurista José Cretella Júnior. (3)
É a declaração pelo poder público, do valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de coisa que, por esta razão, devem ser preservadas, de acordo com a inscrição no livro próprio, opina Hely Lopes Meirelles. (4)
Lúcia Valle Figueiredo(5) dá seu parecer: "O tombamento, de maneira singela, é ato administrativo, por meio do qual a Administração Pública manifesta sua vontade de preservar determinado bem"
Sob mesmos pontos de vistas, os citados autores, em síntese, aceitam ser o tombamento "ato administrativo da autoridade competente e não função abstrata da lei, que estabelece apenas as regras para sua efetivação"(6)
Ou ainda, que ele (tombamento) "necessita, por ser ato administrativo, de lei anterior a validá-lo que, ao definir o bem preservado indique, inclusive, a finalidade a ser tutelada por seu intermédio".(7)
No entanto, o tombamento pode ainda se verificar mediante lei. Aqui quem esclarece é Leme Machado(8): "Não há nenhuma vedação constitucional de que o tombamento seja realizado diretamente por ato legislativo federal, estadual ou municipal. Como acentua Pontes de Miranda, basta para que o ato estatal protetivo - legislativo ou Executivo - , seja de acordo com a lei ou às normas já estabelecidas, Genericamente, para a proteção dos bens culturais.O tombamento não é medida que implique necessariamente despesa e caso Venha o bem tombado necessitar de conservação pelo poder público, o órgão encarregado para a conservação efetuará tal despesa"(9)
Queiroz Telles crê que a medida protetiva poderia ser viabilizada por ato legislativo, uma vez que "não é preciso ser um perito de nomeada para ter sensibilidade de que um bem deva ser conservado".
O Legislativo, além disso, nos seus três (3) níveis, pode ser assessorado, como nas demais matérias de relevância para o País, por especialistas de notória sabedoria e idoneidade.
Quando o tombamento origina-se da lei, é uma vantagem, porque a anulação da medida pode vir simplesmente através de ato do Poder Legislativo; é maior o consenso de vontades, tanto ao se iniciar a conservação de um bem como no cancelamento da proteção, se fizer necessário.
O tombamento provisório, já existente por ato da Administração, não perderia seu cabimento, funcionando até que o deliberasse o Poder Legislativo(10).
E bastariam tais motivos, obviamente, para que acontecesse o tombamento, seja por via administrativa, seja por via legislativa.
Listamos abaixo outros argumentos que poderiam justificar o tombamento, conforme Queiroz Telles(11).
1º) Nega, absolutamente, a constitucionalidade da legislação que rege a presente matéria; nem mesmo procura se afastar da idéia de que o instituto deva concretizar-se através de procedimento, e não de simples ato administrativo, conforme posição anteriormente assumida.
2º) Porém, não nega a faculdade constitucional de, através da lei, limitar o direito de propriedade, ainda que sob a imprópria legenda do poder de polícia.
3º) Não crê que exista e tampouco poderá existir, a possibilidade de rebaixar o cunho social de que se reveste, em principal atualmente, a propriedade como decorrência da supremacia do interesse público.
4º) Entende, sim, deva o tombamento compulsório ser viabilizado através de ato legislativo, para se adequar, perfeitamente, ao sistema jurídico vigente; em cada caso, ou conforme o preceituado no art. 8º do Decreto-lei 25/37: "proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
5º) Como uma idéia implica na admissão de outra, quer dizer que o tombamento voluntário sucederia mediante o procedimento administrativo nos termos do disposto no art. 7º do mesmo Decreto-lei: "Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional... ou sempre que o mesmo proprietário anuir por escrito, à notificação que se lhe fizer, para a inscrição dos livros do tombo".
Justifica seu ponto de vista, tendo em conta o próprio preceito constitucional que assegura ao indivíduo a prerrogativa de não ser obrigado, a não ser compelido em virtude da lei.
6º) Considerado como limitação ao direito de propriedade, o tombamento deveria descender diretamente da lei, em cada situação particular. Na verdade, assegura Queiroz Telles, o tombamento decorre de lei (Decreto-lei 25/37), fundamentado, por sua vez, na Constituição Federal, art. 216).
7º) Quanto à materialização da providência, na realidade, ela se processa mediante ato administrativo, de natureza discricionária (homologação) e, nem mesmo através de procedimento administrativo, para a maioria dos autores.
6. Competências
Há que se ter a devida manifestação do órgão técnico, no caso, do IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como em São Paulo, o CONDEPHAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado, referido no artigo 129 da Constituição Paulista/67.
O bem público, em seguida à manifestação do órgão técnico, a autoridade administrativa determina a inscrição do bem no Livro do Tombo, notificando a pessoa - jurídica e de direito público titular - do bem ou que o tenha em sua guarda.
Tombamento voluntário requerido pelo proprietário, para o qual tem que ser ouvido o órgão técnico e, preenchido todos os requisitos, logo será encaminhada sua inscrição ao Livro do Tombo, bem como a respectiva transcrição no Registro de Imóveis, ao se tratar de bem imóvel.
Os tipos de competências, na atualidade:
1. União - Dois tipos de competências - legislativa e administrativa - foram
outorgadas à União, através da Carta de 1988. A legislativa, de acordo com Queiroz Telles, desdobra-se nas modalidades denominadas de privativa (expressa ou exclusiva), descrita no art. 22, incs. I a XXIX, § único e, a concorrente, que se distribui, juntamente com a dos Estados e a do Distrito Federal, na reação do art. 24, incs. I a XVI.
Dispõe o art. 22: "Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito
Civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".
"Não é exclusiva da União a competência para legislar sobre direito administrativo e, bem assim, sobre o tombamento, instituto que nesse ramo jurídico se insere"(12)
Também possui a União, ao lado da competência exclusiva, capacidade legislativa concorrente, segundo dispõe o art. 24, da atual Carta Magna.
A União, os Estados e o Distrito Federal concorrem, portanto, quanto à "Proteção ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico", e, também, sobre a "responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico", de acordo com o que estabelecem os incisos VII e VIII, respectivamente, do art. 24.
Em defesa do patrimônio cultural, em comum com as demais pessoas jurídicas, evidencia-se a competência administrativa da União, que vem enunciada no artigo 23, incs. I a XII e § único; a Constituição se inova, ao estabelecer esse tipo de competência. No que concerne ao tombamento.
O tombamento é da alçada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com os incisos III e IV, que dizem o seguinte:
"III - proteger os documento, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e Cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios Arqueológicos" e;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de Outros bens de valor histórico, artístico e cultural".
Esse tipo de competência meramente administrativa, destina-se, no caso particular do patrimônio cultural, exclusivamente, a assegurar sua proteção, através de providências comuns entre as pessoas jurídicas mencionadas no art. 23.
6. Fases do procedimento:
1. manifestação do órgão sobre o valor do bem para fins de tombamento;
2. notificação ao proprietário para anuir ao tombamento dentro do prazo de quinze (15) dias, a contar da data do recebimento da notificação ou para, se quiser, impugnar e oferecer razões dessa impugnação;
3. se o proprietário anuir, por escrito, à notificação, ou não impugnar, tem-se o tombamento voluntário, com a inscrição no Livro do Tombo;
4. havendo impugnação, será dada vista, no prazo de mais quinze (15) dias, ao órgão que tiver tomado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentar as suas razões;
5. a seguir, o processo será remetido ao Conselho Consultivo do IPHAN, que proferirá decisão a respeito, no prazo de sessenta (60) dias, a contar da data do recebimento;
6. se a decisão for contrária ao proprietário, será determinada a inscrição no Livro do Tombo; se for favorável, o processo será arquivado;
7. a decisão do Conselho Consultivo terá que ser apreciada pelo Ministro da Cultura (Lei nº 6.292, de 15.12.75, o qual poderá examinar todo o procedimento, anulando-o, se houver ilegalidade, ou revogando a decisão do órgão técnico, se contrária ao interesse público, ou, finalmente, apenas homologando;
8. o tombamento só se torna definitivo com a sua inscrição em um dos Livros do Tombo.
7. Efeitos
Há um capítulo todo, o de nº III, do Decreto-lei nº 25/37, dedicado aos efeitos do tombamento: alienação, deslocamento, transformações, imóveis vizinhos, conservação, fiscalização. Tais efeitos vão obrigar o proprietário à obrigação de alguns atos positivos (fazer) e negativos (não fazer) e de suportar (deixar fazer); aos proprietários vizinhos, obrigações negativas (não fazer); e para o IPHAN, obrigações positivas (fazer), conforme explana Maria Sylvia Zanella di Pietro(13) .
Obrigações do proprietário do bem tombado:
1. Positivas : fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, Estados e Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições será determinadas pelo Poder Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será inalienável, ressalvada a possibilidade de transferência entre União, Estados e Municípios (art. 11).
2. Negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas Tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também não pode em se tratando de bens móveis, retirá-los do país, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do IPHAN (art. 14); tentada sua exportação, a coisa fica sujeita a seqüestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15).
3. obrigação de suportar: O proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância.
As conseqüências do tombamento afetam também os proprietários dos imóveis vizinhos - art. 18 do Decreto-lei, in verbis: "sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN), não se poderem na vizinhança tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirado o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto".
É o caso de servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada e, serviente, os prédios vizinhos. Automaticamente, com o ato de tombamento, se dá a servidão, impondo servientes obrigações negativas de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios aos vizinhos-proprietários; a esse encargo não corresponde qualquer indenização.
Foi proferido acórdão (in RT 222:559), quanto a esta restrição, em que se decidiu: "no conceito de visibilidade em relação a monumentos históricos há um sentido mais amplo que envolve outros aspectos além da simples visibilidade física, inclusive a respeitabilidade do imóvel protegido que pode ser prejudicada com ligeiras construções de madeira, como seja um pórtico com aparelhos de ginástica, embora não lhe impedindo de todo a visão". Pretendia-se erguer um pórtico com aparelhos de ginástica nas proximidades de um convento tombado.
Quanto à restrição contida no artigo 18, muito se tem discutido na esfera administrativa, chegando-se a algumas conclusões. Manifestou-se então a Consultoria Geral da República em parecer aprovado pelo Presidente da República, por despacho de 16.04.1968, no sentido de que "as obras projetadas, com relação a dois edifícios já concluídos, não prejudicavam a visibilidade do Museu Imperial, de modo a ensejar a aplicação do art. 18 do Decreto-lei nº 25 de 1937. Não basta que a construção esteja na vizinhança da cosia tombada, observa Maria Syllvia Zanella Di Prieto(14), é necessário que a mesma impeça ou reduza sua visibilidade" (in RDA 93:379-381). Parecer do mesmo órgão, nesse sentido, também aprovado pelo Presidente da República e, 04.02.75: "o exercício da atribuição conferida ao IPHAN, pelo artigo 18 do Decreto-lei nº 25/37, somente se exerce, legitimamente, em relação a construções, no suposto de duas condições, a se verificarem simultaneamente, a saber, a vizinhança do bem tombado e o comprometimento, por elas, de sua visibilidade, quer impedindo-a, quer a reduzindo" (in RDA 120:403-413).
A servidão, no caso, surge no ato do tombamento (inscrição no Livro do Tombo), independendo da transcrição no Registro de Imóveis..
No tocante às construções, acresce dizer que a sua autorização é de competência municipal, mediante a aprovação das plantas e, em muitos casos, têm ocorrido hipóteses em que, aprovada pela Prefeitura, logo a seguir é impugnada pelo IPHAN (cf. parecer en RDA 93:379).
Ao mesmo tempo em que se cumpre o artigo 18 do Decreto-lei nº 26, também assegure-se da boa-fé de terceiros, necessária a adoção das seguintes medidas: fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação de aprovação do IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção.
É importante manter vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, na ausência dessas medidas, cabendo responsabilidade pró perdas e danos, quando, por sua culpa, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura.
Finalmente, surgem efeitos do tombamento para o próprio IPHAN, que assume as seguintes obrigações:
1. Mandar executar as obras de conservação do bem, quando o proprietário não puder fazê-lo ou providenciar para que seja feita a desapropriação da coisa (art. 19, § 1]); não adotadas essas providências, o proprietário pode requerer que seja cancelado o tombamento (§ 2º).
2. Exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas, inspecionando-as sempre que julgar conveniente (art. 20);
3. Providenciar, em se tratando de bens particulares, a transcrição do tombamento no Registro de Imóveis e a averbação ao lado da transcrição do domínio (art. 13). Não adotada essa providência, conforme antes salientado, a União, os Estados e os Municípios perderão o direito de preferência a que se refere o artigo 22.