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A problemática do art. 600, §4º, do CPP na tramitação dos processos perante os Tribunais

Agenda 29/04/2016 às 18:24

O CPP permite a interposição do recurso e a juntada das razões em momentos distintos, o que pode afetar o funcionamento da máquina judiciária. A sistemática procedimental dos Tribunais pode acarretar na morosidade do processamento de feitos em razão da aplicação do art. 600, §4º do Código de Processo Penal.

Sumário: Introdução; 1. Recursos criminais; 2. Sistemática recursal da apelação criminal; 3. O problema no processamento do apelo sob o rito do art. 600, §4º do CPP; 4. Correção do processamento como forma de solução do problema; Conclusão


Introdução

O Código de Processo Penal brasileiro sofreu, com o decorrer dos anos, severas modificações. Uma delas, que ocorreu ainda na década de 60, é objeto do presente artigo e trata da possibilidade de juntada das razões recursais diretamente nos Tribunais.

Evidente que todas as reformas de um sistema normativa busca, efetivamente, a correção de detalhes que causem algum prejuízo ao ordenamento jurídico como um todo. Nesse sentido, a possibilidade de juntada das razões diretamente nas Cortes de segunda instância visa, basicamente, encurtar o percurso que o recurso leva até seu derradeiro enfrentamento do mérito.

Nesse artigo analisaremos linhas gerais da sistemática recursal, obviamente sem as minúcias detalhista de um tratado em razão da limitação extensiva natural de artigos científicos, abordando, sobretudo, a duplicidade existente entre as possíveis formas de tramitação do recurso de apelo e como isso pode afetar o correto funcionamento da máquina judiciária.


1. Recursos criminais

Diferentemente do que dispõe a sistemática processual civil, mesmo após o advento do novo Código de Processo Civil, o processo penal permite que a interposição da peça recursal e suas respectivas razões sejam interpostas em momentos distintos.

Dessa forma, a dicotomia operada pelo CPP traz a possibilidade de primeiro interpor um determinado recurso para posteriormente, em um momento seguinte e com maior lapso temporal para reflexão e amadurecimento de ideias, oferecer a juntada das razões recursais.

Explicando em termos simples, na interposição do recurso a parte interessada não apenas alega seu interesse de recorrer de uma decisão judicial pela qual não se conformou, como também delimita os parâmetros recursais – como cabimento, dispositivos violados, dentre outros.

Já as razões recursais demonstram os fundamentos de irresignação da parte, seja apontando violação de aspectos procedimentais – como nulidades, p. ex. – seja tratando diretamente do meritum causae – teses de negativa de autoria, in dubio pro reo, desclassificação da conduta, dentre outras.

Nesse tom, o procedimento adotado pelo CPP permitiu a separação entre o momento de manifestação da vontade de recorrer e das razões que fundamentam essa vontade.

Independentemente da existência de eventuais críticas doutrinárias a esse modelo, o fato é que se operou – pelo menos no que diz respeito ao processo penal – um desdobramento do iter recursal, de modo a abrir espaço para o surgimento do §4º ao art. 600. do CPP, no que tange à apelação criminal.


2. Sistemática recursal da apelação criminal

A apelação criminal, conforme brilhante conceituação da pena de Fernando da Costa Tourinho Filho, consistem em recurso no qual

“a parte que sofreu o sucumbimento, o prejuízo, dirige a palavra ao Tribunal competente (constituído de homens mais experimentados e que conquistaram tal posição após longo tirocínio e reiteradas provas de capacidade), para que este reexamine a decisão, reparando possível injustiça cometida na inferior instância”1

Complementando as lições desse emérito jurista, Renato Brasileiro de Lima afirma que:

“A apelação é tratada pela doutrina como recurso ordinário por excelência, já que consiste na impugnação de efeito devolutivo mais amplo, por permitir ao juízo ad quem, quando ela for interposta contra sentença de mérito proferida por juiz singular, o reexame integral das questões suscitadas no primeiro grau de jurisdição, ressalvadas aquelas sobre as quais tenha se operado a preclusão (v.g., nulidade relativa não arguida oportunamente). Funciona como eficaz instrumento processual para concretização do princípio do duplo grau de jurisdição, visto que, em face do extenso âmbito cognitivo do julgado recorrido, permite que o juízo ad quem reaprecie questões de fato e de direito”2

Especificamente sobre esse recurso, o CPP permitiu duas formas diferentes de processamento do referido recurso.

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O modo mais utilizado no meio forense não leva em consideração o procedimento do art. 600, §4º do CPP. Dessa forma, a interposição e as razões recursais são interpostas perante a mesma autoridade judicial, ou seja, o juízo sentenciante.

Nesse modelo, após a juntada das supramencionadas peças, o juízo de primeiro grau procederá a uma análise de admissibilidade recursal. Uma vez que o recurso seja admitido ele será remetido, juntamente com suas razões, para o Tribunal, que o distribuirá a um relator.

Feita a distribuição, o relator fará novo juízo de admissibilidade e, ultrapassada essa etapa, será aberta vistas ao órgão ministerial para parecer conclusivo sobre a matéria, em três dias.

Após a juntada do parecer do Ministério Público, se não ocorrer problemas na tramitação, o processo estará pronto para julgamento.

Nesse tipo de situação inexistirá a problemática tratada no presente artigo.

A segunda possibilidade de tramitação utiliza-se da prerrogativa estabelecida pelo art. 600, §4º do CPP, modificando ligeiramente a tramitação do referido recurso. Vejamos o que dispõe o dispositivo mencionado:

Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de contravenção, em que o prazo será de três dias.

(...)

§ 4º Se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial. (grifos nossos)

Referido dispositivo possui aplicabilidade restrita à defesa, de modo que o Ministério Público não poderá dele fazer uso. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci afirma que

“existe a possibilidade de apresentar as razões do apelo diretamente no tribunal, conforme dispõe o art. 600, §4º, do CPP. Trata-se de faculdade concedida somente à defesa, pois o promotor responsável pelo processo deve apresentar as razões em primeiro grau. Não haveria sentido que os autos do processo subissem ao tribunal para que, então, fosse aberta vista à acusação, saindo o representante do Ministério Público de sua Comarca e dirigindo-se à corte somente para protocolar as razões”3

É importante observar a existência de doutrina dissonante em relação à possibilidade do uso da prerrogativa pelo membro do Ministério Público. Nesse sentido, Edilson Mougenot Bonfim afirma que

“A lei não veda ao membro do Ministério Público oferecer as razões na superior instância, devendo o promotor, nesse caso, obter a autorização do Procurador-Geral de Justiça. Este, em consonância com os princípios da indivisibilidade e unidade da instituição do Ministério Público, poderá designar um promotor para arrazoar”4

Nesse recurso, a parte, já na peça de interposição, mencionará que fará uso da prerrogativa de juntar as razões recursais diretamente na superior instância.

Aqui, assim como na situação anterior, o magistrado fará o juízo de admissibilidade do recurso e o remeterá ao Tribunal para processamento, com distribuição para um relator.

Após a distribuição, caso as razões recursais tenham sido devidamente juntadas aos autos, o processo seguirá a mesma tramitação da hipótese anterior.

Na hipótese de as razões ainda não terem sido juntadas, o relator determinará a intimação da parte para que as junte, sob pena de nomeação de defensor dativo para sua realização.

Após a juntada, o procedimento segue a normalidade, com remessa dos autos ao Ministério Público para elaboração de parecer e posterior julgamento do mérito.


3. O problema no processamento do apelo sob o rito do art. 600, §4º do CPP

No tópico anterior fico claro que o uso do procedimento disposto no art. 600, §4º do CPP opera uma mudança sutil na tramitação do feito nos Tribunais.

Ocorre que, como será devidamente explicado linhas abaixo, a operacionalização desse artigo traz consigo o potencial de emperrar a máquina judiciária.

Como forma de demonstrar com maior clareza, essa problemática será abordada através de um exemplo prático.

Suponhamos que o recorrente seja a defesa – o que ocorre na maioria das vezes. Nesse exemplo haverá a interposição do recurso com expressa menção de uso da prerrogativa do citado dispositivo legal.

O problema gerado por esse artigo já se inicia a partir desse momento, pois, após requerer a apresentação das razões do recurso diretamente no Tribunal, o processo subirá apenas com as razões recursais, ou seja, sem contrarrazões.

Chegando ao TJ/TRF, muitas vezes o processo será remetido imediatamente à Procuradoria de Justiça ou Procuradoria Regional da República, daí já podemos visualizar novo problema: os autos serão remetidos para Parecer do MP em segunda instância sem contrarrazões, obrigando o membro ministerial a devolver o processo, sem nenhuma apreciação, para fins de juntada das contrarrazões do apelo.

A depender do caso será possível a remessa dos autos ao Ministério Público para elaboração de parecer sem sequer ter havido a juntada das razões nos atos do processo, inviabilizando qualquer trabalho do Procurador de Justiça encarregado do processo e atrasando ainda mais a marcha procedimental, posto que a defesa deverá ser intimada após o retorno dos autos para juntada de suas razões recursais.

Além da certa demora que isso acarretará ao processo, ainda há possibilidade de sérias máculas ao procedimento. Caso nenhuma dessas autoridades perceba eventual ausência de contrarrazões, o processo inevitavelmente estará comprometido por vício de nulidade absoluta. Tudo isso porque os responsáveis pela análise do feito no TJ/TRF não observaram esse pequeno detalhe.


4. Correção do processamento como forma de solução do problema

Apesar de potencialmente danoso, referido problema pode ser sanado facilmente por meio de um simples procedimento de identificação de processos nos quais o referido dispositivo efetivamente incidiu.

Isso pode ser feito das mais diversas maneiras, seja por meio de utilização de tarjas coloridas nos processos físicos, seja por meio de movimentações específicas para mencionar a utilização do referido procedimento nos processos eletrônicos.

Enfim, caberá a cada Tribunal disciplinar a forma pela qual irá alertar as autoridades processantes para esse detalhe que, embora possua a finalidade de tornar mais simples e direta a tramitação dos recursos de apelação, pode gerar danos irreparáveis ao processo em virtude de sua inobservância.


Conclusão

Como vimos, a utilização de um simples dispositivo, inserido na década de 60 possui, ainda hoje possui a potencialidade lesiva de macular irreparavelmente processos criminais.

Apesar de sua inobservância acarretar graves consequências, restou demonstrado na presente obra que sua solução preventiva é extremamente simples. Tal solução dispensa, inclusive, o uso da via legislativa, sendo sanado diretamente pelos Tribunais pátrios.

Com o presente trabalho, restou claro que o dispositivo legal teve nobre intenção, mas tornou-se problemático devido à forma burocrática no trato processual dado pelos Tribunais. Portanto, um cuidado redobrado no manuseio desse dispositivo se mostra necessário.


REFERÊNCIAS

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal v. 4. 34. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3. Ed. Bahia: Juspodivm. 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014.

BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. 4. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012.


Notas

1 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal v. 4. 34. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012. P. 462.

2 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3. Ed. Bahia: Juspodivm. 2015. P. 1696-1697.

3 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. P. 819.

4 BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. 4. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012. P. 890.

Sobre o autor
Jefson M S Romaniuc

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba – ESA/PB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Faculdade CERS. Mestrando em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco.

Informações sobre o texto

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