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Ministério Público:

questões polêmicas

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Agenda 22/02/2004 às 00:00

"Assim, o desenvolvimento do Ministério Público hoje é dependente de definição da maneira pela qual essa instituição encontrará um justo termo entre a razão e a utopia, conciliando um modo de produzir e aplicar um direito ainda não inteiramente superado e a necessidade de dar respostas a funções jurídicas e sociais inteiramente inovadoras. Com isso, exige-se um direcionamento institucional diverso daquele tradicionalmente colocado pelo direito e pela história do Ministério Público."

Carlos Alberto de Salles [1]


1. Introdução.

Urge abrir um debate acerca de algumas das questões mais polêmicas que circundam a instituição do Ministério Público, visando um direcionamento institucional diverso do existente há séculos. Agressões, cotidianamente visualizadas, têm sido feitas às prerrogativas dos representantes do Ministério Público. Muitos (inclusive representantes eleitos pelo povo), com visão retrógrada e reacionária, querem desvincular o Ministério Público de sua faceta questionadora, fiscalizadora, verdadeiramente promotora, tentando retornar a tempos idos, totalmente ultrapassados e permeados de experiências fracassadas. Após 15 anos de nossa vitoriosa Constituição e 10 anos da edição da Lei Complementar n°. 75/93 e da Lei n°. 8.625/93, o que se vê é um gradativo reflorescimento do ambiente democrático em nosso País. Certamente, alguma participação neste processo de redemocratização teve o Ministério Público. Nada mais natural, num Estado que anseia pelo bem estar de sua população e pelo firmamento do sistema democrático, que instituições que combatam o que há de mais ultrapassado e antitético aos interesses da sociedade sejam atacadas pelos aborrecidos com suas vitórias e sucessos. Sem incorrer numa afirmação perigosamente prepotente, reveladora de uma auto-suficiência que inexiste, a verdade é que incômodos vários são causados pela atuação ministerial, atuação esta que deve ser divulgada para o escorreito acompanhamento da coletividade.

Desta forma, um outro fator de imensa monta, que também ensejou o presente trabalho, é esta premente necessidade de se propalar, a todos os cantos e rincões do país, as prerrogativas institucionais concedidas pelos Constituintes e pelos legisladores, com o fito de serem divulgadas a toda sociedade, que, somente assim, poderá acompanhar a evolução dos resultados dos trabalhos dos Promotores e Procuradores de Justiça, exigindo dos mesmos uma atuação cada vez mais profícua na defesa do interesse público, por eles tutelado.


2. Atuação do Ministério Público no Processo Brasileiro

Através de uma percuciente análise da evolução histórica do Ministério Público brasileiro, percebe-se bem o quanto recrudesceram e se modificaram suas funções. Veio a Constituição Federal de 1988, em seu art. 127, a consagrá-lo como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Recebeu o Ministério Público a destinação permanente de defender estes nobres interesses da sociedade: o ordenamento jurídico, a democracia e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Deve ele zelar, em suma, pelo interesse público. Ressalte-se que aqui não se trata de interesse público na acepção de interesse estatal. Trata-se do interesse público primário, o interesse geral. Por vezes eles não coincidem. Afirmação interessante que nos traz a CF/88 é este caráter de essencialidade à jurisdição. Comenta-a Hugo Nigro Mazzilli: "Isso diz menos do que deveria (o Ministério Público tem inúmeras funções exercidas independentemente da prestação jurisdicional, como na fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, no inquérito civil etc.), e, paradoxalmente, também diz mais do que deveria (pois o Ministério Público não oficia em todos os feitos judiciais)" [2]. A crítica de Mazzilli à clássica definição do art. 127 deve merecer os devidos abrandamentos, afinal, tal definição foi elaborada em 1981, em tempos de dificuldades notórias, e num período de necessária valorização institucional.

Do ponto de vista processual ver-se-á que esta diretriz teleológica constitucional, de essencialidade jurisdicional do Ministério Público, se materializará com a atuação deste em vários dos ramos do Direito, em determinados momentos atuando como parte (órgão agente), e em tantos outros como custos legis (órgão interveniente). Não mais atuará o Ministério Público como representante do Estado (leia-se União ou Estados Federados). Neste sentido, atentemos para o comando do art. 129, IX, da CF, in verbis:

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas."

Esta vedação é tão cogente que requer-se ao membro ministerial a dedicação integral a seu ofício, ressalvadas as devidas exceções legais e constitucionais, consoante se depreende do art. 128, §5°, II, b, da CF [3]:

"Art. 128.....................

§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

(...)

II - as seguintes vedações:

(...)

b) exercer a advocacia;"

Por ora, vejamos como se dá a participação do Ministério Público no Processo brasileiro, seja ele civil ou penal.

2.1 Atuação do Ministério Público como parte

De início, vale dizer que esta posição processual de parte ainda tem suscitado debates na comunidade jurídica brasileira. Seria o Ministério Público parte processualmente imparcial ou processualmente parcial? Seria ele parte? Autor e/ou réu?

Pensamos que a resposta a esta indagação está insculpida, sem tirar nem pôr nenhuma letra, nas palavras do Professor Paulo Cezar Pinheiro, fls. 8-9: "A controvérsia, no nosso entender, é falsa. Ser parte não é algo que se possa qualificar em tipos, dependendo do modo como ela atua, e sim o fato de alguém figurar no pólo ativo ou passivo da relação jurídica processual com direitos, poderes e ônus. Do mesmo modo, não é o fato de uma pessoa figurar como parte na relação jurídica processual que irá obrigá-la, necessariamente, ao ataque ou defesa das questões existentes. Caso contrário, não se admitiria o reconhecimento do pedido, a renúncia ao direito, a contestação somente de algum ponto da lide e a aceitação de outros. (...) Ora, ser parte é ser parte simplesmente, sem necessidade de adjetivação. A lei é que definirá os limites de sua atuação seja no âmbito do processo penal, seja no do processo civil." [4]

Materializando esta atuação ministerial como parte, o legislador concedeu ao Ministério Público o poder de promover inúmeras ações, cabendo-lhe levar ao conhecimento do Judiciário as várias questões fáticas que porventura subsumam-se em seu rol de atribuições. Concedeu-lhe também alguns privilégios processuais. Como exemplos destes privilégios, dispostos no nosso Código de Processo Civil, citamos a não sujeição ao pagamento antecipado de custas processuais [5] (também aplicável à sua atuação como custos legis), bem como o prazo contado em dobro para recorrer, e em quádruplo para contestar [6]. E não esqueçamos a prerrogativa disposta na LC n°. 75/93, em seu art. 18: o direito a ser intimado pessoalmente [7].

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Assim, como parte no processo o Ministério Público tem legitimidade para impetrar, de forma privativa, a ação penal pública, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, bem como do art. 24 de nosso Código de Processo Penal. Também promoverá, na forma do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (ou seja, de forma concorrente) [8], a ação civil pública para a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Ressalte-se que estes "outros interesses difusos e coletivos" geram uma competência ministerial bastante ampla, requerendo-se a efetividade desta concessão de competência por parte da jurisprudência, bem como por parte dos próprios representantes do Ministério Público.

Exemplificativamente, como parte o Ministério Público poderá promover:

- Abertura de inventário, havendo incapazes (art. 988, VIII, do CPC);

-Ação cautelar de arresto, em caso de intervenção ou liquidação extrajudicial de instituições financeiras (Lei nº. 6.024/74, art. 45);

-Ação cautelar de notificação de loteador (Lei nº. 6.766/79, art. 38, §2º);

-Ação civil ex-delicto, quando o titular do direito à reparação for pobre (art. 68, do Código Processual Penal) e não estiver instituída a Defensoria Pública (STF-RT 755/169);

-Ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários (Lei n°. 7.913/89);

-Ação civil pública destinada à proteção de direitos individuais homogêneos, de interesse público e relevância social, como p. ex.: mensalidades escolares abusivas, nulidade de cláusula contratual abusiva, decretação de nulidade de concurso pública, planos de saúde abusivos, correção monetária de prestações para aquisição de imóveis, proteção do direito ao salário mínimo etc. (jurisprudência do STJ e STF, e arts. 81, parágrafo único, III, e 82, I, do Código de Defesa do Consumidor);

-Ação civil pública destinada à proteção dos interesses coletivos ou difusos de pessoas portadoras de deficiência (art. 3º da Lei nº. 7.853/89);

-Ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF);

-Ação civil pública, de legitimação genérica, para reparação de danos morais e patrimoniais a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, III, CF; Lei n°. 7.347/85, arts. 1°, 5° e 21; CDC, arts. 81, 82 e 90; Lei n°. 8.884/94, art. 88);

-Ação de anulação de atos simulados, em processo onde seja necessária sua intervenção (CC, arts. 167 e 168);

-Ação de dissolução de sociedade civil, com atividades ilícitas ou imorais (CPC/39, art. 670 e art. 1.218, inc. VII, do CPC/73);

-Ação de dissolução de sociedade civil, de fins assistenciais (Decreto-Lei nº. 41/66, art. 3°);

-Ação de execução de obrigação de fazer, imposta pelo doador ao donatário, de interesse geral (art. 553, parágrafo único, do CC);

-Ação de execução para cobrança de multas penais (Lei de Execução Penal, art. 164, caput);

-Ação de extinção de fundações (art. 69 do CC, e art. 1.204 do CPC);

-Ação de investigação de paternidade, nas hipóteses do §4º do art. 2º da Lei nº. 8.560/92;

-Ação de nulidade de casamento prevista no Código Civil (art. 1.549 do CC);

-Ação de perda ou suspensão do pátrio poder, ou qualquer outra ação cautelar visando à segurança do menor e de seus haveres (art. 1.637 do Código Civil e art. 155 da Lei nº. 8069/90);

-Ação de remoção, suspensão ou destituição de tutor ou curador (arts. 1.735 e 1.766 do CC; e art. 1.194 do CPC);

-Ação de reparação de danos ao meio ambiente e a terceiros (Lei n°. 6.938/81, art. 14, §1°);

-Ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados aos homens, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, por descumprimento das normas de uso da engenharia genética e uso dos organismos geneticamente modificados (art. 13, §6°, da Lei n°. 8.974/95);

-Ação de responsabilidade civil por fatos apurados por comissões parlamentares de inquérito (art. 58, §3°, CF);

-Ação de responsabilização dos administradores em caso de intervenção ou liquidação extrajudicial de instituições financeiras (Lei nº. 6.024/74, art. 46);

-Ação de revisão de medida sócio-educativa imposta a adolescente infrator (art. 128, Estatuto da Criança e do Adolescente);

-Ação de seqüestro e perda de bens, em defesa do patrimônio público (Lei n°. 8.429/92, arts. 7°, 17 e 18);

-Ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (art. 102, I, a, e art. 103, §4°, da CF);

-Ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (arts. 102, I, a; 103, VI e §2°; e 129, IV, da CF);

-Ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais ou estaduais (arts. 102, I, a; 103, VI; e 129, IV, da CF);

-Ação direta interventiva por inconstitucionalidade de lei municipal ou estadual (arts. 35, IV, 36, III e IV, 125, §2° e 129, IV, da CF);

-Ação para defesa dos interesses das populações indígenas (art. 129, V, CF);

-Ação para deslinde de controvérsia sobre o estado civil das pessoas, de cuja solução dependa o julgamento de processo-crime de ação pública (art. 92, parágrafo único do CPP);

- Ação rescisória de sentença fruto de colusão entre as partes (art. 487, III, b, do CPC), ou de sentença em processo em que não foi ouvido, e sua intervenção era obrigatória (art. 487, III, a, do CPC);

-Conflito de competência (art. 116 do CPC; e 115, II, do CPP);

-Correição parcial (art. 32, I, da Lei n°. 8.625/93);

-Execução forçada (art. 566, II, do CPC);

-Habeas-Corpus (art. 654, CPP e Lei n°. 8.625/93, art. 32, I);

-Mandado de injunção, em geral (art. 5°, LXXI, da CF);

-Mandado de injunção em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis de crianças e adolescentes (Lei n°. 8.069, art. 201);

-Mandado de Segurança (Lei n°. 8.625/93, art. 32, I);

-Pedido de cancelamento de registro imobiliário (Lei nº. 6.015/73, art. 13, III, e 214; art. 168 do Código Civil e art. 1.104 do CPC);

-Pedido de cancelamento, por nulidade, de registro de loteamento (Lei nº. 6.766/79, arts. 21, §2º, e 23, I; art. 168 do Código Civil, e art. 1.104 do CPC);

-Pedido de hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado (arts. 134, 142 e 144 do CPP);

-Pedido de interdição (CC, arts. 1.768, III e 1.769; CPC, arts. 1.177, III e 1.178);

-Pedido de retificação, restauração e suprimento de assento de registro civil (Lei nº. 6.015/73, art. 13, III e 109; e art. 1.104 do CPC);

-Pedido de revogação, ou modificação de condições e normas de conduta, de livramento condicional (arts. 730 e 731 do CPP);

-Pedido de seqüestro (arresto) de imóveis adquiridos como proventos de infração (arts. 125, 127, 136, 142 e 144 do CPP);

-Reclamação perante o STF (art. 102, I, l, da CF).

2.2 Atuação do Ministério Público como custos legis

Como órgão interveniente, o Ministério Público atua em diversas ocasiões processuais. A exigência de sua participação vem sempre da própria lei. Esta exigência ocorre mesmo naquelas situações onde o Ministério Público seja parte no processo. Nas lides em que atuará como fiscal da lei, o Ministério Público terá os mesmos direitos e poderes processuais das partes. Humberto Theodoro Júnior afirma a respeito:"O Ministério Público, quando (...) atua como custos legis, apresenta-se como sujeito especial do processo ou do procedimento. Como destaca José Frederico Marques, ‘atua em nome próprio, para defesa de interesse que o Estado deve tutelar nos conflitos litigiosos, ou na administração judicial de direitos subjetivos, a fim de que não fiquem à mercê da vontade privada. Ou, ainda, sujeito especial que participa do processo, como viva vox de interesses da ordem jurídica a serem salvaguardados na composição da lide’".(sic) [9]

Neste sentido, recordemos o que nos diz a Súmula 99 do STJ: "O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte".

São de dois tipos estas intervenções ministeriais. Ora o Ministério Público atuará in ratione materiae, ora in ratione persona. Na primeira hipótese, desvinculado totalmente das partes em litígio, o Ministério Público atuará em vista da natureza do direito discutido. Intervirá como fiscal de direitos e interesses tidos como indisponíveis para toda a sociedade. Será ele incumbido de velar pela primazia do interesse público.

Até pouco tempo atrás era um grande ponto de dissenso saber quem deveria dizer se havia interesse público a ensejar a intervenção do órgão ministerial. Alguns juízes e doutrinadores argumentavam ser da competência do Judiciário decidir pela presença ou não do interesse público justificador da presença ministerial. Se o juiz julgasse ser necessária a intervenção do Ministério Público, este nada podia fazer a não ser proferir sua opinião sobre a causa. Era uma forma de submissão do Ministério Público ao Judiciário. Com a elevação institucional verificada com a CF/88, em relação ao Ministério Público, esta celeuma não mais possui razão de existir. O caminho correto para resolução destas questões é aquele trazido por Sérgio Gilberto Porto: "...há um consenso jurisprudencial sobre a questão no sentido de que uma vez identificado o interesse público deverá o Juízo intimar o órgão para que este se pronuncie, não havendo, outrossim, cogência em torno da necessidade da intervenção efetiva. Resulta como conseqüência desta linha de orientação a posição de que compete ao Ministério Público definir sua efetiva participação ou não, em razão de sua absoluta soberania e independência." [10](grifo nosso)

De outro lado, atuando in ratione persona, trabalhará em defesa dos interesses de determinados destinatários, carecedores de uma maior atenção da por parte da sociedade, que aqui é representada pelo Ministério Público. Elas são assim declaradas através de lei. Exemplos destas pessoas são os incapazes, os indígenas, os consumidores, as fundações, os acidentados do trabalho, os portadores de deficiência, entre outras. Entretanto, faz-se mister ressaltar que não será pelo motivo de atuar em nome destas pessoas que o agente do Ministério Público olvidará de se pautar pela legalidade. Vale citar que o Ministério Público sempre intervirá como custos legis nestes casos, e, conquanto possa parecer que nestes tipos de intervenções ele está a defender estritamente o direito da parte, o Ministério Público, de uma forma mediata, buscará a satisfação do interesse público correlacionado às lides sob sua intervenção.

Nestas intervenções ao representante do Ministério Público é concedido o direito de, entre outras coisas, interpor recurso; ser intimado pessoalmente de todos os atos do processo; manifestar-se após as partes; requisitar provas e depoimentos pessoais das partes; opor exceções de impedimento e suspeição; suscitar incidente de uniformização de jurisprudência; e ter prazo em dobro para interpor recurso de qualquer decisão.

De forma expressiva e numerosa, percebemos as intervenções do Ministério Público como custos legis, no Processo Brasileiro. Alguns exemplos são passíveis de citação, sobrelevando-se o que está dito nos arts. 82 e 83 do Código de Processo Civil Brasileiro:

"Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I - nas causas em que há interesses de incapazes;

II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. (Redação dada pela Lei nº 9.415, de 23.12.1996)

Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público:

I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo;

II - poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade."

Colacionamos alguns outros exemplos de atuação interveniente, dispostos no ordenamento jurídico brasileiro, de forma esparsa:

-Ação civil pública em geral (art. 5º, §1º, da Lei nº. 7.347/85);

-Ação de alimentos (art. 9°, Lei n°. 5.478/68);

-Ação de anulação de casamento (Código Civil, art. 1549);

-Ação de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária (art. 18, §2°, Lei Complementar n° 76/93);

-Ação de divórcio, consensual ou litigioso (Lei nº. 6.515/77);

-Ação de separação judicial, quer seja ela litigiosa, quer seja consensual (art. 1.122, §1º, do CPC);

-Ação de usucapião de terras particulares (art. 944 do CPC);

-Ação penal privativa do ofendido (art. 45 do CPP);

-Ação popular (arts. 6º, §4º; 7º, inciso I, letra "a" e §1º, arts. 9º, 16 e 19, §2º, da Lei nº. 4.717/65);

-Ação rescisória (RT 528/105, RJTJESP 56/270 e 73/260, RSTJ 64/296);

-Ações coletivas onde se discutam interesses e direitos do consumidor (arts. 82, inciso I, e 92 da Lei n°. 8.078/90);

-Ações, coletivas ou individuais, onde se discutam a deficiência de pessoas (art. 5º da Lei nº. 7.853/89);

-Acordo, ou transação extrajudicial (Lei 9.099/95, art. 57, par. único);

-Alienações judiciais (art. 1.105 do CPC c/c art. 1.113 do CPC);

-Aprovação de testamentos e codicilos (art. 82, II, do CPC);

-Argüição de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Público (art. 480 do CPC);

-Arribada forçada – descarga de navios abandonados (art. 775, parágrafo único do CPC/39);

- Arrolamentos (art. 1.036, §1º, CPC);

-Busca e apreensão de menores (art.888, V, CPC);

-Concessão de liberdade provisória, nas condições do art. 23, I, II e II do CP, e na inocorrência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (art. 310, caput, do CPP);

-Conflito de competência (art. 121 do CPC);

-Conversão de separação em divórcio (Lei nº. 6.515/77);

-Declaração de extinção de punibilidade, por morte do acusado (art. 62 do Código de Processo Penal);

-Declaração de inconstitucionalidade (arts. 480 e 482, § 1°., do CPC);

-Deferimento de inscrição em listagem própria de crianças e adolescentes para adoção (art. 50, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente);

-Demandas que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural (art. 82, III, do CPC, e Lei Complementar nº. 88/96, art. 6º, §§ 3º, 4º e 5º);

-Desinternação do adolescente infrator (art. 121, §6º, ECA);

-Entrega de coisa vaga (art. 1.172 do CPC);

-Exceção de incompetência do juízo penal (art. 108, § 1°, do CPP);

-Falências (Decreto-Lei nº. 7.661/45), especificamente quando for caso de:

1.Autorização para alienação ou oneração de bens na concordata (art. 149);

2.Cassação de autorização para seguimento do negócio (art. 74, §6º);

3.Continuação do negócio (art. 74);

4.Cumprimento da concordata (art. 155, §2º);

5.Declarações e impugnações de créditos (art. 91 e 98, §3º);

6.Destituição do síndico, quando não for o requerente (art. 66, §1º);

7.Extinção das obrigações (art. 137, §2º);

8.Falência frustrada pela ausência ou insuficiência de bens (art. 75);

9.Pedido de reabilitação (art. 198, parágrafo único);

10.Pedido de restituição de coisa arrecadada (art. 77, §6º);

11.Prestação de contas do síndico (art. 69, §3º);

12.Remuneração pedida pelo falido diligente (art. 38);

13.Venda antecipada de bens (art. 73, §1º);

14.Venda de bens da massa falida, mediante propostas (art. 118, §2º);

- Habeas data (art. 12 da Lei n°. 9.507/97);

- Herança jacente e arrecadação (arts. 1.144, I, 1.145, §2º, e 1.151 do CPC);

- Herança que envolve bens de ausentes (art. 1.163, §2º, do CPC);

- Interdições (arts. 1.177, III, 1.178, 1.179 e 1.182, §1º, do CPC);

- Inventário com a presença de herdeiros ausentes ou incapazes (art. 999 do CPC);

- Justificações, quando o interessado não puder ser citado pessoalmente (art. 862, parágrafo único, do CPC);

- Liberdade assistida do adolescente infrator (ECA, art. 118, §2º);

- Liquidação de sociedade por ações (art. 209, inciso II, da Lei nº. 6.404/76);

- Mandado de segurança (art. 10 da Lei nº. 1.533/51);

- Organização e fiscalização das fundações (arts. 1.200 a 1.204 do CPC);

- Parcelamento do solo urbano – loteamento e desmembramento – (art. 19, §2º, da Lei nº. 6.766/79);

- Pedido de insolvência (JTJ 141/263);

- Pedidos de alienação, locação e administração da coisa comum onde haja interesse de incapazes (arts. 1.122, §1º, e 1.104 do CPC);

- Pedido de reabilitação criminal (art. 745 do CPP);

- Pedido de restituição de coisas apreendidas (art. 120, §3°, do CPP);

- Pedidos de sub-rogação de vínculos em imóvel (art. 1.112, II, c/c art. 1.105 do CPC);

- Petição de livramento condicional (art. 716, §2°, do CPP);

- Posse em nome do nascituro (art. 877 do CPC);

- Procedimentos de jurisdição voluntária em geral (art. 1.105 do CPC);

- Processo eleitoral (art. 24 da Lei nº. 4.737/65);

- Processos de ausência (art. 82, II, do CPC);

- Registro Torrens (art. 284 da Lei nº. 6.015/73);

- Remição da hipoteca legal em que haja interesse de incapaz (art. 274 da Lei n°. 6.015/73);

- Retificação de registro civil (arts. 57 e 109, da Lei nº. 6.015/73);

- Retificação de registro de imóvel (art. 213, §3º, da Lei nº. 6.015/73);

- Retificação de registro de nascimento (art. 8º da Lei nº. 8.560/92);

- Revogação de guarda de menores (art. 35 da Lei nº. 8.069/90);

- Separação de corpos (art. 82, II, CPC, c/c arts. 7º e 8º da Lei nº. 6.515/77);

- Seqüestro contra a Fazenda Pública (art. 731 do CPC e art. 100, §2º, da CF);

- Sucessão provisória de ausentes (art. 1.169 do CPC e 33 do Código Civil);

- Suscitação de dúvida (art. 200 da Lei nº. 6.015/73);

- Testamentos (processos relativos aos arts. 1.126, 1.131, III, 1.133 e 1.141 do CPC);

- Tutela ou curatela (art. 1.189 do CPC);

- Uniformização de jurisprudência (art. 478, parágrafo único, do CPC);

Por fim, conquanto a Instituição deva batalhar para ver maximizadas e aperfeiçoadas suas atribuições e funções legais e constitucionais, gostaríamos de deixar uma indagação aos leitores, para reflexão em busca de melhorias na rotina de trabalho ministerial. Tal pergunta não é nova, posto ter sido colocada ao público no 9º Congresso Nacional do Ministério Público, em Salvador/BA, nos idos de 1992, por João Lopes Guimarães Júnior [11]: "Não haveria na área cível um indevido predomínio, na prática, do ‘Ministério Público interveniente’ em prejuízo do ‘Ministério Público agente’?

Entre as várias respostas que serão dadas a esta questão e tantas outras que já se encontram na doutrina, pensamos serem indispensáveis as palavras de Maurício Augusto Gomes, Procurador de Justiça em São Paulo: "...não há dúvida que é mesmo necessário compatibilizar as disposições legais que impõem a intervenção do Ministério Público nas ações e procedimentos de natureza civil em geral ao seu novo perfil constitucional, que enfatiza suas funções como órgão agente, devendo ser buscada a redução das hipóteses de intervenção no processo civil, até mesmo e especialmente para viabilizar atuação eficiente em defesa de interesses superiormente relevantes, como são aqueles que se refletem de maneira coletiva ou difusa na comunidade, a serem tutelados por meio da instauração de inquérito civil e da promoção da ação civil pública.

Contudo, a alteração das hipóteses de intervenção do Ministério Público no processo civil não pode ser feita por normas infralegais, dependem de inovação legislativa e, para isso, deve-se promover o mais amplo debate possível na área jurídica e também na sociedade civil, comunidade interessada, para então, a seguir, encaminhar-se aos órgãos competentes anteprojeto de lei fazendo completa revisão dos diversos diplomas legislativos que prevêem a intervenção do Ministério Público nos procedimentos e ações civis, vez que ainda vigentes alguns que, desde a origem, já estabeleciam inadequadas e inconvenientes, ou no mínimo discutíveis, hipóteses de intervenção do Ministério Público..." [12]

Façam vossas análises.

Sobre o autor
Victor Roberto Corrêa de Souza

Servidor Público Federal na Procuradoria Regional da República - 5ª Região – em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Victor Roberto Corrêa. Ministério Público:: questões polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4866. Acesso em: 22 dez. 2024.

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