Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A evolução legislativa da adoção no ordenamento jurídico brasileiro

Agenda 02/05/2016 às 20:16

O presente artigo busca demonstrar, através de pesquisa legislativa, toda a evolução do instituto da Adoção no ordenamento jurídico brasileiro.

1. A adoção e o Código Civil de 1916

Em fase anterior a edição da Lei nº 3.071 de 01 de Janeiro de 1916 - Código Civil, a adoção não era regulamentada de forma sistemática. Foi através das Ordenações Filipinas que a adoção foi introduzida no Brasil, e a primeira lei a tratar do tema foi promulgada em 22 de Setembro de 1828[1] com caraterísticas trazidas do direito português. Posteriormente “surgiram outros dispositivos que também trataram do instituto, como o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, a Consolidação das Leis Civis de Teixeira Freitas e a nova Consolidação das Leis Civis de Carlos de Carvalho, publicada em 1915”[2].

Com advento do Código Civil de 1916, a adoção ganha relevância jurídica e, “traduzindo o ideal republicano de secularização da vida familiar, a adoção, passa a ser disciplinada de forma sistemática, segundo o modelo minus plena dos romanos”[3]. O respectivo código regulamentava a adoção em onze artigos – do 368 ao 378. Por influência da instituição no direito romano no qual o direito português se espelhou, a adoção visava apenas os interesses dos adotantes.  

No que tange as pessoas da relação jurídica, só podia adotar quem tivesse mais de cinquenta anos, o adotante teria que ter uma diferença de dezoito anos em relação ao adotado e apenas pessoas de gêneros diferentes poderiam requerer a adoção. Se o adotado fosse menor ou interdito seria necessário o consentimento da pessoa cuja guarda estivesse o adotando. E quanto ao tutor e o curador, estes só poderiam adotar seus respectivos pupilos ou curatelados no momento em que prestasse conta de sua administração e saldasse o seu alcance.

O grande marco da adoção no Código Civil de 1916 foi o fato de a adoção poder ser dissolvida se as duas partes passassem a conviver, ou seja, adotante e adotado, quando o adotado cometesse ingratidão contra o adotante, e no caso do menor ou interdito no momento em que cessasse a menoridade ou a interdição.

Quanto aos procedimentos adotados e aos efeitos, a adoção se realizava mediante escritura pública, onde não era admitida condição. O parentesco resultante da adoção envolvia apenas o adotante e o adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, e apenas teriam cessados os efeitos se no momento da adoção houve prole concebida. E por último, os direitos e deveres resultantes da relação natural do adotado permaneciam, mas não os relacionados ao pátrio poder que era transferido pelo pai natural ao adotivo.  

2. O Código Civil de 1916 e as alterações trazidas pela Lei nº 3.133/57

O fato de o Código Civil de 1916 ter estabelecido em seu artigo 368 a idade mínima de cinquenta anos ao adotante foi um forte impedimento para que o instituto alcançasse uma relevância ímpar na sociedade. Diante disso, surgiram “movimentos para encetar modificações legais buscando motivar a prática da adoção” [4].

“Percursora desse movimento, a ex-ministra da Educação Ester Figueiredo liderou iniciativa de conscientização chamando a atenção quanto à imprestabilidade do instituto da adoção ao exigir a idade mínima de cinquenta anos do adotante, surgindo desse esforço conjunto, incluindo iminentes políticos, a promulgação da Lei 3.133, de 08 de maio de 1957 que introduziu sete importantes modificações no regime da adoção[5].”

Muitas determinações do texto inaugural do Código Civil de 1916 foram mantidas pela Lei nº 3.133 de 1957, mas houve modificações relevantes.

A primeira grande mudança dizia respeito à idade exigida para adotar. Com a referida lei a idade passou de cinquenta para trinta anos e os adotantes deveriam estar casados há cinco anos. A segunda mudança que a lei trouxe diz respeito à diferença de idade entre o adotante e o adotado, antes se exigia dezoito anos, depois de sua edição passou a ser exigida a idade mínima de dezesseis anos de diferença. A terceira fazia referência à questão da dissolução da adoção nos casos em que fosse admitida a deserdação, e a última estabelecia que a relação de adoção não pudesse envolver a sucessão hereditária se o adotante viesse a ter filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, ou seja, eliminou-se a determinação de que somente casais sem filhos poderiam adotar.

O artigo segundo e seu respectivo parágrafo também abriu margem para que os adotados pudessem declarar o apelido que a nova família passasse a usar, conservar o anterior juntamente com o novo, ou excluir o apelido dos pais de sangue e permanecer apenas com os dos novos pais.

3. A adoção e a Lei nº 4.655/65

A Lei nº 4.655 de 02 de junho de 1965[6] que dispôs sobre a legitimidade adotiva foi considerada uma das grandes leis no que se refere à efetivação do adotado no seio familiar que seria integralizado.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Dentre a diversidade de novidades que surgiu com a lei, algumas foram de grande relevância, pois tiveram o condão de mudar o instituto de maneira que a adoção obtivera grande relevância social com a característica principal de integralização e igualdade.

Com seu artigo primeiro, passou a ser permitida a legitimação adotiva do infante exposto, cujos pais fossem desconhecidos ou declarassem por escrito que ele poderia ser dado a outra família, bem como do menor abandonado propriamente dito até sete anos de idade, cujos pais tenham sido destituídos do pátrio poder; do órfão da mesma idade, não reclamado por qualquer parente por mais de um ano; e, ainda, do filho natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover a sua criação.

No caso dos adotantes, as regras continuaram as mesmas, porém seria dispensada a exigência referente ao prazo de cinco anos de matrimônio, se ficasse provada a esterilidade de um dos cônjuges, por perícia médica, e a estabilidade conjugal.

O artigo sétimo[7] determinava que a adoção não fosse ato revogável e que os filhos adotivos seriam equiparados aos filhos legítimos, sendo detentores de mesmos direitos e deveres. O fato de o adotado ganhar um novo lar no momento da adoção tornava sem sentido a manutenção da família legítima no seu desenvolvimento, por isso esse artigo foi bastante aclamado no momento da edição do texto da lei, pois excluiu a ideia de qualquer vínculo entre o adotado e sua família legítima.

4. A adoção e o código de menores

O denominado Código de Menores revogou expressamente a Lei nº 4.655 de 02 de junho de 1965 que passou a discipliná-la entre o vinte e nove o trinta e sete.

“Além da adoção pelo Código Civil, sobreviveram no sistema jurídico nacional duas modalidades de adoção na vigência do Código de Menores: a simples, prevista no art. 27, relativa ao menor em situação irregular, a qual dependia de autorização judicial, e a adoção plena, regulada pelo mesmo Código, nos arts. 29-37 e 107-109[8].”

A natureza jurídica do Código se torna evidente em seu artigo treze, onde fica claro que a aplicação de todas as medidas aplicáveis ao menor volta-se à sua integração sociofamiliar, de modo que essas medidas de assistência e proteção previstas no Código somente eram aplicáveis pela autoridade judiciária competente, onde este deveria observar a prevalência do direito do menor em sua finalidade pedagógica e protecional, distinguindo-se, desde logo, da adoção de menores em situação irregular do Código Civil de 1916.

Constata-se que o bem juridicamente protegido pelo Código era o interesse de um menor em situação irregular. E não os eventuais interesses da família que o fosse adotar, entendendo-se por interesse do menor tudo o que pudesse contribuir para seu desenvolvimento e formação adequados.

5. A adoção e a Constituição Federal de 1988

A promulgação da Constituição Federal de 1988, resultado da ação do poder constituinte originário, instaurou um novo regime politico, superando o anterior.

O seu artigo 227, declarando em seu caput “como direitos fundamentais da criança e do adolescente a liberdade, o respeito e a sua dignidade, e ao convocar família, a sociedade e o Estado para, todos, tratarem de assegurar prioritariamente esses fundamentais direitos[9]” deixa claro que independentemente da situação da criança ou adolescente, estes merecem proteção.

O parágrafo 5º traz uma “preceituação genérica, revelando que a matéria escapa dos contornos de simples apreciação juscivilista”, abrindo margem para que o Poder Público, na forma da lei, estabeleça casos e condições para que estrangeiro efetivem a adoção[10].

“Neste simples enunciado, destacam-se desde logo três aspectos predominantes no instituto. O primeiro é que a adoção não mais comporta o caráter contratualista que foi assinalado anteriormente, como ato praticado entre o adotante e o adota. Em consonância com o preceito constitucional, com caráter impositivo, deve ser assistida pelo Poder Público, na forma da lei, isto é, o legislador ordinário deve ditar regras segundo as quais o Poder Público dará assistência aos atos de adoção[11].”

Já o parágrafo 6º[12], que não se dissocia das considerações do paragrafo anteriormente analisado, declara o novo objetivo da adoção, pois aboliu a diferença existente entre os filhos legítimos, legitimados e adotados, proibindo-se quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

6.       O Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente com as alterações trazidas pela Lei nº 12.010/2009           

Com a edição do artigo 227 da Constituição Federal, a intenção era de modificar os preceitos existentes no Código de Menores e outras legislações atinentes à questão da proteção da criança e do adolescente.

“Na vigência do Código de Menores, não havia a distinção entre criança e adolescente (havia apenas a denominação “menor”) e não havia obediência aos direitos fundamentais, admitindo-se, p. ex., a apreensão fora da hipótese de flagrante ou de busca e apreensão[13].”

Essa diferenciação apenas surgiu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

A construção do ECA se deu por colaboração de grupos compostos de juízes, e do conjunto de reuniões no intuito de elaborar uma que tivesse consonância com a Constituição Federal.

Sancionado o Estatuto, a igualdade começou a ser efetivada, estabelecendo, assim, várias garantias vinculadas aos preceitos constitucionais voltados aos direitos humanos.

Diante dessa mudança, parte da doutrina passou a considerar “dois tipos de adoção: a simples (regida pelo Código Civil de 1916 - como as mudanças da Lei nº 3.133/57) e a plena (disciplinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente)”[14]. Com a revogação do Código Civil de 1916 pela Lei nº 10.406, de 10.01.2002 - Código Civil, alguns doutrinadores ainda passaram a admitir a “classificação distintiva da adoção, em simples e plena, isto é, em civil e estatutária”[15].

Essa classificação gerou dúvida no sentido de saber qual legislação usar para regulamentar a adoção. Essa polêmica surgiu porque o Código Civil de 2002 “é lei geral e não revogou as disposições do ECA sobre a adoção de crianças/adolescentes , pois esse diploma é lei especial”[16].

“Importante é que, seja vislumbrada pelo Código Civil, seja pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ou por ambos, a adoção cumpre uma função social hodierna considerável; deve ser compreendida para além da herança preconceituosa (que sempre a permeou) e necessita, pois, ser contextualizada, com a preponderância valorativo-jurídica do afeto e com os princípios constitucionais norteadores do moderno Direito das Famílias - na realidade, vigas de sustentação de todo o ordenamento pátrio, a partir da dignidade humana e da igualdade entre todos(as) os(as) cidadãos(ãs)[17].”

Inovação de grande importância com a edição do Estatuto foi a obrigatoriedade de sentença judicial para se constituir a adoção, não sendo mais permitida a adoção por escritura pública como anteriormente era previsto.

A Lei nº 12.010, de 03 de Agosto de 2009, denominada Lei da Adoção teve grande relevância no que tange ao instituto da adoção no Brasil, pois “alterou e aprimorou inúmeros dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, revogou os artigos 1.620 a 1.629 do Código Civil”[18] e alguns da CLT, visando criar incentivos para que crianças e adolescentes retornem ao convívio familiar ou encontrem um lar adotivo, evitando que fiquem de forma permanente em instituições de acolhimento, sejam elas familiares ou institucionais.   

Dentre os diversos artigos complementares que regulamentam da adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente trata detalhadamente o instituto entre os artigos 39 e 52-A. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e a doutrina da proteção integral “são duas regras basilares do direito da infância e da juventude que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes”[19].

CONCLUSÃO

A adoção é um instituto que mudou ao longo dos tempos. A evolução legislativa, mesmo que de forma lenta, foi importante para o resultado que se tem hoje. O Estatuto da Criança e do Adolescente é diploma legal com ideais bem avançados e trata da adoção como a forma de resolver o problema social do abandono e dos casos de destituição do poder familiar. As regras estabelecidas para adoção respeitam os princípios constitucionais da família, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.


[1]    Lei em referência: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei de 22 de setembro de 1828. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-K_12.pdf#page=2>. Acesso em: 26 mar. 2015.

[2]    CUNHA, Tainara Mendes. A evolução histórica do instituto da adoção. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.34641&seo=1>. Acesso em: 21 mar. 2015.

[3] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 276.

[4] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 627.

[5] Ibidem. p. 627.

[6]    BRASIL. Lei nº 4.655 de 02 de junho de 1965. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/ 1960-1969/lei-4655-2-junho-1965-377680-publicacaooriginal-45829-pl.html>. Acesso em: 03 abr. 2015.

[7]    O artigo 7ª da Lei nº 4.655 de 1965 dispõe: “A legitimação adotiva é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos legítimos, aos quais estão equiparados os legitimados adotivos, com os mesmo direitos e deveres estabelecidos em lei”.

[8] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. Rio Janeiro: Forense. 2014. v.5. p. 451.

[9] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 627.

[10] Preceitua o artigo 227, §5º da Constituição Federal “A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 mar. 2015).

[11] PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit. p. 455. 

[12]   Preceitua o artigo 227, §6º da Constituição Federal “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 mar. 2015).

[13] ISHIDA, Válter Kenji Ishida. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 5.

[14]   SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus Silva. A possibilidade Jurídica de Adoção por casais homossexuais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 113.

[15] Ibidem. p. 113.

[16]   SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus Silva. A possibilidade Jurídica de Adoção por casais homossexuais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 114.

[17] Ibidem. p. 115.

[18]   MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 629. 

[19]   ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 2.

Sobre a autora
Nathalia Vilela

Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduanda em Direito Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!