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Restrições aos direitos fundamentais

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Agenda 20/05/2016 às 16:12

Na medida em que os sujeitos são, ao mesmo tempo, titulares e destinatários de direitos fundamentais, é natural que nas relações intersubjetivas possam surgir colisões entre as normas que regulam os direitos de cada parte.

Sumário:1 INTRODUÇÃO. 2 O CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2.1 Breve digressão acerca do papel da dignidade humana na conceituação dos direitos fundamentais. 3 NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: REGRAS E/OU PRINCÍPIOS. 4 AS RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 4.1 Teoria interna. 4.2 Teoria externa. 4.3 Tipos de restrições. 4.3.1 Restrições diretamente constitucionais. 4.3.2 Restrições indiretamente constitucionais (reserva de lei restritiva). 4.3.3 Restrições não expressamente autorizadas pela Constituição. 4.4 Os limites dos limites. 4.4.1 Núcleo essencial do direito fundamental. 4.4.2 Proporcionalidade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS 


1 INTRODUÇÃO

A temática dos direitos fundamentais só ganha força desde a promulgação da Constituição brasileira de 1988. Para além de um catálogo de direitos subjetivos e liberdades individuais, os direitos fundamentais são pressupostos inafastáveis de um Estado Democrático de Direito, pois buscam realizar valores que lhe são inerentes.

Por essa mesma razão, o estudo de tais direitos ultrapassa as fronteiras do direito constitucional, expandindo-se às mais diversas relações intersubjetivas, inclusive aquelas de cunho essencialmente privado. Isto porque os sujeitos privados são não apenas titulares de direitos fundamentais, mas também destinatários[1] deles. Desse modo, os direitos fundamentais são oponíveis pelo indivíduo não apenas em face do Estado e suas omissões e condutas imperativas, como também aos demais indivíduos nas relações jurídicas particulares.

Na medida em que os sujeitos são, ao mesmo tempo, titulares e destinatários de direitos fundamentais, é natural que nas relações intersubjetivas possam surgir colisões entre as normas que regulam os direitos fundamentais de cada parte. Para a solução deste tipo de conflito, é essencial identificar a natureza da norma que protege cada direito, bem como definir qual o conteúdo da proteção e seus limites.

Diante dessas considerações, parece claro que os direitos fundamentais podem não se realizar de forma absoluta. Para se chegar a esta conclusão, basta imaginar todas as possibilidades de exercício do direito fundamental à liberdade. Não é difícil perceber que a criação e a manutenção de um estado global de liberdade implicam também o sacrifício de liberdades. A questão que se coloca é: podem, então, os direitos fundamentais ser restringidos? Se sim, por quais critérios e por quais fontes? Tentar responder a essas questões é um dos objetivos deste trabalho.

Para tanto, partir-se-á de uma tentativa de conceituação dos direitos fundamentais e da identificação de sua natureza jurídica (se de regras e/ou princípios), o que será feito em tópicos distintos. Em seguida, analisar-se-á as teorias interna e externa que tratam das limitações aos direitos fundamentais, estabelecendo, a partir de uma delas, a concepção de restrição.

Para a realização do escopo, será realizada a revisão de literatura e o método utilizado será o dedutivo.


2 O CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A doutrina jurídica germânica distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, estes sendo espécie daqueles, pois são os direitos humanos positivados nos ordenamentos de cada Estado, especialmente nas Constituições.[2] Assim, os direitos humanos não se restringem às fronteiras de determinado ordenamento e, “portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional” [3].  Essa relação continente-conteúdo foi também abraçada pela Constituição brasileira que se utiliza de ambas as expressões em contextos distintos.[4]

Para tornar mais claros os limites dos conceitos, é relevante trazer à baila a advertência de Ingo Sarlet:

A consideração de que o termo “direitos humanos” pode ser equiparado ao de “direitos naturais” não nos parece correta, uma vez que a própria positivação em normas de direito internacional, de acordo com a lúcida lição de Bobbio, já revelou, de forma incontestável, a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos, que assim se desprenderam – ao menos em parte (mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) – da ideia de um direito natural. Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supraestatal. Cuida-se, sem dúvida, igualmente de direitos humanos – considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condição humana –, mas, neste caso, de direitos não positivados.[5]

Até aqui, porém, os limites do conceito de direitos fundamentais foram traçados com base apenas no aspecto formal, ou seja, são direitos fundamentais os direitos humanos reconhecidos e positivados por determinado ordenamento como fundamentais. Cumpre agora investigar as feições do seu conteúdo.

A raiz da positivação dos direitos humanos encontra-se nas revoluções liberais do fim do século XVIII. Nas palavras de Fabio Konder Comparato, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, que antecedeu a Declaração de Independência norte-americana, “constitui o registro de nascimento dos direitos humanos na História”. O documento, de 1776, afirmava a igualdade entre todos os seres humanos e o seu direito à “fruição da vida e da liberdade”, com os meios de “procurar e obter a felicidade e a segurança”.[6] Treze anos depois, as palavras de ordem da Revolução Francesa reforçavam os ideais de liberdade e igualdade.

As então novas teorias, inspiradas pelos ideais iluministas e guiadas pelos princípios da razão humana e pelo objetivo de alcançar a felicidade do homem, exigiam que velhos costumes fossem substituídos por um novo direito livremente concebido sob a influência da razão e a serviço do povo.[7] E, segundo Alexy, é através do reconhecimento dos direitos fundamentais que se molda a estrutura básica de uma sociedade.[8] No mesmo sentido, também afirma Sarlet: “Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional”. [9]

Carl Schmitt defende que a conceituação dos direitos fundamentais pressupõe que tais direitos - em um Estado liberal de direito - sejam anteriores e superiores ao Estado, ou seja, não aqueles que o Estado outorga, mas que reconhece e protege.[10] Ainda sob o enfoque liberal, o autor afirma que os direitos fundamentais em sentido próprio são direitos de liberdade individual, direitos que o homem tem em face do Estado. Essa liberdade, em princípio ilimitada, poderá sofrer ingerências estatais limitadas, mensuráveis e controláveis.[11] Sendo direitos de liberdade, os direitos fundamentais abrangem, segundo o autor, direitos de liberdade do indivíduo isolado e os direitos de liberdade do indivíduo em relação com os outros (a exemplo da liberdade de associação, de crença, de expressão).

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Todavia, Schmitt também reconhece como fundamentais direitos político-democráticos e direitos do indivíduo a prestações do Estado. Tais direitos têm estrutura e sentido diverso dos direitos de liberdade. Os direitos políticos baseiam-se “na ideia democrática da igualdade” e, portanto, não podem ser ilimitados. Já os direitos a prestações do Estados são essencialmente limitados e, por sua estrutura lógica e jurídica, se contrapõem aos “autênticos direitos fundamentais e de liberdade”.[12]

Analisando essa tendência de se associar os direitos fundamentais aos ideais liberais, Manoel Jorge e Silva Neto aduz:

Percebe-se, infelizmente, com grande intensidade, tendência doutrinaria destinada a consumar a interpretação do conjunto complexo dos direitos fundamentais da atualidade com recursos às ideias liberais; viceja, todavia, enorme incompatibilidade entre o ideário burguês e os direitos e garantias fundamentais consagrados atualmente pelos corpos legislativos, porque, em suma, tratam-se de direitos cuja concretização pressupõe comportamento deliberadamente comissivo do Estado.

Embora tenham sido os direitos de caráter prestacional aqueles que, de forma pioneira, exigiram que o Estado se afastasse do laissez-faire, laissez-passer, a própria natureza dos direitos fundamentais de terceira e quarta gerações impôs a persistência de modelo de sociedade política igualmente comprometida com a efetivação dos direitos da coletividade (direitos ou interesses difusos - terceira geração) e com a busca da isonomia substancial (direitos das minorias - quarta geração). Se é assim, torna-se evidente que o abstencionismo estatal se põe em rota de colisão com a concretização dos direitos fundamentais atuais.[13]

Em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy obtempera que a fundamentalidade do conteúdo de referidos direitos reside no fato de incluírem “decisões sobre a estrutura normativa básica do Estado e da sociedade”, independentemente de seu conteúdo ser mais ou menos abrangente.[14] Ainda segundo o jurista alemão, tomando por base a jurisprudência de sua corte superior,

[...] as normas de direitos fundamentais contêm não apenas direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra o Estado, elas representam também uma ordem objetiva de valores, que vale como decisão constitucional fundamental para todos os ramos do direito, e que fornece diretrizes e impulsos para a legislação, a Administração e a jurisprudência.[15]

Do exposto, percebe-se que, conquanto seja fácil estabelecer os limites conceituais formais dos direitos fundamentais, os contornos materiais são abertos e dinâmicos, variando de acordo com a estrutura normativa e a pauta axiológica de cada ordenamento, sendo, no entanto, comumente orientados pelos vetores da liberdade e da igualdade, especialmente nos Estados democráticos.

2.1 Breve digressão acerca do papel da dignidade humana na conceituação dos direitos fundamentais

Estabelecidas as considerações iniciais a respeito do conceito de direitos fundamentais, cumpre trazer uma breve digressão a respeito do papel da dignidade humana neste conceito. Inicialmente, é necessário advertir que não se pretende conceituar ou esgotar o conteúdo do postulado da dignidade humana, mesmo porque, como esclarece Manoel Jorge e Silva Neto, “não se conceitua dignidade da pessoa humana. Trata-se, como se refere na no sistema da ciência do direito, de um topoi”.[16]

De acordo com Ingo Sarlet, em obra dedicada ao tema, o postulado da dignidade humana e os direitos fundamentais estão tão naturalmente imbricados que

[...] mesmo nas ordens normativas onde a dignidade ainda não mereceu referência expressa, não se poderá – apenas a partir deste dado – concluir que não se faça presente, na condição de valor informador de toda a ordem jurídica, desde que nesta estejam reconhecidos e assegurados os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.[17]

Ainda segundo o autor, o postulado da dignidade da pessoa humana conecta-se aos direitos fundamentais não apenas como valor informador de toda a sistemática dos direitos fundamentais, mas também como “critério para a construção de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais.” [18]

Paulo Gustavo Gonet Branco também defende que, mesmo havendo direitos fundamentais − em sua concepção formal, qual seja, positivados na Constituição − que não têm ligação direta com a dignidade da pessoa humana, é esse postulado que inspira todos os “típicos direitos fundamentais”, a exemplo dos direitos à vida, à liberdade etc.[19]

Nesse contexto, porém, de dignidade como critério de construção de direitos ou, ainda, de reconhecimento dela como núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, é preciso acautelar-se contra a possibilidade de uma hipertrofia da dignidade[20]. Alexy observa que a excessiva ampliação da abrangência da dignidade da pessoa humana para abarcar tudo o que pode ser por ela protegido traz, de um lado, o risco da banalização do postulado e, de outro, risco de se excluir do âmbito de proteção situações que deveriam ser protegidas.[21]

No mesmo sentido, analisando tais efeitos na casuística brasileira, Virgílio Afonso da Silva aduz que o postulado da dignidade da pessoa humana não raro faz as vezes de um “grande guarda-chuva”, sendo invocado para resolver conflitos que poderiam ser dirimidos por outras normas, constitucionais ou até mesmo infraconstitucionais.[22]

Assim, em que pese a vinculação existente entre os direitos fundamentais e o postulado da dignidade humana, seus conceitos não se confundem. Ademais, não se trata a dignidade de recurso universal a ser utilizado indiscriminadamente, como garantidor de quaisquer direitos que resvalem, ainda que indiretamente, na Constituição. Como afirmado acima, a utilização inflacionária do postulado pode implicar no esvaziamento de seu significado e importância.


3 NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: REGRAS E/OU PRINCÍPIOS

Traçando um panorama histórico da distinção entre princípios e regras, no qual inclui as formulações de Karl Larenz, Wilhelm Canaris, Ronald Dworkin e Robert Alexy, Humberto Ávila identifica quatro critérios comumente utilizados para distinguir princípios de regras: o critério do caráter hipotético-condicional, o critério do modo final de aplicação, o critério do relacionamento normativo e o critério do fundamento axiológico.[23]

Segundo Ávila, o critério hipotético-condicional utilizado por Larenz, distingue os princípios das regras porque estas são aplicadas no modo se, então; enquanto os princípios estabelecem fundamentos de decisão. A crítica que o autor faz a esse critério, em resumo, é a de que “o qualificativo de princípio ou de regra depende do uso argumentativo e não da estrutura hipotética” [24], mesmo porque a formulação de uma hipótese é mais uma questão linguística que normativa e, diante do caso concreto, qualquer norma pode assumir formulação hipotética.

Seguindo a trilha do raciocínio de Ávila, o critério do modo final de aplicação é o adotado por Dworkin e Alexy, em cujas formulações as regras são aplicadas no modo tudo ou nada enquanto os princípios, para Dworkin, contêm apenas fundamentos e, para Alexy, devem ser objeto de sopesamento. O autor faz extensa crítica a este critério argumentando, em síntese, que o modo de aplicação da norma é definido pelo intérprete e, por essa razão, normas-regra podem deixar de ser aplicadas em face de “razões substanciais consideradas pelo aplicador.” [25] Entre essas razões, Humberto Ávila inclui a interpretação teleológica (rule’s purpose), o overruling e também situações fáticas não imaginadas pelo legislador. Segundo ele,

O ponto decisivo não é, portanto, o suposto caráter absoluto das obrigações estatuídas pelas regras, mas o modo como as razões que impõem a implementação das suas consequências podem ser validamente ultrapassadas; nem a falta de consideração a aspectos concretos e individuais pelas regras, mas o modo como essa consideração deverá ser validamente fundamentada - o que é algo diverso.[26]

O critério do relacionamento normativo, de acordo com Ávila, é aquele que diferencia o modo de resolução de conflitos entre regras e de conflitos entre princípios. A antinomia entre regras implicaria a invalidade de uma delas, enquanto o conflito entre princípios seria resolvido pela ponderação. Com algumas variações, esse critério seria o defendido por Canaris, Dworkin e Alexy. Embora reconheça sua importância, Ávila também critica este critério, pois, segundo ele, a ponderação não é técnica de aplicabilidade restrita aos princípios. Ademais, sustenta o autor, a dimensão de peso atribuída aos princípios não é algo que possa estar incorporado à norma, mas às razões que fundamentam uma decisão.[27]

No que diz respeito ao critério do fundamento axiológico, que considera os princípios como fundamentos valorativos para tomada de decisão, Ávila pondera que, apesar de sua importância, o critério é inadequado à distinção entre princípios e regras pois atribui “valor primordial à norma, e não às razões utilizadas pelo aplicador a partir dela.”[28]

Tecidas as críticas aos critérios distintivos levantados, Ávila apresenta a sua proposta para a diferenciação entre regras e princípios, que ele qualifica como heurística. Preliminarmente, ele adverte que para a elaboração de uma classificação abstrata não é possível se valer de circunstancias que só podem ser verificadas na análise do caso concreto.

 Dentro da sua proposta, Ávila estabelece seus próprios critérios distintivos. Segundo esses, os princípios são imediatamente finalísticos e prospectivos, enquanto as regras são imediatamente descritivas e retrospectivas (pois descrevem uma situação já conhecida).[29] A conceituação que advém dos critérios por ele estabelecidos é complexa:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.[30]

 Ávila esclarece que a sua classificação é inclusiva, pois a sua formulação admite que uma mesma norma possa ser ao mesmo tempo regra e princípio, pois pode trazer uma dimensão comportamental e outra finalística.[31]

Virgílio Afonso da Silva faz duras críticas aos conceitos de regras e princípios proposto por Humberto Ávila. Para ele, os conceitos mais confundem do que esclarecem, na medida em que inserem “um sem-número de elementos nas definições, que, além de dificultarem sobremaneira sua intelecção, não são elementos imprescindíveis à correta e suficiente distinção entre os dois conceitos.” [32]

Com base nas ideias de Dworkin e Alexy, Virgílio Afonso da Silva distingue as regras dos princípios pela estrutura dos direitos garantidos: as regras garantem direitos definitivos e os princípios, direitos prima facie. Ou seja, as regras aplicam-se no modo tudo ou nada, enquanto os princípios se realizam na maior medida possível[33] e são, por essa razão, mandamentos de otimização, conforme definido por Alexy.[34] Essa distinção é a também a adotada por J. J. Gomes Canotilho.[35]

Segundo Felipe Oliveira de Sousa, essa distinção entre princípios e regras elaborada por Dworkin e aprimorada por Alexy pode ser considerada uma distinção forte, pois se refere à estrutura das normas, tanto no que tange ao conceito quanto à aplicação. Para o autor, distinções mais fracas ou fluidas, a exemplo da proposta por Ávila, levam a sérias dificuldades na identificação da natureza de uma norma.[36]

Para Alexy, a diferenciação estrutural entre regras e princípios é essencial para se desenvolver uma teoria dos direitos fundamentais, apta a analisar as possibilidades de restrição, solucionar colisões ou mesmo identificar o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico.[37] Conforme observa o jurista alemão, os direitos fundamentais costumam ser caracterizados por sua forte carga axiológica, sendo, por isso, frequentemente identificados como princípios. Ocorre que a diferença entre as regras e os princípios não é gradual, mas qualitativa, ou seja, não é grau de importância ou fundamentalidade que os distingue, mas aquilo que se impõe através da prescrição normativa.

Não é possível, portanto, segundo a formulação de Alexy, identificar aprioristicamente as normas de direitos fundamentais como regras ou princípios. Segundo ele, mesmo que todas as normas de direitos fundamentais fossem estruturadas como princípios − o que não acontece −, ainda assim haveria normas de direitos fundamentais com natureza de regras e normas de direitos fundamentais com natureza de princípios.[38] Conclui o autor:

O fato de que, por meio das disposições de direitos fundamentais, sejam estatuídas duas espécies de normas − as regras e os princípios − é o fundamento do caráter duplo das disposições de direitos fundamentais. Mas isso não significa ainda que também as normas de direitos fundamentais compartilhem desse mesmo caráter duplo. De início elas são ou regras (normalmente incompletas) ou princípios. Mas as normas de direitos fundamentais adquirem um caráter duplo se forem construídas de forma a que ambos os níveis sejam nela reunidos.[39]

Destarte, as normas de direitos fundamentais podem ter natureza de regras jurídicas, quando são garantidos direitos definitivos e se verifica a incidência ou não incidência da norma (all or nothing); ou podem assumir a feição de princípios, hipótese em que os direitos são garantidos apenas prima facie e o grau de sua realização dependerá das circunstâncias do caso concreto.

Para ilustrar ambas as hipóteses, tomem-se os seguintes exemplos:

A norma contida no inciso III do art. 5° prescreve que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Em que pese a alta carga valorativa desta norma, a partir da análise estrutural proposta por Alexy, não é possível identifica-la como princípio, mas como regra. Ou seja, a proibição da tortura ou de tratamento cruel ou degradante não é algo que se realiza na maior medida possível, de acordo com particularidades de cada caso concreto. Ou a regra incide ou não incide, não comportando mitigações na sua incidência.

Do mesmo modo, a prescrição do inciso XXXI diz que a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do falecido. Trata-se também de verdadeira regra: ou a lei brasileira se aplica ou não se aplica (subsunção), não comportando uma aplicação em determinada medida.

Por outro lado, no rol dos direitos fundamentais positivados no art. 5°, encontra-se a garantia do direito de propriedade (inciso XXII). O exercício desse direito fundamental, porém, será realizado na maior medida possível, dentro das circunstâncias do caso concreto. Isto porque não haverá pleno exercício do direito de propriedade quando houver, por exemplo, interdições de construção a partir de determinada altura determinada pelo plano diretor municipal, qualificação da área como de proteção ambiental, estabelecimento de servidão etc.

Não se trata, nas hipóteses acima, de afastamento ou invalidade do direito geral de propriedade, mas de abrandamento de sua força, em face de outras normas colidentes, que naquela circunstância eram dotadas de maior força ou peso (sopesamento).

Assim, conforme afirma Canotilho, o fato de determinados comportamentos pertencerem inicialmente ao âmbito de proteção de uma norma de direito fundamental não significa necessariamente que referidos comportamentos “sejam recortados, em termos jurídico-constitucionais, como um conteúdo de um direito juridicamente garantido.”[40] Para se chegar a esse conteúdo, segundo o autor português, é preciso verificar as mediações jurídicas[41] em torno do direito fundamental, entre as quais se encontram as restrições.

Sobre a autora
Paloma Braga Araújo de Souza

Possui mestrado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2016), especialização em Direito do Estado pelo Juspodivm / Unyahna (2007) e é aluna especial do doutorado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e conselheira seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia. Sócia do Braga Cartaxo Carvalho & Matos Escritório de Advocacia. Professora na Faculdade Apoio/Unifass e de cursos preparatórios para concursos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Paloma Braga Araújo. Restrições aos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4706, 20 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49066. Acesso em: 22 nov. 2024.

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