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Cada cabeça, uma sentença? No novo CPC não mais.

Conflito entre a Súmula 568 do STJ e os arts. 927 e 932, IV do CPC

No apagar das luzes do caduco CPC de 1973, o STJ aprova súmula em que mantém a fórmula dos "julgamentos por entendimento dominante" dos tribunais. Porém, o novo Código de Processo Civil não mais aceita ser possível o julgamento sem base vinculante.

Com a vigência do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) em 18 de março de 2016, data esta estipulada pelo STJ em decisão administrativa sobre o tema e, parece, aceita nacionalmente(1) e o início efetivo de sua aplicação aos casos concretos, surgiram diversas situações em que se discutem seu alcance e efetividade, principalmente frente a entendimentos anteriormente já sedimentados.

Como exemplo, vê-se claramente que, com o novo CPC, a Súmula 453 do STJ foi superada pela inovação legislativa do art. 85, §18 do Novo CPC (2) ou mesmo o entendimento sumulado do STJ de que seria inadmissível o Recurso Especial antes da publicação (Súmula 418), sendo agora superado pelos arts. 218, §4º e 1.024, §5º do novo CPC (3), sendo este apenas exemplos das inúmeras modificações/superações de entendimentos que advieram com a novidade legislativa, muitas já identificadas(4), outras só com o tempo para verificar-se.

Aqui não se discute o motivo destas mudanças, seja para findar eventuais dúvidas ou enfrentamentos doutrinários e jurisprudenciais ou mesmo para indicar que o legislador quer dar novo rumo a situações que entende ser mais adequada à nova conformação social, o que importa é que houve as mudanças e estas já trazem efeitos no dia a dia processual.

Não obstante, há situações de relativa nebulosidade quando se compara entendimentos anteriormente sedimentados na jurisprudência, seja por súmula ou por julgamentos em recurso repetitivo com as novidades legislativas.

E é pertinente a discussão, quando se observa o aspecto dado pelo novel ordenamento aos entendimentos sumulados, servindo estes como parâmetros legais de efetiva normatividade e critério de julgamento.(5)

Ou seja, as súmulas, vinculantes ou não, detém força normativa que servirá para a procedência ou improcedência da demanda, devendo, portanto, cotejar sobre o eventual conflito destas com o ordenamento jurídico.

Uma destas situações de nebulosidade se verifica quando há a comparação entre o teor da Súmula 568 do STJ e os arts. 927 e 932, IV, ambos do Novo Código de Processo Civil.

Saliente-se que a Súmula 568 foi publicada no apagar das luzes do antigo Código de Processo Civil, já em 16.03.2016, dois dias antes da entrada em vigor do novo regramento.

Porém, data venia e apenas a título doutrinário, não poderia a nova súmula ter vigor no novo regramento processual, ante o claro confronto entre as disposições de ambos.

Há de primeiro, indicar que o novo regramento processual traz em seu bojo a necessária observância pelos magistrados, de qualquer instância, dos precedentes judiciais, estes, porém, solidificados e firmados com certeza, clareza e ampla discussão com a sociedade.

Buscou o legislador, no novo código de ritos, valorizar a jurisprudência dos tribunais, servindo estas de paradigma aos juízes de instâncias inferiores, almejando uma uniformidade no tratamento de demandas idênticas, para não ocorrer, como era antigamente, a proliferação atordoada de decisões conflitantes de situações jurídicas idênticas! Os tribunais decidiam de forma diversa com base no mesmo dispositivo normativo. A insegurança era (é?) tremenda, ao ponto de criar o adágio popular: “cada cabeça, uma sentença.”(6)

Para isto criou/melhorou expedientes para a formulação de teses para serem utilizadas nos processos análogos, tais como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, a Assunção de Competência, manteve os recursos repetitivos, súmulas vinculantes, dentre outros.

Pois bem. No nosso caso, diz a Súmula 568: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

A súmula foi baseada, conforme os precedentes de formação (7), totalmente no CPC de 73 (mesmo tendo sido publicada apenas dois dias antes da vigência do novo), onde claramente se via entre os poderes do relator do recurso nos tribunais, negar “(…) seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.” (art. 557, caput).

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Porém, esta técnica de julgamento por jurisprudência dominante, no sentido dado pelo antigo CPC, ao que parece, no novo CPC encontra-se superada.

Da leitura dos artigos 927 e, mais especificadamente do art. 932, IV do novo CPC, que tratam dos recursos e da necessária observância pelos magistrados, de qualquer instância, dos precedentes judiciais, em nenhum momento se fala em “entendimento dominante” como era entendido no caduco CPC.

Dizia-se que “jurisprudência dominante [era] aquela amplamente majoritária nos tribunais” e que “o fato de haver alguns acórdãos em sentido contrário não descaracteriza a predominância da tese em que se apoia a decisão monocrática”(8), porém, isto trazia grave insegurança ao jurisdicionado, notadamente pela existência de inúmeros casos de clara divergência entre entendimentos, sendo chamado de “dominante” por qualquer uma das partes do processo, bastava ser do seu agrado a jurisprudência.

Em quantas oportunidades não foram formadas correntes “dominantes” baseadas tão somente em decisões monocráticas? Como saber se era aquela a uniformidade do pensamento do tribunal se a colegialidade ainda não havia se reunido para esta decisão?

Dessa forma, se a intenção do novo diploma é a de que os juízes apliquem a jurisprudência dos tribunais, como estabelece o CPC, imprescindível que a conheçam. Para tanto, necessário que seja, no mínimo, estável.

Diz o novo CPC em seu artigo 927, que os juízes observarão: (I) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (II) os enunciados de súmula vinculante; (III) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (IV) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e (V) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Ainda, no mesmo sentido, o art. 932, IV, informa que incumbirá ao relator negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Ou seja, é claro o novo CPC ao indicar que não haverão mais juízos formados por uma matemática de julgados (mais ou menos) no mesmo sentido, mas sim, que os precedentes se basearão sempre em institutos que prezam pela uniformização do entendimento formulados por órgãos, colegiados, próprios para isto(9), refletindo a concepção de determinado tribunal, se não na sua inteireza, em sua maioria absoluta.

Se houver divergências, estas ficarão no seio, no cerne, do julgado e não em decisões judiciais, com força normativa, conflitantes. Serão apenas núcleos de “desarmonia” num todo maior, porém, que não deverão ter força normativa, sendo este exclusivo efeito do determinado pela maioria na fixação da tese vencedora.

Uma vez que os juízes de instâncias inferiores tenham o posicionamento dos tribunais para seguirem, o trabalho intelectual do julgador é especialmente voltado a avaliar a existência de identidade entre o caso em julgamento e o pretérito. Ou apontar diferenças entre eles, justificando a inobservância do precedente. Terá segurança no decidido, bem como os jurisdicionados saberão que não há, em tese, possibilidade de modificação da decisão por ocasião de um outro veio decisório “predominante”. Haverá, portanto, estabilidade na lide.

Tamanha importância o CPC dá aos precedentes que, caso não se observe em um julgamento o enunciado de súmula vinculante ou de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência, o desrespeito é fundamento para a apresentação de reclamação pela parte interessada, como prevê o CPC, art. 988.

Portanto, deve-se valorizar a uniformização com decisão una e colegiada, buscando a ampla discussão dos envolvidos e dos jurisdicionados (10). Este é o sentido do novo Código ao tratar da necessária força normativa dos precedentes e de colocar a cooperação como corolário deste novo sistema (art. 6º do CPC).

Um adendo porém é importante fazer.

Como bem observaram os professores Dierle Nunes e Délio Mota de Oliveira Júnior em artigo publicado na internet (11):

“(…) o Código de Processo Civil de 2015 perdeu a oportunidade de retirar do texto normativo a expressão “jurisprudência dominante”, que é extremamente vaga, abstrata e imprecisa.

A expressão 'jurisprudência dominante' aparece três vezes no CPC de 2015: (I) ao estabelecer que os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante (artigo 926, §1º); (II) ao dispor sobre a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, quando houver alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos (artigo 927, §3º); e (III) ao prever que haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (artigo 1.035, §3º, inciso I).

Contudo, o que se deve entender por “jurisprudência dominante”?

Hoje os entendimentos são plúrimos, mas sob a égide do Novo CPC a expressão deve ser interpretada em conformidade com o sistema de precedentes nele previsto e na própria Constituição, de modo que a “jurisprudência dominante” consiste naquelas decisões proferidas nos casos dispostos nos incisos I a V do artigo 927 e, em algumas hipóteses, respeitado o requisito das “reiteradas decisões sobre a matéria” (art. 103 A, CRFB/88).”

Ou seja, de toda forma, não mais existe aquela jurisprudência majoritária como era utilizada sob a égide do CPC/73, mas agora vislumbrada sob nova roupagem, sob o enfoque da jurisprudência uniforme, buscando sempre o interesse social e garantir a segurança jurídica.

Assim, data venia, acreditamos que a novel Súmula n. 568 nasceu natimorta, posto que, firmada no dia 16.03.16 às raias do novo CPC (em vigor desde 18.03.16) não tendo tempo para ter qualquer validade no novo regramento processual.

(1) http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Pleno-do-STJ-define-que-o-novo-CPC-entra-em-vigor-no-dia-18-de-mar%C3%A7o

(2) “Súmula 453: Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria.” e o disposto no Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (…) § 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.

(3) Art. 218, §4º: “Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”. E art. 1.024, §5º: “Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

(4) Neste site, encontramos quadro comparativo das súmulas superadas pelo novo Código de Processo Civil: http://www.blogsoestado.com/heraldomoreira/2016/02/03/veja-as-sumulas-do-stj-e-stf-superadas-pelo-novo-cpc/

(5) Basta observar que os entendimentos sumulados, anteriores ou posteriores ao novo Código de Processo Civil, são marcos determinantes para a improcedência liminar da inicial (art. 332), critério para não haver a remessa necessária de condenações das fazendas públicas (art. 496, §4º), é impositiva a observância destas pelos julgadores (art. 927), bem ainda, é critério essencial para a segurança jurídica, já que serve de base para a uniformização da jurisprudência do tribunal (art. 926, §1º), dentre outras funções.

(6) Há um interessante julgado no STJ que define bem essa situação: “Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam – sinto-me triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele voo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram que estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim. Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme boia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da boia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina quando todos os passageiros da boia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados” (STJ, AgRg no Recurso Especial, nº 382.736-SC, voto-vista do Min. Humberto Gomes de Barros).

(7) http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=%28sumula%20adj1%20%27568%27%29.sub.#TIT1TEMA0

(8) TRF-2 - AG: 200902010094300, Relator: Desembargador Federal REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 24/11/2010, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 01/12/2010

(9) Por exemplo, para que haja a formação de um precedente em Assunção de competência, que seja “(...) julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.” (art. 944, §1º do CPC); ou então, para um precedente em resolução de demandas repetitivas (IRDR) ter força, deverá ser julgado pelo “(...) órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.” (art. 978, do CPC).

(10) Os §§ 2º ao 5º do art. 927, preocupam-se em prever e regular a forma de superação do precedente, com a necessária realização de audiências públicas e da participação de outras pessoas na decisão a ser firmada. É o que se costuma denominar de overruling.

(11) http://emporiododireito.com.br/jurisprudencia-dominante-no-novo-codigo-de-processo-civil-por-dierle-nunes-e-delio-mota-de-oliveira-junior-2/#_ftn10

Sobre os autores
Rafael Machado de Souza

Assessor de Juiz de Direito da Comarca de Jussara-Go. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Professor da Faculdade de Jussara.

Juliana Maussara Kenes Marques

Assessora de Juiz de Direito da Comarca de Montes Claros de Goiás. Pós-graduada pela ESMEG (Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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