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Responsabilidade civil nas questões de saúde

Agenda 20/05/2016 às 14:51

O presente artigo se deleita a analisar a responsabilidade civil nas questões afetas à saúde e seus usuários, levando em conta a Lei Civil e o Código de Defesa do Consumidor, bem como a jurisprudência sobre o tema.

Sumário: 1 Introdução; 2 Considerações iniciais sobre a responsabilidade civil; 3 Responsabilidade civil dos planos de saúde; 4 Responsabilidade civil dos profissionais liberais; 5 Responsabilidade civil da atuação de hospitais; 6 Responsabilidade civil do Estado; 7 Conclusão e  8 Referências Bibliográficas.

RESUMO:

O presente artigo se deleita a analisar a responsabilidade civil nas questões afetas à saúde e seus usuários, levando em conta a Lei Civil e o Código de Defesa do Consumidor, bem como a jurisprudência sobre o tema. 

 Palavras-chave: RESPONSABILIDAE CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CÓDIGO CIVIL. JURISPRUDÊNCIA.

ABSTRACT:

This article is delighted to examine the liability in questions related to health and its users, taking into account the Civil Law and the Consumer Protection Code and the jurisprudence on the subject .

Keywords: CIVIL RESPONSABILITY. CONSUMER PROTECTION CODE. CIVIL CODE. JURISPRUDENCE.


1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal alçou a saúde ao patamar de direito fundamental, estando inserido entre os direitos sociais previstos no caput do artigo 6º, Capítulo II, Título II. Ademais, recebeu disciplina também no título que trata da Ordem Social, entre os artigos 196 a 200.

A saúde é prevista como sendo direito de todos e dever do Estado, sendo ainda possível à iniciativa privada explorar a assistência a esse direito, o que na prática ocorre de diferentes formas: contratos com planos de saúde, contratação de serviços de empresas hospitalares ou de profissionais liberais, entre outras.

Na condição de consumidor, a pessoa contratante dos serviços, na maioria das vezes pessoa física, possui vulnerabilidade em relação ao contratado, seja jurídica, científica ou econômica. Não é raro a ocorrência de danos a esses consumidores por alguma conduta, comissiva ou omissiva, praticada por planos de saúde, hospitais, médicos e até mesmo pelo Estado. Surge, então, a problemática da responsabilidade civil dessas pessoas, em suas diversas nuances. Sabe-se que o Judiciário brasileiro é abarrotado de casos em que se busca algum tipo de reparação pela lesão sofrida, seja de cunho moral ou material. É preciso que se ofereça respostas a essas situações fático-jurídicas.

O presente trabalho tem o escopo de apresentar os contornos da responsabilidade civil nas questões de saúde, principalmente por ser temática recorrente no cotidiano dos cidadãos brasileiros e em sua aplicação prática. É assunto que se revela interessante e importante principalmente porque envolve, além do direito fundamental à saúde, também o próprio direito à vida. De fato, sem saúde não há vida.

Pretendendo-se alcançar o desiderato proposto, far-se-á uso do método dedutivo, através do qual é possível chegar a conclusões lógicas e verdadeiras decorrentes de princípios que compartilham essas mesmas características, procedimento técnico que inclui pesquisa bibliográfica, além da pesquisa descritiva.

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A Responsabilidade Civil se faz presente cotidianamente na vida das pessoas. Até para aqueles que não se envolvem na técnica jurídica do assunto, a responsabilidade é tida como um tema relevante nas relações interpessoais. A responsabilidade se revela, sobremodo, em situações com repercussões patrimoniais e também naqueles cujos prejuízos estão acima da área econômica, ou seja, quando afeta a saúde das pessoas cujo preço é incontabilizável. Comum é a pergunta: quem responde por isso? De quem é a responsabilidade por esse prejuízo? Enfim, não é preciso ser um jurista para entender que aquele que causa dano a outro deve ser responsabilizado por seu ato ilícito.

O termo responsabilidade tem sua etimologia no verbo latino respondere, significando a obrigação de que alguém terá que assumir com as consequências jurídicas de sua atividade, as quais, inexoravelmente, deverão ser reparadas.

Nessa senda, faz-se providencial, sem delongas, trazer à baila um conceito esclarecedor de Responsabilidade Civil. Dentre tantos autores da contemporaneidade que se lançam a estudar o tema da responsabilidade, entre eles, Cristiano Chaves de Faria, Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce, todos com seu respectivo mérito, escolhe-se o conceito do professor Pablo Stolze Gagliano. Para ele, “a Responsabilidade Civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas” (Novo Curso de Direito Civil – V.3, Pablo Stolzen Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho).

Estabelecida essa premissa maior, o objetivo deste trabalho, como já foi mencionado, é adentrar no tema proposto: a responsabilidade civil nas questões afetas à saúde. Vamos, então, ao assunto.

Responsabilidade pelo fato do serviço no CDC

De início, é preciso dizer que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXII, determinou que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) surgiu diante dessa necessidade, desse comando constitucional.

Trata-se de um dos mais importantes diplomas legais do sistema jurídico brasileiro dos últimos tempos, uma vez que nele há um propósito manifesto a ser perseguido: a igualdade material, uma vez que, na relação de consumo, há uma parte que precisa de um agasalho mais denso – o consumidor – elo hipossuficiente dessa relação privada.

Antes de entrar no âmago do tema, é preciso relembrar também algumas características do CDC e seus elementos subjetivos e objetivos. Esses tópicos são imprescindíveis para a compreensão do tema proposto. Depois iremos, enfim, enfrentá-lo com toda a energia que este trabalho exige.

O CDC é uma norma de ordem pública, inderrogável pela vontade das partes, significando uma norma de aplicação obrigatória, cogente, portanto. O Código surge como um direito fundamental (artigo 5º, XXXII, CF/88) com as características inerentes aos direitos fundamentais e, entre elas, a mais importante é aplicabilidade imediata. Outra característica é o fato de ser uma norma multidisciplinar. Nela se percebe nuances de Direito Administrativo, Penal, Processual. Por fim, o CDC é um microssistema jurídico, porque veio a tutelar os desiguais, já que os iguais são protegidos pelo Código Civil de 2002, podendo somar-se ao CDC qualquer lei que vise garantir algum direito ao consumidor.

A latere, a Lei nº 8.078/90 em seu artigo 2º traz um dos elementos subjetivos da relação de consumo: o consumidor. Este é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, sendo este destinatário usuário do produto ou serviço para fins pessoais.

Por sua vez, o artigo 3º da lei consumerista dispõe que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Ressalte-se que para ser fornecedor é necessário o requisito da habitualidade na atividade fim, tanto de produtos como de serviços.

Nessa esteira, os elementos objetivos são igualmente importantes para a compreensão do tema. O primeiro, sem muita relevância para o nosso tema, é o produto. O § 1º do artigo 2º diz que o produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

O conceito de suma relevância para o nosso tema está no artigo 2º, §2º, o qual conceitua Serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Neste conceito, inserem-se os contratos de plano de saúde que são aplicados ao CDC, nos termos da Súmula 469 do STJ.

Feitas essas considerações introdutórias, passemos à Responsabilidade pelo fato do serviço.

Para o Código de Defesa do Consumidor, a regra da responsabilidade civil do fornecedor por um defeito ou vício de um serviço é a responsabilidade objetiva. Nesta não se discutirá o dolo ou a culpa do fornecedor, sendo aquela presumida por este. Basta que o consumidor prove que o serviço foi defeituoso ou que ele foi viciado.

A Teoria que fundamenta essa responsabilidade é a do risco. Nela todo aquele que desempenha uma atividade no mercado de consumo, vende um produto ou serviço nesse mercado, causando dano a um terceiro, cria-se o dever de reparar esse dano independente do dolo ou culpa. Essa é a Teoria, em regra, aplicada às relações de consumo.

Outro aspecto relevante para o CDC é a diferença entre Defeito e Vício. Este é a inadequação do serviço para os fins a que se destina. Aquele está relacionado com a insegurança do serviço que pode causar ao consumidor, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e consequente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor- destinatário final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade que expande para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e indiretos (parágrafo único do art. 7º do CDC).

A Lei nº 8.078/90 prevê dois tipos de responsabilidade do fornecedor: pelo fato do serviço (artigo 14) e pelo vício do serviço (artigo 18). Interessa-nos a primeira. Ela (pelo fato do serviço) se refere a um acidente de consumo de um produto ou serviço defeituoso. Há, pois, uma preocupação do legislador no que diz respeito à integridade física do consumidor.

Na responsabilidade pelo fato do serviço há circunstâncias relevantes para se considerar um serviço defeituoso (artigo 14, § 1º, CDC), a saber:

         I - o modo de seu fornecimento;

        II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

        III - a época em que foi fornecido.

De outro lado, são causas excludentes de responsabilidade pelo fornecedor ou de terceiro (artigo 14, § 3º, CDC):

         I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

         II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Por fim, o § 4º do artigo 14 rege a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, segundo a qual aquela será apurada mediante a verificação de culpa do profissional. Vale dizer que o profissional liberal é o não empregado que trabalha por conta própria em atividade de nível superior ou não, exercendo atividade de científica ou artística. É o médico, engenheiro, advogado, mecânico etc. Frise-se que o citado artigo apenas se aplica ao caso de defeito no serviço, falhas na segurança deste, muito comum no caso dos médicos.

             

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PLANOS DE SAÚDE

Inicialmente, ao tratar do sistema normativo, a Lei Eloy Chaves (Decreto-Legislativo 46782/23) foi a primeira a tutelar a transferência da responsabilidade do Estado para o setor privado no que tange a assistência de saúde. Atualmente, cabe Lei nº 9.656/98 que disciplina os planos e seguros de saúde. De acordo com o inciso II do artigo 1º da referida lei,  operadora de Plano de Assistência à Saúde é toda pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata  prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.

Além da legislação especificar quanto a natureza jurídica, diz que a relação estabelecida entre as partes é uma relação de consumo regida pelo próprio código do consumidor por meio de contrato de adesão. E, portanto, há atividade de prestadora de serviços como disposto §2º do artigo supra: “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Há, contudo, diversas formas de contratação destes, nas formas de contrato familiar, individual e coletivo. Familiar é o firmado entre os indivíduos diante a operadora com o intuito de assegurar os familiares e entes queridos. O individual é aquele que adere ao plano em benefício próprio sem incluir terceiros. Já o coletivo refere-se ao plano uma empresa empregadora contrata em nome dos seus funcionários, podendo ser empresarial ou por adesão a diferenciação reside na autonomia da vontade entre ser ou não beneficiário. Ainda, de acordo com a Lei nº 9.656/98 há 5 (cinco) tipos de planos, o referencial que é o mais completo previsto na Lei, deixando de incluir apenas a cobertura odontológica; e os demais planos ou subplanos, que são: ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia e odontológico.         

No Código de Defesa do Consumidor há previsão de duas hipóteses de responsabilidade objetiva para os fornecedores, incluindo as operadoras de saúde, quais seja, fato do produto ou do serviço, ou por vício do produto e do serviço. A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço se dá pela péssima qualidade do produto ou serviço, e que não deve ser imputado ao fornecedor. Já a segunda, a responsabilidade pelo vício do produto e serviço, se dá pelos vícios de qualidade, quantidade ou informação do produto ou do serviço próprios do produto. Entende-se que tem a operadora responsabilidade objetiva em prestar o serviço de assistência à saúde sem necessitar saber se o beneficiário deu causa ou não à ocorrência do serviço, é dever implícito no contrato.

A responsabilidade em face da negatória de assistência consiste na não prestação de serviços sob o argumento de doenças ou lesões pré-existentes à época contratada. A lei dos Planos de Saúde deverá pagar quantia extra para obter a devida cobertura à moléstia pré-existente. Ocorre que na grande maioria dos casos, as operadoras não solicitam exames médicos prévios que detectem tais moléstias, sendo negligentes. Portanto, não deve a operadora negar assistência médica em face de doença já pré-existente, cuja carência ainda não foi cumprida, já que foi negligente no ato inicial e não exigiu a verificação de tais enfermidades. Se houver a negativa deve o consumidor requerer junto ao judiciário que seja cumprida a obrigação completa de prestação de serviços cabendo a operadora o ônus da prova.  No que tange aos atendimentos de urgência e emergência a própria Lei nº 9656/98 – Lei dos Planos de Saúde, em seu artigo 35-C estabelece:

Art.35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I – emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente;

II – de urgência, assim entendidos resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.

[...]

Quanto à responsabilidade dos profissionais associados, o médico presta serviço em função do contrato firmado com a operadora do plano, e o consumidor, ora lesado, tem um contrato de prestação de serviço com a operadora, portanto, tem ele o direito de haver indenizado seu dano em face da operadora, independentemente de culpa, responsabilidade objetiva pelos seus colaboradores.[1]Também assevera o art. 932, inciso III, do Código Civil que:

São também responsáveis pela indenização civil: o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”, portanto, conclui-se que responde solidariamente a operadora com o médico-associado/colaborador pelos erros advindos do seu ofício durante o exercício da sua função na instituição.

Entende-se que o caso a operadora também responde pela má escolha do preposto, no caso o médico.

Quanto à responsabilidade pela má prestação do serviço, deve o beneficiário requerer indenização em face as operadoras prestadoras do serviço de plano e seguro de saúde. Essa responde solidariamente junto ao hospital, ambulatório ou hospital que preste serviços de péssima qualidade. Já a responsabilidade civil no que tange a assistência realizada pelo SUS, o beneficiário deve ser ressarcido dos custos do tratamento conforme previsto no artigo 32 da Lei dos Planos de Saúde:

Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS.

[...]

§ 3o A operadora efetuará o ressarcimento até o décimo quinto dia após a apresentação da cobrança pela ANS, creditando os valores correspondentes à entidade prestadora ou ao respectivo fundo de saúde, conforme o caso.

[...]

Abaixo, eis algumas ementas de julgados em que se explora a relação de segurados e planos de saúde no bojo de ações de indenização no que atine à responsabilidade civil, em geral pela negativa de cobertura:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - NEGATIVA DE COBERTURA POR PLANO DE SAÚDE - TRATAMENTO MÉDICO DE URGÊNCIA. A negativa indevida de cobertura de tratamento saúde de urgência enseja danos morais passíveis de indenização, uma vez que envolve direito fundamental e acarreta inegável abalo extraordinário ao indivíduo em momento de grande fragilidade, atingindo a dignidade da pessoa humana. (TJ-MG - Apelação Cível AC 10153140016400002 . Rel. Marco Antônio de Melo MGDJ 22/01/2016)

Ementa: AÇÃO DE COBRANÇA INTERNAÇÃO HOSPITALAR. SERVIÇOS MÉDICOS-HOSPITALARES PRESTADOS. NEGATIVA DE COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE. DSPESAS POR CONTA DO PACIENTE, QUE TEM DIREITO DE REGRESSO CONTRA O PLANO DE SAÚDE. A negativa de cobertura pelo plano de saúde resulta na obrigação do paciente arcar com o pagamento das despesas médico-hospitalares oriundas da internação hospitalar, mormente quando os serviços foram prestados. O paciente poderá propor ação de regresso contra o plano de saúde, tendo em vista que não denunciou a lide nos presentes autos, restando-lhe ação independente e autônoma para obter o reembolso pelo pagamento de suas despesas. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70055181952, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alex Gonzalez Custodio, Julgado em 26/08/2015).

Ementa: SFH. SEGURO. DOENÇA PREEXISTENTE. PAR. DOENÇA PREEXISTENTE. DOLO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. Para a exclusão do dever de indenizar deve a seguradora provar que o segurado dolosamente ocultou a doença preexistente ou ter exigido, na ocasião da contratação, a apresentação de exames prévios de saúde pelo segurado (TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL AC 50483570620124047000 PR 5048357-06.2012.404.7000. Data de publicação: 10/12/2015)

Ementa: PLANO DE SAÚDE - LIMITE TEMPORAL DA INTERNAÇÃO - CLÁUSULA ABUSIVA - É abusiva a cláusula que limita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga a sua presença em unidade de tratamento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberto pelo plano de saúde. O consumidor não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade. 3. Recurso especial conhecido e provido." (STJ - Resp 158728 - RJ - 3ª t. - Rel. Carlos Alberto Menezes Direito - publ. DJU 17.05.99 - pág. 197)

Ementa: DOENÇA PREEXISTENTE – AUSÊNCIA DE PRÉVIO EXAME – EFETIVAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO – A empresa que explora plano de saúde e recebe contribuições de associado sem submetê-lo a prévio exame, não pode escusar-se ao pagamento da sua contraprestação, alegando omissão nas informações do segurado.” (TJMS – AC 2004.004647-2/0000-00. Campo Grande – 3ª T. Cív. Rel Des. Claudionor Miguel Abss Duarte – J. 24.05.2004

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  1. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

4.1 Responsabilidade civil do profissional liberal na prestação dos serviços médicos

Em que pese o foco principal do trabalho esteja direcionado para análise prática da responsabilidade civil na área da saúde, é necessário saber qual tipo de responsabilidade que se aplica nos serviços médicos e as espécies de obrigação presentes nas prestações dos serviços médicos.

4.2 Classificação da responsabilidade e da obrigação nos serviços médicos

Durante muito tempo houve uma discussão doutrinária em torno de qual seria a natureza jurídica da relação médico/paciente. Isso ocorreu pelo fato do legislador inseriu o erro médico como ato que enseja indenização tendo em vista a sua ilicitude, e não levando em consideração a simples inobservância ou descumprimento de obrigação previamente assumida.

Em que pese essa antiga controvérsia jurídica, atualmente, não há dúvidas de que é de natureza contratual a responsabilidade médica. É caracterizado como personalíssimo, bilateral, oneroso ou gratuito, comutativo, aleatório e de caráter civil. Neste sentido, é a contribuição significativa de Fabrício Zamprogna Matielo (MATIELO, 1998, p. 46):

Essa espécie de contratação não encontra espaço particular na legislação nacional ou como previsão consagrada pela autonomia, sendo, então, figura atípica, inominada, mas nem por isso com menor tutela jurídica. Para vigorar não necessita de forma especial, nem de definição exata quanto ao objeto em suas minúcias, tampouco preço e condições de pagamento. A forma, como visto, é absolutamente livre, sendo suficiente que se prove a existência do liame das partes entre si, o que gerará os direitos e as obrigações pertinentes. Por objeto do contrato não se deve entender uma cirurgia, ou a ministração deste ou daquele medicamento, mas a atividade médica globalmente considerada, isto é, a aplicação zelosa de todos os meios que se fizerem necessários e estiverem razoavelmente disponíveis.

Considerando que a responsabilidade médica é contratual, tem-se a ideia de que os médicos possuem o dever de tratar os seus clientes com zelo, dedicação, utilizando-se de todos os recursos adequados para tratamento dos doentes. Desta forma, são civilmente responsáveis quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência e a imperícia.

Nos diplomas legais, encontra-se o fundamento para responsabilizar o profissional por meio da culpa. Primeiramente, cita-se o artigo 951 do Código Civil que dispõe que as situações previstas nos artigos anteriores deverão ser aplicadas no caso de indenização devida por aquele profissional que, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte de paciente, agravar-lhe o mal ou inabilitá-lo para o trabalho. No mesmo sentido é o diploma consumerista, que no seu art. 14, § 4º esclarece que a verificação da culpa é fundamental para a responsabilidade dos profissionais liberais.

Corrobora para o entendimento acima, o seguinte julgado da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que julgou improcedente a apelação interposta pelo autor. Trata-se de um caso em o Recorrente sofreu um acidente de bicicleta e por isso teve que realizar procedimentos cirúrgicos para reduzir a fratura sofrida e fazer os alongamentos dos flexores. Em que pese a realização da cirurgia, o Recorrente teve a limitação no movimento de três dedos na mão direita. Inconformado com tal situação, ajuizou uma ação de indenização por erro médico alegando que a redução nos seus dedos foi devido ao procedimento cirúrgico realizado. Analisando o feito, aquele Tribunal conclui que não houve nenhuma comprovação de conduta contrária por parte do médico de tratar o paciente que possa responsabilizá-lo, já que não foi demonstrada nenhuma contrária do médico à obrigação de tratar o paciente com zelo e diligência, e que a limitação nos seus dedos é decorrente da Síndrome de Sudeck, que é portador o Recorrente. Assim, ausentes os requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade de indenizar o recurso foi conhecido e improvido. Segue a ementa do julgado:

APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO ­ AUTOR QUE, APÓS QUEDA DE BICICLETA, FRATURA O OSSO RÁDIO ­ DOIS PROCEDIMENTOS CIRURGICOS REALIZADOS PARA REDUÇÃO DA FRATURA E ALONGAMENTO DOS FLEXORES ­ DÉFICIT DOS MOVIMENTOS PALMARES E DE TRÊS DEDOS DA MÃO DIREITA ­ CULPA DOS RÉUS NÃO EVIDENCIADA ­ CONJUNTO PROBATÓRIO CONTRÁRIO ÀS ALEGAÇÕES INICIAIS ­ SÍNDROME DE SUDECK ­ SEQUELA VINCULADA AO TRAUMA EM SÍ, E NÃO AO ATENDIMENTO RECEBIDO. RECURSO DESPROVIDO. Ausentes os elementos necessários para caracterização da responsabilidade de indenizar, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, quais sejam, o erro de conduta do réu, o dano efetivamente sofrido pelo autor e o nexo de causalidade entre uma e outra, não há que se falar em obrigação de indenizar. "Não sendo demonstrada conduta contrária do médico à obrigação de tratar o paciente com zelo e diligência, utilizando os recursos da ciência da arte médica, não há como se reconhecer responsabilidade decorrente". (TAMG, AC 0269682-0, 7ª C. Cível, Relator Juiz Geraldo Augusto) (TJ-PR 8833247 PR 883324-7 (Acórdão), Relator: Domingos José Perfetto, Data de Julgamento: 02/08/2012, 9ª Câmara Cível).

Por outro lado, a 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a condenação em danos morais do médico que cometeu erro médico. Neste caso, a prova pericial comprovou que aquele profissional esqueceu a lâmina de bisturi no interior do corpo da Autora, durante a realização do procedimento cirúrgico conduzido pelo médico. Desta forma, o Tribunal de Justiça entendeu que a condenação em danos morais do Recorrido é devida, tendo em vista que houve a comprovação da culpa e o nexo de causalidade entre o erro médico e danos morais alegados na exordial. Segue a ementa do referido julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA. ERRO MÉDICO. BISTURI ESQUECIDO NO CORPO DO PACIENTE. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E PROPORCIONAL. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. 1. Emergido do acervo probatório constante dos autos, inclusive da prova pericial produzida, que houve esquecimento de lâmina de bisturi no interior do corpo da parte autora, por ocasião da realização de procedimento cirúrgico conduzido pelo réu/apelante, tem-se por configurado o nexo de causalidade entre o erro médico apontado e os danos morais alegados na inicial. 2. Para a fixação do quantum devido a título de indenização por danos morais, deve o magistrado levar em consideração a extensão do dano experimentado, a repercussão dos fatos e a natureza do direito subjetivo fundamental violado, não se justificando a redução do valor arbitrado, quando devidamente observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. Nos termos do artigo 21, caput, do Código de Processo Civil, “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas”. 4. Recurso de Apelação conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF - APC: 20110110730617, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 27/01/2016, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 15/02/2016 . Pág.: 267).

Considerando o objeto e conteúdo das obrigações, classificou-se em duas categorias: obrigação de meios e obrigação de resultado. Na primeira, o contratado se obriga utilizar os meios adequados para alcançar um resultado, ou seja, o comportamento do profissional deve ser adequado e compatível com que foi contratado. Na segunda categoria, os serviços médicos são realizados com um propósito de obter um resultado preciso, principalmente esperado pelo sujeito ativo da relação contratual (cliente). A consequência prática dessa classificação refere-se ao ônus probante. Se for uma obrigação de meio, o ônus pertence ao paciente, já que se presume que o médico aplicou devidamente todos os meios necessários para os tratamentos médicos. Por outro lado, caso seja a obrigação seja de resultado, vai ocorrer a inversão do ônus da prova, cabendo o mesmo médico, tendo em vista que o seu dever é garantir o resultado desejado pela outra parte contratante.

  1. Responsabilidade dos cirurgiões plásticos

A doutrina e a jurisprudência são uníssonas em afirmar que a regra geral é que o médico na prestação do seu serviço assume uma obrigação de meio e não de resultado, em outras palavras, o médico não é obrigado a curar, mas deve atuar de acordo com as regras e métodos específicos de sua profissão. Desta forma, deve realizar todos os esforços para alcançar a cura, mesmo que não a consiga.

Quanto aos cirurgiões plásticos, a situação é outra. A obrigação que o médico assume é de resultado, isso porque a maioria dos casos de cirurgia estética o objetivo é um corrigir um defeito, um problema estético. Neste diapasão, se o cliente ficar com um aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constitui a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito à indenização, que deve abranger as despesas efetuadas, as decorrentes de nova cirurgia e os danos morais sofridos em razão do prejuízo estético, bem como as verbas para tratamentos e novas cirurgias. Em suma, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado.

Exemplificando tal situação, tem-se o caso apreciado, em 21/01/2015, pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesta lide, a parte autora fez a cirurgia plástica de rinoplastia, que tem a função de remodelar e diminuir o tamanho do nariz. Realizado o procedimento estético, a Autora ficou inconformada com o resultado da cirurgia e, por isso, ajuizou uma ação pleiteando a realização de uma nova cirurgia corretiva, bem como a condenação em danos morais diante da frustação causada pelo insucesso da cirurgia. Mantendo a sentença prolatada, o Tribunal paulista considerou um insucesso a cirurgia de rinosplatia, e manteve a condenação dos danos morais, acrescentando que a compensação é devida tanto pela frustação da cirurgia estética, bem como pelo desassossego anormal vivenciado pela autora durante a realização da segunda cirurgia. Neste sentido, é a ementa do julgado:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. RINOPLASTIA. RESULTADO EMBELEZADOR NÃO ALCANÇADO. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DEVER DE INDENIZAR, POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, RECONHECIDO. I- Rinoplastia. Obrigação de resultado não alcançado, conforme conclusão pericial. Necessidade, na espécie, de adequação estética, com a realização de nova cirurgia. Responsabilidade do requerido bem reconhecida. Dano moral. Configuração. Frustração vivenciada pelo insucesso da cirurgia. Quebra da rotina da paciente, ademais, para a resolução do problema surgido, com necessidade de uma cirurgia corretiva. Desassossego anormal vivenciado pela autora. II- Dano estético. Adequação introduzida pela segunda cirurgia que não se compraz com a pretensão de reparação a esse título. Troca de próteses mamárias. Adequação, pelo laudo pericial (fls. 463), do procedimento médico. Obrigação de indenizar afastada. III- Valor da indenização por dano moral (R$-15.000,00). Adequação. Observância das diretrizes traçadas pelo art. 944 do Código Civil. Pretensão de majoração rejeitada. SENTENÇA MANTIDA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART. 252 DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJ-SP - APL: 00184895620118260566 SP 0018489-56.2011.8.26.0566, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 21/01/2015, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/01/2015).

No entanto, há casos em que o cirurgião, embora aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou em outros pacientes com absoluto sucesso, não obtém o resultado esperado. Se o insucesso parcial ou total da intervenção ocorrer em razão de peculiar característica do próprio paciente e se essa circunstância não for possível de ser detectada antes da operação, estar-se-á diante de verdadeira escusa absolutória ou causa excludente da responsabilidade.

Conforme o entendimento acima exposto, cita-se o caso apreciado pelo 5º Quinto Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no ano de 2015. Trata-se de ação de indenização apreciada em sede de embargos infringentes motivada pela realização de cirurgia plástica embelezadora de colocação de próteses mamárias. A parte autora argumenta que houve falha na realização do procedimento cirúrgico, ocasionando, assim, um resultado indesejado. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul conheceu e julgou improvidos os embargos infringentes por maioria. A tese sustentada para repudiar a pretensão da Recorrente foi a de a prova técnica realizada e os documentos juntados comprovaram que o médico-cirurgião utilizou devidamente a técnica correta ao efetuar a mamoplastia na autora. Assim, o conjunto probatório comprovou que não existiu imperícia do serviço prestado, não existindo, portanto, o dever de indenizar. Eis o julgado:

EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA. COLOCAÇÃO DE PRÓTESES MAMÁRIAS. RESULTADO INDESEJADO. MAMAS TUBULARES. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO NÃO VERIFICADO. PROVA PERICIAL CONCLUSIVA. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE. A cirurgia plástica de natureza estética não caracteriza obrigação de meio, mas de resultado. Esta afirmação altera a avaliação da responsabilidade médica e a culpa passa a ser presumida, cabendo ao cirurgião comprovar que o resultado considerado inadequado pela paciente não decorreu de conduta negligente, imperita ou imprudente. O direito à informação é um dos direitos básicos do consumidor (art. 6º, III, do CDC), e tem por finalidade dotar o paciente de elementos objetivos de realidade que lhe permitam dar, ou não, o consentimento. Hipótese em que a informação adequada foi transmitida previamente à paciente. Caso dos autos em que a prova técnica realizada e documentos juntados não amparam a pretensão indenizatória. Restou esclarecido que o médico demandado se valeu da técnica correta ao efetuar a mamoplastia na autora. O conjunto probatório colhido no processo não se revela suficiente para configurar o dever de indenizar. Ausente, in casu, elementos a comprovar a imperícia do serviço prestado, não havendo falar, portanto, no dever de indenizar. EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70063425367, Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira... Martins, Julgado em 15/05/2015).(TJ-RS - EI: 70063425367 RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Data de Julgamento: 15/05/2015,  Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/06/2015).

4.4 Responsabilidade dos anestesistas

Considerando a equipe médica, é o médico-chefe, via de regra, quem se presume culpado pelos danos que acontecem, pois é ele quem está no direcionamento e comando dos trabalhos e somente com as suas ordens que são realizadas os atos necessários para uma boa intervenção cirúrgica.

Por outro lado, atualmente, a profissão de anestesista é de extrema importância não só dentro da sala de operações, bem como no período pré e pós-operatório. Sendo assim, não se pode conceber que somente o operador-chefe seja responsável pelos atos que acontecem antes, durante e depois dos procedimentos cirúrgicos.

Não há dúvidas de que existe a responsabilidade autônoma do anestesista no pré e pós-operatório. A divergência ainda persiste no caso de se definir a responsabilidade do anestesista na sala de operação e sob o comando do cirurgião, podendo nesse caso a reponsabilidade ser dividida entre os dois: cirurgião e anestesista.

Na responsabilidade pelos atos dos auxiliares e enfermeiros é preciso fazer a diferenciação entre os danos cometidos por aqueles que estão diretamente sob as ordens do cirurgião, ou os escolhidos especialmente para servi-lo, daqueles cometidos por funcionários do hospital. No primeiro caso, o cirurgião responderá. Mas no segundo, a culpa deverá ser imputada ao hospital, ao menos que a ordem tenha sida mal dada ou que tenha sido executada sob a fiscalização do médico-chefe.

A propósito, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “A escolha do mérito anestesista pelo cirurgião-chefe atribui a este a responsabilidade solidária pela culpa in elegendo, quando comprovado o erro médico pela imperícia daquele, pois, ao médico-chefe é a quem presume a responsabilidade, em princípio, pelos danos ocorridos em cirurgia, eis que no comando dos trabalhos e sob suas ordens é que executam-se os atos necessários ao bom desempenho da intervenção” (STJ, REsp 985.888-SP, 4ª T., rel. Min, Luis Felipe Salomão, j. 16-2-2012)

Neste diapasão, cita-se o caso analisado pelo Tribunal de Justiça em sede de apelação penal. Na lide, discutia-se sobre a responsabilidade do anestesista em fase pós- operatório, bem como do médico diante do falecimento do paciente em decorrência de parada cardiorrespiratória e isquemia cerebral. Aquele Tribunal considerou que houve desídia na conduta do médico que se afastou do hospital após a aplicação de anestesia, sem esperar os possíveis efeitos colaterais no paciente. Verificado o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do médico e a morte do paciente, o médico foi considerado responsável pelo homicídio culposo ocorrido, já que era necessário a presença dele para verificar as condições vitais do paciente no momento pós-operatório.

No que se refere à responsabilidade do anestesista, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais considerou que não ficou comprovado que ele tenha contribuído decisivamente para o resultado fatal, logo foi absolvido por aquele Tribunal. Cita-se a ementa do julgado:

APELAÇÃO - PENAL - HOMICÍDIO CULPOSO - MORTE DO MENOR EM FASE PÓS-ANESTÉSICA - FALTA DE OBSERVÂNCIA PELO ANESTESISTA DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO - NEGLIGÊNCIA CARACTERIZADA - NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA OMISSIVA DO MÉDICO E O RESULTADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - ATENDENTE DE ENFERMAGEM - FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE HAVER CONTRIBUÍDO PARA O EVENTO INFORTUNÍSTICO - ABSOLVIÇÃO. Verifica-se desídia na conduta do médico que se afasta do hospital após aplicação de anestesia, sem esperar a evolução do quadro pós-anestésico, vindo o paciente a falecer em decorrência de parada cardiorrespiratória e isquemia cerebral, do que resulta nexo causal entre a conduta omissiva do médico e o evento infortunístico. Inadmissível que se transfira à responsabilidade do atendente de enfermagem a não constatação de parada cardiorrespiratória de que foi acometido o paciente em fase pós-anestésica, porque a verificação das condições vitais, dependendo da avaliação técnica de fatores diversos, demandava, a presença do especialista. Consequentemente, não se apura motivo suficiente à demonstração de que o atendente de enfermagem tenha contribuído decisivamente para o resultado fatal.(TJ-MG 103130413236160011 MG 1.0313.04.132361-6/001(1), Relator: MARIA CELESTE PORTO, Data de Julgamento: 28/04/2009,Data de Publicação: 18/05/2009)

  1. Responsabilidade civil dos médicos em casos de necessidade da transfusão sanguínea nos pacientes adeptos da religião de Testemunha de Jeová

O Código Civil no seu artigo 15 consagra importante direito do direito da personalidade ao dispor: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano. Vale ressaltar, in casu, a necessidade e a importância do fornecimento de informação detalhada ao paciente sobre o seu estado de saúde e o tratamento a ser observado, para que a autorização possa ser concedida com pleno conhecimento dos riscos existentes.

Na impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve-se obter a autorização escrita para o tratamento médico ou a intervenção cirúrgica de risco, de qualquer parente maior, da linha reta ou na colateral até o 2º grau, ou do cônjuge, por analogia com o disposto no art. 4º da Lei nº 9. 434/97, que cuida da retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoa falecida.

Se não houver tempo hábil para ouvir o paciente ou para tomar essas providências, e se tratar de emergência que exige pronta intervenção médica, como na hipótese de parada cardíaca, por exemplo, terá o profissional a obrigação de realizar o tratamento, independentemente de autorização, eximindo-se de qualquer responsabilidade por não tê-la obtido. Responsabilidade haverá somente se a conduta médica mostrar-se inadequada, fruto de imperícia, constituindo-se na causa do dano sofrido pelo paciente ou de seu agravamento.

Em 2014, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de um agravo de instrumento, analisou um caso em que tinha a necessidade de transfusão de sangue na paciente, já que a agravante iria passar por um procedimento cirúrgico (escoliose idiopática grave). Verificou-se que a paciente e seus familiares se recusaram a assinar o termo que autoriza a realização de transfusão de sangue pelo fato de seguirem a religião de “Testemunha de Jeová” que inibe tal procedimento.

Não se pode punir ou impingir a Santa Casa pelo fato de não poder realizar o procedimento cirúrgico se agravante e sua mãe não autorizam a realização da transfusão de sangue. Eis que a ausência deste procedimento pode colocar em risco a vida da agravante causando deficiência de oxigenação na medula espinhal gerando paralisia definitiva ou óbito da paciente.

Em que pese existir um procedimento terapêutico sem que haja a necessidade da realização da efetiva transfusão sanguínea chamado de “expansores plasmáticos”, Santa Casa (agravado) informou que não possui esta tecnologia.

Neste caso, entendeu o Tribunal, que à agravante, embora o direito de culto que lhe é assegurado pela Lei Maior, não era dado dispor da própria vida, de preferir a morte a receber a transfusão sanguínea.Segue a ementa do julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE COLUNA (ESCOLIOSE IDIOPÁTICA GRAVE) PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA PREVALÊNCIA DA NECESSIDADE E DA URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO EM ATENDIMENTO A PACIENTE DEVER DO ESTADO EM GARANTIR A SAÚDE DA POPULAÇÃO DECISÃO REFORMADA PACIENTE E MÃE SE RECUSAM A ASSINAR TERMO PARA A REALIZAÇÃO DE TRANSFUSÃO SANGUÍNEA AUTORA E SUA MÃE ADEPTAS DA RELIGIÃO DE TESTEMUNHA DE JEOVÁ CIRURGIA QUE ENVOLVE TRANSFUSÃO DE SANGUE RISCO DE SANGRAMENTO, DE FALTA DE OXIGENAÇÃO NA MEDULA ESPINHAL PEDIDO DE NÃO TRANSFUSÃO QUE NÃO FOI OBJETO DA INICIAL REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL POR INSTRUMENTO PÚBLICO NECESSIDADE COM OBSERVAÇÃO RECURSO PROVIDO COM OBSERVAÇÕES.(TJ-SP - AI: 20296767120148260000 SP 2029676-71.2014.8.26.0000, RELATOR: VENICIO SALLES, DATA DE JULGAMENTO: 07/07/2014,  12ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 07/07/2014).

4.6 Responsabilidade civil de cirurgiões-dentistas

A responsabilidade civil do cirurgião-dentista consiste em nada mais que responder pelos atos cometidos no exercício de sua função laborativa.

Os agentes de saúde, quando respondem pela sua profissão, terão quatro áreas para enquadrarem sua responsabilidade: penal, civil, administrativa e ética.

Apesar do aumento de pacientes que procuram reparação por culpa do agente de saúde, pouco se fala na responsabilidade civil do cirurgião-dentista no âmbito jurídico.

A responsabilidade civil pode ser definida como o dever de reparar o dano causado a outrem, pela prática de um ato ilícito ou inobservância do complexo de normas que norteiam a vida cotidiana.

Portanto, todo lesado tem o direito de buscar a reparação do dano que lhe foi causado, o que torna ainda mais delicada a relação profissional-paciente: hoje, a maioria dos procedimentos realizados pelos cirurgiões-dentistas ficam sujeitos à análise de qualidade, podendo esses profissionais responder civilmente pelos seus atos.

Responsabilidade objetiva e subjetiva

A responsabilidade civil se divide em responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva.

A responsabilidade civil subjetiva é caracterizada pela culpa do agente, deste querer causar aquele dano com vontade própria, em sã consciência.

Para ser indenizada, a vítima deverá comprovar a existência destes elementos, o dolo ou a culpa, caso contrário não receberá nenhum tipo de indenização.

Segue ementa da apelação cível sobre um caso de responsabilidade civil subjetiva:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO-DENTISTA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. PROFISSIONAL LIBERAL QUE RESPONDE DE FORMA SUBJETIVA, POR FORÇA DO ART. 14, § 4º, DO CDC, C/C ART. 951, DO CC, PORÉM COM PRESUNÇÃO DE CULPA. PRECEDENTE DO STJ. 1. EM SE TRATANDO DE PROCEDIMENTOS ODONTOLÓGICOS, COMO REGRA GERAL, A OBRIGAÇÃO ASSUMIDA PELO CIRURGIÃO-DENTISTA É DE RESULTADO, COMPROMETENDO-SE O PROFISSIONAL EM ATINGIR O OBJETIVO PROMETIDO AO PACIENTE. NESTE CASO, SE O RESULTADO NÃO FOR OBTIDO, O DEVEDOR SERÁ CONSIDERADO INADIMPLENTE E DEVERÁ RESPONDER PELAS PERDAS E DANOS SOFRIDAS PELO CONSUMIDOR. 2. VALE RESSALTAR QUE, EMBORA A OBRIGAÇÃO SEJA DE RESULTADO, A RESPONSABILIDADE DO DENTISTA PERMANECE SENDO SUBJETIVA, POR FORÇA DA REGRA CONTIDA NO ART. 14, § 4º, DO CDC C/C ART. 951, DO CC. 3. NO ENTANTO, CONFORME DECIDIDO PELO STJ, ESSA RESPONSABILIDADE, MALGRADO SUBJETIVA, SE DARÁ COM INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, CABENDO AO DENTISTA COMPROVAR QUE OS DANOS SUPORTADOS PELO PACIENTE ADVIERAM DE FATORES EXTERNOS E ALHEIOS À SUA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. TRATA-SE, PORTANTO, DE RESPONSABILIDADE SUBJETIVA COM CULPA PRESUMIDA. 4. A RESPONSABILIDADE COM CULPA PRESUMIDA PERMITE QUE O DEVEDOR (NO CASO, O CIRURGIÃO-DENTISTA), PROVE QUE OCORREU UM FATO IMPONDERÁVEL QUE FEZ COM QUE ELE NÃO PUDESSE ATINGIR O RESULTADO PACTUADO. CASO OBTENHA ÊXITO EM PROVAR ESTA CIRCUNSTÂNCIA, O PROFISSIONAL LIBERAL ESTARÁ ISENTO DO DEVER DE INDENIZAR. OPORTUNO SALIENTAR, AINDA, QUE O CASO FORTUITO E A FORÇA MAIOR, APESAR DE NÃO ESTAREM EXPRESSAMENTE PREVISTOS NO § 3º DO ART. 14 DO CDC, PODEM SER INVOCADOS COMO CAUSAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DOS FORNECEDORES DE SERVIÇOS. DESSE MODO, SE O ODONTÓLOGO CONSEGUIR PROVAR QUE NÃO ATINGIU O RESULTADO POR CONTA DE UM CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, ELE NÃO PRECISA INDENIZAR O PACIENTE. 5. E, UMA VEZ ESCLARECIDO QUE RECAI SOBRE O RÉU A PRESUNÇÃO DE CULPA PELOS DANOS ALEGADOS PELA PARTE AUTORA, ELE TEM O ÔNUS DE COMPROVAR OS FATOS IMPEDITIVOS, EXTINTIVOS OU MODIFICATIVOS DO DIREITO AUTORAL, NOS TERMOS DO ART. 333, II, DO CPC, O QUE NÃO LOGROU FAZER. ADEMAIS, CONSIDERANDO QUE PERITO NÃO PÔDE AFERIR SE HOUVE VÍCIO OU NÃO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PRONTUÁRIO, E CONSIDERANDO, AINDA, O DISPOSTO NO ARTIGO 359, I, CPC, DEVE SER ACOLHIDA A ALEGAÇÃO DE QUE NÃO OCORREU O ATENDIMENTO CORRETO AO AUTOR APÓS A EXTRAÇÃO DENTÁRIA. 6. NÃO PODE SER CONSIDERADO COMO UM MERO ABORRECIMENTO A SITUAÇÃO FÁTICA OCORRIDA NO CURSO OU EM RAZÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE CONSUMO, A QUAL O FORNECEDOR NÃO SOLUCIONA A RECLAMAÇÃO, LEVANDO O CONSUMIDOR A CONTRATAR ADVOGADO OU SERVIR-SE DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO PARA DEMANDAR PELA SOLUÇÃO JUDICIAL DE ALGO QUE ADMINISTRATIVAMENTE FACILMENTE SERIA SOLUCIONADO QUANDO PELO CRIVO JUIZ OU TRIBUNAL SE RECONHECE A FALHA DO FORNECEDOR. TAL CONDUTA ESTIMULA O CRESCIMENTO DESNECESSÁRIO DO NÚMERO DE DEMANDAS, ONERANDO A SOCIEDADE E O TRIBUNAL. AO CONTRÁRIO, O MERO ABORRECIMENTO É AQUELE RESULTANTE DE SITUAÇÃO EM QUE O FORNECEDOR SOLUCIONA O PROBLEMA EM TEMPO RAZOÁVEL E SEM MAIORES CONSEQUÊNCIAS PARA O CONSUMIDOR. O DANO MORAL ADVÉM DA POSTURA ABUSIVA E DESRESPEITOSA DAS RÉS, IMPONDO O ARBITRAMENTO DE VALOR INDENIZATÓRIO JUSTO E ADEQUADO AO CASO, ARCANDO A RÉ AINDA COM OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 7. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM R$2.000,00. 8. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00311756620088190021 RJ 0031175-66.2008.8.19.0021, RELATOR: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, DATA DE JULGAMENTO: 14/04/2015, VIGÉSIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, DATA DE PUBLICAÇÃO: 17/04/2015 00:00)

Em determinados casos há que se falar em responsabilidade civil objetiva, quando este causa um dano sem culpa. Isso ocorre quando prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Na maioria dos casos, aplica-se ao cirurgião-dentista a responsabilidade subjetiva e, a um terceiro (plano de saúde, clínica ortodôntica, hospital, etc.) a responsabilidade objetiva. Assim, apresenta-se a apelação cível sobre o assunto:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRATAMENTO DENTÁRIO. COLOCAÇÃO DE COROA DE JAQUETA E TROCA DE PRÓTESE INFERIOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA MÉDICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO DENTISTA. CULPA DEMONSTRADA ATRAVÉS DE PROVA PERICIAL. DANO MATERIAL COMPROVADO. DANO MORAL MANTIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA A PARTIR DO ARBITRAMENTO. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. (TJ-RS - AC: 70038789954 RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Data de Julgamento: 22/06/2011, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/06/2011).

4.7 Erro odontológico

Nos últimos anos, os processos judiciais contra os cirurgiões-dentistas aumentaram até 400%. Para isto, se utiliza as indenizações por danos materiais, estéticos e morais, onde os cirurgiões-dentistas, no terreno da responsabilidade civil, respondem judicialmente, para que indenizem o paciente de uma lesão, patrimonial ou extrapatrimonial, da qual ele julga ser vítima em virtude de um erro odontológico. 

Para se responsabilizar juridicamente um cirurgião-dentista por um fato danoso a um paciente, deve-se concluir pela presença dos três elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a saber: conduta (culposa), dano e nexo de causalidade, acrescidos de um quarto pressuposto, obviamente, o ato lesante.

Como a visão dos  Tribunais é que a atividade desses profissionais faz  parte das chamadas profissões de resultado, (obrigação de resultado), isto é, profissões cujos resultados da atividade são passíveis de previsão (o profissional pode prever e controlar o resultado do tratamento), aplica-se a regra do Código de Defesa do Consumidor, através do art. 6º VIII - “inversão do ônus da prova”, vale dizer: toda vez que um dentista for acionado judicialmente pelo consumidor/cliente, em vez de o acusador provar o que alega, caberá ao profissional o dever de provar que empregou, rigorosamente, toda a técnica necessária ao bom desempenho do tratamento e, que, se o erro ocorreu, este resultou de culpa exclusiva do consumidor do serviço, ou de terceiro.

Para ilustrar um erro odontológico, seguem os casos abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. LEI 8.078/90. ALEGADO ERRO NO TRATAMENTO DENTARIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA. LAUDO TÉCNICO QUE RESTOU IRREFUTÁVEL NO SENTIDO DE QUE A COROA DENTÁRIA JÁ ESTAVA SUSCETÍVEL À FRATURA, CONFORME RAIO X REALIZADO PELA AUTORA/APELADA. SUCEDE QUE HOUVE FALHA NO SERVIÇO PRESTADO COMO UM TODO, JÁ QUE A PROFISSIONAL QUE ATENDEU À AUTORA/APELADA NÃO PROCEDEU AO CURATIVO NECESSÁRIO, SEQUER PROTEGENDO A ÁREA DE POSSÍVEIS CONTAMINAÇÕES, OU REALIZANDO UM REPARO TEMPORÁRIO PARA SUAVIZAR O DANO ESTÉTICO SOFRIDO. DANO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO DE R$ 2.000,00 PELOS PREJUÍZOS EXTRAPATRIMONIAIS, MAIS R$ 2.000,00 PELOS DANOS ESTÉTICOS QUE ATENDEM À LÓGICA DO RAZOÁVEL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC. ((TJ-RJ - APL: 0007007-51.2013.8.19.0206 RJ 0007007-51.2013.8.19.0206, RELATOR: DES. MYRIAM MEDEIROS, DATA DE JULGAMENTO: 19/05/2015, RIO DE JANEIRO SANTA CRUZ REGIONAL 2 VARA CIVEL DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/06/2015 00:00)

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MATERIAL E MORAL - ERRO DE CIRURGIÃO-DENTISTA -AUTOR ACOMETIDO DE INFECÇÃO (MENINGITE) NO PÓS-OPERATÓRIO DE EXTRAÇÃO DE UM DENTE - CULPA INCONTROVERSA DO PROFISSIONAL POR NÃO DIAGNOSTICAR A INFECÇÃO DE FORMA TEMPESTIVA - TEMÁTICA IRRECORRIDA - PERDA DA VISÃO DO OLHO DIREITO E SEQÜELAS NA MASTIGAÇÃO -PRETENSÃO VESTIBULAR REPRISADA NA SEDE RECURSAL DE CONDENAÇÃO EM PENSIONAMENTO POR REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA E MAJORAÇÃO DA VERBA INDENIZATORIA A TÍTULO DE DANO MORAL, FIXADA PELA SENTENÇA EM R$ 13.000,00, EQUIVALENTGA 50 (CINQÜENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS DA ÉPOCA DA CONDENAÇÃO, COM A INCXDENGIA -DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAL. EVENTO (12.08.2000) - DANO MATERIAL CONFIGURADO PELA PROVA TÉCNICA QUE AFIRMA HAVER "INCAPACIDADE DEFINITIVA" - PROVA S^gPjlRVElílÍNTE/QUE DENOTA A IMPOSSIBILIDADE PARACJO^^MANEJO DE FACÕES E MÁQUINAS - REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL FLAGRANTE DIANTE DOS TRABALHOS AVULSOS DO AUTOR EM USINA DE CANA-DE-AÇÚCAR NA REALIZAÇÃO DE SERVIÇO BRAÇAL - FALTA DE ELEMENTOS SEGUROS ACERCA DA REMUNERAÇÃO MENSAL DO RECORRENTE, NÃO IMPEDE A FIXAÇÃO EM Vi SALÁRIO MÍNIMO MENSAL A CONTAR DO EVENTO DANOSO ATÉ 65 ANOS DE IDADE, LIMITE DELINEADO NA VESTIBULAR E NA APELAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE AS PARCELAS VENCIDAS - NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL - DANO MORAL - FIXAÇÃO QUE DEVE LEVAR EM CONTA AS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO, BEM COMO AS CARACTERÍSTICAS DAS PARTES - ARBITRAMENTO PELA R. SENTENÇA EM R$ 13.000,00 - ADEQUAÇÃO, EM FUNÇÃO DA INCIDÊNCIA RETROATIVA DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS, CONFORME TÓPICO DA SENTENÇA NÃO IMPUGNADO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM PARTE - RECURSO PROVIDO EM PARTE (TJ-SP - APL: 994051087421 SP, RELATOR: OSCARLINO MOELLER, DATA DE JULGAMENTO: 27/01/2010,  5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/02/2010)

Resta assim demonstrada a diferença entre a responsabilidade do médico e do cirurgião-dentista. Para o primeiro, é considerada quase que majoritariamente como obrigação do meio. Para o segundo, é obrigação do resultado.

Portanto, ao cirurgião-dentista que se deparar com uma ação de indenização, cabe-lhe o ônus de provar a sua atuação correta, sendo invertido o ônus em favor do paciente.

5 RESPONSABILIDADE CIVIL DA ATUAÇÃO DE HOSPITAIS

Diante da falha na atuação do profissional liberal surge a problemática sobre a responsabilidade da empresa enquanto prestadora de serviços. Fala-se em problemática porque trata-se de assunto que se reveste de mais complexidade do que aparenta.

Em um primeiro momento, poder-se-ia pensar que o tipo de responsabilidade atribuída à pessoa jurídica é objetiva, uma vez que o artigo 14, §4º, do CDC, conferiu expressamente ao profissional liberal a responsabilidade subjetiva. Logo, no caso do hospital, a regra seria a do caput do artigo, que dispensa a comprovação de dolo ou culpa. Eis a redação:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

O tema é controverso, não encontrando consenso entre a doutrina e a jurisprudência. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça, doravante STJ, proferiu acórdão que pode lançar luz sobre a questão. No julgamento do Recurso Especial nº 1.145.728 - MG (2009/0118263-2), que data de 2011, o referido tribunal elencou três situações que podem levar à responsabilização do hospital e as respectivas modalidades.

O caso em questão trata, em sua origem, de uma ação de indenização por danos morais e materiais contra uma maternidade do estado de Minas Gerais devido à falta de prestação de socorro adequado à genitora e sua filha por ocasião do parto, fato esse que produziu sequelas na neonata, sendo a principal delas uma lesão cerebral. Entre os fatos imputados à ré para configurar sua responsabilidade civil foram apontados a ausência de médico especializado na sala de parto, superlotação da maternidade, com ausência de vaga no CTI no momento da complicação da criança, que apresentou um quadro de asfixia causada por circular dupla de cordão umbilical. O STJ manteve a condenação à maternidade, reconhecendo a responsabilidade objetiva por erro médico e defeito na prestação do serviço oferecido pela empresa hospitalar. Segue a ementa[2]:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL POR ERRO MÉDICO E POR DEFEITO NO SERVIÇO. SÚMULA 7 DO STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 334 E 335 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REDIMENSIONAMENTO DO VALOR FIXADO PARA PENSÃO. SÚMULA 7 DO STJ. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DA DECISÃO QUE FIXOU O VALOR DA INDENIZAÇÃO. (STJ, REsp 1.145.728/MG, Rel: Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., Data de Julgamento: 28/06/2011, Data de Publicação: 08/09/2011)

O primeiro caso descrito no acórdão o é de falha na estrutura hospitalar, que conduz à responsabilidade objetiva. A empresa assume a obrigação de fornecer recursos materiais e humanos adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente. Na hipótese de ocorrência de defeito na prestação do serviço, tem-se a aplicação do artigo 14, caput, do CDC, já mencionado.

No que diz respeito aos atos técnicos de médicos que não possuem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, a responsabilidade é imputada pessoalmente ao profissional liberal, dispensando a entidade hospitalar de qualquer reparação se não concorreu diretamente para o dano. Aplica-se, neste caso, o previsto no artigo 14, §4º, do CDC.

Por fim, na terceira situação, tem-se a atuação defeituosa de profissionais da saúde vinculados de alguma forma ao hospital. Ambos respondem solidariamente, apurada a culpa do profissional, conforme o que dispõe os artigos 932 e 933 do Código Civil, que tratam sobre a responsabilidade civil por atos de terceiros, enquadrando-se o caso em apreço ao inciso III do referido artigo 932, in verbis:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

[...]

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Em consonância com o entendimento do STJ, muitos tribunais estaduais têm entendido pela responsabilização de hospitais em situações que se enquadram naquelas elencadas por aquele egrégio tribunal superior. Como exemplo, veja-se abaixo ementas de casos julgados pelo TJMA e TJRJ.

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. REPARAÇÃO DE DANOS. MORTE DECORRENTE DE NEGLIGÊNCIA EM ATENDIMENTO HOSPITALAR. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELO IMPROVIDO. (TJMA – APL Nº 09.191/2014 0003008-29.2012.8.10.0060, Relator: Des. Antonio Guerreiro Junior, Data de Julgamento: 27/01/2015, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/01/2015)

No referido caso, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão entendeu presentes os requisitos para configurar responsabilidade civil objetiva de um hospital da cidade de Timon, em que foi internada uma paciente que veio a óbito quando estava sob os cuidados do citado hospital. Em seu voto, o Relator destacou que em casos de má prestação de serviços a instituição hospitalar assume a responsabilidade pelo paciente, independente de culpa, conforme artigo 14 do CDC e para se eximir dessa responsabilidade deve fazer a prova da inocorrência do fato, ou de ter o resultado danoso decorrido de fato imputável à vítima, a terceiro ou de caso fortuito ou força maior, hipóteses não demonstradas no caso.

APELAÇÃO CÍVEL. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. HOSPITAL PARTICULAR. 1. Pretende indenização por dano moral em razão de erro de diagnóstico por médicos do hospital réu. Sentença de procedência. Insurgência do suplicado. 2. Responsabilidade civil do hospital por erro médico. O laudo pericial conclusivo no sentido de que a conduta médica adotada na segunda vez que a autora procurou a emergência do nosocômio réu foi insuficiente para a condução do caso clínico da autora. Profissional que liberou a paciente sem a realização dos exames necessários, deixando de obstrução retroperitoneal e a necessidade de cirurgia de emergência. 3. Dano moral configurado. Verba reparatória fixada que não enseja redução, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. Recurso ao qual se nega provimento. (TJRJ – APL 0184032-26.2009.8.19.0001, Relator: Des. Monica Costa Di Piero, Data de Julgamento: 15/10/2013, OITAVA CAMARA, Data de Publicação: 16/10/2013)

Na Apelação Cível cuja ementa foi colacionada acima, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso de entidade hospitalar, pois entendeu que restou demonstrada a falha no atendimento prestado à autora, que não conseguiu fazer o correto diagnóstico e atendimento necessário à paciente, que possuía um tumor perfurando seu intestino e necessitava se submeter à cirurgia de emergência, a qual foi realizada somente em outra cidade dias após por outro médico, havendo o dever de indenizar em razão do nexo causal entre a conduta dos prepostos da ré e os danos experimentados pela autora, evidenciado por toda a prova documental.

6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

6.1 Do Direito à saúde e o Estado Brasileiro

Um novo momento político-institucional foi inaugurado no Brasil com a Constituição de 1988, uma vez que foi reafirmado o Estado democrático de direito, bem como foi definida uma política de proteção social abrangente.

Por sua vez, reconheceu a saúde como direito social de cidadania e com isso inscreveu no rol de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade em geral, com a finalidade de assegurar a nova ordem social, tendo como objetivo principal o bem-estar e a justiça sociais.  A partir da CF/88, o Estado encontra-se juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde visando à construção da nova ordem social.

Dessa maneira, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a prestação do serviço público de saúde não mais estaria restrita aos trabalhadores inseridos no mercado formal, mas para todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser titulares do direito à saúde.

A Constituição, de um ponto de vista federativo, atribuiu competência para legislar sobre proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos Estado e aos Municípios (CF/88, artigo 24, XII, e 30, II). À União cabe o estabelecimento de normas gerais (artigo 24, § 1º); aos Estados, suplementar a legislação federal (artigo 24, § 2º); e aos Municípios, legislar sobre os assuntos de interesse local, podendo igualmente suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (artigo 30, I e II).

No que diz respeito ao ponto de vista administrativo, ou seja, à possibilidade de formular e executar políticas públicas de saúde, a Constituição Federal atribuiu competência comum à União, aos Estados e aos Municípios, conforme o artigo 23, II.

Uma vez que todas as esferas de governo são competentes, é necessário que haja cooperação entre elas, visando o disposto no artigo 23 da CF/98, qual seja “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

Depois da entrada em vigor da Constituição Federal a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90) foi aprovada. Tal instituto normativo estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. Assim, o SUS foi concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta, podendo a iniciativa privada participar em caráter complementar.

6.2 Da Responsabilidade Civil do Estado ante o Direito à Saúde

A Carta Magna de 1988 em seu artigo 196 dispõe que, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Dessa maneira, o legislador nacional, deslocou para o Poder Público a incumbência de garantir a prestação de serviços de saúde para a população. Diante disso, o Estado deve responder pelos danos os cidadãos sofrem ante a falta, insuficiência, ou ainda a omissão no oferecimento do serviço essencial de saúde à população.

Entretanto, é fato público e notório a deficiência na prestação dos serviços de saúde públicos no Brasil. É de conhecimento de todos que o Poder Público, nos moldes atuais, não é capaz de sanar todos os problemas relativos à saúde pública, haja vista a falta de investimentos e infraestrutura nos serviços de prestação de saúde.

Dessa maneira responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar uma violação de algum direito derivado de norma jurídica pré-existente, seja de natureza contratual ou extracontratual. Nesse passo Maria Helena Diniz (DINIZ, 2006, p. 40), afirma que:

Quando à responsabilidade civil do Estado, atualmente, é pacífico o entendimento da possibilidade de sua responsabilização. Entretanto, essa posição foi resultado de uma evolução gradual.

A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que a responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, aquela que independe da existência de dolo ou culpa, só existe diante de uma conduta comissiva (ação) praticada pelo agente público.

No entanto, quando estivermos diante de uma omissão do Estado a responsabilidade deixa de ser objetiva e passa a ser subjetiva, ou seja, o particular lesado deverá demonstrar o dolo ou a culpa da Administração, em qualquer de suas modalidades: negligência, imprudência e imperícia. Assim, não bastará à comprovação do dano sofrido, se faz imprescindível demonstrar também o dolo ou a culpa do Estado.

Conforme disposto anteriormente, é dever do Estado proteger e propiciar o direito à saúde, importando no dever de agir do Estado, e uma vez que dessa ação ocorra um dano ao cidadão, apicaçar-se-á responsabilidade objetiva do Estado.

Porquanto, quando ocorrer à omissão do Estado, que se dá quando são constatadas falhas nos serviços públicos ou ausência de sua prestação, tal ato omissivo deve gerar um dano decorrente da negligência ante o dever de agir da Administração Pública, implicando no dever de indenizar.

De acordo com esse pensamento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2008, p. 618) assevera que quando há omissão do poder público ocorre, à responsabilidade subjetiva, pois a responsabilidade somente poderá ser efetivada após analisar diversos fatores do caso concreto, cabe ao Estado demonstrar que agiu com diligência dentro das suas possibilidades. No entanto, apesar de ser posicionamento majoritário, não se perfaz unanime na doutrina e jurisprudência.

Dessa forma, a mencionada doutrina e grande parte da jurisprudência entendem que, para ensejar a responsabilidade civil do Estado ante uma omissão, é imprescindível que haja descumprimento de um dever jurídico de agir por parte do Estado, o que faz com que a responsabilidade deixe de ser objetiva e passe a ser subjetiva, ou seja, baseada na caracterização de culpa anônima da administração, sob pena de transformar a Administração Pública em “seguradora universal”.

  1. Caso Concreto

6.3.1 Ementa do Caso Concreto

Processo: 0000620-48.2015.8.06.0000 - Mandado de Segurança Impetrante: Ministério Público do Estado do Ceará Impetrado: Secretário de Saúde do Estado do Ceará

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO PARA TRATAMENTOS ONCOLÓGICOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO CEARÁ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO EM VIRTUDE DA OMISSÃO ESTATAL. EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E À SAÚDE. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

Trata-se de Mandado de Segurança com pedido de liminar impetrado com o objetivo de garantir o fornecimento medicamentos de alto custo aos substituídos, conforme requisições médicas. 2. A Constituição Federal de 1988, arts. 5º e 196, prevê que o direito à vida e à saúde são garantias fundamentais de todo o ser humano e dever do Estado de prestá-la. Além disso, a Carta Magna estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à saúde a pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes. 4. No caso dos autos, os laudos elaborados pelos médicos que acompanham os pacientes, atestando o diagnóstico da doença e a necessidade do uso dos medicamentos pleiteados, dispensam dilação probatória, sendo suficientes para comprovar o direito líquido e certo dos substituídos, capaz de impor ao Estado o fornecimento gratuito daqueles medicamentos. Precedentes do STJ. 5. Diante do alto custo das medicações e da hipossuficiência econômica dos substituídos, o impetrado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, descumprem seus deveres constitucionais e praticam violento atentado à dignidade humana e à vida. 6. Liminar ratificada e segurança concedida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Mandado de Segurança, ACORDAM os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em sessão do Órgão Especial, por unanimidade de votos, ratificar a liminar anteriormente deferida e conceder a segurança pleiteada, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 10 de março de 2016 PRESIDENTE TJCE Presidente do Órgão Julgador DES. JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA Relator

  1. Análise da Legislação pertinente à Responsabilidade do Estado no tocante à saúde pública com respaldo no caso em concreto

Inovando o sistema jurídico, a Constituição de 1988, simboliza o marco histórico de redemocratização do sistema político, haja vista que equivaleu os direitos sociais aos direitos fundamentais, outorgando sua aplicabilidade imediata.

Com a Carta de 1988 objetivou-se criar garantias fundamentais para todo cidadão brasileiro, de maneira a propiciar que tenham condições basilares para gozar de seus direitos. Neste cenário, soma-se ao rol dos direitos fundamentais os direitos sociais, consagrando, por conseguinte, o direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados (MORAES, 2005).

A doutrina brasileira organiza os direitos sociais como direitos de segunda dimensão, para os quais é de grande relevância uma atuação positiva e operante do Estado em proveito dos menos favorecidos e dos setores economicamente mais debilitados da sociedade (TAVARES, 2003). Dessa forma cria-se para os cidadãos a legitimidade para reivindicar a atuação positiva e material do Estado em prol de garantir o cumprimento desses direitos.

O Estado deverá atuar no que tange ao cumprimento dos direitos sociais através de políticas públicas que visem reduzir as desigualdades no âmbito social e que possam garantir uma existência mais humanizada e digna. Frisa-se a consagração do direito à saúde no art. 6º da Carta Política, verba legis:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 A Constituinte de 1988 estabeleceu também no seu art. 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à educação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Apesar do conteúdo da norma, não se pode abandonar o ideal de implantação de um eficaz sistema público de saúde.

 Não obstante tudo que já fora disciplinado pela Carta Política de 1988, estabelece ainda, em seu artigo 23, a responsabilidade solidária dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para o fornecimento dos serviços de saúde, ficando sob o encargo desses a sua promoção, proteção e recuperação:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

[...]

Apesar do constituinte ter expresso através da palavra Estado como o responsável por garantir a saúde pública, conforme já mencionado no artigo 196 da CF, a obrigação é solidária e engloba a todos os entes federados, uma vez que todos devem propiciar o bem estar social, através da saúde, educação e segurança para todos os cidadãos.

 Em consequência disso e em concordância ao caso concreto em estudo, por ser solidária a responsabilidade no tocante a prestação dos serviços de saúde, cabe sim o fornecimento pelo Estado do Ceará dos medicamentos de maneira gratuita à população. E nesse mesmo sentido, o Relator Ministro (Min.) Luiz Fux, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 607381, destacou a solidariedade passiva dos entes federativos para a prestação de serviços de saúde, dentre eles, o fornecimento de medicamentos, bem como a necessidade de efetivação do direito social à saúde:

 Para o doutrinador Ordacgy (2007) a dignidade da pessoa humana, protegida pelo art. 1°, III, da Carta Maior, é o princípio do qual decorre o dever dos Entes Públicos para o fornecimento de remédios à população, acentua que “O Direito à Saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida, e a uma vida digna.

 Com o mesmo raciocínio, Cardoso (2010) afirma que o Poder Público não poderia, de maneira alguma, escusar-se do fornecimento de medicamentos, sendo inadmissível que a população permaneça à mercê da burocracia estatal, vez que a saúde liga-se diretamente ao direito à vida.

Diante desse cenário, extrai-se que o direito ao recebimento de medicamentos do Poder Público deriva do direito social à saúde, configurando-se como um legítimo direito social prestacional. Destarte, tal direito exige uma “destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens materiais” (SARLET, 2009, p. 284), possuindo nitidamente uma dimensão econômica.

 Por fim, pode-se concluir que, a proporção que a Constituição atual possibilita fornecer os medicamentos gratuitamente, isto em decorrência ao direito à vida e saúde, fica assegurado como dever dos Entes Federados a implementação e a efetivação das políticas públicas no campo da saúde, para propiciar aos enfermos uma vida digna.

7 CONCLUSÃO

Após extensas explicações sobre a responsabilidade civil nas questões de saúde, explorando quatro eixos, quais sejam, planos de saúde, profissionais liberais, hospitais e Estado, pode-se perceber que jurisprudência dos tribunais brasileiros é, em grande parte, favorável à parte mais vulnerável da relação de consumo em que em ocorre um dano pela má prestação dos serviços: o próprio consumidor. Além disso, está ele amplamente protegido juridicamente através dos diversos diplomas legais que instituem direitos e comandos normativos a ser observados nessa relação. Principalmente por envolver o direito à vida, a questão tem sido tratada com a seriedade que merece, não ficando a parte lesada sem a resposta que busca ao acionar a máquina estatal através do Poder Judiciário.

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.


[1] Disponível em   <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8674> Acesso em: 17 abr. 2016.

[2] Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=REsp+1.145.728&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO> Acesso em: 17 abr. 2016

Sobre o autor
Daniel Eric dos Santos Sousa

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

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