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Exclusão do ICMS da base de cálculo da PIS/COFINS

Agenda 21/05/2016 às 11:08

Breves apontamentos acerca da composição da base de cálculo da PIS/COFINS e a abordagem de alguns conceitos jurídicos, tais como o de faturamento.

Nos casos em que uma empresa, no regular exercício de suas atividades, figura como sujeito passivo das contribuições sociais PIS/COFINS, há uma discussão sobre a composição da base de cálculo desses tributos.

Sobre essas contribuições, entende a Secretaria da Receita Federal do Brasil pela inclusão do ICMS na base de cálculo delas. No entanto, o assunto é controvertido nos tribunais, e a tendência é fortíssima no sentido da exclusão desse tributo estadual da base das referidas contribuições, conforme será adiante exposto.

Em 2013, o Poder Executivo editou a Medida Provisória 627, pretendendo suprir a ausência acima exposta e tentando possibilitar a inclusão de tributos na base de cálculo do PIS/COFINS. A MP 627/2013, tratando sobre base de cálculo e outras matérias reservadas à Lei Complementar, foi convertida na Lei 12.973/14, que ganhou vigência a partir de 2015.

No entanto, a Constituição Federal reservou à Lei Complementar o tratamento acerca de diversos temas, dentre os quais àqueles que tratam de normais gerais de direito tributário, fatos geradores, base de cálculo e contribuintes (CF: art. 146, III, “a”).[1]

Ademais, uma Medida Provisória não pode discorrer sobre matérias reservadas à Lei Complementar, em razão do disposto no art. 62, § 1º, III da Lei Ápice[2]. Ainda, uma lei tributária não pode alterar conceitos do direito privado, conforme o art. 110 do Código Tributário Nacional[3], sendo exemplos desses conceitos os de faturamento e receita, cuja previsão está no art. 195, I, “b” da CF.[4]

Não obstante todas essas vedações, o Poder Executivo editou uma Medida Provisória que se propôs a tratar da base de cálculo do PIS/COFINS (matéria reservada à Lei Complementar). Além de tudo, a MP se propõe a forçar a alteração dos conceitos de receita e faturamento, que são elementos de direito privado previstos da Constituição da República.

Já em 2008, o Superior Tribunal de Justiça (Tribunal Superior que editou, no passado, as superadas Súmulas 68 e 94) discorreu sobre a impossibilidade de uma lei ordinária tentar modificar os conceitos referidos no art. 110 do Código Tributário Nacional.

A propósito, veja-se a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AMPLIAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS REALIZADA PELO ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718/98. ART. 110 DO CTN. ALTERAÇÃO DA DEFINIÇÃO DE DIREITO PRIVADO. EQUIPARAÇÃO DOS CONCEITOS DE FATURAMENTO E RECEITA BRUTA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO PRETÓRIO EXCELSO. PRINCÍPIO DA UTILIDADE PROCESSUAL. RESERVA DE PLENÁRIO. INAPLICABILIDADE. 1. (...). 2. A Lei nº 9.718/98, ao ampliar a base de cálculo do PIS e da COFINS e criar novo conceito para o termo “faturamento”, para fins de incidência da COFINS, com o objetivo de abranger todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, invadiu a esfera da definição do direito privado, violando frontalmente o art. 110 do CTN. 3. As jurisprudências do STJ e do colendo STF seguem a linha de que faturamento equivale à receita bruta, resultado da venda de bens e serviços pela empresa. A base de cálculo da contribuição, exigida nos termos da LC nº 70/91 e delimitada pelo Direito Privado, não pode ser alterada por legislação ordinária (Lei nº 9.718/98), em razão do princípio da hierarquia das leis. VASTIDÃO DE PRECEDENTES DESTA CORTE. (...) (STJ - AgRg no Ag: 954490 SP 2007/0223158-0, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 25/03/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.04.2008 p. 1)

Assim, não pode uma manobra do Poder Executivo e posterior conversão em lei pelo Poder Legislativo afrontar disposição da Lei Complementar que é o CTN e, ainda por cima, modificar o conceito de receita e faturamento previstos na Constituição Federal.

A MP 627/2013 e a Lei 12.973/14 afrontam a Constituição Federal por tentar modificá-la sem passar pelo rito previsto para a edição das Emendas Constitucionais (art. 60 da CF).

Superado esse ponto, ainda se diga que o Supremo Tribunal Federal, ao iniciar o julgamento do RE 240785-2, posiciona-se favorável à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS. Sobreveio, entretanto, a ADC 18, que trata da mesma temática, o que ocasionou a suspensão do Recurso Extraordinário supramencionado antes mesmo da edição da Lei 12.973/14.

Afirmou o Ministro MARCO AURÉLIO, em sede de RE 240785-2, que o valor correspondente ao ICMS não tem natureza de faturamento ou receita, corroborando a tese aqui defendida.

O art. 12, § 1º, III e § 5º do DL 1598/77 (após a Lei 12.973/14) modifica conceitos de direito privado – violando o art. 110 do CTN, art. 150, I e 195, I “b” da CF – para tentar incluir o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS.

Inclusive, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região suscitou incidente de inconstitucionalidade da expressão ‘de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977’, contida no art. 3º, caput, da Lei nº 9.718/98, no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.637/02 e no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.833/03, conforme ementa abaixo transcrita:

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TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INSCONSTITUCIONALIDADE. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO ICMS. 1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao finalizar o julgamento do RE nº 240.785, de relatoria do MIN. MARCO AURÉLIO, reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, por violação ao art. 195, inc. I, alínea b, da Constituição Federal, ao entendimento de que os valores referentes àquele tributo não têm natureza de faturamento. 2. A Medida Provisória nº 627/13, posteriormente convertida na Lei nº 12.973/14, alterou o conceito de receita bruta para fins de incidência do imposto de renda da pessoa jurídica, passando a prever, expressamente, a inclusão na sua base de cálculo dos tributos sobre ela incidentes. Na sequência, alterou a legislação do PIS e da COFINS, incorporando a ela, indiretamente, o conceito de receita bruta previsto no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77. 3. Ao assim proceder, o legislador ordinário contrariou o que decidido pelo Pretório Excelso no RE nº 240.785, maculando de inconstitucionalidade a legislação do PIS e da COFINS. 4. Suscitado incidente de arguição de inconstitucionalidade da expressão "de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977", contida no art. 3º, caput, da Lei nº 9.718/98, no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.637/02 e no § 1º do art. 1º da Lei nº 10.833/03. (TRF-4, Relator: OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, Data de Julgamento: 17/11/2015, SEGUNDA TURMA)

HUMBÉRTO ÁVILA (RDDT 195, p. 68, 2011), a propósito, discorre sobre as diversas inconstitucionalidades no entendimento que pretende incluir o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS:

“A interpretação proposta na referida Ação Declaratória, no sentido de incluir na base de cálculo das contribuições sociais sobre a receita o ICMS, é totalmente equivocada, na medida em que ela: Promove uma leitura parcial da Constituição; Fundamenta-se em meros fragmentos normativos que regem a matéria; Desconsidera os princípios que devem orientar a interpretação da regra de competência, especialmente os que fixam o critério (a equidade), o pressuposto (a solidariedade social) e a finalidade do financiamento da seguridade social (justiça social); Confunde o fato gerador das mencionadas contribuições (prática de atividades econômicas pela empresa) com a sua base de cálculo (a receita ou o faturamento).”

No mesmo sentido, CARAMORI PETRY (RDDT 151, p. 90, 2008) e AZEVEDO CAMPOS (RDDT 145, p. 7, 2007), respectivamente:

“O valor do ICMS destacado nas vendas não representa riqueza da pessoa jurídica vendedora e sim um “mero ingresso” com destinação definida pela Constituição ao Estado credor do ICMS, sob pena de violação ao direito de propriedade e ao princípio da capacidade contributiva objetiva. Da mesma forma ocorre em relação ao IPI, que foi indevidamente incluído na base de cálculo das contribuições COFINS e PIS/PASEP não cumulativas”.

“Para o STF, conforme regra legal extraída a partir da reconstituição da ratio decidendi do julgado do RE nº 240.785/MG, o ICMS não é faturamento dos contribuintes justamente porque não é sequer receita dos mesmos e, por esta razão, tanto o conceito de faturamento a que se referia o antigo art. 195, I, da CF/88, quanto o conceito de receita a que se refere este dispositivo constitucional após sua modificação pela EC 20/98, não alcançam a receita derivada do ICMS, pois ambos conceitos pressupõem a figura da receita própria, da receita que incorpora ao patrimônio do contribuinte.”

O próprio conceito de faturamento é um conceito comercial, ou seja, é decorrente do ato de emitir faturas. Destarte, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS se impõe, vez que o seu valor não é abrangido pelo conceito de faturamento, sendo aquele imposto receita do Erário Estadual, pois, o agente econômico – contribuinte das contribuições – não fatura os impostos, mas apenas as mercadorias ou serviços.

Cumpre ter presente a advertência do ministro LUIZ GALLOTTI, em voto proferido no Recurso Extraordinário nº 71.758: “se a lei pudesse chamar de compra e venda o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição – RTJ 66/165”. Uma lei que muda conceitos estabelecidos é uma lei que viola, inclusive, a segurança jurídica.

Admitir o contrário é querer que a lei ordinária redefina conceitos utilizados por norma constitucional, alterando, assim, a Lei Maior e com isso afastando a supremacia que lhe é própria.

Não custa mencionar que os entendimentos do Tribunais Regionais Federais são na tendência da tese levantada pelo contribuinte:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PIS E COFINS. ICMS NA BASE DE CÁLCULO. PLENÁRIO DO STF QUE ENTENDEU PELA INCONSTITUCIONALIDADE DESSA INCLUSÃO. RE 240.785/MG. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. - Posição recente do C. STF, na qual entendeu o Pretório Excelso, no RE 240.785/MG, pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. Omissão sanada. Precedentes. Embargos de declaração providos, com efeitos infringentes. (TRF-5 - APELREEX: 20088500002726403 AL, Relator: Desembargador Federal Lazaro Guimarães, Data de Julgamento: 03/03/2015, Quarta Turma, Data de Publicação: 12/03/2015)

Diante do exposto, espera-se uma uniformização dos pensamentos dos julgadores pátrios no sentido de favorecer o contribuinte, excluindo-se o ICMS da base de cálculo da PIS/COFINS.


[1] Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

[2] Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).

[3] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

[4] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (...) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

Sobre o autor
Cássio Nunes de Lira Braga

Advogado. Pós-graduação em Business Law pela FGV. Ex-bolsista do DAAD. Graduação em Direito pela UEPB.

Informações sobre o texto

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