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Responsabilidade civil pelo fato da coisa e do animal

Agenda 22/05/2016 às 15:32

A responsabilidade civil da pessoa que detém o poder de comando das coisas e animais enseja uma variedade de situações cujos efeitos jurídicos requerem aprofundada análise por implicarem em danos eventualmente causados à esfera jurídica de outrem.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Raiz Histórica. 3. O Responsável pela guarda da coisa ou do animal. 4. Responsabilidade Civil pela guarda do animal. 5. Responsabilidade Civil pela ruína de edifício ou construção. 6 Responsabilidade Civil pelas coisas caídas de edifícios. 7. Questões jurisprudenciais freqüentes. 7.1 Responsabilidade civil em caso de arrendamento mercantil (leasing). 7.2 Responsabilidade em caso de roubo ou furto do veículo. 8. Conclusão. 9. Referências.

RESUMO

A responsabilidade civil da pessoa que detém o poder de comando das coisas e animais é tema que tem chamado atenção da doutrina e ensejado um amplo repertório jurisprudencial, especialmente pela variedade de situações cujos efeitos jurídicos requerem aprofundada análise por implicarem em danos eventualmente causados à esfera jurídica de outrem, e seus consequentes prejuízos não poderiam quedar-se irressarcidos já que não poderiam ser postas no plano da insignificância. Por isso passou-se a responsabilizar as pessoas que possuem o poder de comando sobre as coisas e animais causadores do dano à esfera jurídica de outrem, atinando-se ao dever jurídico de vigilância e cuidado das coisas, ensejando a reparação do dano por eles produzido.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil – Dever de Vigilância – Coisas e Animais – Dano – Reparação.

ABSTRACT

The responsibility of the person who has the power to control things and animals is a current issue that requires depth analysis doctrinal and jurisprudential whose effects may result in possible damage to the legal of another sphere, and its consequent losses could not stay without compensation since they could not be put into insignificance plane. So it has to hold people who have the power to command over things and cause animals harm the legal of another sphere, paying attention to the legal duty of care and care of things, allowing for the repair of the damage produced by them.

Keywords: Civil Liability – Surveillance Duty – Things and animals – Damage – Repair.

1 INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos e o advento da modernidade, multiplicaram-se as situações de risco as quais se sujeita o homem em função do desenvolvimento tecnológico e das relações sociais, fruto de uma realidade contemporânea fortemente industrializada. Chegou-se a um ponto em que não só o homem como também as coisas e os animais podem acarretar graves riscos à integridade patrimonial e física.

Tais situações de risco e os danos efetivos que delas decorrem não poderiam ser postas no plano da insignificância e por isso passou-se a responsabilizar as pessoas que possuem o poder de comando sobre as coisas e animais causadores do dano à esfera jurídica de outrem. Vivendo-se na “era do risco”, como razão suficiente, deve-se atinar ao dever jurídico de vigilância e cuidado das coisas, sob pena de reparação do dano por eles produzido.

A título de exemplificação imagina-se a situação em que um cachorro violento se solta e vem a lesionar alguém, levando-o a sofrer lesões corporais graves ou até óbito. Ou ainda o caso em que um gerador explode e queima as pessoas ao seu redor. A responsabilidade deve recair sobre aquele que tem a guarda o dever de vigilância da coisa ou do animal.

Nas palavras de Aguiar Dias “(...) a locomotiva, o automóvel, o avião, ou outros veículos que marcam a trepidação da vida moderna e os inventos da era industrial multiplicaram ao infinito os casos de responsabilidade civil, exigindo mais atenção aos estudiosos.” (1994, p.389)

No presente trabalho, será analisada a responsabilidade da pessoa que detém o poder de comando das coisas e animais causadores de danos à esfera jurídica de outrem, situação de prejuízo esta que, obviamente, não poderia quedar-se irressarcida.

           

2 RAIZ HISTÓRICA

O Direito Romano foi quem primeiramente fixou de alguma forma a responsabilidade pelo fato da coisa. Porém, não disciplinou ordenadamente a matéria, embora contemplasse algumas situações de responsabilidade pelo fato da coisa. Segundo a Lei das XII Tábuas, os animais e as coisas inanimadas deviam responder pelos danos. O direito antigo não possuía a noção das presunções gerais de culpa.

Dessa forma, a doutrina civilista espelhou-se grandemente nas teorias francesas, se utilizando das idéias de Planiol, Ripert e Boulanger que ao interpretar o Código Napoleão, chegou à teoria da responsabilidade pelo fato da coisa inanimada.

O art. 1.382 do referido Código tem a seguinte redação: "é responsável pelo dano não somente quem lhe deu causa por fato próprio, mas ainda aquele que o causou pelo fato de pessoas por quem deve responder ou pelas coisas que tem sob sua guarda". Tal artigo teve grande importância, encontrando a consagração parcial da teoria do risco, se desenvolvendo e atingindo os Tribunais da França, encontrando depois a doutrina internacional.

3 O RESPONSÁVEL PELA GUARDA DA COISA OU DO ANIMAL

O responsável pela reparação do dano que causar a coisa ou animal é o guardião. Este deve ser entendido como o proprietário, o possuidor ou o mero detentor do bem que naquele momento em que ocorreu o fato, estivesse sob o seu poder de comando ou direção intelectual.

O proprietário é o guarda presumido que, por força do direito de propriedade exerce o poder direto e imediato sobre o bem. Ele detém o poder de comando das coisas e animais, logo, o poder de direção sobre a coisa. Todavia trata-se de presunção relativa que pode ser elidida mediante prova de ter transferido juridicamente a outrem o poder de direção da coisa, ou de tê-lo perdido por motivo justificável.

É o que acontece quando se dissocia a posse da propriedade por força de determinada relação jurídica (locação, comodato, penhor, depósito), situação em que passa a ser responsável pelo fato da coisa o possuidor direto.

Desta sorte, em ocorrendo fato danoso, contra o proprietário ergue-se a presunção de culpa. Embora seja presunção relativa, posto que nem sempre o proprietário tenha o uso direto da coisa.

Essa responsabilidade do proprietário é alternativa e não cumulativa, logo a vítima não pode em todos os casos voltar-se contra o proprietário. Poderá o dono da coisa elidir a guarda presuntiva da coisa provando que outra pessoa se servia da coisa, seja por locação, comodato, depósito ou penhor. Nesses casos, a responsabilidade passa do proprietário ao cessionário.

      Uma observação deve ser feita em relação aos casos em que o proprietário do animal ou coisa seja a Administração Pública. A responsabilidade civil objetiva que esta detém pela conduta de seus agentes a obriga à reparação dos danos, independentes do fato ter sido doloso ou culposo.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA GUARDA DO ANIMAL

Nos últimos anos deparamo-nos com um crescente número de incidentes envolvendo animais ferozes, por conta da falta de cautela e civilidade dos seus donos ou possuidores. Diariamente, a imprensa vem noticiando casos de ataques de cães ferozes, de raças agressivas como o pitbull e o rottweiller, que ocasionam danos graves e até a morte das vítimas. Com a mesma freqüência, cabeças de gado invadem as rodovias de nosso país, ocasionando acidentes com veículos, danos de alta monta, inclusive a perda de vidas.

Para esses casos, a legislação prevê a responsabilidade do dono ou detentor do animal, prevista no art. 936, do atual Código Civil: "O dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior".

Na lei atual, a responsabilidade do dono ou detentor do animal não pode ser elidida pela simples guarda ou vigilância com cuidado preciso do animal, como regulava o Código de 1916 em seu art. 1527. O novo Código usou a teoria do risco, e com isso, o guardião somente se eximirá se provar quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de força maior, não importando a investigação de culpa.

 Portanto, o dono ou detentor do animal terá que ressarcir o dano por esse causado independentemente de culpa, por aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.

A culpa é excluída nesta relação, ou seja, ela não é mais caracterizada como fato gerador da responsabilidade, importando apenas o dano e o nexo causal. Como afirma Carlos Roberto Gonçalves:

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A responsabilidade ao dono do animal é, portanto presumida, basta que a vítima prove o dano e a relação de causalidade entre o dano por ela sofrido e o ato do animal. Trata-se de presunção vencível, suscetível de prova em contrário. Permite-se ao dono do animal que se exonere da responsabilidade, provando qualquer uma das excludentes mencionadas: culpa da vítima ou força maior. (GONÇALVES, 2008, p.193)

Assim, a vítima deve demonstrar o liame de causalidade entre o fato do animal e os danos suportados para que seja indenizado. Para que o dono ou detentor do animal se exonere da responsabilidade, deve provar que o dano decorreu de culpa da vítima ou força maior.

Estas são chamadas de excludentes de culpabilidade, posto que excluam o dever de reparação do dono do animal, pois impedem que o nexo causal se concretize. Se o dano causado pelo fato do animal ocorre por culpa exclusiva da vítima, o dono ou detentor não pode ser responsabilizado uma vez que o animal é um mero instrumento da lesão.

Maria Helena Diniz, em sua obra de responsabilidade civil relata que:

Ao exercer seus poderes sobre o animal, o seu dono ou detentor poderá causar, indiretamente, dano tanto aos bens pertencentes a terceiros como à integridade física de alguém, caso em que deverá ser responsabilizado, tendo obrigação de indenizar os lesados. (…) Sua responsabilidade causada pelo animal na integridade física ou patrimonial de outrem tem por base a presunção de culpa, (…) estabelecida no fato de que lhe incumbe guardar e fiscalizar o animal (…) (DINIZ, 2007, págs. 481-482)

Ressalte-se que, se o dano ocorre estando o animal em poder do próprio dono, dúvida não há no sentido de ser este o responsável pela reparação, pelo fato de ser o seu guardião presuntivo. Se, entretanto, transferiu a posse ou a detenção do animal a um terceiro (caso do comodato ou da entrega a amestrador), entende-se que o seu dono se exime de responsabilidade, por não deter o poder de comando sobre ele.

Outra questão se forma no caso de que o animal tenha sido furtado e ainda sob a posse do ladrão atacar um terceiro. Se o proprietário tiver faltado ao dever de guardar seu animal e o furto ocorreu, a responsabilidade recai sob o proprietário, já que não cumpriu com seu dever de guarda. Contudo, se a todo instante este dever foi cumprido, entretanto não sendo ainda assim suficiente, se exonera o proprietário da culpa, e equipara-se o furto à força maior. Essa equiparação também é aceita quando em casos de roubo e extorsão.

Nesse sentido aduz Caio Mário da Silva Pereira:

Em caso de furto, ao dono pode ser imputada a culpa in vigilando. Se foi por ter o proprietário faltado ao dever de guardar que o furto ocorreu, a mesma razão que justifica a reparação pela culpa in custodiendo se impõe ao dono que foi privado da posse do animal. Se, porém, o furto se deu não obstante as cautelas da custódia devida, o dono se exonera, equiparado que é o furto à força maior. Tal como se dá na responsabilidade por fato das coisas em geral, e foi visto acima, se o dono perde o comando, a responsabilidade incumbe a quem o tem ainda que não fundado em direito. (SILVA PEREIRA, 2000, p.110)

Nos casos de invasão de rodovias por animais, gerando graves acidentes e causando danos a veículos e pessoas, quando não for possível identificar o dono ou detentor do animal, a jurisprudência vem admitindo que o Estado ou a concessionária de serviços públicos encarregada da conservação e exploração da rodovia também responda pelos referidos danos, assegurando-lhe, porém, ação regressiva contra o dono do ser irracional, após identificá-lo. Após a entrada do Código Civil/2002 a discussão de culpa não foi mais aceita. Nesse sentido:

Responsabilidade civil - Acidente de trânsito - Colisão em rodovia entre veículo e animal solto na pista - Empresa que é concessionária de serviço público e que tem por objetivo a conservação de estrada de rodagem, com a finalidade de garantir aos usuários a segurança necessária ao tráfego de veículos - Incidência do art. 37, § 6º, CF - Indenizatória ajuizada pela transportadora procedente - Recurso improvido. (SÃO PAULO. 1º Tribunal de Alçada Civil. Apelação Cível nº. 1030614-4. Rel. Carvalho Viana. São Paulo, 29 de janeiro de 2002.)

Assim também:

Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Animal solto na pista – Gado que sai de propriedade na margem de rodovia vicinal e ganha a pista, provocando atropelamento com danos em veículo – Responsabilidade indenitária do réu, de cujo sítio as rezes saíram, independentemente de ser ou não o proprietário dos animais – Falta de marca que não exime aquele dever, porque gado não tem certidão de nascimento, transmitindo-se a propriedade pela simples tradição e, se saíram do pasto do réu, destruindo a cerca, aliás, frágil e imprópria nas circunstâncias, houve falta de cuidados e de vigilância – O fato de terceiro, não comprovado, também não isentaria a responsabilidade gerando apenas direito de regresso – Indenizatória procedente – Recurso provido para esse fim. (1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Apelação Cível n.º 910290-5 Rel. Souza Oliveira. São Paulo, 03 de agosto de 2000).

5 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA RUÍNA DE EDIFÍCIO OU CONSTRUÇÃO

A responsabilidade civil pela ruína de edifício teve sua origem no Direito Romano. Assim, quando um imóvel ameaçava desmoronar os pretores podiam e, eram legitimados para ordenar aos proprietários, que de certa forma dessem uma caução, a titulo de prestação para o caso dela ocorrer, se não preferisse abandoná-lo. Atualmente o tema é regulado pelo art. 937, do Código Civil de 2002:

“Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.

O civilista Caio Mário da Silva Pereira enfatiza e pontua muito bem que o dispositivo legal começa por estatuir uma responsabilidade anônima, impessoal e objetiva, mas, evidentemente podemos constatar que de fato existem contradições inseridas no preceito com uma dose de subjetividade na qual procura conciliá-lo com a teoria da culpa.

O dispositivo afirma que o dono do edifício responde pelos danos que resultarem de sua ruína, o que parece tratar de uma responsabilidade objetiva, mas, em seguida, completa o preceito com "se esta provier de falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta", o que já traz a idéia de culpa, decorrente de negligência, com aplicação da responsabilidade subjetiva.

Em função desta questão duas correntes se formam. Uma afirmando tratar-se de responsabilidade subjetiva como: Clóvis Beviláqua, Sérgio Cavalieri Filho, Agostino Alvim e Rui Stoco que alegam que a responsabilidade do dono do prédio pode ser afastada se for apresentada segura prova de que a ruína não derivou de falta de reparos ou que a necessidade de reparos não era manifesta.          

Por outro lado Álvaro Vilaça Azevedo, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho e Silvio de Salvo Venosa afirmam que a responsabilidade não está ligada apenas à culpa.

Segundo Stolze (2013, p.233), a vítima, para obter a devida compensação, não precisará provar a sua culpa na ausência de reparos que causou o desfecho fatídico.

Para esta corrente o proprietário somente se eximirá se provar a quebra do nexo causal por uma das excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito ou de força maior, ou, ainda, culpa exclusiva da vítima.

Razão assiste a essa segunda corrente, haja vista que a tese de que a norma exigiria prova de culpa seria, no sistema inaugurado pelo novo diploma, completamente anacrônica, uma vez que todas as demais regras inseridas no mesmo capítulo consagram a responsabilidade sem culpa.

Destarte, o próprio Rui Stoco entende que não é obrigação da vítima comprovar a causa da ruína, isto é, uma vez que ocorra o fato e o dano, a responsabilidade do dono será mera decorrência disso. Ao proprietário, quando demandado, é que caberá provar a excludente de sua culpa.

O dono deve reparar os danos causados a terceiros, decorrentes da ruína de seu prédio ou construção. Atribui-se à expressão “ruína” uma compreensão com dimensão dilargada, interpretando seu sentido com elasticidade.

A ruína do edifício é assim caracterizada tanto se for total ou parcial, sendo considerado pela jurisprudência: o desprendimento de revestimentos de parede, queda de telhas e de vidros, soltura de placas de concreto, os vidros que se soltam e, enfim, tudo aquilo que, em razão da fadiga do material, da sua deterioração ou da falta de conservação, cause dano a terceiro. Caberá, porém, ação regressiva contra o construtor do prédio, após a indenização da vítima. 

Admitem-se, como excludentes da obrigação de indenizar, o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima. Assim, por exemplo, age com culpa a vítima que transitar por local onde podem cair materiais de construção, se há suficientes avisos e proteções materiais para que não adentrem no local. Contudo, há que se examinar as circunstâncias do caso concreto, para que não reinem as fraudes e injustiças.

Observação a ser feita é que o código fala de “dono”, e não em simples detentor ou possuidor. Se por ventura, a construção do imóvel alugado vier a desmoronar, é óbvio que responderá o seu proprietário, sendo permitido o direito de regresso. Na possibilidade do evento ser advento de falhas na construção caberá ação regressiva contra o construtor do prédio ou contra o locatário em caso de culpa deste, após a indenização da vítima.

6 RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS COISAS CAÍDAS DE EDIFÍCIOS

A responsabilidade civil pelas coisas caídas de edifício tem origem na responsabilidade oriunda da actio de effusius et objectus do Direito Romano.Trata-se da responsabilidade civil decorrente do dano causadas pelas coisas caídas ou lançadas de edifícios, que atinjam lugares e pessoas, indevidamente.

O atual Código Civil preceitua, em seu art. 938: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.

Aqui, a responsabilidade reside no habitante ou o mero possuidor, independentemente de ter sido esse habitante o autor material do fato, e não necessariamente no proprietário ou construtor. A responsabilidade é objetiva, surgindo assim como uma conseqüência. Nos dita a Jurisprudência "Na actio de effusis et dejectis a responsabilidade é objetiva. Assim, provado o fato e o dano do mesmo resultante, a obrigação indenizatória surge como normal conseqüência" (RT 441/233).

Logo, é responsável pelo dano proveniente de coisas caídas ou lançadas em lugar indevido quem habitar o prédio, independentemente de ter sido esse habitante o autor material do fato. A título de exemplo, em uma unidade condominial, caso a serviçal deixe cair uma vassoura ou uma panela, responderá pelo dano qualquer dos moradores que responda pelas despesas da casa.

A situação é singular e rompe com o conceito de que deve existir um liame causal entre o autor do fato e o resultado danoso. Por exceção, a lei contenta-se em responsabilizar qualquer um daqueles que habitar o prédio ou a unidade de onde caiu o objeto causador de prejuízo, na consideração de que apenas um ou todos podem ser responsabilizados, individual ou solidariamente.

Num prédio com vários apartamentos, se não for possível identificar de qual apartamento caiu o objeto que causou o dano, todos os habitantes do prédio responderão. Nesse sentido:

Responsabilidade civil. Objetos lançados da janela de edifícios. A reparação dos danos é responsabilidade do condomínio. – “A impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. Inteligência do art. 1529 do Código Civil Brasileiro [atual art. 938]. Recurso não conhecido" (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 64.682- Rel. Bueno de Souza. Brasília, 10 de novembro de 1998)

Todavia, se possível identificar aquele que arremessou o objeto, responderá somente ele. No entanto, não se podendo identificar a unidade habitacional de onde partiu a coisa, mas podendo identificar o lado, face, ou bloco do prédio de onde caiu, deve ser responsabilizado apenas o bloco de apartamentos de onde se poderia, segundo a lógica dos fatos, partir o objeto. Nesse sentido:

Interessante notar que se o dano é imputado a condomínio, não se podendo identificar a unidade habitacional de onde partiu a coisa, a jurisprudência tem a adotado o critério de responsabilizar apenas o bloco de apartamento de onde se poderia, segundo a lógica dos fatos, partir o objeto. Dessa maneira, os moradores do bloco ou face do prédio oposto ao local do dano não seriam admitidos como parte legítima para responderem na demanda indenizatória." (STOLZE, 2013, p.234)

Assim, se um veículo está estacionado na frente de um prédio de apartamentos, e sobre o mesmo é arremessado uma cadeira, vindo a amassar a lataria, não se sabendo de qual apartamento caiu o objeto, a reparação do dano será rateada entre os moradores da parte da frente do edifício, excluindo-se os moradores da face de trás, pois não participaram da cadeia causal dos acontecimentos.

Se um objeto é lançado de um edifício em condomínio, onde existam inúmeras unidades autônomas, deve-se primeiro distinguir: se possível for a identificação do morador que atirou a coisa, será ele ou os demais habitantes, solidariamente considerados, objetivamente responsabilizados pelo dano. Impõe-se, pois, a aplicação do princípio da exclusão.

Contudo, não sendo possível identificar o autor do dano ou habitação de onde partiu a coisa, não se pode, pura e simplesmente, afirmar que o condomínio responderá pelo prejuízo, salvo se ficar patente que a coisa lançada poderia ter partido de qualquer de suas unidades.

Como conseqüência lógica, se um conjunto habitacional compondo uma só pessoa jurídica, contenha três alas de edifícios, constituindo única entidade condominial e que, pelas circunstâncias, fique demonstrado que o objeto só poderia ter sido lançado de um deles. Evidentemente que os moradores dos outros dois prédios não poderão ser responsabilizados, diante da certeza de que o lançamento não partiu deles.

A solução seria impor àqueles moradores do edifício de onde poderia ter advindo o lançamento a obrigação de indenizar.

No direito brasileiro a solidariedade é por parte de todos os que poderiam ser os responsáveis. Assim, se o edifício tem duas alas de apartamentos, só uma das quais está em posição de ter coisas que caiam ou sejam lançadas, os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimados passivos. Dá-se o mesmo a respeito dos andares. (STOCO, 2004, p.938)

Deve-se lembrar, entretanto, que, a responsabilidade da queda de objetos pode se conjugar com outras modalidades de responsabilidade civil indireta. No que concerne aos requisitos elenca-se:

Em suma, para que ocorra a responsabilidade prevista no art. 938, são requisitos essenciais: a) que o prédio seja habitado ou utilizado, no todo ou em parte; b) que alguma coisa caia ou seja lançada dele; c) que se produza dano; e d) que o lugar em que caia a coisa seja indevido.(VENOSA, 2005. p. 119).

Quanto às excludentes ressalta-se:

Por outro lado, a responsabilidade será afastada nos seguintes casos: a) ausência de dano; b) falta de qualidade de habitante da casa; c) falsidade da alegação da vítima; d) lançamento da coisa em lugar destinado a esse fim (depósito de lixo, terreno interno, não sujeito a servidão etc.); e) culpa exclusiva da vítima, suprimindo a relação de causalidade cuja presunção pesa sobre o proprietário. (STOCO, 2004, p. 938)

7 QUESTÕES JURISPRUDENCIAIS FREQÜENTES

7.1 Responsabilidade civil em caso de arrendamento mercantil (leasing)

Leasing é um contrato pelo qual uma empresa, desejando utilizar determinado equipamento ou certo imóvel, consegue acordo com uma instituição financeira que tenha adquirido o referido bem, transferindo sua posse à empresa interessada por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo do arrendamento, o arrendatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação do arrendamento ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato.

Uma corrente jurisprudencial bastante expressiva seguia a orientação do STF que proclamava a inaplicabilidade da Súmula 492 (responsabilidade solidária entre empresa locadora e o locatário de veículos) aos contratos de arrendamento mercantil.

Outra corrente sustentava a existência de responsabilidade solidária entre o arrendador e o arrendatário, em razão da semelhança do contrato de leasing com o de locação, pois a propriedade do bem objeto de contrato de leasing permanece com a entidade financeira enquanto não exercido o direito de opção de compra por parte do arrendatário.

No caso do leasing, uma máquina é usada para atender às necessidades da arrendatária, que sobre ela mantém a posse direta, podendo contratar preposto para, em nome e por conta da preponente, operá-la.

Não existe qualquer culpa da arrendante no uso indevido da máquina pela arrendatária ou por preposto desta, nem relação de causalidade entre o dano porventura causado a terceiro, em face do ato ilícito praticado com a máquina e a atividade de financiador do arrendante.

A responsabilidade civil por ato ilícito decorrente da utilização de veículo objeto de leasing é do arrendatário, até porque não pode o arrendante interferir nas condições de uso da coisa. Além disso, não cabe ao arrendante aprovar o equipamento a ser adquirido.                                                                                                  

A arrendadora não é responsável pelos danos provocados pelo arrendatário. O leasing é operação financeira na qual o bem, em regra objeto de promessa unilateral de venda futura, tem a sua posse transferida antecipadamente. A atividade, aliás, própria do mercado financeiro, não oferece potencial de risco capaz de por si acarretar a responsabilidade objetiva, ainda que a coisa arrendada seja automotora. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp 5508 SP 1990/0010241-3, Terceira Turma, Rel. Ministro Cláudio Santos, 1990)

7.2 Responsabilidade em caso de roubo ou furto do veículo

A responsabilidade em caso de roubo ou furto do veículo envolve questões jurisprudenciais freqüentes, quanto ao questionamento sobre quem deve indenizar por dano causado a terceiro em caso de roubo ou furto do veículo.

Pois bem, o proprietário é o seu detentor, possuidor do bem. Quando perde o poder ou domínio sobre a coisa não pode ser responsabilizado por dano causado a terceiro. O furto, bem como o roubo, consuma-se quando a coisa é retirada da esfera de vigilância do proprietário e submetida ao poder de fato do ladrão, como bem classifica Cavalieri.

A questão da responsabilidade do proprietário, que teve seu veículo furtado ou roubado, por danos causados a terceiros reside na questão da guarda da coisa, ou seja, deve-se analisar se a pessoa que não possui a guarda de coisa inanimada responde pelos danos causados a terceiros.

Mário Moacyr Porto formulou um melhor juízo sobre a matéria, afirmando:

O proprietário de um automóvel que é desapossado em razão de um roubo, acha-se na impossibilidade de exercer sobre o veículo qualquer vigilância; por conseguinte, privado do uso, da direção e do controle do veículo, ele não tem mais a guarda e, em caso de acidente, não mais se encontra submetido à presunção de responsabilidade. (PORTO, 1966, P.70)

No ordenamento civil brasileiro, caso fortuito e força maior podem funcionar como excludentes do dever de indenizar, se verificados em determinadas circunstâncias.

8 CONCLUSÃO

Com o surgimento das inúmeras situações jurídicas as quais se originam por força do risco inerente ao contexto em que a sociedade se encontra, fruto do atual complexo panorama de desenvolvimento, passou-se a exigir normas que sejam suficientes e capazes de regular todas as situações de risco. Tais normas devem ser capazes de coibir através de sanções rígidas comportamentos decorrentes da falta de cautela e civilidade daqueles que exercem o poder direto e imediato sobre determinado bem.

Aquele que pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as conseqüências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade.

Como conseqüência de uma análise aprofundada das diversas situações, algumas dentre as quais foram abordadas aqui, o Código Civil procurou responsabilizar aqueles a quem por direito deve recair o dever natural de cuidado e zelo. Assim, atribuiu-se não somente um aspecto patrimonial, mas também moral às normas do direito positivado que regulamentam e visam melhorias da vida em sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17 ed. São Paulo- SP: Saraiva 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 11.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2013. v. III.

GONCALVES, Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro –Responsabilidade Civil. 3 ed. Saraiva, 2008.

PORTO, Mário Moacyr. Ação de responsabilidade civil e outros estudos. São Paulo: 1966, apud RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito. 9ª. ed. São Paulo: 2002.

SILVA PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005.


Sobre o autor
Samuel Rocha dos Santos

Acadêmico do 10o período do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

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