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O método APAC como forma de garantir a efetivação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena

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O objetivo do presente artigo é analisar o método APAC de gerenciamento de estabelecimentos prisionais como forma de otimizar a execução penal e garantir a efetivação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.

Resumo: Os condenados à pena privativa de liberdade têm apenas o seu direito de liberdade de locomoção cerceado, de acordo com o art. 33. e seguintes, do Decreto-Lei n. 2.848/1940 (Código Penal - CP) e o art. 3º da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP). Contudo, diante da realidade atual do sistema prisional brasileiro, os sentenciados são submetidos a condições desumanas, como número excessivo de detentos nas celas e constantes violências sexuais, físicas e psicológicas. Tais situações extrapolam o disposto na sentença penal condenatória e ferem um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988). No mesmo sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ainda garante, em seu art. 5º, a vedação a penas cruéis (inciso XLVII, “e”), que a pena não ultrapasse a pessoa do condenado e que o condenado a cumpra nas circunstâncias previstas na sentença penal condenatória (XLV e XLVI). Em face da violação destas normas, surgiu o método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) de gestão de estabelecimento penitenciário como forma de garantir a individualização da pena sem que do condenado sejam privados a dignidade e nenhum outro direito, à exceção daqueles que se referem à liberdade ambulatorial e seus conexos, possibilitando que as finalidades da pena previstas na LEP e no CP sejam alcançadas. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é analisar o método APAC de gerenciamento de estabelecimentos prisionais como forma de otimizar a execução penal e garantir a efetivação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena. O método de abordagem empregado é o método teórico-dedutivo, enquanto o método de procedimento adotado foi o comparativo, vez que o objetivo deste artigo é efetuar a comparação entre o sistema penitenciário tradicional e o método APAC no que concerne aos princípios da dignidade da pessoa humana e individualização da pena. A técnica de pesquisa utilizada foi a técnica bibliográfica, pois se embasa principalmente na legislação constitucional e penal. A solução para o déficit na efetividade do sistema penitenciário nacional surgiu com o método APAC de gestão de estabelecimento prisional. O método consiste na valorização humana e na evangelização, com os objetivos de proteger a sociedade, promover a justiça e socorrer as vítimas. Os recuperandos são corresponsáveis por sua recuperação, recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica, frequentam cursos supletivos e profissionais e possuem atividades variadas que evitam sua ociosidade. A comunidade é, também, fundamental para a implementação da APAC em certo município, vez que esta sobrevive de doações de empresas, associações, ONGs e de particulares. As igrejas e os religiosos são responsáveis por prestar assistência espiritual aos recuperandos; o trabalho na sede é feito por voluntários e, principalmente, a comunidade deve estar disposta a receber o ex-recuperando da melhor forma possível, dando-lhe emprego e espaço no dia a dia social. Por outro lado, a família contribui de forma insubstituível: dando atenção, carinho, exemplo e motivo para a recuperação do detento. Em síntese, mesmo diante da aparente falência dos aspectos principiológicos constitucionais, ainda há esperança no que concerne a otimização do sistema penitenciário nacional se esta ocorrer por meio do método APAC. Na APAC, nenhum indivíduo é irrecuperável, e esta deve ser a filosofia da execução penal no Brasil.

Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana; individualização da pena; método APAC.

Sumário: Introdução. 1. Princípios constitucionais penais na Execução da Pena.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2. Princípio da Individualização da Pena. 2. Sistema Tradicional de Gestão de Estabelecimento Penitenciário. 2.1. Princípio das dignidade da pessoa humana e individualização da pena no sistema tradicional. 2.2. Consequências da inobservância dos princípios constitucionais. 3. Princípios constitucionais no método APAC. 3.1. O método APAC. 3.2. Efetivação dos princípios constitucionais no método APAC. Considerações Finais. Referências.


INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira vive em constante medo, corroborado principalmente pelos altos índices de violência. Nesse sentido, com uma população carcerária crescente e um sistema prisional ineficaz, percebe-se um índice cada vez maior de reincidência entre os egressos.

Além do problema social e praticamente endêmico da violência, tornaram-se comum denúncias de maus tratos, precariedade das instalações prisionais, desrespeitos aos direitos fundamentais e diversas outras situações alarmantes em desfavor dos apenados.

Em contraponto a essa realidade, o método APAC se apresenta como alternativa para garantir a efetividade do caráter ressocializador da pena, além de contar com estrutura e métodos adequados à efetivação de princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição da República Federativa de 1988.

Dessa forma, o objetivo do presente artigo é analisar o método APAC de gerenciamento de estabelecimentos prisionais como forma de otimizar a execução penal e garantir a efetivação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.

O método de abordagem empregado neste artigo é o método teórico-dedutivo, enquanto o método de procedimento adotado foi o comparativo, vez que efetua a comparação entre o sistema penitenciário tradicional e o método APAC no que concerne aos princípios da dignidade da pessoa humana e individualização da pena. As técnicas de pesquisa utilizada foram as técnicas documental e bibliográfica, pois se embasa principalmente na legislação constitucional e penal e nas doutrinas que abordam essa temática. Para tanto, primeiramente, abordar-se-á os princípios constitucionais afetos à execução penal; após, analisar-se-á o método tradicional de gestão de estabelecimentos prisionais para, por fim, avaliar o método APAC e seus benefícios.


1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS NA EXECUÇÃO DA PENA.

Ao longo da evolução no estudo do Direito, os estudiosos puderam perceber a necessidade da classificação das normas jurídicas em duas subespécies: as regras e os princípios.

Citando Ronald Dworkin5, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes6 afirma que os princípios e as regras se assemelham na medida em que ambos estabelecem obrigações jurídicas. O que os diferenciaria, no entanto, seria o tipo de diretiva que representam: enquanto as regras se submetem ao ditame do “tudo ou nada”, posto que ou a regra é válida e deve ser aplicada, ou não o é, devendo sua aplicação ser afastada, os princípios têm uma dimensão distinta, na qual deve-se sopesar a incidência de um princípio em detrimento a outro (MENDES, 2012, p. 110).

Neste sentido, “os princípios são comandos de otimização” (MENDES, 2012, p. 111) que, nos ensinamentos do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso7, “deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico” (BARROSO, 2009, p. 203).

Levando tal aspecto em consideração, constata-se necessário, portanto, que os princípios tenham mais relevância no ordenamento jurídico nacional, em especial quando se trata do processo criminal e da sua respectiva aplicação e execução da pena, uma vez que possuem status de direitos fundamentais.

Assim sendo, serão estudados os dois princípios constitucionais que estão no centro do presente trabalho.

1.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

O que coloca-se como princípio está, na verdade, elencado na Constituição da República Federativa do Brasil como fundamento da República Federativa do Brasil em seu art. 1º, inciso III. Segundo Alexandre de Moraes8, a dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerentes às personalidades humanas (MORAES, 2003, p. 50), acrescentando que

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2003, p. 50).

No mesmo sentido, Uadi Lammêgo Bulos9 ensina que a dignidade da pessoa humana “agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem” (BULOS, 2014, p. 512). E é exatamente por este fator que é seguro afirmar que do referido fundamento advém todos os demais princípios da nossa ordem constitucional, mormente os direitos e garantias fundamentais do homem. Nos dizeres de Lammêgo:

Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, públicos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais, etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria (BULOS, 2014, p. 512).

Dessa forma, observando o aspecto criminal da dignidade da pessoa humana, é que a Constituição Federal determinou diversos direitos e garantias fundamentais aos encarcerados, como o princípio da responsabilidade pessoal (art. 5º, XLV, CRFB/88), da limitação das penas (art. 5º, XLVII), o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI e XLVIII), que será estudado adiante.

Tais princípios surgiram, portanto, como forma de garantir o mínimo inviolável àqueles que estão submetidos ao cerceamento da liberdade ambulatorial em virtude de sentença penal condenatória. Dessa forma, estes mandamentos nasceram para garantir que a execução da pena ocorra de forma humana, mas que, ao mesmo tempo, atenda às suas funções, quais sejam, reprovabilidade da conduta e ressocialização do apenado.

É fácil perceber, neste sentido, os desdobramentos do princípio da dignidade da pessoa humana na Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP). Conforme o art. 10. da referida lei, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Já o art. 11. acrescenta que a assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa – aspectos estes absolutamente necessários para garantir o mínimo de dignidade aos apenados.

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Em seguida, analisar-se-á o princípio da individualização da pena, que constitui o desdobramento da dignidade da pessoa humana que concerne apenas à execução penal.

1.2. Princípio da Individualização da Pena.

Conforme afirma Lammêgo, pelo princípio da individualização punitiva, previsto no art. 5º, XLVI, a pena deve ser adaptada ao condenado, consideradas as características do sujeito ativo e do crime (BULOS, 2014, p. 652).

De acordo com Rogério Greco10, a individualização da pena possui três fases. A primeira deles, a qual ele denomina cominação, corresponde ao momento em que o legislador opta por descrever certas condutas que atacam bens jurídicos importantes, motivo pelo qual devam ser rechaçadas e ter penas correspondentes cominadas (GRECO, 2013, p. 69-70).

A segunda fase é a aplicação da pena, quando o julgador, convencido da autoria e materialidade do crime, e sendo este um fato típico, ilícito e culpável, começa a dosar a pena de acordo com a conduta e as características pessoais do agente.

Por fim, a terceira fase, e a mais importante para este trabalho, é a individualização na execução penal, conforme preceitua o art. 5º da LEP: “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal” (GRECO, 2013, p. 69-70).

A importância da individualização da pena reflete o aspecto da isonomia material, consagrada nos importantes dizeres de Rui Barbosa: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades” (BARBOSA, p. 39). Dessa forma, para que seja possível alcançar, de forma máxima, as funções da pena, é necessário, acima de tudo, que ela seja adequada ao condenado e à gravidade da conduta perpetrada por ele.

É por este fator que o art. 8º da LEP prescreve que “o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução”.

E acrescenta Rogério Greco que a função primordial da individualização da pena, na fase da execução penal, é dar a cada preso oportunidades e elementos necessários para se reinserir em sociedade (GRECO, 2013).

Considerando que os princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena pressupõem uma execução penal mais humana e mais eficaz, se torna necessário, então, analisar como o sistema carcerário atual trata os apenados.


2. SISTEMA TRADICIONAL DE GESTÃO DE ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO.

Com o advento do Estado Democrático de Direito, por meio da promulgação da Constituição da República em 1988, consagrou-se, em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como fundamento republicano, como forma de apagar as máculas do regime ditatorial anterior. A finalidade precípua deste princípio, conforme já apresentado, é garantir que existam na ordem democrática direitos mínimos que devem ser respeitados pela sociedade e pelo poder público, direitos estes que assegurem uma existência digna.

Este é o significado atribuído ao princípio por André Gustavo Corrêa de Andrade11, ao dizer que

Constitui a dignidade um valor universal, não obstante as diversidades socioculturais dos povos. A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais (CORRÊA DE ANDRADE, 2008).

Nesse sentido, por constituir a proteção de qualidade inerente ao ser humano e por ser erigido a uma categoria central no direito pátrio, sendo alicerce de todo o ordenamento jurídico nacional, é que se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana é bem jurídico absoluto, não podendo ser mitigado ou relativizado.

Tendo a dignidade da pessoa humana como alicerce, a Constituição da República Federativa do Brasil elencou também o princípio da individualização da pena, o qual tem se tornado protagonista, uma vez que faz as vezes da isonomia e da justiça em todas as fases da aplicação da pena.

Neste diapasão, as previsões legais e principiológicas são explícitas quando da garantia de dignidade e isonomia na execução penal. No entanto, a realidade fática do sistema prisional brasileiro mostra situação diversa da proposta no idealismo da lei, vez que nem a dignidade nem a isonomia são respeitadas no ambiente penitenciário. Os presos, então, se tornam reféns do sistema, que não consegue alcançar sua finalidade e acaba por causar diversos problemas que deveria ter solucionado.

Analisando esta problemática, torna-se imperioso esclarecer os problemas presentes no sistema tradicional de gestão de estabelecimento prisional, para que, assim, identificadas tais questões, possa-se, por meio da metodologia apaqueana, buscar ao máximo as finalidades da pena previstas na LEP e no CP.

No próximo tópico, será avaliada a forma que o sistema tradicional de gestão de prisões abarca os princípios constitucionais objeto deste trabalho.

2.1. Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e Individualização da Pena no Sistema Tradicional.

Os estudiosos Anna Mayra Araújo Teófilo12 e Rômulo Rhemo Palitot Braga13 (2016) definem o atual sistema penitenciário brasileiro como degradante: “O Sistema Carcerário Brasileiro é ambiente de desmoralização e ofensa aos direitos e garantias das pessoas humanas que se encontram presas”.

Está evidente o completo desrespeito aos princípios constitucionais da pessoa humana e da individualização da pena. Os detentos que, teoricamente, somente poderiam ter seu direito de liberdade limitado, estão hoje reféns de um sistema que o mistifica, o humilha e o despreza.

Um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014, revelou que 711.463 pessoas estão inseridas em estabelecimentos prisionais no Brasil. Contudo, como o sistema carcerário só tem capacidade para 354 mil presos, o déficit chega a 357.463 vagas. Se fossem considerados os mandados de prisão em aberto – 373.991 – a população carcerária saltaria para mais de 1 milhão de pessoas. (Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), do CNJ).

Também em 2013, o Ministério Público elaborou o relatório “A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, no qual constatou que, além de superlotados, os presídios não têm separado os detentos de forma adequada, nem dado a eles a assistência necessária.

Ainda, o relatório destaca que: “em 79% dos 1.269 estabelecimentos, não há separação entre presos provisórios ou definitivos; em 1.078 (67%), não há separação em função dos regimes (aberto, semiaberto ou fechado); em 1.243 (aproximadamente 78%), não há separação entre presos primários e reincidentes; em 1.089 (68%), não há separação em função da periculosidade ou do delito; e em 1.043 (65%), presos de diferentes facções criminosas convivem sem separação” (PEDUZZI, Agência Brasil, 2013).

Sobre a estrutura do sistema prisional os dados revelam que: “dos 1.598 locais visitados, em 780 não havia camas e 365 não tinham colchões para todos os detentos. Em 1.099 estabelecimentos, os presos não dispunham de água quente para banho e, em 636, não eram fornecidos produtos de higiene pessoal. Além disso, 66% dos estabelecimentos (1.060) não forneciam toalha de banho e em 42% 671 não havia distribuição de preservativos” (PEDUZZI, Agência Brasil, 2013).

Dos relatórios trazidos pelos órgãos do judiciário brasileiro, fica cristalina uma constatação: os princípios da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena foram esquecidos e ignorados pelo Poder Público, o qual tem se limitado apenas em processar os indivíduos e prendê-los, se esquecendo de que tais pessoas, um dia, retornarão ao convívio social.

A completa desorganização do sistema carcerário brasileiro está escancarada pelas páginas dos jornais, deixando cada vez mais evidente que o atual sistema prisional não tem condições de alcançar suas finalidades de punição e, mormente, de ressocialização.

2.2. Consequências da Inobservância dos Princípios Constitucionais.

Conforme ensina Hilderline Câmara de Oliveira14 (2014), “a realidade vivenciada nas prisões tem mostrado a não efetivação da essência das Leis (LEP, CPB, CFB) em todas as esferas do cumprimento da pena de reclusão, bem como no tratamento digno à pessoa presa, aos seus familiares dentre outras dimensões” (OLIVEIRA, 2014, p. 110).

A realidade fática do sistema penitenciário nacional é exatamente o oposto dos direitos fundamentais e dos preceitos legais. Justamente pelo fato das prisões não exercerem sua função de ressocialização é que toda estrutura social e econômica da sociedade brasileira se agrava, posto que se aumenta cada vez mais a marginalização dos condenados e a escassez de ações voltadas para o correto processo de reinserção da população carcerária, o que evidencia, acima de tudo, a falência da política de segurança pública nacional (OLIVEIRA, 2014, p. 110-111).

Se o objetivo da pena for realmente a reeducação, a recuperação e, mormente, a ressocialização do apenado, será necessário não apenas uma reformulação na infraestrutura das prisões, mas também que se crie uma estrutura capaz de dar a esperança de inclusão social ao condenado após findo cumprimento de pena (TEÓFILO, BRAGA, p. 2).

Neste diapasão, diante da necessidade de completa reforma do sistema carcerário brasileiro, principalmente para estabelecer uma infraestrutura que proporcione a ressocialização do apenado, surgiu o método APAC que visa atender aos objetivos das leis penais nacionais da melhor forma possível.

A seguir, será analisado o método APAC como a melhor forma de garantir a plena efetividade dos princípios constitucionais.

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO MÉTODO APAC.

3.1. O método APAC

Analisando o sistema prisional tradicional através dos altos índices de violência e reincidência, pode-se inferir que tal sistema é falho e não cumpre com os objetivos traçados de repressão, punição e ressocialização do condenado.

Em razão dessa falha, aliado as condições degradantes, que não atendem ao principio da dignidade da pessoa humana preceituado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi criado o método APAC.

Atuando como entidade auxiliar do Poder Executivo e do Judiciário, e tendo respaldo da Constituição Federal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal para atuar nos presídios, é uma forma diferenciada de administrar o cumprimento de penas privativas de liberdade nos regimes fechado, semiaberto e aberto.

Esse sistema foi criado pelo jurista paulista Mário Ottoboni15, sensibilizado pela situação degradante que se encontram os encarcerados brasileiros, aliada ao abandono social daqueles que se encontravam dentro dos estabelecimentos prisionais como se não fossem parte, assim como produto, da sociedade. (MINAS GERAIS, 2011)

Contrastando a animosidade do método tradicional, o método apaqueano busca a humanização o exato cumprimento da sentença penal condenatória restritiva de liberdade, ou seja, restringe apenas a liberdade do condenado (e os direitos que lhe são conexos), mantendo a dignidade pessoal e condições básicas de vida. Sendo por tais razões considerado“ [...] uma notável exceção aos desvios que, insistentemente, se constam nos estabelecimentos penitenciários tradicionais, em que a reinserção do condenado na sociedade não ultrapassa uma singela formalidade despida de concretude” (MINAS GERAIS, 2011, p.18).

A metodologia criada por Ottoboni busca recuperar os condenados, proporcionar a eles novos rumos a seguir após o cumprimento da pena, envolvendo a sociedade civil nesse processo, através da aplicação dos doze elementos, a saber: participação da comunidade, recuperando ajudando recuperando, o trabalho, religião, assistência jurídica, assistência à saúde, valorização humana, a família, o voluntário e a sua formação, Centro de Reintegração Social – CRS, mérito e Jornada de libertação em Cristo. (MINAS GERAIS, 2011)

As APACs diferem dos estabelecimentos prisionais tradicionais por não contarem com a presença de policiais e agentes penitenciários; os próprios presos – denominados recuperandos – são os responsáveis pela segurança e disciplina dentro dos estabelecimentos, dando-lhes responsabilidade pela própria recuperação, recebendo da comunidade a ajuda necessária para alcançar seus objetivos, através da assistência jurídica, médica, espiritual, social e psicológica, o necessário para facilitar sua reintegração. Os condenados que cumprem a pena dentro da metodologia do APAC tem a consciência da oportunidade de vida nova, sem que se esqueçam dos motivos da sua condenação, bem como as razões que os levaram para a vida junto da criminalidade. Com isso, o método apaqueano busca dar efetividade ao caráter ressocializador que a pena deve ter, como dispõe a legislação brasileira. (MINAS GERAIS, 2011).

A forma de trabalho da APAC foi reconhecida pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não governamental que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como método válido a humanizar e execução penal e o tratamento penitenciário, conforme declaração proferida pelo seu diretor executivo durante o 6º Congresso Nacional das APACs, realizado em Itaúna – MG, em julho de 2008. (MINAS GERAIS, 2011)

No Brasil, os índices de eficácia do método, principalmente a baixa reincidência (cerca de 13%, contra aproximadamente 85% no método tradicional), fizeram com que o CNJ reconhecesse sua eficácia. A APAC tem se espalhado pelo país, principalmente em Minas Gerais, onde se encontram APACs consideradas como referências, como a de Itaúna, conforme informações veiculadas pela cartilha produzida pelo Programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 2011 sobre o método APAC (Informações prestadas pelo Departamento Penitenciário Nacional e pela Federação Brasileira de Assistência aos condenados referentes ao período entre 2004 a 2009).

A APAC provou a sua eficiência no âmbito social através de seus resultados positivos, contudo faz-se necessário analisar se o método apaqueano cumpre os preceitos constitucionais, dando-lhes efetividade.

3.2. A efetivação dos princípios constitucionais no método APAC

A APAC surgiu como alternativa ao sistema prisional tradicional, apresentando-se como método em que os princípios constitucionais são devidamente respeitados, ao contrário do que se noticia acerca do método tradicional.

Do princípio da dignidade da pessoa humana, elencado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, derivam diversos outros direitos e garantias fundamentais, aplicadas no âmbito criminal, especificamente quanto a condenação e o cumprimento da sentença, como exemplo a vedação a tortura, tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, CRFB/88); a garantia de que a pena será cumprida em estabelecimento adequado a idade e sexo do apenado, bem como levará em conta a natureza do delito (art. 5º, XLVII, CRFB/88); o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CRFB/88), assim como o princípio da individualização da pena.

Aliado aos retro mencionados direitos constitucionais, a Lei de Execução Penal estabelece em seu artigo 1º que o objetivo de efetivar as disposições da sentença e proporcionar condições para que o apenado e o internado sejam reinseridos na sociedade.

É também assegurado pelo artigo 3º da LEP que os direitos e garantias não atingidos pela sentença penal condenatória não lhe podem ser negados.

O método apaqueano visa sempre o cumprimento de todas essas disposições jurídicas:

Novamente, relevo merece o tratamento dispensado ao condenado submetido ao método APAC, que lhe oferece plenas condições de cumprimento da pena sem a perda da dignidade e de nenhum outro direito, a não ser a liberdade ambulatorial e aqueles que lhe são conexos.

Consigne-se que a preservação dos direitos, em conformidade com a estrutura normativa do Estado, não revela um abrandamento no cumprimento da pena; ao contrário, o método APAC impõe uma rigorosa disciplina para o cumprimento da rotina de atividades, v.g., estudo, televisão, refeição, trabalho, oração, aulas. (MINAS GERAIS, 2011, p. 20-21).

A efetivação de tais direitos através da metodologia criada por Ottoboni (2001) trata-se de um viés democrático, conceito que não apresenta somente o viés político do senso comum, mas significa também a participação social em todos os assuntos jurídicos do Estado e a luta popular pela efetivação dos direitos e garantias fundamentais de todas as pessoas. O fato de ser interesse, além de responsabilidade, da sociedade em fiscalizar e garantir que todos os direitos dos apenados estejam sendo efetivados está também em consonância com o disposto no artigo 4º da Lei de Execução Penal, norma imperativa e não meramente facultativa.

No que concerne à função ressocializadora da pena, é fundamental que a dignidade da pessoa humana seja resguardada, principalmente, durante o cumprimento da pena, uma vez que o apenado é um produto da sociedade e pra ela deve voltar ao fim da sua pena. Condições degradantes dentro dos estabelecimentos prisionais facilitam a degradação moral e física dos mesmos, o que contribui para os altos índices de reincidência e consequentemente da violência:

Uma estrutura carcerária opressora e aviltante contribui para a deformação do ser humano e fomenta a sua revolta contra a sociedade, que acaba por sofrer um efeito rebote de sua própria conduta, seja consubstanciada em discursos vazios e panfletários de cega intensificação do rigor punitivo, seja pela cômoda postura de pessoas que preferem se omitir sobre a matéria. (MINAS GERAIS, 2011, p.21).

O método APAC, ao criar ambientes favoráveis a ressocialização e criar meios de efetivar todas as garantias e direitos fundamentais, oferece condições reais para que a pena cumpra tanto a função punitiva, ao privar o apenado de sua liberdade, assim como a função ressocializadora, por dar ferramentas para que o condenado saia dali com novas oportunidades de vida e que não volte a praticar delitos.

O princípio da individualização da pena, disposto no artigo 5º, inciso XLV, da CRFB/88, preceitua que a pena não passará da pessoa do condenado. A tal princípio, a metodologia apaqueana busca dar efetividade através da assistência à família do apenado, bem como criar condições para que a pena afete tão somente o sentenciado e exima aqueles a sua volta.

A Lei de Execução Penal, em seus artigos 10 e 11, inciso V, estabelece a assistência social como um dever do Estado para com o condenado. A mesma lei, no artigo 23, inciso VII, determina que tal assistência deva também amparar a família do preso, do internado e da vítima, quando necessário.

Dentro dos estabelecimentos prisionais que seguem o método APAC é dada toda a assistência possível às famílias daqueles que ali cumprem suas penas: são ministrados cursos profissionalizantes, é dado apoio espiritual, busca-se também envolver a família na recuperação do apenado, não o privando do convívio com a família, que se trata de um dos direitos dos condenados (LEP, artigo 41, X), como forma de amenizar os impactos da condenação, para que os efeitos não atinjam pessoa diversa do condenado.

Observa-se que mesmo diante da aparente falência dos aspectos principiológicos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena, o método APAC se apresenta como alternativa mais eficaz ao sistema tradicional:

A APAC tem uma tríplice finalidade: auxilia a Justiça, preparando o preso para o retorno ao convívio social; protege a sociedade, retornando a ela apenas indivíduos reestruturados humanamente e capazes de respeitá-la; e, por fim, é um órgão de proteção aos condenados, pautando-se por um método baseado no fiel cumprimento dos direitos humanos, executando um trabalho pautado no cumprimento das legislações vigentes e procurando sempre a eliminação da fonte geradora de novos criminosos. (MINAS GERAIS, 2011, p.62).

Essa metodologia conta com estrutura e métodos adequados à efetivação de princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, fazendo-se possível idealizar a otimização do sistema penitenciário nacional, com condições mais humanas para os detentos e egressos, para que saiam do sistema prisional sem o intuito de voltar a delinquir, dando esperança para que se possa conceber a ideia de uma sociedade menos refém da violência.

A APAC traz esperanças à humanização da carceragem brasileira juntamente com a observância dos princípios constitucionais em análise, além das previsões da Lei de Execução Penal, que visam garantir os direitos dos condenados e deveres da sociedade para com eles; tudo isso só sendo possível através da efetivação dos princípios dispostos na Constituição Federal, conforme exposto nas considerações finais abaixo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As previsões legais e principiológicas são explícitas quando da garantia de dignidade e isonomia na execução penal, sempre observando que cada indivíduo é diferente, devendo, portanto, ser tratado como tal. No entanto, a realidade fática do sistema prisional brasileiro mostra situação diversa da proposta no idealismo da lei, vez que nem a dignidade nem a isonomia são respeitadas no ambiente penitenciário. Os presos, então, se tornam reféns do sistema, que não consegue alcançar sua finalidade e acaba por causar diversos problemas que deveria ter solucionado.

A aparente solução para o déficit na efetividade do sistema penitenciário nacional surgiu com o método APAC de gestão de estabelecimento prisional. O método consistente na valorização humana e na evangelização foi desenvolvido como uma alternativa ao sistema penal tradicional, um ambiente desmoralizador, no qual o desrespeito e humilhação consistem em um desserviço aos apenados e à sociedade como um todo.

Dessa forma, mesmo diante da aparente falência dos aspectos principiológicos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena, ainda há esperança no que concerne a otimização do sistema penitenciário nacional se esta ocorrer por meio do método APAC. Na APAC, nenhum indivíduo é irrecuperável, e esta deve ser a filosofia da execução penal no Brasil.

REFERÊNCIAS

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Sobre as autoras
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Maria Clara Silveira Alves

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Processual Civil e Direito Penal e Processual Penal.

Beatriz Reis Abreu

Acadêmica do 7º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado no Projeto de Pesquisa “Execução Penal à luz do método APAC”, do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

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