Muito se tem discutido acerca da nova legislação do ISS, especialmente no que respeita à incidência do referido imposto à alíquota fixa ou variável e pelo número de profissionais regulamentados, na forma do art. 9º do DL 406/68. Isto porque, com o advento da Lei Complementar nº 116/2003, os Municípios de todo o País vem externando o entendimento de que o recolhimento do ISS, no que tange às empresas constituídas por profissionais devidamente regulamentados, será efetuado com base no faturamento mensal da empresa, fato este que vem atormentando toda a comunidade de contribuintes, por representar um considerável aumento na carga tributária.
Os Municípios alegam ter havido uma revogação tácita pela LC 116/2003 em relação ao art. 9 do DL 406/68. No entanto, cumpre aduzir que a Lei Complementar que trata do processo legislativo estabelece de forma clara que a cláusula de revogação deverá enumerar textualmente as leis ou disposições legais que pretende revogar.
É o que diz o art. 9º da LC 95/98, alterado pela LC 107/2001, in verbis:
"Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas."
Com observância ao que prevê o citado dispositivo, a Lei Complementar nº 116/2003 estabeleceu no art. 10 o seguinte:
"Art 10. Ficam revogados os arts. 8o, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3o do Decreto-Lei no 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar no 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei no 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar no 100, de 22 de dezembro de 1999."
Como se vê, o Artigo 10, acima transcrito, externou a vontade inequívoca do legislador, no sentido de demonstrar os dispositivos legais do DL 406/68, que deveriam ter sido revogados. Dentre eles, como se verifica, não se encontra o art. 9º, que trata exatamente do recolhimento do ISS sob alíquotas fixas ou variáveis e pelo número de profissionais habilitados.
Para que não reste dúvidas quanto à vigência do referido dispositivo, faremos uma breve análise sobre o que diz a Lei de Introdução ao Código Civil, que no art. 2º expressa o que segue:
"Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
x 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
x 2º A lei nova, que estabelecia disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
(...)"
Primeiramente, cabe reiterar que revogação expressa não houve. Assim, passamos para a análise das outras duas hipóteses:
a) quando seja com ela incompatível: a incompatibilidade necessária para revogar lei anterior evidencia-se quando a lei atual institui uma situação jurídica nova contrariando o que a lei anterior previa. Contudo, lendo e relendo a redação do art. 1º a 9º da LC 116/2003, tal incompatibilidade não foi constatada, no que se refere à sociedades constituídas por profissionais devidamente regulamentados. De fato, o que houve foi omissão do legislador, no trato do assunto em tela, na redação da Lei Complementar nº 116/2003.
b) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior: Esse segundo caso não é digno de maiores notas porque se a lei nova regulamenta inteiramente a matéria tratada anteriormente é porque, a toda evidência, houve manutenção do que a lei antiga tratava.
Desse modo, não há que se falar em revogação tácita do Art. 9º do Decreto-Lei 406/68 pela LC nº 116/2003.
Superada essa etapa, examinaremos o que prevê o art. 9º, infra transcrito, dando a atenção que ele merece, tendo em vista que há na Sociedade Brasileira atual inúmeras Sociedades Civis, que, ainda, desconhecem tal benefício.
"Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
§ 2º Na execução de obras hidráulicas ou de construção civil o impôsto será calculado sôbre o preço deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais adquiridos de terceiros, quando fornecidos pelo prestador de serviços;
b) ao valor das subempreitadas já tributadas pelo impôsto.
§ 3º Quando os serviços a que se referem o itens I, III, V (exceto os serviços de construção de qualquer tipo por administração ou empreitada) e VII da lista anexa, forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao impôsto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo, responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável."
O dispositivo em questão, estabelece a base de cálculo do ISS, na hipótese de serviços prestados por profissionais regulamentados, os quais terão tratamento diferenciado em razão da forma como é constituída a sociedade.
Tal artigo não se aplica a qualquer tipo de sociedade. Para que a mesma se enquadre no benefício da Lei, alguns requisitos devem ser atendidos.
O principal deles é que a sociedade seja constituída por profissionais devidamente regulamentados, que é o caso de sociedade de médicos, contadores, veterinários, dentistas etc.
Atente-se, ainda, para o fato de que muitas sociedades formadas apenas por médicos e/ou bioquímicos, enfermeiros etc., tem sua constituição societária na forma de limitada e não de sociedade civil, fato este que não as impedem de gozar do benefício em tela. Isto porque o fato determinante para se dizer se uma empresa está ou não enquadrada no art. 9º consubstancia-se no modo como ela é constituída internamente (análise material), e não formalmente, ou seja, o que deve ser objeto de investigação é se a sociedade é constituída em seu interior por profissionais devidamente habilitados.
Tal análise deve ser feita porque se houver na constituição societária outra pessoa jurídica como sócio, a exceção instituída para as sociedades civis de profissionais habilitados não pode ser aplicada.
Outro fato digno de nota é que a lei não faz distinção entre sociedades profissionais e uniprofissionais, de modo que tanto uma como outra tem o direito de aplicar a regra do art. 9º do DL 406/68.
Sem maiores elocubrações encerramos nossos breves comentários para dizer que, embora haja Municípios que ainda insistem em efetuar a cobrança do ISS com base no faturamento da empresa, e não sob a forma da lei em comento, existem outros Municípios mais racionais que já começaram a dispor em seus códigos rendas a exceção ora tratada, faltando apensas que os fiscais passem a aplica-la da forma que a lei determina.