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Troca do poder muda membros da cleptocracia brasileira

Agenda 06/06/2016 às 09:59

Em 1964, por exemplo, a mudança na associação se deu de forma mais radical. O clube da prosperidade dos chamados jornalistica e supostamente 1% da população (os que se enriquecem corruptamente ou de forma politicamente favorecida com o dinheiro público)

  1. O Brasil, descrito como República Federativa e Estado Democrático de Direito, na verdade, nunca deixou de ser uma cleptocracia (Estado governado por oligarquias/elites políticas e econômicas extrativistas e patrimonialistas que se enriquecem corruptamente ou de forma politicamente favorecida com o dinheiro público). O que todos já sabíamos, a Lava Jato está evidenciando com detalhes cinematográficos. Às vezes em zoom.
  2. Aplausos para o didatismo da operação anti-oligarquias/elites. Ela está conseguindo mostrar a secular malandragem de forma inédita e compreensível a todos. Inclusive os secretários mais radicais de cada grupo da ligeira organização está mudando de opinião. É como se os pontos cegos ideológicos estivessem sendo milimetricamente selecionados e extirpados do crânio. Muitos olhos começaram a enxergar coisas que antes eram invisíveis em razão da tonteria humana. Até mesmo a extensão universal da cleptocracia (da corrupção sistêmica) começa a ser notada.
  3. Há uma espécie de clube permanente no Brasil que era clandestino para muita gente (clube dos cleptocratas). Somente os donos do poder podem ser sócios dele (afinal, o que está em jogo é o dinheiro público ou diretamente a população iludida pelas castas extrativistas, patrimonialistas e corruptas). Nem todos ocupam cargos no governo (isso não é necessariamente exigido). Há muitas empreiteiras sem cargos oficiais. Mas se sabe que praticamente todas elas são sócias do clube.
  4. Com a Lava Jato acuando alguns sócios do clube, elas já começaram a identificar os membros ocultos do contubérnio. Esse trabalho vai ser rematado em breve pela OAS e Odebrecht. Cerca de 60 delatores dessas empresas narrarão as estruturas organizacionais assim como a forma da redistribuição dos dividendos (leia-se: da riqueza corrupta ou politicamente favorecida) a todos os beneficiários da estimada confraria.
  5. Ninguém sabe exatamente quantos membros o clube possui. Digamos, por hipótese, que fosse 1% da população os que se enriquecem corruptamente ou porque são favorecidos politicamente com o dinheiro público. Nesse caso, os passados para trás seriam 99%. A cada troca de governo, altera a composição societária do clube da cleptocracia. Claro que com a chegada do PMDB de Temer ao poder (chegada não é bem a palavra, porque desde 1985 ele nunca saiu do poder), várias novas inscrições no clube estão sendo discutidas.
  6. Em 1964, por exemplo, a mudança na associação se deu de forma mais radical. O clube da prosperidade dos chamados jornalistica e supostamente 1% da população (os que se enriquecem corruptamente ou de forma politicamente favorecida com o dinheiro público) passou a ser presidido por setores do Exército e dele fizeram parte vários segmentos do empresariado nacional, dos latifúndios, da igreja conservadora e da mídia assim como de incontáveis multinacionais incentivadas pelos EUA, que foi um tipo de patrono do novo governo. Houve extraordinário crescimento econômico sob o império de instituições extrativistas, o que significou um aprofundamento ímpar nas desigualdades dos brasileiros.
  7. Desde 2003 e até antes do impeachment de Dilma (abril/16), o clube da cleptocracia teve como sócio (mais recente) um grupo que se intitulava de esquerda (lulopetismo). Muitos hoje estão na cadeia. Anteriormente, na História, a incômoda presença esquerdista no clube tinha ocorrido de forma muito passageira e fugaz. O clube sempre foi presidido e frequentado por gente que se diz de direita (e que defende valores como ordem e progresso, sem definir o que se entende por isso).
  8. A mais recente alteração estaturária ainda está em curso. A chamada esquerda foi expulsa do clube. Por meio de um impeachment, deu-se cartão vermelho a esse grupo (que se tornou um sócio indesejável). Quem está agora no seu comando? Desde logo, os velhos caciques cupulares do PMDB (recentemente flagrados em densas e “amenas” conversações, gravadas em áudios por um destacado membro do sodalício, que deliberou contribuir para a narrativa da história). São diálogos desapressados, detalhados, sobretudo sobre um plano para “estancar a sangria” que a Lava Jato está promovendo nos seus quadros.
  9. Foto_Beto Barata-PRO que aconteceu de mais estável no governo Dilma (2011-2016) está se repetindo na gestão Temer: trata-se da instabilidade. Que se tornou estável e tende a se agravar a cada dia em razão da Lava Jato (que está combatendo eficazmente a corrupção sistêmica das oligarquias/elites políticas e econômicas), das crises econômica, fiscal e política, das condições externas, das extremas desigualdades etc.
  10. Em menos de um mês de governo, Temer (na função de poder moderador que ele sempre cumpriu dentro do PMDB) teve que exonerar do honorável clube dois expressivos membros: um da área do Planejamento e outro da Transparência, Fiscalização e Controle. Razão: áudios vazados onde eles se posicionam contra a Lava Jato (cada dia mais institucionalizada e mais fortalecida). A população reclamou, os dois caíram.
  11. Mais exonerações estão por acontecer (talvez até com certa brevidade). Uma é da Secretária de Política das Mulheres, que está sendo investigada em atos de (suposto) desvio de dinheiro decorrente de suas próprias emendas parlamentares (ela é ex-deputada federal). O nível de intolerância da população com a cleptocracia (e seu clube) subiu extraordinariamente. Imaginava-se que essa repulsa fosse somente contra a “esquerda” aloprada. Não é bem assim. Novos tempos (positivos). Mais um efeito notável da Lava Jato, que vai se legitimando cada vez mais na medida em que faz o bem (para a sociedade) sem ficar selecionando os operadores do clube (todos devem prestar contas do enriquecimento ilícito ou favorecido).
  12. Também deve ser exonerado o Advogado-Geral da União por dissintonias com a nova administração. Não há notícia de qualquer envolvimento dele com o clube da cleptocracia, sim, sua exoneração está sendo pedida por não ter feito o que os novos donos do poder acham que ele deveria ter feito.
  13. No clube da cleptocracia são notados agora tanto frequentadores antigos como novos. Com a defenestração da turma da “esquerda”, membros do PSDB, DEM, Solidariedade, PP, PR etc. já estão ocupando seus postos no emérito grupo. Novas elites econômicas se aproximam, tanto quanto alguns setores dos velhos meios de comunicação liberais-ultraconservadores. No grupo dos novos sócios o destaque vai para alguns segmentos religiosos ultraconservadores, que contam hoje com forte ascensão sobre as chamadas “novas classes médias”. As velhas elites financeiras estão recebendo todos com as cortesias e honrarias de sempre. A preocupação agora é como fazer a economia crescer, porque sem crescimento os “negócios” do clube perdem fluidez e fortaleza. Extrativismo, patrimonialismo e enriquecimento corrupto e/ou politicamente favorecido são os esteios da prosperidade do grupo. Se a Lava Jato conseguir a refundação de todo o sistema político brasileiro fará mais do que a Operação Mãos Limpas.
Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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