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A prevalência dos direitos humanos em conflitos armados

Agenda 06/06/2016 às 21:05

As consequências dos conflitos armados internos e a proteção aos civis em contextos de guerras.

 

Resumo:

Este artigo tem como intuito demonstrar o surgimento dos direitos humanos e sua aplicação em situações de conflitos armados, bem como pontuar a importância das intervenções humanitárias nessas situações. Para isso será realizado uma abordagem simplificada das principais classes afetadas por esses conflitos e como é a atuação dos Estados e Organizações Internacionais para a proteção desses civis. 

Palavras-Chaves: Direitos humanos, conflitos armados, assistência humanitária.

1. Introdução:

O presente artigo irá tratar sobre a prevalência dos direitos humanos em contextos de guerras civis.  Esses direitos são inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição e, como tais, devem ser respeitados e preservados por toda a comunidade internacional.

Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo, principalmente, em períodos de guerra. Eles serviram de base para a criação de documentos legais que garantissem uma proteção maior aos indivíduos contra ações que interferissem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana. Além desses documentos internacionais, a maioria dos países também adotaram constituições e outras leis que protegiam formalmente os direitos fundamentais básicos de cada pessoa, proporcionando maior efetividade nas relações internas e externas.

O Direito Internacional público é considerado um dos instrumentos para a efetividade dos direitos humanos. Segundo Marcelo Varella, “o direito internacional público é o conjunto de regras e princípios que regula a sociedade internacional”. Isso pressupõe que os Estados têm a obrigação de agir em determinadas situações, assim como se abster de certos atos, a fim de promover a liberdade e a segurança dos indivíduos. 

Diante do exposto, o artigo visa adentrar especificamente no contexto de guerras civis, onde os direitos humanos são violados, mesmo com tantos documentos legais a disposição da comunidade internacional, bem como demostrar o papel da assistência humanitária nesses conflitos armados.

2. Principais marcos sobre os Direitos Humanos

Segundo Edilson Farias (2004, p.27), “os direitos humanos podem ser aproximadamente entendidos como constituídos pelas posições subjetivas e pelas instituições jurídicas que, em cada momento histórico, procuram garantir os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da solidariedade”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, veio à tona a necessidade de uma organização responsável pela paz no mundo e que garantisse a diplomacia em questões de direitos humanos. Nesse mesmo ano, os países vitoriosos – Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e China – firmaram um acordo de paz e criaram a Carta das Nações unidas, cujos objetivos norteadores eram assegurar a paz, a segurança mundial, a promoção dos direitos humanos e a cooperação para o desenvolvimento econômico e social dos países.

Logo após, em 1948, foi aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, apesar de priorizar direitos políticos e civis, foi de suma importância na internacionalização dos direitos humanos e serviu como fonte de inspiração para outros sistemas de proteção ao indivíduo. No Brasil, por exemplo, com a Constituição Federal de 1988, ocorreram importantes inovações no que tange a prevalência dos direitos humanos, especialmente como princípio orientador das relações internacionais.

A Convenção de Genebra, que foi criada em 1864, foi a base do Direito Internacional Humanitário, definindo direitos e deveres de combatentes ou não combatentes em tempos de guerra. Especificamente, a Quarta Convenção de Genebra que foi posterior a Segunda Guerra Mundial, veio para determinar novas regras frente a violação dos direitos humanos. A reunião que aconteceu em 1949 determinou a proteção de civis também em territórios ocupados. Isso foi um grande passo para a proteção desses indivíduos, que até então ficavam a mercê de seus Estados que, muitas vezes, não davam a assistência necessária.

Desde então, foram ratificados vários tratados que versavam sobre direitos humanos, dentre eles estão: O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial (1969), a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), a Convenção contra a Tortura (2007).  Esses tratados representaram a evolução dos direitos humanos e aos poucos os países foram criando normativos regionais de proteção e garantindo ao indivíduo o respeito aos direitos fundamentais.

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3. A violação dos Direitos humanos em conflitos internos

As guerras civis podem surgir em diferentes cenários, como a luta por territórios, pela independência, por questões religiosas, ou até mesmo por recursos minerais. Elas se reforçam na fragilidade do próprio Estado, que se vê incapaz de resolver seus conflitos internos e conter as tensões entre grupos contrários à sua atuação. Conforme Celso D. de Albuquerque Mello, “a guerra é talvez a violência na maior escala que o homem tenha conseguido produzir”.  A brutalidade dos conflitos armados não afeta somente os grupos que se rebelam, mas, principalmente, os civis que estão em áreas de riscos, com pouca ou quase nenhuma proteção. 

Embora seja essencial a preservação dos direitos básicos desses civis, ainda parece utópico idealizar que esses direitos sejam amplamente respeitados pela comunidade internacional. Não há dúvidas de que os Estados têm como principal obrigação o seu próprio desenvolvimento econômico e social, mas é fundamental, também, que eles favoreçam condições dignas para as pessoas e nisso inclui-se o respeito aos direitos fundamentais de cada indivíduo, como preceituados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

3.1 Violência contra a Criança

Apesar dos esforços da ONU para combater a violação dos direitos humanos, ainda existem no mundo situações graves de profanação a esses direitos:

"Há dez anos, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1612, para melhor proteger as crianças afetadas por conflitos. Hoje, estão a ser feitos grandes esforços para proteger as crianças em países em guerra. Mas a violência envolvendo crianças em conflitos tomou um rumo mais sombrio," (LAKE, Anthony)

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF):  “87 milhões de crianças no mundo não conhecem outra coisa a não ser a guerra. Elas estão cercadas por morte e destruição, vivem entre bombas e tiros”.  A vivência nesse contexto de guerra acaba prejudicando o desenvolvimento psicossocial dessas crianças, que vivem assoladas pelo medo e a violência.

O diretor executivo da UNICEF ainda reforça que "cada criança que é morta ou forçada a matar, ou que testemunhou a brutalidade da guerra, é uma vítima - um inocente que suportou o preço de um conflito que não causou".  Esses conflitos geram a perda de um direito fundamental: a vida, não apenas no sentido literal do termo, mas também condições dignas de subsistência, como um ambiente saudável capaz de propiciar a cada pessoa um bem-estar-social, o que não pode ser evidenciado quando se trata de guerra.

3. 2 Violência contra a mulher

Em pleno século XXI, apesar do acesso rápido a informações, ainda se vê a luta de gênero contra a violência sexual, principalmente em situações de conflitos armados. Por ser um momento de fragilidade do governo, casos como estupros passam despercebidos e não recebem o suporte necessário para a sua criminalização. Segundo Véronique Aubert, vice-diretora do Programa África da Amnistia internacional:

 “ À violação e outras formas de violência sexual têm sido usadas de forma tão generalizada e com tal impunidade, que só podemos daí tirar a conclusão de que tanto as forças de segurança governamentais, como os grupos da oposição armada têm utilizado este tipo de crime como parte de uma estratégia para espalhar o terror entre a população civil”.     

Neste diapasão, a comunidade internacional se sensibilizou cada vez mais com o impacto que os conflitos armados têm sobre mulheres e meninas (segundo demonstrado, por exemplo, pela adoção unânime em outubro de 2001 da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas), que preceituava:

10. Apela a todas as partes envolvidas em conflitos armados para que tomem medidas especiais de proteção das mulheres e das jovens contra a violência baseada na diferença de género, em particular a violação e outras formas de abuso sexual, bem como todas as outras formas de violência que ocorrem em situações de conflito armado;

11. Realça a responsabilidade que todos os Estados têm de pôr fim à impunidade e processar os responsáveis por genocídio, crimes contra a humanidade, e crimes de guerra, incluindo os que se relacionam com o sexo e qualquer outro tipo de violência contra as mulheres e as meninas, e, a este propósito, sublinha a necessidade de, sempre que possível, excluir tais crimes das provisões de amnistia;

Com isso, é importante que a comunidade internacional preserve os direitos das crianças e mulheres, é necessário pôr fim às hostilidades em situações de conflitos armados, garantindo acesso humanitário pleno e contínuo às pessoas em situação de vulnerabilidade.

Pensando nisso, a ONU solicitou aos países membros que se comprometessem mais com a proteção aos direitos humanos. Além disso, o Conselho de Segurança da ONU, que tem como principal responsabilidade a manutenção da paz e da segurança internacional, está na linha de frente no combate a violação desses direitos. Isso se deflagra em diversas situações, mas a sua principal atuação é nos setores mais frágeis da sociedade, como as crianças e mulheres que são mais vitimadas nesses contextos de guerras.

4. A assistência humanitária em situações de conflitos armados

Mesmo com a ratificação da Carta das Nações Unidas houve a necessidade de reforçar a proteção das vítimas de guerras. Nesse contexto, surge a ideia de Direito Internacional Humanitário, cuja finalidade era proteger as pessoas que não participavam das guerras, mas que eram afetadas direta ou indiretamente por elas.

O reconhecimento do direito à assistência humanitária encontra-se presente no artigo 28º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: toda pessoa tem direito a que reine no plano social e no plano internacional uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração. Sendo assim, as organizações humanitárias são responsáveis por levar um mínimo de assistência aos civis em situação de guerra, incluindo serviços médicos, alimentação e até mesmo segurança para esses indivíduos.

A Convenção de Genebra, adotada em 1949, foi um importante tratado de proteção e assistência humanitária as vítimas de guerras. Ela foi dividida em quatros documentos, denominados convênios de Genebra, sendo que cada um desses convênios se refere a categorias de pessoas que não participam dos conflitos armados, mas que são afetadas diretamente por eles. O artigo 3º, das quatro convenções, estipula quais pessoas poderão receber assistência humanitária, no qual enfatiza:


No caso de conflito armado que não apresente um carácter internacional e que ocorra no território de uma das Altas Potências contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada a aplicar pelo menos as seguintes disposições:

1) as pessoas que tomem parte diretamente nas hostilidades, incluídos os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimento, detenção ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer critério análogo.

 

Essa Convenção foi de suma importância para a atuação dos Estados em conflitos internacionais, assim como a sua ampliação para conflitos não internacionais, como as guerras civis. Esse último caso foi acrescentado pelo Protocolo II – relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Não Internacionais – trazendo em seu artigo 4º o respeito as garantias fundamentais de trato humano, reafirmando a segurança da população civil em contextos de guerras internas.

4.1  Papel da Cruz Vermelha nos conflitos armados

As organizações internacionais passaram a ser criadas devido à constatação de que os métodos diplomáticos clássicos e a ação individual ou em conjunto dos Estados não mais se mostravam inteiramente eficazes em face da necessidade crescente de coordenação de atividades da comunidade internacional a respeito de questões de alcance global (CRETELLA NETO, 2007, p. 411).

Assim, foi constatado que a Assistência humanitária, além de ser responsabilidade do Estado, também é papel das Organizações internacionais e ONGs de vocação humanitária em conflitos armados. No próprio artigo 3º da Convenção de Genebra estabelece que: “Os feridos e doentes serão recolhidos e tratados, por um organismo humanitário imparcial, como a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, no qual poderá oferecer os seus serviços às Partes no conflito”. Essa assistência humanitária é denominada como subsidiária, trata-se de um direito dessas organizações de auxiliar nesses conflitos armados.

A Cruz Vermelha foi criada em 1863, cujo objetivo principal é garantir a proteção e assistência às vítimas de conflitos armados e tensões e, para isso, realiza ações diretas no mundo todo e incentiva a aplicação do Direito Internacional Humanitário (DIH), promovendo o seu respeito por parte dos Estados. Ela é uma organização autônoma e imparcial, financiada por doações voluntárias de governos e a sociedade. Essa organização representa bem a ideia de assistência humanitária e sua atuação em conflitos armados, pois ela age diretamente com intuito de proteger os direitos fundamentais do indivíduo e proporciona-lhe condições dignas de subsistência. (sitio CICV)

A questão da intervenção humanitária foi algo que gerou inúmeras discussões, já que a internacionalização dos Direitos humanos não confere a um Estado o direito de interferir nas relações internas de outrem. No entanto, também foram levadas em consideração as condições para a sua implementação que são: a urgência, a gravidade, e a abstenção em relação às vítimas por parte do Estado. Neste caso, usa-se o princípio da subsidiariedade, no sentido de que quando o Estado não prestar a assistência necessária, os outros Estados e organizações poderão fazer de tudo para ajudar os civis, que são as principais vítimas desses conflitos.

5. Considerações Finais

Conforme exposto no presente artigo, conclui-se que a proteção aos direitos humanos é uma peça-chave na prevenção e repressão contra a violência aos civis no contexto dos conflitos armados, já que existem inúmeros documentos legais garantido essa proteção, bastando que sejam efetivados pela comunidade internacional. Além disso, evitam que essas guerras civis tomem proporções mais alarmantes e acabem se sobrepondo aos direitos fundamentais básicos de cada indivíduo.

Também pode se notar, que a Convenção de Genebra de 1864 foi um importante documento para a consolidação dos direitos humanos em contextos de guerra. Por meio de suas resoluções e protocolos, foi possível uma união internacional para dar mais assistência humanitária a esses indivíduos que não faziam parte dos conflitos, mas que eram afetados drasticamente.

Nesse sentido, é necessário que haja uma união mais eficaz da comunidade internacional, que apesar de terem ratificado a Convenção das Nações unidas, não deram maior relevância aos direitos humanos, uma vez que muitos países ainda hostilizam seus civis, atentando contra a dignidade da pessoa humana. Portanto, é mister que para alcançar efeitos positivos os países devem cooperar internacionalmente para resolver esses conflitos de forma pacífica e garantir que a assistência humanitária forneça os meios necessários de subsistência a esses civis.

6. Referências bibliográficas

Mello, Celso D. Albuquerque, 1937 – Direitos Humanos e Conflitos Armados – Rio de Janeiro: Renovar, 1977. 500p.

Hauser, Denise. / Ferraz, Daniel Amin – A nova ordem mundial e os conflitos armados – Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

Varella, Marcelo D. - Direito internacional público – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

A Carta das Nações Unidas – Decreto 19.841 de 22 de Outubro de 1945 – Disponível na URL:                                                                  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>

A Organização das Nações Unidas - Editora Humana Global – Associação para a Promoção dos Direitos Humanos, da Cultura               e do Desenvolvimento. Abril de 2007. 

Sobre a autora
Rosilene Ferrante Hoinacki Ribeiro

Bacharelada em Direito pela Universidade Central de Brasília (UniCEUB). Advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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