SUMÁRIO:INTRODUÇÃO-Considerações preliminares e delimitação do tema;,CAPÍTULO 1-PREVALÊNCIA DA VONTADE DE RECORRER DO RÉU; CAPÍTULO 2-PREVALÊNCIA DA VONTADE DE RECORRER DO DEFENSOR;CAPÍTULO 3- PREVALÊNCIA DA VONTADE DE QUEM QUER RECORRER; 3.1Princípio da ampla defesa, 3.2Princípio do duplo grau de jurisdição, 3.3Princípio da proibição da "reformatio in pejus", 3.4Princípio da verdade real, 3.5Da teoria que defende a prevalência, CAPÍTULO 4-O TEMA EM QUESTÃO DIANTE DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Contumaz celeuma existente na doutrina e na jurisprudência é a questão referente a interposição de recurso quando da renúncia do Réu ao direito de recorrer, ou da sua desistência, e a vontade do Defensor em interpor recurso contra sua vontade. Há, ainda, o posicionamento de que deve prevalecer, em nome do Princípio da Ampla Defesa, a vontade de quem quer recorrer.
Sendo assim, é de se indagar qual seria a posição mais correta a ser adotada. A) Prevalência da vontade de recorrer do Réu?; b) Prevalência da vontade de recorrer do Defensor?; c) Prevalência da vontade de quem quer recorrer?
Essas três correntes de pensamento se mostram divididas diante de tão complexa matéria processual, cada uma munida de respeitáveis argumentos.
A primeira posição – prevalência da vontade de recorrer do Réu – tem como base de fundamentação a titularidade do direito de recorrer, haja vista esta pertencer ao acusado e não ao Defensor, pois assim confirma o adágio jurídico "quem pode o mais, pode o menos".
Para essa corrente de pensamento, o Advogado apenas atua no processo, dando ao Réu, senhor primeiro de sua liberdade, indispensável assistência técnica, sem, contudo, poder transbordar os limites da sua outorga.
Os Defensores dessa linha de posicionamento argúem ainda que o direito de recorrer é renunciável, logo, o imputado, ao manifestar sua posição, está exercendo apenas seu direito subjetivo: o de não recorrer.
A segunda posição – prevalência da vontade de recorrer do Defensor – argumenta ser a vontade do Defensor qualificada de sustentação técnica.
De logo afirmam os adeptos dessa teoria que a titularidade do direito de recorrer pertence não somente ao imputado, como também ao seu causídico, em virtude do que dispõe o art. 577 do CPP [1].
Argúem, ainda, que o Réu como leigo não dispõe de condições suficientes para renunciar ou desistir do recurso, em razão de não conhecer do tecnicismo processual.
A terceira posição – prevalência da vontade de quem quer recorrer – defende, em nome do Princípio constitucional da Ampla Defesa, que não importa a quem pertence a titularidade, senão quem tem a vontade em interpor o recurso.
Percebe-se, de logo, que tal corrente – registre-se: a mais vanguardista entre as três – tem como Princípio fundamental a constante busca da liberdade do acusado.
Assim, para essa posição não importa a causa para a interposição de recurso, mas a sua conseqüência, porquanto possibilite a liberdade do acusado.
Analisadas superficialmente os fundamentos das três correntes, enfrenta-se a partir de agora, de forma sintética e objetiva, cada posicionamento adotado.
CAPÍTULO I
PREVALÊNCIA DA VONTADE DE RECORRER DO RÉU
Antes de se discutir o tema em questão, mister se faz analisar alguns institutos do direito processual penal para o melhor entendimento da questão trazida neste trabalho.
Legitimidade
O estudo da legitimidade se faz necessário haja vista o fato de que somente pode interpor recurso aquele que é parte. Mas não basta apenas ser parte, deve ser parte legitima. A definição autorizada de Paulo Rangel assim define a legitimidade em sede de recursos:
"Legitimidade é a pertinência subjetiva dos recursos, ou seja, somente se admitirá recurso da parte que tenha interesse na reforma ou modificação da decisão".
No Código de Processo Penal encontram-se alguns dos legitimados a oferecer recurso, como é o caso do Ministério Público, o Querelante, o Réu, seu Procurador ou Defensor. Quando o Código de Processo Penal legitima o Réu e o seu Defensor, percebe-se de plano que a legitimação é concorrente, ou seja, é disjuntiva. Os dois têm a capacidade de oferecer recurso dentro do Processo Penal. Vale ressaltar que o Defensor do Réu tem ao mesmo tempo a capacidade postulatória e a capacidade de oferecer recurso.
Dessa legitimidade disjuntiva para se oferecer um recurso surge a questão ora analisada. Se o Réu renuncia ao seu direito de recorrer e o outro legitimado, o seu Defensor, o faz, qual a vontade que deve prevalecer?
A doutrina se divide em três correntes distintas, não comportando este tópico divagações acerca das demais correntes. Sem embargos de opiniões em contrário, entende-se que deve prevalecer a vontade do Réu, quando este desiste do recurso interposto. Analisando o tema em sede de recurso de apelação, pode-se verificar que a vontade do Réu deve prevalecer pelas razões que serão expostas no decorrer deste tópico.
O direito de recorrer deve ser entendido como um direito renunciável. Se assim não fosse entendido, deveria haver então a remessa necessária de todos os processos que restassem perdedores os Réus para a reapreciação pelo órgão hierarquicamente superior.
O direito de recorrer, em entendimento de renomados processualistas, não é nem obrigação, nem tampouco faculdade. Este direito revela-se um verdadeiro ônus ofertado às partes que litigam num processo. Em sendo este direito um ônus, a parte não deve ser, em hipótese alguma, coagida a recorrer. Deve haver um interesse em recorrer para que o recurso seja interposto. Estar-se-ia sendo Contraditório o legislador se concedesse o direito ao Defensor de recorrer sem a anuência da parte interessada, ou seja, não haveria interesse de se recorrer no recurso interposto.
Comungando da posição aqui assumida, têm-se as sempre preciosas lições do ilustre processualista Damásio de Jesus, que em seu Código de Processo Penal Anotado traz inúmeros julgados neste mesmo sentido.
Também em sentido aqui adotado, verifica-se a posição da Magistratura Estadual do Rio de Janeiro, que em questão colocada no concurso para ingresso na carreira assumiu esta posição.
Com relação a posição de que o não conhecimento feriria o Princípio da Ampla Defesa, entendemos que este posicionamento não deve prosperar. O Princípio da Ampla Defesa assegura aos litigantes em processo judicial todos os meios necessários a estes para proceder à defesa, sendo, inclusive, facultado o uso de recursos.
A Ampla Defesa é exercida, de fato, no primeiro grau de jurisdição. Caso isso não se verifique, a ação penal será considerada nula. No momento oportuno, o primeiro grau de jurisdição, o Réu e o seu Defensor têm não só o direito de se defender, mas têm de seguir a exigência constitucional de se proceder à Ampla Defesa. Com a sentença prolatada segundo os trâmites legais, verifica-se um pronunciamento do Estado que pode e deve ser respeitado. Não querendo o Réu recorrer, deve então prevalecer a vontade deste em cumprir a determinação estatal, cristalizada em forma de sentença. Verifica-se, destarte, que não fere qualquer postulado constitucional o Réu que exerce o seu direito de não recorrer, direito este, como exaustivamente demonstrado acima, disponível.
A voluntariedade do recurso de apelação, de forma especifica, está consignado no artigo 594 do Código de Processo Penal. Esta voluntariedade expressa de vez por todas que, em sendo voluntário o recurso, deve o Réu manifestar o interesse na sua oferta.
Outra razão para entendermos que a apelação não pode prosperar sem a aquiescência do Réu é o fato de que o Réu é quem constitui o Defensor. Se este pode constituir Defensor a sua escolha, deve-se entender que também pode desconstituí-lo no processo. Fica demonstrado que aquele que pode o mais, pode o menos.
Esta posição restou adotada em forma de súmula, sob o nº. 143, nas mesas de processo penal da conceituada Faculdade de Direito da USP. A pessoa que constitui o Advogado para em seu nome agir pode desconstituí-lo no momento em que este recorre sem o seu expresso consentimento. Essa situação se agrava ainda mais quando se verifica que o constituído agiu em nome do constituinte contra a sua vontade. Vale lembrar que o Advogado é constituído mediante instrumento procuratório, devendo ser o procurador daquele, cumprindo com aquilo que lhe foi outorgado.
Tem-se que entender também a renúncia como sendo um ato de desistência do recurso. Entendida a renúncia assim, verifica-se que este ato é um ato irrevogável, ou seja, não pode mais haver um recurso posterior. Há no caso em tela uma consumação do ato que deveria ser praticado, nada mais podendo então ser feito. A sentença que homologar esta desistência será meramente declaratória, bastando apenas a livre manifestação de vontade para que seja declarada.
A renúncia só não poderia ser entendida como sendo válida se uma das causas ensejadoras de nulidade estivessem presentes. No preciso momento em que é manifestada, produz seus efeitos consultivos sobre o objeto do direito e preclusivo do mérito.
No caso em exame, cabe ao juiz apenas homologar a desistência. Se o recurso já estiver em trâmite, caberá ao órgão julgador de segundo grau homologar a referida desistência. O único caso em que não é possível a desistência do recurso por parte do Defensor, contra a vontade do Réu, é no caso de Defensor dativo, visto que este precisa de poderes especiais para isto.
A admissibilidade da renúncia ao direito de recorrer se exterioriza e ganha vida em alguns julgados a seguir transcritos:
"A renúncia ao direito de apelar constitui faculdade processual de que é titular o próprio Réu condenado, inobstante seja lícito ao seu Defensor, desde que investido de poderes especiais, também abdicar do exercício desse mesmo direito. O direito de recorrer, que é essencialmente disponível, constitui situação jurídica que admite, em sede processual penal, a prática legitima da renúncia. O caráter voluntário da apelação criminal submete plenamente essa espécie recursal ao poder dispositivo de qualquer dos sujeitos da relação processual penal, os quais poderão, em conseqüência, renunciar ao seu exercício. A única limitação incide sobre o MP, que, embora dispondo da faculdade de não recorrer, não poderá desistir da impugnação recursal que houver deduzido. Desde que plenamente capaz, pode o condenado renunciar ao seu direito de apelar. Essa manifestação de vontade do sentenciado, quando exteriorizada ao auxiliar do juízo, deve ser, para efeito de sua validade, reduzida a termo, assinada pelo próprio renunciante, e também pelo oficial de justiça, escrevente ou pessoa judicialmente incumbida da diligência, sem prejuízo da intimação pessoal da decisão penal condenatória ao Defensor constituído ou dativo" [2].
"Apelação – Renúncia – Réu maior de vinte e um anos, cuja declaração de vontade reveste-se de plena eficácia jurídica – Desistência homologada - ‘o caráter voluntário da apelação criminal se converte em espécie recursal inteiramente submetida ao poder dispositivo de qualquer dos sujeitos da relação processual penal, os quais poderão, em conseqüência, renunciar ao seu exercício" [3].
"APELAÇÃO. RÉU QUE MANIFESTA O DESEJO DE NÃO RECORRER. APELO INTERPOSTO PELO ADVOGADO. NÃO CONHECIMENTO. MAIORIA. Malgrado respeitável a posição de que a Defesa técnica, como corolário do Princípio do devido processo legal, deva prevalecer, quanto à vontade de apelar, sobre o desejo do Réu, o certo é que este é o titular do direito de recorrer. E este direito é disponível, renunciável. Não pode, portanto, o Advogado ou o Defensor apelar contra a vontade do titular do direito de recorrer. Apelação não conhecida. Maioria" [4].
Do exame da jurisprudência trazida à colação, constata-se que há um entendimento por parte dos magistrados no sentido de que deve prevalecer a vontade do Réu quando da interposição do recurso. Algumas premissas devem ser elencadas para o melhor entendimento.
A primeira idéia que se deve ter em mente é com relação à voluntariedade dos recursos. Segundo o atual Código de Processo Penal, os recursos são voluntários, em regra, cabendo, pois, deixar de se exercer tal direito. Tratando-se de direito disponível pode o Réu conformar-se com a sentença e preferir não recorrer.
A segunda idéia é com relação à titularidade do direito de recorrer. O Réu, na verdade, é o único e verdadeiro titular do direito ao recurso. Só a ele aproveita a impugnação da sentença que lhe foi desfavorável, devendo caber a ele a escolha pela oportunidade de se oferecer o recurso ou não.
A terceira premissa tem relação com o papel do Advogado no processo. Conforme dito anteriormente, o Advogado no processo atua como representante da vontade do seu cliente. Se este deseja não mais recorrer, estar-se-ia agindo contra os seus poderes o Advogado que apelasse contra a sua vontade.
A quarta premissa a ser entendida com relação a este tema tem reflexos diretos na defesa e execução da pena. A Lei de Execuções Penais confere algumas vantagens ao Réu que não recorre. A defesa técnica do Advogado que recorre sem a anuência do Réu pode até mesmo prejudicar o Réu, uma vez que este pode perder alguns benefícios que a referida Lei pode lhe oferecer.
Por fim, é suficiente interpretar a lei ordinária e depois confrontá-la com a Constituição Federal para percebermos que não há afronta a nenhum princípio insculpido na Magna Carta. Muito pelo contrário, as idéias se harmonizam e convivem diametralmente.
Chega-se à conclusão, desta forma, de que o Réu é o único titular do seu direito de defesa, podendo praticá-la tanto de forma técnica, com o auxílio do Advogado, bem como se auto-defender. Afrânio Silva Jardim, manifestando-se acerca deste tortuoso tema, assim se posiciona:
"Em caso de eventual choque de posições, deve prevalecer aquela que mais se coaduna com a função quase pública de, dialeticamente, contribuir para a busca da verdade real no processo penal, tornando-se desnecessário que o magistrado deixe a sua posição eqüidistante do conflito noticiado nos autos".
Logo, o Réu, o titular legítimo para apresentar recurso, deve ter a sua vontade respeitada quando da interposição do mesmo, não devendo destarte o seu Advogado, aquele que foi por ele constituído, agir de encontro à sua vontade. De toda sorte, se conclui que guarda razão a parte da doutrina que se posiciona com a prevalência da vontade do Réu em relação à vontade de seu Defensor quando se vai interpor um recurso.
CAPÍTULO II
PREVALÊNCIA DA VONTADE DE RECORRER DO DEFENSOR
É indispensável para o regular desenvolvimento do Processo Penal a representação do acusado por um Defensor Técnico. O direito de defesa é um direito indisponível, devendo ser exercido ainda que contra a vontade do Réu, ou na sua ausência (art. 261, do Código de Processo Penal). Caso este não constitua procurador, lhe deve ser nomeado Defensor pelo juiz, conforme regras imperativas constantes dos artigos 263 a 265 c/c 564, III, "c" do mesmo Código, todas no sentido de assegurar a presença efetiva da Defesa técnica.
O Código de Processo Penal inovou no que diz respeito à capacidade processual e legitimação, desta forma, atribuiu ao Defensor Técnico capacidade postulatória e recursal.
A própria lei processual estabelece que o recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, pelo Querelante, pelo Réu e por seu Procurador ou Defensor (artigo 577 do CPP). A este último, seja ele constituído ou dativo, será facultada, em sede de defesa material, a apelação da sentença.
Ressalte-se, também, que a Lei Maior, na garantia do Contraditório e da Ampla Defesa (artigo 5º, LV), estabelece que esta se dará "com os meios e recursos a ela inerentes". Pode-se extrair do mandamento constitucional que a "Ampla Defesa" só se efetivará quando utilizados os recursos que a integram. São inconstitucionais, por violarem o referido artigo, todas as regras processuais que transformam a prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível (art. 393, inc. I), pela ausência de efeito suspensivo do recurso, em requisito de admissibilidade deste mesmo recurso.
Segundo Paulo Rangel, são requisitos de admissibilidade para recorrer a legitimidade e o interesse. O autor conceitua legitimidade como "a pertinência subjetiva dos recursos, ou seja, somente se admitirá recurso da parte que tenha interesse na reforma ou modificação da decisão" e interesse como sendo "o binômio: utilidade + necessidade, ou seja, sempre que o recurso for o único meio útil e necessário para se restabelecer a ordem jurídica violada haverá interesse na reforma da decisão".
Ocorrem com certa freqüência no foro criminal divergências entre a vontade do Réu e de seu Defensor. De um lado o acusado, manifestando, expressamente, seu desejo de não apelar; do outro, a defesa técnica interpondo o recurso. O problema neste caso, não será de legitimidade, mas de interesse. Deve-se, contudo, prevalecer a vontade do Defensor de recorrer, só se admitindo solução em contrário, por ausência do interesse, quando não for possível obter vantagem prática para o Réu.
O Réu, como leigo, não dispõe de condições para avaliar a necessidade ou a conveniência para a interposição do recurso. Há que prevalecer o caminho traçado pelo profissional especializado na ciência jurídica, em favor do recurso. Este está em melhores condições de lançar mão de melhor técnica, patrocinando o interesse do Réu, aplicando devidamente os princípios que tutelam o direito de defesa no campo da lei processual penal e perante a Constituição Federal.
Correntes jurisprudenciais prevalecem neste sentido, vejamos:
"ROUBO QUALIFICADO – TENTATIVA – RENÚNCIA AO DIREITO DE APELAR – DEFESA TÉCNICA – PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA – ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – ESTADO DE NECESSIDADE – INOCORRÊNCIA – ROUBO QUALIFICADO – APELAÇÃO CONTRA A VONTADE DO RÉU – PREVALÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA – ESTADO DE NECESSIDADE – ÔNUS DA PROVA – PENA – TENTATIVA – REGIME – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se pacificou no sentido de que existindo conflito entre a vontade do Réu e a do Defensor com relação à conveniência do apelo, deve prevalecer a da Defesa técnica com base no Princípio constitucional da Ampla Defesa. Na forma do art. 156 do Código de Processo Penal, o ônus da prova é de quem alega, não bastando para excluir a ilicitude da conduta a simples alegação do agente de que atuará em aparente desconformidade com o Direito para se livrar de situação de perigo em que se encontrava e que não fora por ele provocada. Reconhecida a forma tentada, o iter criminis percorrido, em sua razão inversa, deve ser observado quando da apelação. Assim, correta se apresentando a diminuição pela tentativa no percentual mínimo previsto na norma de extensão respectiva, eis que o delito ficou bem próximo da consumação. O fato do acusado ser primário e de bons antecedentes, por si só, não obriga o Juiz a fixar regime diverso do fechado, sendo indispensável, porém, a respectiva motivação, o que efetivamente ocorreu na hipótese vertente. Recurso defensivo improvido". [5]
"PROCESSO PENAL. ROUBO. APELAÇÃO DESISTÊNCIA DO RÉU. INTERPOSIÇÃO PELO DEFENSOR. POSSIBILIDADE. O recurso interposto pelo Defensor Público deve ser conhecido e julgado, ainda que o Réu tenha manifestado sua desistência. "Existindo conflito entre a vontade do Réu e a do seu Defensor quanto à interposição de recurso, prevalece a manifestação técnica do Defensor, porquanto tem este melhores possibilidades de avaliar as condições de êxito da impugnação" Precedentes. Ordem concedida, para determinar à Corte ordinária que receba a apelação e a julgue como entender de direito". (6)
"HABEAS CORPUS. APELAÇÃO CRIMINAL. CONFLITO DE VONTADES ENTRE O RÉU, QUE DESISTIU DO RECURSO, E A DEFESA TÉCNICA QUE O INTERPÔS. "Existindo divergência quanto à interposição de recurso entre o acusado e o seu Defensor, prevalece a vontade do último, posto tratar-se de profissional preparado tecnicamente, com melhor domínio sobre a questão jurídica, com mais experiência e condições para decidir sobre a conveniência ou não da impugnação" ordem concedida, determinando que o tribunal a quo proceda a novo julgamento da apelação nº 1255505/8, examinando o mérito da questão como entender de direito". (7)
Do mesmo modo, a manifestação unilateral do Réu, indo de encontro à interposição de recurso diante de uma condenação, não deve prosperar, uma vez que sua vontade é geralmente viciada pelo desconhecimento da prova dos autos, do sentido legal da sentença e das sinuosidades técnicas das normas recursais.
Não se pode conceber a representação do Defensor, no processo penal, com base nos Princípios do Direito Privado que regem o contrato de mandato. A ele não é imperioso o assentimento do Réu para exercer sua defesa técnica, desta forma não se submetendo, essencialmente, à sua orientação.
Ademais, devido à vedação da ''Reformatio in Pejus", expressamente prevista no artigo 617, in fine, do CPP, o apelo em nada prejudicaria o Réu. Com a admissão deste recurso, obtém-se na prática somente benefícios ao acusado. Caso o Defensor não tenha razão, não será deferida a tal impugnação, mantendo-se a sentença condenatória.
É o que corrobora o entendimento do STJ, como se pode verificar:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONFLITO DE VONTADES. RÉU QUE RENUNCIA AO SEU DIREITO DE RECORRER X DEFENSOR QUE INTERPÕE APELAÇÃO. PREVALÊNCIA DA VONTADE TÉCNICA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em homenagem ao Princípio da Ampla Defesa, deve prevalecer a vontade da Defesa técnica sobre a autoDefesa, já que, sendo o Defensor um profissional dotado de conhecimento técnico especializado para atuar no processo, possui melhores condições de avaliar a conveniência ou não da impugnação da sentença condenatória. 2. Ademais, há de se ressaltar que a interposição do recurso de apelação em nada poderá acarretar prejuízos ao Réu, em virtude do "reformatio in pejus". 3. Ordem concedida". [8]
Dispõe ainda o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Código de Ética, no artigo 2º, § 2º, que constitui "múnus Público" do Advogado, em processo judicial, a "postulação de decisão favorável" ao seu constituinte. Se a lei assim cuidou da matéria, não há porque limitar a ação do Advogado que vise decisão mais favorável para o seu cliente, sem qualquer risco para este, vedando-se o conhecimento de um recurso.
Cabe ao Advogado representar e assistir tecnicamente o acusado, esgotando todas as vias possíveis para contribuir à sua absolvição, favorecendo sua defesa. No entanto, não tem o Defensor a obrigatoriedade de recorrer, sopesando as possíveis vantagens que poderão ser obtidas com a reforma da sentença. Assim, mesmo assegurando a Constituição Federal vigente Ampla Defesa ao acusado, no seu art. 5º, LV, não se pode constranger o acusado ou seu patrono a usar de todos os meios que a lei coloca à sua disposição para o desdobramento da sua Defesa. O STF vem mantendo este entendimento que prevalece em razão do Princípio da Voluntariedade do Recurso, excetuando-se nos casos em que deverão ser interpostos de ofício pelo juiz (art. 574, CPP). O que não é permitido é a apelação oferecida por Advogado não constituído ou nomeado para o Réu.
Esta premissa de que, em regra, os recursos são voluntários não implica a dependência à vontade exclusiva do Réu. Ao recorrer, o Defensor também revela a vontade de impugnar uma decisão, com o intuito de modificá-la, extingui-la, esclarecê-la ou integrá-la.
A interposição de apelação pelo Réu ou pelo seu Defensor não impede que o acusado venha a se favorecer de imediato: com efeito, durante o trâmite deste recurso poderá se beneficiar com várias espécies de vantagens como, por exemplo, a progressão e remissão da pena, e da eventual concessão ao livramento condicional, entre outras.
Tendo em vista que a legitimação para recorrer pertence ao Réu e ao seu Defensor (parte final do art. 577 do CPP), entende-se que a intimação da sentença deve ser feita a ambos conjuntamente, estando o acusado recolhido ou não à prisão. O acesso à via recursal apenas esgota-se com a renúncia ou inércia dos dois titulares do direito de Defesa, computando-se o prazo recursal a partir do cumprimento da última intimação.
O ideal seria que a intimação da sentença condenatória direcionada ao Réu ocorresse sempre às vistas de seu Advogado. Mesmo esta medida sendo efetivada, eventual discordância poderá vir à tona, no que diz respeito à interposição do apelo, todavia atenuaria o surgimento de conflitos de interesses.
Em prol da verdade real, conclui-se que os meios de defesa aplicáveis ao processo penal não são apenas ônus privados, tal como no processo civil. Ordinariamente a Defesa é uma determinação legal para que a atividade jurisdicional do Estado resulte no implemento de um devido processo legal.