- INTRODUÇÃO
Não é novidade que com a crise econômica a qual passamos, os fornecedores tanto de produtos como de serviços busquem alternativas de oferecerem seus produtos com uma melhor qualidade, melhor preço e também com uma maior comodidade e facilidade, para que desta forma o consumidor se sinta atraído para consumir e compre aquele determinado produto ou serviço.
Com a era da informática, os fornecedores viram despontando um ótimo mercado, o chamado comércio eletrônico, pois poderiam oferecer e vender seus produtos com uma maior comodidade a seus consumidores, onde os produtos estariam disponíveis por meio da Internet em "sites" da própria empresa ou em "links" promocionais, em propagandas feitas através de malas diretas endereçadas aos e-mails dos consumidores, enfim se utilizarem da tecnologia para gerarem mais vendas, ou seja, nesta modalidade de vendas, os fornecedores estariam oferecendo seus produtos fora de seus estabelecimentos comercias, de praxe, para ir oferecê-los até os consumidores, estes últimos com a facilidade de consumirem sem que seja necessário sair de sua própria casa ou trabalho, é o chamado comércio eletrônico.
Com isso, surgiu a necessidade dessas vendas serem regulamentadas principalmente para proteger os consumidores, que são vulneráveis na relação de consumo, não sejam alvos fáceis de possíveis práticas abusivas ou enganosas praticadas por fornecedores.
Porém, há de se salientar, que a legislação Consumerista não surge para prejudicar os fornecedores e sim, equipará-los aos consumidores. Não há dúvidas que os consumidores não são somente sujeitos de direitos, mas possuidores, também, de deveres e obrigações, devendo desta maneira atender e atentar para os princípios basilares das relações jurídicas, principalmente o da boa-fé nas contratações, pois caso contrário, seria inviável, em todos os aspectos, para os fornecedores comercializarem seus produtos e serviços.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, inciso III, versa sobre a harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo, e está nos princípios da boa-fé e do equilíbrio nas contratações.
O CDC diferentemente do Código Civil, leva em consideração a boa-fé objetiva. A boa–fé civilista é a subjetiva, onde leva em consideração à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito, é a falsa crença de que um determinado ato é lícito, ou seja, a pessoa comete um ato ilícito sem saber que está cometendo.
Já a objetiva, seria uma espécie de regra de conduta, ou seja, um dever de ambas as partes de agir, conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de que se estabeleça um equilíbrio nas relações de consumo, pois relações equilibradas implicam em soluções de tratamento eqüitativo para ambos.
Por fim a boa-fé é uma espécie de pré-condição abstrata de uma relação, pois visa garantir a ação sem abuso, obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando e visando sempre atingir a finalidade do contrato celebrado.
2. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO
A relação de consumo é caracterizada por elementos mínimos, que devem estar presentes tanto nas transações tradicionais quanto nas transações realizadas pela internet, ficaremos com os seguintes elementos: sujeito, objeto e vínculo.
O sujeito diz respeito as partes na relação de consumo, o objeto pode ser um bem ou um serviço, a causa refere-se a finalidade do consumo e o vínculo corresponde ao elo que une as partes na relação de consumo.
Para o entendimento completo do tema se faz mister deixar claro a definição de comércio eletrônico, que é definido como: “[...] modalidade de compra à distância, consiste na aquisição de bens e/ou serviços, através de equipamentos eletrônicos de tratamento e armazenamento de dados, nos quais, são transmitidas e recebidas informações.”
De posse desta informação, devemos identificar os sujeitos do comércio eletrônico, quais sejam, consumidor e fornecedor.
- DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR
A definição de consumidor e fornecedor vem definida no Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 2º e 3º para assim tomarmos o conhecimento necessário na caracterização dos devidos papeis na relação de consumo. Dessa forma, temos como consumidor:
Art. 2º: “ Toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”
Destinatário final é “[...] pessoa, física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços em benefício próprio [...]’’, ou seja, sem interesse de repassar este produto ou serviço a terceiros, encerrando a cadeia produtiva.
Já o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor reza sobre o Fornecedor como :
(CDC/art. 3º): Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.
Por sua vez, entende-se que o que caracteriza o fornecedor, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, é o fato de desenvolver atividades tipicamente profissionais, como comercialização, produção, importação, devendo existir habitualidade.
- ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Para definir estabelecimento virtual, devemos ter por base o que vem a ser um estabelecimento empresarial que é definido como sendo “ [...] o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exportação da atividade econômica.” Sendo que referido conceito abrange os bens materiais e imateriais.
Já o estabelecimento virtual é “[...] uma nova espécie de estabelecimento, fisicamente inacessível: o consumidor ou adquirente deve manifestar a aceitação por meio de transmissão eletrônica de dados.”
Assim, o estabelecimento virtual difere do estabelecimento físico, tradicional, em razão do acesso.
- DIREITO DE ARREPENDIMENTO
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90, muito bem versou sobre o direito de arrependimento em seu artigo 49, dando a devida proteção ao consumidor para o caso deste se arrepender do contrato celebrado fora do estabelecimento comercial do fornecedor e também estabelecendo um prazo para ele exercer este direito, sob pena de prejudicar o fornecedor, senão vejamos:
(CDC/Art. 49) - O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicilio.
Parágrafo único: “Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizado’’.
Extraí-se deste artigo que esta norma foi criada especificamente para dar uma maior proteção aos consumidores que adquirem produtos e serviços fora do estabelecimento comercial do fornecedor, ou seja, seu alcance é mais restrito, pois parte do pressuposto que o consumidor de alguma forma sofre "pressões" por parte do vendedor para adquirir produtos ou serviços, e neste caso, que não é raro, o encontra desprevenido e despreparado para comprar, do que se estivesse decidido pela compra e tomasse a iniciativa de fazê-la indo até o estabelecimento comercial do fornecedor. Além disto, é a garantia para o consumidor que as relações sejam bem-sucedidas, protegendo os consumidores de compras por impulso, ou efetuadas sob forte apelo publicitário e protegendo a própria declaração de vontade do consumidor, dando a oportunidade da mesma ser decidida e refletida com um pouco mais de cautela.
O exercício do direito de arrependimento é irrestrito e incondicionado, pois independe da existência de qualquer motivo que o justifique, ou seja, no íntimo o consumidor pode até ter suas razões para desistir, mas elas não precisam ficar evidenciadas nem tampouco explicitadas. Aliás o Código de Defesa do Consumidor é de ordem pública e, portanto, irrenunciável, sendo considerada não escrita a cláusula contratual que o consumidor abre mão do seu direito de arrepender-se.
O consumidor, até por questão de precaução, tem que se cercar de alguns cuidados necessários para a manutenção dos seus direitos e garantias previstos no Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, adotando certas medidas antes de comprar um produto ou de contratar um serviço fora do estabelecimento comercial, pois desta forma, ele fica resguardado juridicamente para exercer tanto a direito de arrependimento, como o direito à garantia do produto ou serviço e demais direitos cabíveis a cada caso. Portanto é conveniente que sempre que possível o consumidor exija no ato da contratação o nome, endereço e telefone do vendedor ou da empresa para a qual trabalha, o CGC da empresa, a descrição dos bens ou dos serviços contratados, incluindo o preço e a discriminação das obrigações contratuais das partes.
O fornecedor não deve se negar a prestar estas informações requeridas pelos consumidores, até porque no sistema do CDC há o dever geral de informação, inclusive a embalagem do produto deve informar a sua origem, é o que versa o art. 33 do CDC, in verbis:
Art. 33. "Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial".
Caso este dispositivo não seja respeitado, haverá uma falha de informação do produto ou serviço, surgindo aí para o consumidor o direito de se valer além do direito de arrependimento, o direito de responsabilizar o fornecedor pelo vício do produto ou serviço, conforme os arts. 18, 19 e 20 do CDC. São consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Também se têm como vício as disparidades havidas em relação às indicações constantes no rótulo, embalagem, recipiente, oferta ou mensagem publicitária.
- EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO
Com relação ao prazo de arrependimento, é de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, ou seja, o consumidor tem 7 (sete) dias para se manifestar acerca do seu direito de arrependimento contados alternativamente e a sua escolha da data ou da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou da realização do serviço. Isto porque na maioria dos casos, o consumidor apesar de contratar em uma data qualquer, não recebe e nem tem disponível o produto ou serviço, ou seja, apesar de ter contratado em um determinado momento, só receberá posteriormente o que contratou, neste caso, o prazo para o consumidor contará a partir do recebimento, atentando para o fato de que se conta o primeiro dia como a subseqüente ao do recebimento, até porque se interpreta a legislação de forma mais favorável ao consumidor, que é vulnerável. Exemplo : no dia 10 de janeiro de 2015 comprei um produto qualquer, o recebi dia 31 de janeiro de 2015, teria neste caso, até o dia 07 de fevereiro de 2015 para manifestar minha desistência.
Vale salientar que o prazo de sete dias é para manifestação objetiva da desistência, pode ocorrer que o fornecedor tome ciência do fato só depois dos sete dias, porém se a manifestação ocorreu dentro do prazo do arrependimento, o consumidor será beneficiado, porque pode ocorrer o seguinte: usando o exemplo anterior, o prazo terminaria no dia 07 de fevereiro, no dia 07 mando uma correspondência com aviso de recebimento pelo correio, no mínimo o fornecedor irá receber esta carta no dia 09 de fevereiro, porém mesmo assim o consumidor será beneficiado com seu direito, pois de forma diferente, dependendo dos recursos disponíveis na cidade ou região, o consumidor não poderia exercer seu direito em tempo hábil.
As eventuais despesas de envio, frete ou quaisquer outros encargos suportados pelos fornecedores, não precisam ser ressarcidos pelo consumidor, isto porque estas despesas fazem parte do risco do negócio oferecido, de sorte que estes não têm do que reclamar se a relação jurídica foi desfeita pelo direito de arrependimento do consumidor,Porém em caso de dolo ou culpa grave tal ônus será arcado pelo consumidor.
A cláusula contratual que lhe tire o direito ao reembolso das quantias pagas é abusiva e, portanto nula de pleno direito, de acordo com a própria prescrição do CDC em seu art. 51, II, in verbis:
Art. 51. "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que":
...
II. "Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código".
...
Portanto, o fornecedor não se exime, mesmo que esteja previsto contratualmente, de reembolsar as quantias pagas pelo consumidor, devidamente acrescidas de correção monetária.
Outrossim, é importante o exercício de tal direito observe a boa-fé objetiva por ambas as partes, que “consiste em um dever de agir de acordo com padrões socialmente recomendados de eticidade, correção, lisura, transparência e honestidade.”
O consumidor que queira exercer o direito de arrependimento deve manifestar a sua intenção ao fornecedor, por meio inequívoco, dentro dos sete dias a contar do recebimento do produto ou serviço, não é necessária justificativa por parte do consumidor.
Este direito só é possível quando o contrato for realizado fora do estabelecimento comercial, deverá o consumidor devolver o produto ou serviço em perfeitas condições para não causar prejuízo ao fornecedor que deverá aceitar sem embaraços. Desse modo, o consumidor tem direito ao ressarcimento das quantias pagas, corrigidas monetariamente, porém em caso de dolo ou culpa grave tal ônus será arcado pelo consumidor.
- CONCLUSÃO
Os legisladores que elaboraram o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90, foram muito felizes neste projeto, pois temos o melhor e mais avançado, no âmbito geral, Código Consumerista do mundo, protegendo e elevando desta forma o consumidor para lhe equiparar aos fornecedores, tratando assim os "iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade".
Na realidade, este artigo 49 do CDC não dá a segurança à relação, pois esta pode ser rescindida pelo consumidor arrependido, dentro do prazo legal, sem que o mesmo tenha que pagar pelo preço do produto e do serviço, partindo do pressuposto que o mesmo não estava totalmente decidido e preparado para a contratação, e ao mesmo tempo dá margem ao desenvolvimento das empresas que utilizam comercializações fora do estabelecimento, tendo em vista que o prazo de sete dias para o arrependimento é curto e que o suporte deste ônus pelo fornecedor já está embutido no preço do produto, já que está englobado no risco da atividade dos fornecedores.
O direito de arrependimento, previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, é aplicável aos contratos de consumo celebrados por meio da internet, no chamado comércio eletrônico, muito embora referido diploma não mencione referida hipótese, pois a lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor data de 1990 e a disponibilização da internet ao público em geral data de 1993, no entanto não há prejuízos, pois, tratando-se de relação de consumo e estando presentes os requisitos, bem como quando o negócio se realizar fora do “estabelecimento comercial”, é perfeitamente aplicável o diploma consumerista.
Importante ressaltar que devem ser observados os princípios tanto jurídicos como morais que regem as contratações, principalmente os da boa-fé e o da lealdade nas relações contratuais, para que se evite prejuízos e problemas para ambas as partes e, caso existam, tenham uma menor proporção e dimensão.
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