A cada eleição, as ações judiciais promovidas por candidatos, partidos e coligações impugnando a legitimidade de candidaturas e conformidade do pleito crescem em multiplicação constante[1] no fenômeno conhecido por judicialização do processo eleitoral.
Como tal, as eleições acabam constituídas de um sem-número de registros de candidaturas sub judice mantidas por conta e risco dos candidatos[2] potencialmente inelegíveis utilizando os meandros do próprio sistema eleitoral, afetando a vontade soberana dos eleitores sufragada nas urnas, que, por vezes, deixam em segundo plano as melhores propostas e projetos de campanha para escolha[3] daquele que acaba parecendo-lhe juridicamente viável, a fim de não ter, ao menos, seu voto perdido por invalidade em arrastamento.
Some-se nesse cenário a atuação dos candidatos com menor chance eleitoral de vencer e que passam então, exclusivamente, a contar com o indeferimento ou cassação do registro dos candidatos em vias de ser ou já sufragados pelos eleitores no certame. Dessa forma, através de decisão da Justiça Eleitoral, pretendem assumir mandatos eletivos majoritários sem os votos que seriam necessários para tanto, isto é, sem a devida legitimidade para o exercício do cargo de mandatário popular.
A falha na ordem jurídica vinha clara, evidente e buscando saná-la, o legislador promoveu duas importantes alterações nas últimas reformas (Lei n° 12.891/2013 e 13.165/2015), quais sejam, proibiu a substituição de candidaturas por desistência voluntária a menos de 20 (vinte) dias antes do dia do sufrágio e determinou a realização de novas eleições sempre que o candidato eleito venha a ser destituído por força judicial baseada em irregularidade no certame ou no seu próprio registro.
Eis a novel proibição quanto a substituição regulada pela Lei nº 9.504/97 (Lei Geral da Eleições):
Art. 13. É facultado ao partido ou coligação substituir candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado.
§ 1º A escolha do substituto far-se-á na forma estabelecida no estatuto do partido a que pertencer o substituído e o registro deverá ser requerido até 10 (dez) dias contados do fato ou da notificação do partido da decisão judicial que deu origem à substituição.
§ 2º Nas eleições majoritárias, se o candidato for de coligação, a substituição deverá fazer-se por decisão da maioria absoluta dos órgãos executivos de direção dos partidos coligados, podendo o substituto ser filiado a qualquer partido dela integrante, desde que o partido ao qual pertencia o substituído renuncie ao direito de preferência.
§ 3º Tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato, quando a substituição poderá ser efetivada após esse prazo. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013) – grifado.
Ao vedar a troca com menos de 20 (vinte) dias antes da eleição, o legislador expurga a prática horrenda dos candidatos sabidamente inelegíveis, que requeriam registro de candidatura e levavam o pedido sub judice durante o período eleitoral, mesmo depois de sucessivos indeferimentos para, ao final, geralmente na véspera da eleição, quando já lacradas as urnas e fixados definitivamente os dados dos candidatos como fotografia, nome e número, procederem a troca por outrem da sua conveniência. A violação ao direito do eleitor à informação era flagrante, que acabava sem nem saber em quem estava verdadeiramente votando, suas propostas, ideais e vida pregressa, ante a ausência de tempo hábil para a divulgação e publicidade da súbita substituição, em nítido e reprovável abuso de direito que, a partir de agora, resta vedado por lei nesses termos.
Em complemento, restou afastada ex lege a possibilidade do segundo colocado de levar a cabo o expediente comum praticado de, após derrotado nas urnas, ir aos tribunais promovendo ações de investigação judiciais, impugnações, recursos contra expedição de diploma, dentre outras medidas, até conseguir, por via de uma decisão jurisdicional, destituir o vencedor do cargo eletivo e assumir o mandato. Leia-se da alteração promovida no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65):
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.
§ 2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Ministério Público promoverá, imediatamente a punição dos culpados.
§ 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. (Incluíldo pela Lei n° 13.165, de 2015) – grifado.
§ 4º A eleição a que se refere o § 3° correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: (Incluíldo pela Lei n° 13.165, de 2015)
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; (Incluíldo pela Lei n° 13.165, de 2015)
II - direta, nos demais casos.
O sistema, de fato, teria avançado bastante, expurgando estratégias antidemocráticas tanto daqueles que se candidatavam com problemas na sua capacidade eleitoral passiva para depois, às vésperas do pleito, substituir suas candidaturas por terceiros sob seu comando que concorreriam com seu nome, número e fotografia, quanto dos concorrentes que buscavam e contavam com o afastamento do vencedor nas urnas para assumir o mandato, mesmo sem ter obtido a votação necessária para tanto.
Não obstante, ao contemplar o indeferimento do registro de candidatura como causa para novas eleições independentemente do resultado eleitoral, nos termos dispostos e acima transcritos do art. 224, §3° do Código Eleitoral, ambas salutares medidas legislativas em espeque acabaram tendo eficácia prática bastante prejudicada. Isso porque os candidatos de elegibilidade no mínimo duvidosa vão preferir tentar registrar suas candidaturas a todo modo, recorrendo nas diversas instâncias, abarrotando os tribunais com recursos, com a segurança de que ao ganharem às eleições, mesmo sem registro, inviabilizarão para qualquer outro concorrente a assunção definitiva do cargo, provocando sempre novas eleições suplementares.
A norma legal não deixa dúvida: independentemente da quantidade de votos anulados ou daqueles obtidos pelo segundo colocado, este não assumirá o cargo eletivo em disputa, promovendo-se novas eleições em toda hipótese da “Justiça Eleitoral indeferir o registro, cassar o diploma ou a decretar a perda do mandato do candidato em pleito majoritário” mais votado, “independentemente do número de votos anulados”, ou seja, mesmo que a anulação não alcance a maioria absoluta da votação válida.
Por oportuno, frise-se que os votos mencionados como “anulados” não devem ser compreendidos como aqueles decorrentes da manifestação volitiva do eleitor nas urnas em votar nulo ou branco ou, ainda, que acaba digitando equivocadamente o número de candidato, mas aquela votação regularmente dada à candidatura, esta sim portadora de vícios definidos pelo legislador e reconhecidos por decisão judicial anulatória[4], v. g., decorrentes da falta de condição de elegibilidade do candidato, prática de abuso de poder, conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, dentre outros.
Revolvendo-se à análise, em resultado casuístico dos atuais termos normativos da matéria, ter-se-á novos governos municipais em 2017 sob gestão temporária e precária de presidentes de Câmara de Vereadores, não eleitos para tanto, com a realização ainda de inúmeras eleições suplementares no curso do mandato. Enfim, um verdadeiro caos político-institucional na já sofrida realidade dos Municípios brasileiros.
Não será dessa vez, portanto, que finalmente se alcançará uma sistemática eleitoral com menos imperfeições, mais segurança jurídica e melhor tutela da vontade soberana do eleitor, mesmo após tantas reformas legislativas, lamentando-se assim a conclusão de que, para os detentores do direito de ser votado (jus honorum) sabidamente prejudicado, no registro de candidatura para cargo majoritário nas eleições de 2016 será tudo ou tudo, sem maiores perdas individuais[5], senão ao já combalido regime democrático nacional.
REFERÊNCIAS
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BARROS, Francisco Dirceu. Direito Eleitoral. 5ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007.
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Padua. Direito Eleitoral Brasileiro: doutrina, jurisprudência e legislação. 3ª ed.. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004.
______; CERQUEIRA, Camila Albuquerque.Direito Eleitoral Esquematizado. 5ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.
______; ______. Reformas Eleitorais Comentadas. 1ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed..Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006.
FERREIA, Pinto. Código Eleitoral Comentado. 4ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 1997.
FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos, 1ª. ed.. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004
GOMES, José Cairo. Direito Eleitoral. 12ª ed.. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2016.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed.. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Marties; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
MENDONÇA JR., Delosmar. Manual de Direito Eleitoral. 1ª ed.. Salvador: Editora Juspodivm, 2006.
RAMAYANA, Marcos. Código Eleitoral Comentado. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Roma Victor, 2006.
______. Direito Eleitoral. 14ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2015.
NOTAS
[1] Segundo dados do TSE (www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse), enquanto nas eleições de 2008 foram julgadas 3.348 impugnações de registros de candidatura, em 2012 este número subiu 240% (duzentos e quarenta por cento) para 8.054 questionamentos.
[2] Pelo disposto na Lei n° 9.504/97, o candidato com registro sob recurso pode praticar todos os atos de campanha, com dados inclusive em urna de votação, ficando seus votos engavetados, isto é, temporariamente considerados zerados enquanto sobrevenha decisão definitiva do seu registro. Leia-se: “Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato”.
[3] Nos sistemas de votação, tem-se como recorrente a figura do voto útil ou tático em eleições com mais de dois candidatos quando o eleitor acredita que o seu candidato não tem chances de ganhar, passando a optar por votar em outro que não prefere com o objetivo de impedir a vitória daquele que mais rejeita. A análise desse raciocínio dos eleitores é firmada na obra “Teoria da Tomada de Decisão”, em que o matemático americano John Von Neumann formulou a “regra minimax”, segundo a qual, em qualquer situação, a melhor estratégia é minimizar a perda máxima.
[4] Nesse sentido é a posição do TSE, como exemplificado nesta ementa: “Nulidade de votação. Art. 224 do Código Eleitoral. Para os efeitos do que prevê o art. 224 do Código Eleitoral, não se consideram como nulos os votos em branco”. (Ac. nº 7.543, de 3.5.83, rel. Min. Souza Andrade).
[5] Com a redação dada pela Lei n° 13.165/2015 ao art. 224, §4° do Código Eleitoral a tese que vinha tendo aceitação crescente nos tribunais de responsabilizar com o custeio das novas eleições suplementares por aquele que lhe deu causa restou expressamente afastada pelo legislador, limitando como eventual e única sanção pessoal a proibição firmada na jurisprudência da sua participação no novo pleito enquanto seu causador por anulação da votação majoritária (nessa senda, vide TSE: Consulta n° 1733, Res. n° 23.256, de 27.04.2010, rel. Min. Arnaldo Versiani)